A seguridade social como instrumento de democratização e de isonomia entre cidadãos
Social security as an instrument of democratization and isonomy among citizens
DOI: 10.19135/revista.consinter.00019.28
Recebido/Received 08/08/2023 – Aprovado/Approved 21/03/2024
Zeno Simm[1] – https://orcid.org/0000-0001-6173-5383
Resumo
O objetivo deste artigo é estudar a relação da seguridade social com a democracia, com os direitos fundamentais sociais e com os princípios jurídicos da igualdade, da proporcionalidade e da solidariedade, buscando estabelecer como a seguridade social pode ser um agente decisivo no estabelecimento da isonomia entre os cidadãos. A questão suscitada é estabelecer-se se no Brasil essa atuação tem sido eficaz ou se ainda gera desigualdade de tratamento entre seus destinatários. Para tanto, foi feita uma revisão bibliográfica da noção de democracia, dos direitos fundamentais e dos princípios aplicáveis à espécie, em confronto com os objetivos da seguridade social e com a legislação que rege a matéria. Ao final, foi possível concluir que no Brasil a seguridade social já alcançou um razoável patamar de tratamento isonômico aos seus beneficiários, mas que ainda há algumas situações de desigualdade de trato na lei que devem ser superadas.
Abstract
The objective of this article is to study the relationship of social security with democracy, fundamental social rights and the legal principles of equality, proportionality and solidarity, seeking to establish how social security can be a decisive agent in establishing isonomy among citizens. The question raised is to establish whether in Brazil this action has been effective or if it still generates unequal treatment among its recipients. For this purpose, a bibliographic review of the notion of democracy, fundamental rights and principles applicable to the species was undertaken, in comparison with the objectives of social security and with the legislation that governs the matter. In the end, it was possible to conclude that in Brazil social security has already reached a reasonable level of isonomic treatment for its beneficiaries, but that there are still some situations of unequal treatment in the law.
Palavras-chave: Democracia; Direitos fundamentais sociais; Igualdade entre pessoas; Proporcionalidade; Solidariedade social; Seguridade Social.
Keywords: Democracy; Social fundamental rights; Equality among people; Proportionality; Social solidarity; Social security.
Sumário: 1. Introdução; 2. Democracia; 3. Direitos fundamentais; 4. Igualdade, proporcionalidade e solidariedade; 5. Democracia, isonomia e seguridade social; 5.1. Universalização, igualdade e desigualdade no sistema brasileiro; 6. Considerações finais; 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Com esta pesquisa buscou-se avaliar se e como a seguridade social pode ser um instrumento adequado para, em um Estado Democrático de Direito, contribuir decisivamente para a instalação de isonomia e de equilíbrio e estabilidade social entre os cidadãos, sob o enfoque do referencial teórico aristotélico de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais e por meio de uma revisão bibliográfica e legislativa.
Para tanto, foi feita uma sucinta análise do significado e alcance da expressão democracia como sistema político, tema que é objeto de estudos desde Platão, passando por Montesquieu, Rousseau e Joseph Schumpeter, para alcançar doutrinadores mais recentes como Norberto Bobbio, Robert Dahl e Giovanni Sartori. É denominação que tem servido de dístico para variados e distintos modelos de Estado e de governo e que hoje apresenta diversas facetas e classificações nem sempre unânimes.
Tratou-se também do reconhecimento ao ser humano de direitos fundamentais inerentes à sua pessoa, os quais vêm se consolidando em contínua progressão acumulativa, com ênfase aos chamados direitos sociais porque mais intimamente ligados às prestações da seguridade social destinadas a garantir a todos a satisfação das suas necessidades básicas e indispensáveis ao gozo de uma existência digna.
O exame do princípio da igualdade de todos na lei, tanto na criação da norma quanto na sua aplicação, mostrou-se necessário para desvendar o seu significado e para identificar os casos em que as circunstâncias permitem – e até exigem – um tratamento legal diferenciado mas sem que isso caracterize um regime arbitrariamente privilegiador ou discriminatório e sempre com critérios de proporcionalidade e razoabilidade, com vistas à solidariedade social e à dignidade da pessoa humana dentro de uma igualdade material e não meramente formal.
Tratou-se, por fim, da seguridade social como fator de estabilidade social e de solidariedade ao proporcionar aos indivíduos a satisfação das suas mais elementares carências nos planos da saúde, da previdência e da assistência social, indispensáveis a uma vida plena de dignitas personæ. Destacou-se a relevância do tratamento igualitário, respeitadas as diferenças pontuais, objetivando o atingimento dos objetivos constitucionais, com especial menção à universalidade da cobertura e do atendimento, à uniformidade de tratamento às distintas espécies de segurados e à seletividade dos benefícios ofertados e concedidos com critério de justiça distributiva e de forma equitativa.
Ao final, foi possível concluir que o sistema de seguridade social brasileiro foi gradativamente se aproximando de um formato uniforme, os vários sistemas criados ao longo do tempo foram se aglutinando em um regime geral que pretende ser único e igual para todos, mas que esse desiderato ainda não foi alcançado em razão de algumas injustificadas desigualdades de tratamento que ainda persistem e que impedem a plena democracia econômica e social e a desejada isonomia social entre os cidadãos.
2 DEMOCRACIA
Tradicionalmente diz-se que democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo, conforme proclamou Abraham Lincoln, evidenciando-se os três aspectos básicos e essenciais do tema: governo do povo, porque este é quem deve governar; pelo povo, no sentido de identificar como ele exercerá esse poder; e para o povo porque este é o destinatário do governo democrático. Tais aspectos estão consagrados no parágrafo único do art. 1º. da Constituição da República brasileira, segundo o qual todo o poder emana do povo e será por ele exercido, diretamente ou por meio de seus representantes, e para cumprir os objetivos consagrados no art. 3º. da mesma Constituição, que, assim, propõe uma feição democrática para o governo brasileiro.
Essa noção cunhada por Lincoln, embora sintetize a essência do que seja democracia, talvez não mais reflita adequadamente o que se deva entender, na atualidade, por essa forma de governo, até porque ela vem apresentando nuances e até graduações ao longo do tempo, desde a Antiguidade grega até as mais recentes teorias políticas ou sociopolíticas, passando pelos diversos modelos de Estado identificados ao longo da História, o que inclusive dificulta a formação de um conceito de democracia.
A doutrina[2] costuma apontar os primórdios dessa forma de autogoverno na Atenas de Péricles, porque democracia viria das palavras gregas demos (povo, multidão, grande número de pessoas) e kracia ou kratos (governante, poderoso, autoridade), caracterizando uma forma de governar diferente da monarquia porque permitia a participação popular na tomada das principais decisões de interesse da população ateniense. Mas, como disse Giovanni Sartori, “se definir a democracia é explicar o que significa o vocábulo, o problema se resolve rápido; basta saber um pouco de grego”, porque a palavra “significa, literalmente, poder (kratos) do povo (demos), advertindo, porém, que assim só estaria explicado o nome e resolvido apenas o problema etimológico, pois definir democracia é uma questão muito mais complexa[3].
A concepção de democracia tem variado – e continua variando – no tempo e no espaço conforme mudam também as novas circunstâncias e necessidades da população por inúmeros e diversificados fatores, como, por exemplo, o modelo de Estado adotado, o grau de desenvolvimento socioeconômico e cultural de cada país, a maior ou menor estabilidade das suas instituições, a mais ampla ou mais reduzida participação popular no processo decisório, a maior ou menor conformação da realidade ao modelo formal e ideal, tudo isso gerando modelos e graus diferentes de democracia entre os diversos países em razão de suas próprias e distintas características e experiências, gerando tantas variações que levou Robert Dahl a dar-lhes o nome de poliarquia.
Para Neila Ferraz Moreira Nunes, Dahl trabalha não apenas a teoria, mas a real aplicação do ideal democrático, observando “um mundo político concreto, habitado por cidadãos modernos e figuras reais”, libertando-se das “interpretações românticas e idealizadas, tão comuns aos pensadores e políticos do Século XIX”[4]. Mais recentemente tornaram-se também comuns expressões como democracia política, democracia econômica[5], democracia social[6], democracia ocidental e democracia comunista, democracia liberal, democracia constitucional[7] e tantas outras, que já se usa o vocábulo no plural: democracias.
Se efetivamente se pode falar em vários tipos de democracia, como se extrai da literatura, para o presente estudo interessam em especial os modelos denominados “econômico” e “social”, por se fixarem mais nos aspectos de igualdade econômica e justa distribuição das riquezas e na busca de uma isonomia social entre os cidadãos, o que tem estreita ligação com o regime de seguridade social. O modelo econômico se preocupa com a igualdade econômica entre os cidadãos, objetivando a eliminação ou redução das desigualdades entre ricos e pobres, buscando uma redistribuição de rendas com vistas ao bem-estar coletivo. Já a ideia de democracia social teria surgido com Tocqueville quando esteve nos Estados Unidos e conheceu o sistema lá vigente, com fortes características de igualdade de status social, ou seja, de direitos, de condições e de oportunidades entre os cidadãos.[8] E são exatamente estas características de igualdade econômica, com uma justa redistribuição da renda entre os cidadãos e uma isonomia no gozo dos direitos sociais, que devem nortear a seguridade social brasileira, em especial no seu ramo previdenciário.
Marcus Boeira traçou um histórico das mais recentes fases da democracia no mundo, referindo-se ao “progressivo sucesso desse regime político como o mais adequado para o convívio próspero e fraterno das sociedades de um modo geral.” Cita quatro períodos, dizendo que o primeiro vai de 1918 a 1939 e o segundo de 1945 a 1972, em que (salvo os períodos de guerra) ocorreu o crescimento intenso da democracia liberal, com a reintrodução da democracia na história humana, sua consolidação e revitalização diante de uma etapa de prosperidade econômica. A terceira fase correspondeu ao período compreendido entre os anos de 1974 e 1991, com um crescimento acelerado e contínuo da democracia e da economia de mercado em escala mundial. A quarta e última fase teve início em 1989 e vem se solidificando permanentemente até a atualidade. Foi a época da queda do muro de Berlim e da perestroika e da glasnost na antiga União Soviética”[9].
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS
Se democracia já não é fácil de ser conceituada, o mesmo ocorre com os chamados direitos fundamentais, direitos humanos, direitos do homem, direitos morais e outras expressões assemelhadas, havendo opiniões no sentido de que uns e outros são a mesma coisa, mas Gomes Canotilho aponta uma diferença: por direitos do homem entendem-se aqueles válidos para todos os povos e em todos os tempos, enquanto direitos fundamentais seriam os direitos do homem garantidos jurídico-institucionalmente e limitados no tempo e no espaço[10], sendo semelhante o pensamento Ingo Sarlet[11].
Luigi Ferrajoli define que “são ‘direitos fundamentais’ todos aqueles direitos subjetivos que correspondem universalmente a ‘todos’ os seres humanos enquanto dotados do status de pessoas, de cidadãos ou pessoas com capacidade de agir”[12].
Em sua clássica obra, Pérez Luño atribui aos direitos fundamentais dois significados ou dimensões: um, axiológico-objetivo, e outro subjetivo, neste sentido qualificando como direitos fundamentais aqueles que determinam o estatuto jurídico dos cidadãos nas suas relações com o Estado e entre si, e tendem a “tutelar a liberdade, a autonomia e a segurança da pessoa não só frente ao poder, como também frente aos demais membros do corpo social”[13]. Dessa conceituação pode-se extrair a dupla eficácia dos direitos fundamentais, a vertical (nas relações do cidadão com o Estado) e a horizontal (nas relações interprivadas).
É comum na doutrina fazer-se uma classificação dos direitos fundamentais segundo seu surgimento e desenvolvimento, ou conforme as chamadas “gerações” ou “dimensões”. Tal classificação vem desde Thomas Humphrey Marshall (direitos civis, políticos e sociais), passa por Norberto Bobbio e suas gerações (direitos civis, políticos, econômicos e sociais e de solidariedade) e chega a Ingo Sarlet com suas dimensões (direitos negativos ou de abstenção estatal, direitos prestacionais, direitos econômicos, sociais e culturais e direitos de solidariedade e fraternidade[14], enquanto para Cançado Trindade “o fenômeno que hoje testemunhamos não é o de uma sucessão, mas antes de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos”[15].
Dentre as várias classificações dos direitos fundamentais, há uma adotada por parte da doutrina que compreende os econômicos, sociais e culturais, tendo como base o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (pidesc), adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 12-12-1966 e que estatui exatamente esses direitos ditos de ordem econômica, social e cultural. A expressão pode até parecer ambígua, na medida que, a rigor, todo o Direito é social, isto é, voltado à sociedade, mas, como ensina Juan Ramón Capella, “o qualificativo de sociais se aplica a certos direitos por uma razão de história cultural: com seu reconhecimento se pretendeu adiar ou dar por resolvida – e neutralizar em qualquer caso – a ‘questão social’”[16].
Sem embargo – e até por sua relevância –, os assim denominados direitos sociais[17] têm sido objeto de especial, particular e extensa produção doutrinária, destacando-se o magistério de Antonio Baldassarre que, ao tratar dos direitos sociais como expressão da superação do Estado Liberal rumo à democracia e ao Estado Social, afirma:
Não há dúvida de que, ao contrário dos direitos de liberdade civil clássicos, (...) os ‘direitos sociais’ têm sua justificação teórica no conceito de liberação de determinadas formas de privação de origem social e, portanto, têm como fim a realização da igualdade ou, mais exatamente, uma síntese entre liberdade e igualdade, em uma palavra, a liberdade igual[18].
Em sentido não muito diferente leciona Gonçalves Correia, que explica os direitos sociais “a partir da noção de hipossuficiência de status”, considerando o princípio da igualdade como “técnica de efetivação dos direitos sociais” e vendo a igualdade como “postulado indissociável da solidariedade”[19]. Ditos direitos carregam o sentido ou finalidade de corrigir distorções do direito privado clássico (próprio do Estado Liberal), geralmente considerando as desigualdades sociais para eliminá-las ou abrandá-las com critérios de equidade ou compensação no modelo de Estado Social. Ou, como quer Gerardo Pisarello, os direitos sociais, em um sentido amplo, “podem ser considerados expectativas ou pretensões de recursos e bens dirigidos a satisfazer necessidades básicas das pessoas” e cuja reivindicação, embora de interesse de todos, interessa “sobretudo aos membros mais vulneráveis da sociedade, cujo acesso a ditos recursos costuma ser residual, e não poucas vezes, inexistente”, caracterizando-se como direitos dos desfavorecidos[20]. Como se diz na Alemanha, são os Teilhabenrechte ou direitos de participação, com base na igualdade substancial e não puramente formal.
Por isso, explica Baldassarre, “os direitos sociais não apenas são compatíveis com a democracia, mas constituem também um componente essencial dos valores fundamentais da mesma”, na qual o sujeito individual não se considera mero portador de uma legalidade própria e originaria, mas, principalmente, se considera “sujeito definido em e pelas próprias relações sociais, quer dizer, como homme situé”[21].
Neste campo, há que se considerar também o princípio da dignidade da pessoa humana, estreitamente ligado aos direitos fundamentais e, em especial, aos de índole social, porque estes objetivam reparar as desigualdades pessoais e atender às carências básicas do ser humano – dada a sua inegável e inafastável centralidade no contexto sociopolítico – e isto passa necessariamente pelo respeito à dignidade do indivíduo como pessoa.
Cleber Francisco Alves ensina que a palavra dignidade tem origem latina (dignitas), significando respeitabilidade, prestígio, consideração, estima, nobreza, excelência, indicando “qualidade daquilo que é digno e merece respeito ou reverência”, mas salienta que o conceito de vida digna certamente não terá acepção unívoca “nas sociedades democráticas e pluralistas contemporâneas, com sua multiplicidade de valores culturais, de visões religiosas de mundo e de posicionamentos morais”[22].
Também Peces-Barba Martínez vê a dignidade humana como valor ou princípio do pensamento jurídico, sendo uma referência também da doutrina moral e política, ou “como o critério fundante dos valores, dos princípios e dos direitos”, por isso sua “abundante presença na doutrina, na legislação e na jurisprudência”, mas adverte que quando se reflexiona sobre isso não se está descrevendo uma realidade, mas sim um dever ser em que a dignidade humana “é um referente inicial, um ponto de partida e também um horizonte final, um ponto de chegada”[23].
A dignidade, algumas vezes entendida também como amor-próprio, honra ou respeitabilidade, é um daqueles valores cujo significado é mais sentido ou experimentado que propriamente conceituado, inclusive pela circunstância de se tratar de uma percepção mais ou menos natural das pessoas, inerente mesmo ao ser humano e muitas vezes ligada a padrões de ordem moral ou religiosa[24]. Na Grécia antiga Protágoras dizia que "o homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são"[25]. Razão, pois, tem Rizzatto Nunes ao afirmar que a dignidade nasce com o indivíduo, é-lhe inata e inerente à sua pessoa: “o ser humano é digno porque é”[26].
4 IGUALDADE, PROPORCIONALIDADE E SOLIDARIEDADE
Junto com a liberdade (importante alicerce da democracia), a igualdade é um dos direitos clássicos da modernidade, como já disseram Rousseau e Baldassarre, embora ainda se pudesse acrescentar a fraternidade ou solidariedade. Também o gozo dos direitos fundamentais, inclusive e em especial os denominados direitos sociais, voltados para a conformação de uma cidadania social (mais além da política ou civil), pressupõe o respeito à dignidade da pessoa humana e a igualdade de tratamento entre os indivíduos. A dificuldade está, muitas vezes, em conceituar ou identificar o que são igualdade, desigualdade, diferenças e discriminações (positivas ou negativas) e suas eventuais classificações. Para este estudo, cabe analisar as ideias de igualdade e desigualdade de tratamento por parte do Direito, ainda que muitas vezes o trato desigual estabelecido pela lei decorra das diferenças de fato que formam a identidade de cada indivíduo – ou, como quer Ferrajoli, tem-se a igualdade como norma e a diferença como fato[27].
A questão não é nova e há inúmeros estudos acerca das desigualdades entre os seres humanos e doutrinas que buscam explicá-las, como fez, por exemplo, Rousseau, que concebia dois tipos de desigualdade na espécie humana: a natural ou física e a moral ou política. Para ele, a primeira “é estabelecida pela natureza e consiste nas diferenças das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma” e a segunda “depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens” e consistente “nos diferentes privilégios de que gozam alguns, em prejuízo de outros, como o de serem mais ricos, honrados, mais poderosos que os outros ou mesmo por se fazerem obedecer por eles”[28]. Parece que não mudou muito desde 1755 até hoje.
Diante da diversidade das características individuais e da existência de classes sociais claramente definidas, como tratar da igualdade entre iguais e desiguais? Como efetivar e respeitar, na elaboração e na aplicação das leis, o princípio da igualdade de todos perante o Direito, consagrado nas modernas Constituições democráticas e em documentos internacionais?
Segundo Bandeira de Mello, “para desate do problema é insuficiente recorrer-se à conhecida afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”[29]. Dizia Aristóteles:
Pensa-se, por exemplo, que justiça é igualdade – e de fato é, embora não o seja para todos, mas somente para aqueles que são iguais entre si; também se pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato pode, embora não para todos, mas somente para aqueles que são desiguais entre si; (...)[30].
Ou, como asseverava Rui Barbosa,
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. (...) Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real[31].
São conhecidas as várias classificações ou nomenclaturas que a doutrina arrola quando trata da igualdade, às vezes até com o mesmo sentido. Fala-se em igualdade formal, igualdade material, igualdade em direitos, igualdade real, igualdade substancial, igualdade na lei, igualdade perante a lei, igualdade de oportunidades e outras expressões assemelhadas. José García Añon lembra que o conceito de igualdade foi construído e explicado historicamente a partir dessas diversas versões ou expressões, arrolando três tipos: a igualdade perante a lei ou igualdade formal, a igualdade material ou substancial e a igualdade na lei ou em direitos, observando que “se trata de perspectivas diferentes e de distintos tipos de instrumentos”, mas que, não obstante, “o objeto e o fim são os mesmos: a clarificação do valor normativo da igualdade”. Mais além, diz que a igualdade material também se define a partir de uma dupla dimensão: igualdade de oportunidades, que é a igualdade nos pontos de partida, e igualdade de resultados, que é a igualdade como ponto de chegada[32].
Interessante também a observação de Kelsen quando distingue entre igualdade na própria lei (como limitadora desta na sua elaboração, ou “a igualdade a que o legislador está obrigado a dispensar a todos, ao editar a lei”) e igualdade perante a lei (na sua aplicação ou “a igualdade a que os aplicadores da lei estão adstritos, ao fazê-la cumprir”)[33]/[34]. No mesmo sentido é a posição de Canotilho: igualdade quanto à criação do direito, vinculando o legislador “à criação de um direito igual para todos os cidadãos”, ou seja, igualdade de tratamento normativo e na mesma dignidade pessoal; e igualdade na aplicação do direito, constitucionalmente garantida, exigência a ser cumprida pelos órgãos da administração e pelos tribunais[35].
Daí pode-se concluir, como fez García Añon, que “os direitos sociais se fundamentam na ideia de igualdade substancial como um dos valores ou aspectos da justiça necessários à proteção da dignidade das pessoas” e, diante de amplos princípios e garantias fixados nas atuais Constituições, “os direitos sociais têm o caminho aberto ao seu reconhecimento e garantia já que sua finalidade é fazer possível um dos princípios essenciais do Estado de Direito: o princípio da igualdade”[36].
Esta relação entre direitos sociais e igualdade é também defendida por Luis Prieto Sanchís, para quem os direitos sociais são direitos de igualdade material ou substancial, ou seja, não como direitos a defender-se ante qualquer discriminação normativa, mas, sim, “a gozar de um regime jurídico diferenciado ou desigual em atenção precisamente a uma desigualdade de fato que trata de ser limitada ou superada”[37].
Mas, indaga Bandeira de Mello, quem são os iguais e quem são os desiguais? Ou: “o que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica de desiguais” ou, ainda, “qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos?”[38].
Segundo Prieto Sanchís, inicia-se a distinção por uma comparação entre dois ou mais sujeitos ou objetos que tenham em comum ao menos uma característica relevante, excluindo-se tanto a identidade como a mera semelhança. Excluir a identidade porque parte da diversidade, isto é, “parte de dois sujeitos distintos, mas a respeito dos quais se abstraem as diferenças para destacar sua igualdade em atenção a uma característica comum”, pois a identidade ocorre “quando dois ou mais objetos têm em comum todos os seus elementos ou características (...) e a igualdade pressupõe uma identidade parcial”. A igualdade se distingue também da semelhança porque, embora esta também implique a existência de um traço comum, “não obriga a se abstrair os elementos próprios ou diferenciadores”[39]. Hão que ser respeitadas, pois, as identidades diferentes.
Há também uma íntima relação entre o princípio da igualdade e o da proporcionalidade, ainda que tenham estrutura diversa, como demonstra Suzana de Toledo Barros, que advoga a utilização do princípio da proporcionalidade “para o fim de constatar se as distinções de tratamento, frequentemente necessárias em face do resultado perseguido, são ou não compatíveis com a ideia de igualdade”, porque a proporcionalidade “constitui um parâmetro por excelência e não uma medida em si”[40].
Com efeito, o exame da existência ou não de igualdade ou desigualdade e sua justificativa exige um prévio exame e confronto dos fatos e circunstâncias de cada caso e um juízo de valoração para se concluir pela existência ou não de violação do princípio da igualdade, afronta esta geralmente ligada a uma determinação ou a um comportamento arbitrário, seja do legislador na criação da lei, seja do julgador na sua aplicação ao caso concreto. Por isso, assevera Suzana Barros que o princípio da igualdade no momento de criação do direito não exige que todos devam receber o mesmo tratamento por parte do legislador, mas, sim, que “não está a permitir qualquer diferenciação: toda distinção deve ter uma razão de ordem substancial”,[41] o que importa dizer que deve haver sempre uma justificativa concreta, no mínimo razoável e não arbitrária, a embasar o tratamento diferenciado para tratar desigualmente os desiguais. Isso deve ser observado tanto na criação da norma (igualdade na lei) quanto na sua aplicação (igualdade perante a lei, na acepção kelseniana), considerando-se, como quer Suzana Barros, que “a desigualdade é sempre valorativa e relativa, isto é, refere-se a um juízo de valor sobre certas características”, devendo fazer-se uma “valoração correta, razoável ou justa” para atingir-se a igualdade material[42].
Muitas vezes, o trato desigual estabelecido na lei funda-se nas diferenças de fato que formam a identidade de cada pessoa ou mesmo de um determinado grupo social, o que só se legitima através de uma valoração observando critérios de razoabilidade e proporcionalidade, retomando-se aqui as noções de identidade e semelhança expostas por Prieto Sanchís.
Há que se atentar, porém, para a advertência já feita por Alicia Enriqueta Carmen Ruiz: “A ‘identidade’ é a grande questão em um mundo multicultural e fragmentado, onde abundam as diferenças e as desigualdades, e onde, a cada dia, emergem novas reivindicações de minorias étnicas, nacionais, sociais, de gênero, individuais e coletivas, carregadas de conflitividade”. Essas identidades, diz a autora, se constituem na interseção do social, do político e do cultural, embora não predeterminadas por esses fatores, porém marcadas pela contingência e não pela necessidade[43].
É preciso, pois, muita cautela ao se tratar desigualmente os desiguais, para não se incorrer em excessos que multipliquem as minorias e as tornem mais numerosas que a maioria, criando mais exceções que a regra geral, em injustificados e insensatos tratamentos diferenciados. O que o princípio da igualdade busca é, de forma criteriosa, razoável e proporcional, eliminar ou compensar normativamente as desigualdades fáticas e, no campo específico dos direitos sociais, suprimir as desigualdades sociais e estabelecer, com justiça social e respeito aos direitos humanos, uma igualdade real ou substancial com características de dignidade social.
Cautela é necessária também para evitar-se a diferenciação de tratamento puramente arbitrária, ou desfundamentada e desproporcional. Canotilho lembra que o princípio da igualdade é violado “quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade”[44].
Ao lado da liberdade e da igualdade, também a fraternidade ou solidariedade deve estar presente na criação e na efetivação dos direitos sociais – que são, muitas vezes, direitos de solidariedade –, mas que, todavia, ainda não alcançou a mesma concretude que as outras duas virtudes da tríade francesa. Maurício Beuchot lamenta que o igualitarismo e o liberalismo modernos ainda se ressintam da falta da fraternidade, “a única que poderia contrapor-se ao individualismo engendrado pelo liberalismo e à competitividade engendrada pelo igualitarismo”, acreditando mesmo que “uma postura que promova a introdução da solidariedade ou fraternidade pode atenuar as colisões entre a liberdade e a igualdade”[45].
Desde Cícero e passando por Durkheim, tem-se a ideia de solidariedade como um vínculo moral que une as pessoas de um grupo social, dele sentindo-se parte comum, ou, como explicam Houaiss e Villar, é o “laço ou ligação mútua entre duas ou muitas coisas ou pessoas, dependentes umas das outras” ou ainda uma “mutualidade de interesses e deveres”[46]. Bem andou Fábio Zambitte Ibrahim ao dizer que a expressão solidariedade, “embora amplamente utilizada, sempre careceu de desenvolvimento mais preciso; mais citada do que explicada, é uma incógnita dentro da sociologia e da filosofia, comportando usos diversos”, e o Estado contemporâneo, na busca do bem-estar e da justiça social, deve buscar a “repartição adequada de riscos em ambiente de solidariedade, seja voluntária ou forçada”[47].
5 DEMOCRACIA, ISONOMIA E SEGURIDADE SOCIAL
Dentre os diversos direitos fundamentais, um dos direitos sociais por excelência é o direito da pessoa ao seguro social, como previsto em mais de uma declaração universal dos direitos e garantias do ser humano e nas modernas Constituições. De fato, é fora de dúvida que “os chamados direitos fundamentais sociais assumem um papel de maior relevância dentre os demais”, hegemonia que “decorre da circunstância de que eles se dirigem ao mais íntimo e pessoal do ser humano”, posto que buscam satisfazer as “mais elementares e vitais necessidades da pessoa”[48].
Diz Ruiz Moreno que o serviço público da seguridade social deve ser concedido pelo Estado a seus habitantes, pois é “um direito humano essencial inerente à nossa condição e natureza humanas” em razão de sua própria natureza intrínseca, e que que a seguridade social “é um direito humano e social irrenunciável, inalienável e inextinguível em razão de sua própria natureza intrínseca”, aplicável tanto a homens como a mulheres, a crianças e adultos, a empregados e desempregados, a saudáveis e doentes, para todo individuo como pessoa humana”[49], o que lhe dá esse caráter de universalidade.
Esse direito fundamental da pessoa, todavia, não se restringe ao seguro social propriamente dito (ou previdência social), abrangendo outras prestações básicas à pessoa, de responsabilidade indelegável do Estado, geralmente sob o título mais genérico de seguridade social, como ocorre em muitos países e também no Brasil, cuja Constituição de 1988 (que instaurou um novo pacto social no país) assegura o acesso à seguridade social. Esta, conforme a norma constitucional, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194), sendo financiada, de forma solidária, por toda a sociedade (direta ou indiretamente), por recursos públicos e por diversas contribuições sociais (art. 195). Reza ainda a Constituição que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196); que a previdência social será organizada sob a forma de um regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, e atenderá à cobertura das incapacidades para o trabalho, da proteção à maternidade e ao desemprego, bem como o pensionamento dos dependentes do falecido e benefícios pecuniários ao segurado de baixa renda (art. 201); e que a assistência social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”, vale dizer, à população carente de assistência gratuita em variadas provações da vida (art. 203)[50].
Tal regramento constitucional demonstra, desde logo, que esse sistema de seguridade social visa a atender às necessidades básicas do indivíduo ou, em outras palavras, dar-lhe amparo nas vicissitudes da vida, posto que o ser humano, desde sempre, está sujeito a certos riscos. Estes, embora incidam sobre as pessoas individualmente, caracterizam-se como sendo sociais porque a eles está sujeito todo o grupo social (quando não é ele próprio a causa do agravo) e também porque é o mesmo corpo social que, junto com o indivíduo e o Estado, deve ser solidário na prevenção desses riscos e reparar suas consequências quando se concretizam em sinistro.
A solidariedade é tão relevante que pode ser considerada o principal e fundamental elemento da proteção social, sua base mesmo, e por isso está determinada como obrigatória no citado art. 195 da Constituição do Brasil ao estabelecer a participação compulsória (direta e indiretamente) da sociedade no financiamento da seguridade social, subordinando o “eu” ao “nós”, o individual ao coletivo, sendo de interesse geral que todos se sintam protegidos e amparados nos momentos difíceis.
Além da dignidade, da igualdade e da solidariedade, diz a Constituição brasileira que a organização da seguridade social deverá observar também outros princípios norteadores que são, também, seus objetivos primordiais e específicos e encontram-se arrolados no parágrafo único do art. 194. Dentre tais princípios destacam-se aqui a universalidade da cobertura e do atendimento; a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; e equidade na forma de participação no custeio, todos eles já exaustivamente examinados pela melhor doutrina previdenciária[51].
Resumidamente, diz a doutrina que a universalidade da cobertura significa que a proteção social deve abrigar todos (ao menos os mais básicos e prementes) os riscos e contingências sociais e a universalidade do atendimento quer dizer que todas as pessoas devem estar sob este manto protetor. Uniformidade e equivalência de prestações aos cidadãos urbanos e rurais quer dizer que tanto o homem da cidade quanto o do campo devem receber do sistema tratamento uniforme e em situação de equivalência entre os benefícios e serviços, reconhecendo-se a igualdade entre ambos, ou seja, os mesmos benefícios e em condições equivalentes. Seletividade tem a ideia de serem previamente selecionadas as contingências a serem atendidas em determinado tempo e espaço, atenuando-se a ideia de universalidade da cobertura para operar-se a proteção com critérios de justiça distributiva e segundo as necessidades de cada um. A equidade na forma de participação de cada pessoa no custeio do sistema significa que os envolvidos contribuirão segundo sua condição econômica ou capacidade contributiva.
O conjunto desses princípios permite concluir que a seguridade social é relevante fator de equilíbrio e isonomia sociais, ao proporcionar a todos, de forma igualitária, seus benefícios e serviços, mas respeitando algumas diferenças específicas e atuando segundo o conhecido brocardo de Ulpiano, depois adaptado por Karl Marx: “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”.
Esse quadro demonstra que a seguridade social é mesmo um instrumento de democratização e de isonomia entre os membros da sociedade, gerando inclusive um clima de tranquilidade e estabilidade sociais. Pela vertente da saúde, garante aos residentes no país, de forma gratuita, o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, compreendendo em especial a assistência médica, hospitalar, farmacêutica e odontológica (Lei 8.080/1990). Pela via da assistência social, garante o suprimento das necessidades básicas da população carente – por isso de forma gratuita e não contributiva –, assegurando-lhe os mínimos sociais a uma existência também minimamente digna (Lei 8.742/1993), suprindo assim as eventuais carências dos desfavorecidos. Já a previdência social, ou seguro social, proporciona benefícios pecuniários para atender às contingências resultantes do trabalho, da incapacidade física e/ou mental, da idade avançada e de outros fatores de risco, e é onde se manifestam de forma mais visível os princípios da universalidade, da uniformidade, da seletividade, da equidade, da democracia e da solidariedade social, por isso a filiação ao regime é obrigatória para toda a população economicamente ativa e exige a contrapartida da contribuição dos segurados (além da sociedade e do Estado).
5.1 Universalização, Igualdade e Desigualdade no Sistema Brasileiro
Essas caraterísticas se evidenciam através de uma revisão – ainda que muito rápida, mas necessária, – da evolução do seguro social no país. Este modelo de sistema protetivo começou em 1923, com a paulatina criação de órgãos previdenciários de proteção a especificamente o trabalhador empregado urbano, para alguns poucos e distintos setores da economia, cada qual com um tratamento próprio e específico, o que foi objeto de unificação apenas em 1960 (Lei 3.807), sendo que gradativamente foram sendo criados outros regimes e órgãos previdenciários para outras classes de empregados urbanos e incluídas também outras categorias profissionais além dos empregados em sentido estrito, como os trabalhadores autônomos, os empresários e outros integrantes da população economicamente ativa, com a também gradativa unificação dos órgãos executores dos variados regimes, aproximando-se um pouco mais da ideia de universalidade
Porém, ainda permaneciam excluídos setores importantes da atividade socioeconômica, como os trabalhadores rurais e domésticos. Os primeiros tiveram um simulacro de previdência social com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL (LC 11/1971), com benefícios inferiores, em número e valor, aos da população urbana e com caráter mais de assistencialismo que de seguro social pela ausência de contribuição para o custeio; e os últimos com o reconhecimento de alguns poucos direitos previdenciários (Lei 5.859/1972). A redenção da população rural só veio com a Constituição de 1988, que assegurou sua igualdade com a urbana, enquanto para os empregados domésticos isto ocorreu apenas em 2015 (LC nº. 150). Com um atraso de décadas, o sistema brasileiro foi abandonando o modelo bismarkiano de seguro social organizado por classes de trabalhadores e mantido por contribuições destes e de seus empregadores, para se aproximar do modelo beveridgiano, de caráter mais universalizante e já custeado também pela solidariedade das contribuições da sociedade em geral.
Não obstante essa gradativa unificação de regimes, reunidos no denominado Regime Geral de Previdência Social – RGPS, ainda vigoram paralelamente no país dois outros sistemas: o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS (dos servidores públicos civis, inclusive magistrados e membros do Ministério Público da União) e o que estende sua cobertura aos militares (estes não têm propriamente um regime ou órgão previdenciário específico, correndo seus benefícios diretamente à conta do Tesouro Nacional). O “regime geral” a que se refere a Constituição não é, pois, tão “geral” assim.
Outro passo no caminho da universalização foram as últimas alterações da legislação (em especial, as ECs 20, 41 e 103 e Lei 12.618/2012 e alterações posteriores) estabelecendo uma parcial equiparação dos novos (e dos antigos por opção) segurados do RPPS ao Regime Geral no que tange ao cálculo dos benefícios e à contribuição para o custeio do seu Regime Próprio, sendo que os militares continuam tendo um tratamento diferenciado[52]. A tendência, pois, é, a médio ou longo prazo, chegar-se a um seguro social unificado para toda a população economicamente ativa da iniciativa privada e do serviço público, como previsto nos §§ 12, 13, 20, 22 e 22, I, do art. 40 da Constituição.
Inobstante, no ordenamento jurídico brasileiro resta outra desigualdade, grave por ser também de nível constitucional, observada pela comparação entre os artigos 40 e 195, II, da Carta Magna. O primeiro estabelece a obrigatoriedade de contribuição ao RPPS pelos aposentados e pensionistas, vale dizer, depois de preenchidos todos os requisitos legais para aposentar-se (idade mais tempo de serviço e de contribuição), para manter o benefício o servidor inativo deve continuar contribuindo pelo resto dos seus dias e, mesmo após a sua morte, o(a) seu(sua) pensionista deve continuar aportando recursos também até o fim da sua vida. Já o segundo dispositivo veda a incidência de contribuição sobre as aposentadorias e pensões do Regime Geral. Patente, assim, a desigualdade de tratamento legal, em direta afronta ao princípio da isonomia constante da mesma Constituição (artigo 5º.: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”).
Ainda sob este aspecto, outra desigualdade entre esses dois regimes jurídicos resulta no fato de que a contribuição de servidores ativos, inativos e pensionistas do RPPS pode chegar, em percentuais escalonados e progressivos, a 22% da totalidade dos seus ganhos, enquanto a contribuição dos segurados vinculados ao RGPS chega a no máximo 14% de um determinado limite.
Esta disparidade em termos de custeio dos dois regimes de seguro social afronta ainda outro princípio elementar da seguridade social, que é o da contrapartida, estampado no art. 195 da Constituição brasileira, cujo § 5º. estabelece que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”, procurando com isto resguardar o equilíbrio atuarial do sistema. Tal princípio, segundo Roberta Soares da Silva, impõe a comunicação entre o custeio e a respectiva proteção social por representar “uma diretriz válida para todo o Sistema de Seguridade Social, é um pressuposto lógico dele” e “um instrumento de cidadania”, mas que vem sendo um dos princípios mais desrespeitados pelo legislador porque este, em várias ocasiões, deu destino diferente aos recursos arrecadados[53]. Porém, a contrapartida significa não apenas que cada benefício proporcionado tenha de ter previamente estabelecida sua respectiva fonte de custeio, porque existe também a contrapartida reversa: a toda contribuição feita deve corresponder uma prestação em favor do contribuinte e isto não tem ocorrido no RPPS, pois, com a instituição da contribuição de aposentados e pensionistas (em 2003) e a majoração das suas alíquotas contributivas (em 2019), esses acréscimos no custeio não vieram acompanhados de uma majoração ou melhoria dos benefícios concedidos pelo sistema. Além disso, o tratamento diferenciado outorgado aos segurados do Regime Geral em comparação aos do Regime Próprio e dos militares, sem justificativa plausível, atenta contra o princípio da igualdade consagrado na Constituição de todos os regimes democráticos, inclusive da brasileira.
Ausente a isonomia de trato e desprezadas a proporcionalidade e a razoabilidade, tais circunstâncias demonstram a violação do princípio da isonomia, desigualdade esta que demonstra um tratamento arbitrário e discriminatório. Canotilho descreve bem a situação quando afirma que “o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária”, sendo essa desigualdade “condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade”. Acrescenta que a proibição do arbítrio, “como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade.” Em síntese, o princípio da proibição do arbítrio está ligado a um critério material objetivo assim sintetizado: “existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”[54].
Portanto, em termos de amparo social ainda não há no país um regime de seguro social único ou universal, embora as necessidades elementares das pessoas sejam as mesmas e os riscos sociais sejam também basicamente os mesmos. Ainda falta, pois, a necessária isonomia ou igualdade de tratamento na lei, estando ferido o princípio da democracia econômica e social a que alude Canotilho e obstado o que ele denomina de efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais inerente à própria ideia de igual dignidade social. É certo, por outro lado, que inexiste uma identidade total entre as pessoas integrantes de uma sociedade, mas apenas parcial, o que, todavia, já caracteriza a desejada igualdade pela existência de muitos traços em comum, conforme propõe Sanchís. Há, evidentemente, algumas diferenças entre um ser humano e outro, cada qual com suas particularidades e características pessoais, naturais (como gênero, idade, condições físicas e mentais etc.) ou adquiridas em razão de fatores externos ou ambientais (como a natureza da atividades exercida e enfermidades, por exemplo), o que por certo deve ser levado em conta no momento de elaboração da lei, porque, como bem expõe García Añon, para se fazerem efetivos ou para se obter a equiparação em alguns direitos, exige-se um tratamento diferenciado como medida de ação afirmativa, observando-se a igualdade nas diferenças[55].
Estes elementos distintivos, portanto, já devem ser observados pelo legislador ao criar o direito, mas com o critério da proporcionalidade, de forma razoável e com adequação às particularidades constatadas em cada caso concreto, não se admitindo tratamento diferenciado por parte do legislador sem que para isso haja qualquer justificativa plausível, como prega Suzana Barros. Daí decorre, por exemplo, o tratamento diferenciado para as mulheres (em especial as gestantes), as crianças, os idosos, os exercentes de atividades penosas, perigosas ou insalubres, os portadores de necessidades especiais e para outras situações pontuais que, todavia, não desnaturam a suficiente identidade parcial caracterizadora da igualdade, inclusive da igualdade de oportunidades, como salientam Sanchís e Canotilho, respeitando-se o preceito Aristotélico de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais dentro dos seus próprios limites, sob pena de incorrer-se na instituição de tantas minorias ou exceções que culminarão por gerar conflituosidades.
Democracia, igualdade na criação e na aplicação da lei, ausência de diferenciações arbitrárias, solidariedade, razoabilidade, proporcionalidade, dignidade do ser humano, são diretrizes inerentes ao solidarismo e justiça sociais e a uma existência digna, e assim devem nortear os sistemas de seguridade social. Sem isso, reinarão odiosas desigualdades que em nada contribuirão para a isonomia entre os cidadãos e para a paz e a justiça sociais.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa evidenciou que um regime verdadeiramente democrático e igualitário, voltado ao bem-estar social e ao tratamento isonômico entre os cidadãos no campo da proteção social, deve priorizar sua atuação nos campos econômico e social, de modo a eliminar, ou ao menos reduzir, a desigualdade entre ricos e pobres e promover a mais justa distribuição da renda e de forma a propiciar a maior isonomia possível entre os cidadãos no campo da proteção social, destinada a superar, ou ao menos minorar, as consequências das vicissitudes a que todos estão sujeitos, em igualdade de condições.
Restou aclarado também que no âmbito dos direitos fundamentais sociais, a seguridade social no moderno Estado Democrático de Direito funda-se – ainda que em maior ou menor grau conforme cada ordenamento jurídico – principalmente nos pilares da universalidade da cobertura, da uniformidade de trato, da seletividade das contingências, da solidariedade compulsória, da equidade e contrapartida no custeio e do caráter distributivo na concessão das prestações, visando à estabilidade e ao bem-estar social com equilíbrio. Na busca da isonomia democrática entre os integrantes do grupo social, o sistema deve rejeitar as distinções arbitrárias, desarrazoadas, desproporcionais e injustificadas que possam levar a um tratamento desigual e discriminatório.
Demonstrou-se, por fim, que no Brasil, esses objetivos previstos na Constituição da República de um modo geral foram já atingidos e a seguridade social tem-se mostrado, em grande parte, um instrumento razoavelmente eficaz de democratização da ação social do Estado rumo ao ideal de universalidade do público amparado frente as adversidades da vida, assegurando-lhe um tratamento isonômico e equitativo na prestação de benefícios pecuniários e de serviços assistenciais. Sem embargo, tanto a uniformidade de trato, quanto a igualdade substancial entre as pessoas, ainda não foram plenamente conquistadas, dado que persistem situações de tratamento diferenciado entre os regimes vigentes, de forma desproporcional e sem a razoável e necessária justificativa, o que não contribui para o equilíbrio social nem para um governo democrático voltado para o povo e de forma isonômica, o que é da essência da democracia.
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[1] Doutor em Direito Social pela UCLM-Universidad de Castilla-La Mancha. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba-Unicuritiba. Titular da cadeira nº. 30 da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social-ABDSS. Juiz aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª. Região. Advogado. E-mail: zenosimm@hotmail.com. https://orcid.org/0000-0001-6173-5383.
[2] Por exemplo, Boeira, Marcus Paulo Rycembel, “Desenvolvimento e progressiva consolidação da democracia como regime político nos países do leste europeu”, eos Revista Jurídica da Faculdade de Direito, Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. III, nº. 5, a. III, jan./jun. 2009, p. 124.
[3] Sartori, Giovanni, ¿Qué es la democracia?, tradução de Miguel Ángel González Rodríguez e Maria Cristina Pestellini Laparelli Salamon, México-DF, Editorial Patria, 1993, p. 3. Disponível em: <https://biblio.jurídicas.unam.mx/bjv/detalle-libro/1135-que-es-la-democracia>. Acesso em: 24 jun. 2023. (tradução livre)
[4] Nunes, Neila Ferraz Moreira, “Poliarquia. O conceito moderno de democracia”, Vértices, Campo dos Goytacazes, a. 5, n. 1, jan./abr. 2003, pp. 12-13.
[5] Em que há igualdade econômica e justa distribuição das riquezas.
[6] Tida como aquela em que há igualdade entre as pessoas.
[7] Baseada na existência de uma Constituição que assegure os direitos fundamentais do cidadão e a repartição e limitação dos poderes políticos.
[8] Sartori, Giovanni, ¿Qué es la democracia?, tradução de Miguel Ángel González Rodríguez e Maria Cristina Pestellini Laparelli Salamon, México-DF, Editorial Patria, 1993, p. 5-6. Disponível em: <https://biblio.jurídicas.unam.mx/bjv/detalle-libro/1135-que-es-la-democracia>. Acesso em: 24 jun. 2023.
[9] Boeira, Marcus Paulo Rycembel, “Desenvolvimento e progressiva consolidação da democracia como regime político nos países do leste europeu”, eos Revista Jurídica da Faculdade de Direito, Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. III, nº. 5, a. III, jan./jun. 2009, pp. 119-120.
[10] Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da constituição, 5. ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 391.
[11] Sarlet, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais, 2. ed. rev. atual., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 33.
[12] Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantías: la ley del más débil, 2. ed., Madrid, Trotta, 2001, tradução de Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi, p. 37. (tradução livre)
[13] Pérez-Luño, Antonio-Enrique, Los derechos fundamentales, Madrid, Tecnos, 1998, p. 22. (tradução livre)
[14] Apud Simm, Zeno, Acosso psíquico no ambiente de trabalho: manifestações, efeitos, prevenção e reparação, São Paulo, LTr, 2008, p. 20.
[15] Trindade, Antonio Augusto Cançado, “Prefácio”, in Lima Jr., Jayme Benvenuto, Os direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. s/n.
[16] Capella Hernández, Juan-Ramón, Fruto proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito e do Estado, tradução de Gresiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de Andrade, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002, p. 200-201.
[17] De cujo rol consta a seguridade social, além de outros previstos no art. 6º. da Constituição da República Federativa do Brasil, tomada como exemplo.
[18] Baldassarre, Antonio, Los derechos sociales, Serie de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho n. 20, tradução de Santiago Perea Latorre, Bogotá, Universidad Externado de Colombia, 2001, p. 49. (tradução livre)
[19] Correia, Marcus Orione Gonçalves, “Interpretação dos direitos fundamentais sociais, solidariedade e consciência de classe”, in Canotilho, José Joaquim Gomes, Correia, Marcus Orione Gonçalves, Correia, Érica Paula Barcha, coords., Direitos fundamentais sociais, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2015, p. 148.
[20] Pisarello, Gerardo, “El Estado Social como Estado Constitucional; mejores garantías, más democracia”, in Abramovich, Victor, Añón, María José, Courtis, Christian, coords., Derechos sociales: instrucciones de uso, México-DF, Fontamara, 2003, p. 23. (tradução livre)
[21] Baldassarre, Antonio, Los derechos sociales, Serie de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho n. 20, tradução de Santiago Perea Latorre, Bogotá, Universidad Externado de Colombia, 2001, pp. 53-54. (tradução livre)
[22] Alves, Cleber Francisco, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da Igreja, Rio de Janeiro, Renovar, 2001. p. 109-110.
[23] Peces-Barba Martínez, Gregorio, La dignidad de la persona desde la Filosofía del Derecho, Cuadernos “Bartolomé de las Casas” n. 26, Madrid, Dykinson, 2002, pp.63-64.
[24] Simm, Zeno, Acosso psíquico no ambiente de trabalho: manifestações, efeitos, prevenção e reparação, São Paulo, LTr, 2008, p. 27.
[25] Protágoras de Abdera, Só Filosofia, Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2023. Disponível em: <http://filosofia.com.br/historia_show.php?id=20>. Acesso em: 12 jul. 2023.
[26] Nunes, Rizzatto, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 49.
[27] Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantías: la ley del más débil, tradução de Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi, 2. ed., Madrid, Trotta, 2001, p. 77. (tradução livre)
[28] Rousseau, Jean-Jacques, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Coleção Bilingue n. 2, tradução de J. A. Barbosa Correa, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1971, p. 38.
[29] Bandeira de Mello, Celso Antônio, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed. atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1998, p. 10.
[30] Aristóteles, Política, tradução de Mário da Gama Kury, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 98.
[31] Barbosa, Rui. Oração aos moços, 5. ed., Rio de Janeiro, Edições Casa de Rui Barbosa, 1999, p. 26.
[32] García Añon, José, “Derechos sociales e igualdad”, in Abramovich, Victor, Añon, María José, Courtis, Christian, coords., Derechos sociales: instrucciones de uso, México-DF, Fontamara, 2003, p. 80-81 e 91-92. (tradução livre)
[33] Apud Bandeira de Mello, Celso Antônio, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed. atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1998, p. 16.
[34] O que não se pode admitir é aquilo que Anatole France chamava de “A majestosa igualdade das leis, que proíbe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão” (Thibault, Jacques Anatole François, in Pensador, Frases de igualdade. Disponível em: < https://www.pensador.com/anatole_france/ >. Acesso em: 22 jul. 2023), tampouco a conclusão de S. Jerzy Lec de que “Todos somos iguais perante a lei, mas não perante os encarregados de fazê-las cumprir.” (Lec, Stanislaw Jerzy, Frases. Disponível em: <https://citacoes.in/autores/stanislaw-jerzy-lec/>. Acesso em: 22 jul. 2023.)
[35] Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito constitucional, 6. ed. rev., Coimbra, Almedina, 1993, pp. 562-564.
[36] García Añon, José, “Derechos sociales e igualdad”, in Abramovich, Victor, Añon, María José, Courtis, Christian, coords., Derechos sociales: instrucciones de uso, México-DF, Fontamara, 2003, p. 79. (tradução livre)
[37] Prieto Sanchís, Luis, Ley, principios, derechos, Cuadernos “Bartolomé de las Casas” n. 7, Madrid, Dykinson, 1998, p. 77. (tradução livre)
[38] Bandeira de Mello, Celso Antônio, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed. atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1998, p. 11.
[39] Prieto Sanchís, Luis, Ley, principios, derechos, Cuadernos “Bartolomé de las Casas” n. 7, Madrid, Dykinson, 1998, p. 83. (tradução livre)
[40] Barros, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 3. ed., Brasília, Brasília Jurídica, 2003, p. 189.
[41] Barros, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 3. ed., Brasília, Brasília Jurídica, 2003, p. 190.
[42] Barros, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 3. ed., Brasília, Brasília Jurídica, 2003, p. 191.
[43] Ruiz, Alicia Enriqueta Carmen, “El infierno de los vivos no es algo por venir… Identidad, trabajo y democracia”, Contextos, Buenos Aires, n. 1, 1997, p. 350. (tradução livre)
[44] Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito constitucional, 6. ed. rev., Coimbra, Almedina, 1993, p. 567.
[45] Beuchot, Mauricio, “Los derechos humanos y el fundamento de su universalidad”, in Saldaña, Javier, coord., Problemas actuales sobre derechos humanos: una propuesta filosófica, México-DF, Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 54 e 56. (tradução livre)
[46] Houaiss, Antonio, Villar, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, p. 2602.
[47] Ibrahim, Fábio Zambitte, A previdência social no Estado contemporâneo: fundamentos, financiamento e regulação, Niterói, Impetus, 2011, pp. 9 e 69.
[48] Simm, Zeno, Os direitos fundamentais e a seguridade social, São Paulo, LTr, 2005, p. 115.
[49] Ruiz Moreno, Ángel Guillermo, “Seguridad Social y género. Una mirada en perspectiva acerca de su juridicidad”, in Bermúdez, Gabriela Mendizábal, coord., Equidad de género y protección social, México-DF, Editorial Porrúa, 2014, pp. 8 e 18.
[50] Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 jul. 2023.
[51] Por exemplo: Balera, Wagner, Mussi, Cristiane Miziara, Direito previdenciário, 8. ed. rev. atual. ampl., Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, Método, 2011, pp. 39-41; Tavares, Marcelo Leonardo, Previdência e assistência social: legitimação e fundamentação constitucional brasileira, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, pp. 189-197; e Castro, Carlos Alberto Pereira de, Lazzari, João Batista, Curso elementar de direito previdenciário, São Paulo, LTr, 2005, pp. 58-61.
[52] Sobre esse detalhado processo de gradativa unificação dos regimes e órgãos previdenciários no Brasil rumo à universalidade da cobertura e do atendimento, v. Simm, Zeno, “Um século de previdência social”, Revista de Previdência Social, São Paulo, n. 506, jan. 2023, pp. 46-58.
[53] Silva, Roberta Soares da, O princípio da contrapartida no sistema de seguridade social, Curitiba, Alteridade, 2023, pp. 138, 140 e 142 e ss. Aqui há que se referir também à chamada “desoneração da folha de pagamento” instituída pela Lei 12.546/2011 e suas alterações posteriores, que permitiu a algumas empresas substituir a sua contribuição à Seguridade Social por outro tributo menos oneroso, assim beneficiando desigualmente apenas alguns setores da economia e subtraindo do orçamento previdenciário parte da sua receita necessária à concessão dos benefícios dentro do necessário equilíbrio atuarial exigido pelo at. 201 da Constituição da República.
[54] Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito constitucional, 6. ed. rev., Coimbra, Almedina, 1993, p. 565.
[55] García Añon, José, “Derechos sociales e igualdad”, in Abramovich, Victor, Añon, María José, Courtis, Christian, coords., Derechos sociales: instrucciones de uso, México-DF, Fontamara, 2003, p. 99. (tradução livre)