Análise da aplicação do Artigo 126 da LEP em amostra de egressos de instituições penais paranaenses no século XXI

Analysis of the application of Law Enforcement Penal Code Article 126 in former inmates sample from paraná criminal institutions in the 21st Century

DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.16

Recebido/Received 31/08/2023 – Aprovado/Approved 19/03/2024

Jéssica Louize dos Santos Buiar[1] – https://orcid.org/0009-0004-9498-7885

Tiago Gagliano Pinto Alberto[2] – https://orcid.org/0000-0003-1551-3733

Paula Inez Cunha Gomide[3] – https://orcid.org/0000-0003-3361-8993

Resumo

O estudo tem por objetivo analisar a aplicabilidade do artigo 126 da Lei de Execução Penal nas instituições penais paranaenses e avaliar a influência do estudo e do trabalho na reinserção do preso. A problemática reside na necessidade de análise da observância dos direitos fundamentais à educação e saúde do encarcerado pelo sistema atual. O estudo fez uso do método hipotético dedutivo, combinado aos precedentes de pesquisa bibliográfica e documental, associado ao método quantitativo, com a coleta, codificação e análise de dados numéricos coletados do registro de 150 (cento e cinquenta) egressos do sistema prisional, associada a entrevista de 2 (dois) egressos do sistema prisional, do sexo masculino, de 22 (vinte e dois) a 77 (setenta e sete) anos de idade, um que mais estudou e trabalhou no cárcere e, inclusive, teve mudança de escolaridade enquanto estava recluso; e o outro que não teve oportunidade de estudar nem trabalhar. Como principal contribuição, o trabalho verificou a aplicabilidade parcial do artigo 126 da Lei de Execuções Penais, com a ressocialização assegurada somente para alguns presos. O estudo conclui pela necessidade de garantia dos direitos fundamentais a todos os encarcerados, com aplicação efetiva do artigo 126 da Lei de Execuções Penais pelo poder judiciário e sistema penitenciário.

Palavras-chave: Remição; Educação; Trabalho; Egressos; Cárcere; Reinserção; Ressocialização.

Abstract

The study aims to analyze the applicability of article 126 of the Criminal Execution Law in Paraná's penal institutions and evaluate the influence of study and work on the prisoner's reinsertion. The problem lies in the need to analyze the observance of the fundamental rights to education and health of those incarcerated by the current system. The study made use of the hypothetical deductive method, combined with precedents of bibliographic and documentary research, associated with the quantitative method, with the collection, coding and analysis of numerical data collected from the records of 150 (one hundred and fifty) ex-prisoners, associated with interview with 2 (two) male inmates from the prison system, aged 22 (twenty-two) to 77 (seventy-seven) years old, one who studied and worked most in prison and even had a change of education while he was a recluse; and the other who did not have the opportunity to study or work. As its main contribution, the work verified the partial applicability of article 126 of the Penal Executions Law, with resocialization assured only for some prisoners. The study concludes that there is a need to guarantee fundamental rights to all prisoners, with the effective application of article 126 of the Criminal Executions Law by the judiciary and penitentiary system.

Keywords: Remission; Education; Work; former inmate; Prison; Reintegration; Resocialization.

Sumário: Introdução; 1. O trabalho no cárcere e a ressocialização: a escolarização e reinserção social; 2. Resultados; 3. Conclusão; 4. Referências.

INTRODUÇÃO

O artigo 126 da LEP, ao descrever o instituto da remição da pena, impõe o direito de estudo e trabalho a todos os encarcerados, devendo esses direitos serem garantidos pelo poder judiciário e pelo sistema penitenciário.

A Lei 7.210, também conhecida como Lei de Execução Penal, criada em 1984, trouxe em seu bojo a previsão da remição da pena pelo trabalho. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena[4].

Entre os anos de 1993 e 2008, projetos de lei foram apresentados de modo a reformular o dispositivo.

O artigo 126 da Lei de Execução Penal, que antes previa como meio de remição da pena apenas o trabalho, passou a versar também sobre o estudo, com critérios de remição diferenciados, mas com a mesma finalidade: o alcance mais acelerado da progressão de regime[5]. De acordo com a redação atual, a cada três dias trabalhados é possível descontar um dia de pena, montante descontado também a cada doze horas de estudo[6].

A previsão legal e decisões judiciais sobre o estudo e trabalho do preso, como um direito, não garantem que os presídios ofereçam as atividades apropriadamente[7]. Por outro lado, a função da pena como correção é uma atividade estatal muito relevante ao sistema, mas deve sempre prevalecer o princípio da humanidade, pois o Estado não está acima da lei, nem pode equiparar-se a um criminoso.

É importante reforçar a diferença entre direito e benefício. A constituição traz a garantia de direitos, que, na realidade, são expectativas. A partir daí nasce a busca pela satisfação de necessidades fundamentais[8]. Nas palavras do autor, o direito ao estudo e ao trabalho do preso são direitos subjetivos. Direitos subjetivos consistem, na expectativa (positiva) de benefícios. O instituto da remição da pena, no processo de execução, é um benefício. O estudo e o trabalho são uma necessidade fundamental do ser humano, também denominada por Ferrajoli[9], de direitos subjetivos que decorrem da Constituição. Ao passo que a remição – benefício – é a consequência dentro do cárcere.

Estudos empíricos avaliando a aplicabilidade da Lei de Execução Penal, especificamente o artigo 126, inexistem. As políticas públicas estabelecidas pela legislação devem ser avaliadas regularmente para que propostas de melhoria sejam implementadas.

O sistema de garantias penal e processual tem função de satisfazer os direitos fundamentais, tanto da vítima quanto do acusado e, futuramente, do preso. Esse sistema luta contra a discricionariedade e o abuso policial, judiciário e penitenciário[10]. Nessa linha, é a proteção do sujeito mais fraco contra o mais forte – no momento do crime a vítima, no momento do processo, é o réu e, no momento da execução da pena, é o encarcerado. O encarcerado como sujeito de direitos, direitos como o exercício do trabalho e do estudo.

No passo da modernização que se pretendeu inserir na sistemática das penas privativas de liberdade com a reforma de 1984, destaca-se a inclusão da possibilidade de remição da sanção penal, para aqueles condenados ao cumprimento nos regimes fechado ou semiaberto, mediante trabalho. Posteriormente, com nova revisão, implementada pela Lei nº 12.433/2011, incluiu-se o estudo[11]. A previsão foi estatuída no artigo 126 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).

O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. A remição de um dia de pena por cada 12 (doze) horas de frequência escolar, que incluem atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior. E de requalificação profissional, que determina que a cada três dias de trabalho haja a remição de um dia de pena[12].

Neste sentido, o estudo objetiva analisar a aplicabilidade do artigo 126 da Lei de Execução Penal nas instituições penais paranaenses e avaliar a influência do estudo e do trabalho na reinserção social.

A problemática reside na necessidade de análise da observância dos direitos fundamentais à educação e saúde do encarcerado pelo sistema atual.

Para tanto, a pesquisa utiliza-se do método hipotético dedutivo, combinado aos precedentes de pesquisa bibliográfica e documental, associado ao método quantitativo, a partir da coleta, codificação e análise dos dados numéricos coletados do registro de 150 (cento e cinquenta) egressos do sistema prisional, com enfoque as seguintes dados: a) idade, escolaridade, profissão, número de filhos, tem esposa ou companheira etc.; b) por qual crime foi condenado; c) qual pena aplicada; d) tempo em regime fechado; e) dias trabalhados; f) frequência escolar; g) dias remidos; h) modalidades de remição aplicadas a eles: leitura, estudo, trabalho.

Para a maior correlação com grupo selecionado para estudo e aprofundamento da pesquisa, associou-se, ainda, a entrevista de dois egressos do sistema prisional, do sexo masculino, de 22 a 77 anos de idade, média de 42,99 (DP=12,532), um que mais estudou e trabalhou no cárcere e, inclusive, teve mudança de escolaridade enquanto estava recluso; e o outro que não teve oportunidade de estudar nem trabalhar. Foram feitas as seguintes perguntas: Qual a sua idade? Em que ano foi preso? Quanto tempo ficou preso? Por qual crime foi condenado? Quanto tempo ficou preso em regime fechado? Trabalhou enquanto estava preso? Quantos dias? Estudou? Quantos dias estudou? Leu livros e resenhou? Quantos livros? Quais funções desenvolveu enquanto trabalhou? Aprendeu alguma atividade laborativa no cárcere?  Teve o grau de escolaridade alterado no cárcere? Qual era o estado civil quando foi preso? Tinha filhos? Qual o estado civil no presente? Tem filhos? A profissão que desenvolveu no cárcere colaborou para a profissão que desenvolve na atualidade? Estuda nos dias de hoje? Voltou a reincidir? O trabalho e o estudo puderam, de alguma forma, contribuir positivamente durante a prisão? O trabalho e o estudo puderam, de alguma forma, contribuir positivamente com a sua reinserção na sociedade?

Os dados foram coletados, nos meses de março a maio de 2022, no Escritório Social do Departamento Penitenciário (DEPEN), localizado em Curitiba/PR, que presta assistência às pessoas egressas do cárcere.

A iniciativa faz parte do projeto Cidadania nos Presídios, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A equipe multidisciplinar do Escritório Social avalia e monitora os egressos do sistema e realiza um intermédio com outras instituições públicas, para o fim de auxiliar a sua reinserção na sociedade (Polícia Penal do Paraná).

Ainda, foi solicitada ao DEPEN a autorização para realização da pesquisa. Após a assinatura do termo de Infraestrutura pelo DEPEN, o projeto de pesquisa foi submetido ao Conselho de Ética da Universidade Tuiuti do Paraná e, após sua aprovação (54129321.3.0000.8040), a primeira autora entrou em contato com o Escritório Social para solicitar permissão para ter acesso aos relatórios dos presos.

A coleta dos dados dos atestados de permanência, relatórios de execução e atestados de remição da pena foi feita presencialmente no Escritório Social, em uma sala para a análise dos prontuários. Os dados sobre o trabalho e estudo foram extraídos do sistema SEEU (Sistema Eletrônico de Execução Unificado), meio de controle informatizado da execução penal do estado do Paraná. Participaram como auxiliares de pesquisa cinco estudantes de psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, devidamente registrados no sistema da Plataforma Brasil.

As duas entrevistas, feitas em somatória aos dados coletados relativos aos 150 (cento e cinquenta) egressos do sistema prisional, tiveram duração de 20 (vinte minutos), uma na modalidade presencial, no escritório da autora, acompanhada por mais duas graduandas de psicologia, e outra na modalidade virtual. Em ambos os casos, foi lido o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e na sequência assinado por ambos os entrevistados.

Todas as informações obtidas foram categorizadas e digitadas em uma planilha de Excel, assim como os dados sociodemográficos e tipos de crimes.

Os dados coletados foram mensurados a partir do cálculo da frequência média, desvio de padrão e percentual, com correlações entre as variáveis estudadas por meio do teste não paramétrico de Spearman. Por sua vez, os obtidos com as entrevistas foram transcritos e analisados em três fases: 1) pré-análise; 2) codificação; 3) tratamento dos resultados e interpretação.

A investigação sobre aplicação do artigo 126 da LEP busca auferir se o direito de estudar e trabalhar está sendo concedido aos privados de liberdade.

O estudo e o trabalho no cárcere colaboram com a ressocialização do preso, porém, até o momento, inexiste qualquer estudo empírico que ateste essa informação, no que se justifica o presente estudo.

1 O TRABALHO NO CÁRCERE E A RESSOCIALIZAÇÃO: A ESCOLARIZAÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL

De acordo com Torres[13], a possibilidade de remir a pena por meio do trabalho é inspirada no Direito Penal Militar Espanhol (Decreto Lei nº 281 de 1937), vindo a ter previsão também em parte do código penal espanhol no ano de 1944. Nesse contexto, o trabalho prisional surge no Brasil, apto a proporcionar ao preso a oportunidade de se sentir útil, findando o ócio, além de proporcionar a oportunidade de aprender um novo ofício e reduzir sua pena[14].

O trabalho e o estudo podem ser ferramentas para a reabilitação e a reinserção social. O trabalho dentro das penitenciárias não pode apenas fornecer uma ocupação produtiva para os reclusos, mas também os ajudar a desenvolver habilidades profissionais, promover a autoestima e reduzir o ócio, fatores esses que podem contribuir para a diminuição da criminalidade[15].

Para Torres[16] a remição da pena abrevia o tempo de encarceramento, auxiliando também na gestão e na disciplina dentro dos presídios. Reduz o tempo de encarceramento, consequentemente acarretando a redução da massa carcerária, o que refletiria de maneira positiva nos estabelecimentos prisionais.

Costa, Kapiki, Kassoma e Afonso[17] reforçam que à pessoa que perde a liberdade não se pode negar seus direitos enquanto ser humano. Um dos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 é o direito à educação (artigo 6º, caput), que, quando levado à realidade prisional, apresenta dificuldades de ser implementado, devida a falta de espaço, ambientes mal estruturados, falta de ventilação e iluminação, excesso de grades, escassez de material escolar, dentre outras.

Mario Luiz Ramidoff e Nicola Frascati Junior[18], na mesma linha, destacam que a política criminal deve ser implementada com prevalência da “[...] da dignidade humana do sujeito que se encontra sob o jugo da persecução criminal estatal, balizada, repita-se uma vez mais, pelos princípios da legalidade (numa concepção mais larga), culpabilidade,  humanidade  e  ressocialização do apenado”. Assim, na questão da efetividade do Direito Penal, deve-se inserir a discussão entre a forma adequada de punição e a (re)socialização do preso. No lugar do Direito Penal do inimigo, deve-se ter um Direito Penal cuja aplicabilidade considere a essência democrática da Constituição Federal, pontuam[19]:

Assim é que, dentre as várias discussões que se inserem no âmbito do estudo da efetividade do Direito Penal, entende-se ser relevante aquela que questiona, especialmente sob o enfoque ético e da dignidade humana, o comportamento do Estado na busca do fim proposto por esse ramo do Direito. É que se parte do pressuposto de que as garantias individuais consagradas nas Cartas Magnas das Repúblicas mencionadas estão sendo desrespeitadas (com maior ênfase no Brasil) pelos próprios Estados que as erigiu como pedras angulares de todo os seus sistemas jurídicos. A existência  de uma  constituição  democrática,  como foi  visto, aliado  a uma política  criminal erigida  através  de uma  epistemologia,  de uma  axiologia  e de uma  teleologia  robustas, tornam-se o limitador  da  atuação dos atores  estatais detentores do poder de punir de que se arvorou o Estado, razão pela qual todo o sistema jurídico deve se pautar  por  esses  mesmos  valores,  perpassados  de  um  conteúdo  mínimo  ético, para que atrocidades como as já vivenciadas no século passado (o Holocausto, por exemplo), não voltem a ocorrer. Faz-se mister que tenhamos consciência histórica, como proclamado por Hegel15. Eis o cerne do problema vivenciado pelo Direito Penal contemporâneo: ceder ao pseudo conclamo da sociedade “líquida” que clama por uma maior segurança, através de uma atuação cada vez mais belicosa do Estado, ou então, alcançar o fim segurança por intermédio de uma política criminal e política social, pautadas nos ditames constitucionais apresentados?  Enfim, um Direito Penal do inimigo ou um Direito Penal garantistahumanista? Direito como sinônimo de violência ou como sinônimo de pessoa e respeito à sua dignidade humana?

No mesmo sentido, destaca Paloma Gurgel de Oliveira Cerqueira[20]:

Resta clara a dominação de um clamor social a partir da ideia de que severidade e inobservância de direitos fundamentais conquistados ao longo da história sejam a efetivação da persecução criminal e a solução para afastar a criminalidade.  Tal aspecto discursivo preponderante, como leciona Vasiliki Christou (2007), re-fere-se a diversas formas de tratamento, ainda que simbólico, contra determinados grupos, sendo abusivas ou ameaçadoras.  Tais elementos acabam provocando uma reação legislativa, no sentido de agravar as regras aplicáveis aos presos, como reflexo de uma vingança institucionalizada. [...] A  Constituição  Federal,  no  entanto,  não  admite  direitos  e  garantias  absolutos, mas impõe que as limitações de ordem jurídica se destinem tanto a proteger a integridade do interesse social quanto assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades. Sabe-se que a severidade das penas não reduz a quantidade de crimes; do mesmo modo, o medo do castigo não impede que um delito seja praticado (ARRUDA e SANTIN, 2019). Não se deve retirar direitos a custo de “fazer justiça”, a custo da saúde, física e mental. Não se pode seguir distorcendo justiça e direitos humanos.  Deve-se primar pela justiça, que se faz em observância à estrita legalidade [...].

Segundo dados do Mapa do Encarceramento[21], houve em um período de 07 (sete) anos um aumento significativo da população carcerária, sobretudo entre os jovens que estão na faixa etária entre 18 e 24 anos. Em 2005 eram 96.288 jovens encarcerados, ascendendo ao número de 266.356, em 2012, sendo que a maioria não havia completado o ensino fundamental, não estando inclusive inseridos em postos de trabalho formais[22].

O ambiente escolar não deve e tampouco pode se preocupar somente com a educação (oferta de aulas, matérias, materiais e corpo docente). A escola deve ser um ambiente acolhedor ao aluno, estimulando-lhes os mais variados sentidos, verificando suas diferenças, permitindo, assim, que seja ofertado um ensino de qualidade da maneira mais assertiva possível. Para alcançar isso, seriam necessárias mudanças de políticas na infraestrutura educacional, mudança no trato de jovens com antecedentes criminais ou processos disciplinares, com o objetivo de promover a equidade e a justiça[23].

Além de toda a problemática enfrentada para a inserção do estudo nos presídios, Cella e Camargo[24] pontuam que existe medo e preconceito entre os profissionais da educação, sendo muito comum a recusa para esse tipo de trabalho. Há relatos de professoras que experimentaram uma profunda angústia ao atuarem dentro de estabelecimentos prisionais, sentindo uma exclusão de sua classe profissional. Em contrapartida, o trabalho é pautado na esperança quanto à contenção da criminalidade, sendo importante o interesse em conhecer o aluno e cobrar dele os resultados em sala de aula.

A remição de pena por meio da educação atende dois importantes objetivos: o primeiro está no fato de que a garantia de educação dentro dos presídios constitui em elemento fundamental na sua reinserção em sociedade e o segundo é a importância da alteração da Lei de Execução Penal, que inseriu a modalidade do estudo como forma de remição, incentivando, assim, a educação no cárcere[25]. Para Silva[26] a educação é um direito garantido na Constituição Federal.

2 RESULTADOS

Inicialmente foram analisados, por meio de estatística descritiva, os dados de escolaridade, estado civil, tipo de crime cometido, local do cumprimento de pena e reincidência. Os egressos haviam cumprido as penas em 14 instituições penais (Tabela 1). Um quarto da amostra pertenceu à Penitenciária Central do Estado. As instituições que menos receberam integrantes da amostra foram:  Penitenciária Estadual de Ponta Grossa, Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu e Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, cada uma representando 1% da amostra. Importante mencionar que a grande maioria dos presos não cumpriu a pena em apenas um estabelecimento prisional. Portanto, para fins deste estudo, optou-se por indicar o último estabelecimento que recebeu o preso.

Tabela 1 – Local de cumprimento da pena

Local de cumprimento da pena

Frequência

Percentual

CCC- Casa de Custódia de Curitiba

17

11%

CCP- Casa de Custódia Piraquara

28

19%

CMP- Complexo Médico Penal

5

3%

CPFI- Cadeia Pública de Foz do Iguaçu

3

2%

PCE – Penitenciária Central do Estado

34

24%

PEP I – Penitenciária Estadual de Piraquara

12

8%

PEP II – Penitenciária Estadual de Piraquara

17

11%

PEPG- Penitenciária Estadual de Ponta Grossa

1

1%

PCEUP – Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão

9

6%

CSJP- Cadeia Pública de São José dos Pinhais

16

11%

PEF- Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu

1

1%

CLON – Casa de Custódia de Londrina

3

2%

DPAGNU – Delegacia de Polícia de Guaraniaçu

2

1%

PFB – Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão

1

1%

*Não consta

1

1%

Total

150

100%

Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

A escolaridade dos egressos variou de analfabetos a ensino superior completo (tabela 2). A análise de mais de um terço dos dados foi prejudicada pela ausência de registros. Dos 97 registros de escolaridade obtidos 58,76% tinham apenas ensino fundamental, completo ou incompleto. Apenas alfabetizados foram encontrados 7% da amostra, sendo que a maioria estava no nível intermediário de escolaridade (38%), com poucos no nível médio (15%) e superior (3%). Este dado foi extraído, primeiramente, da ficha preenchida perante o Escritório Social, tão logo o preso progrediu para o regime aberto. Após, a informação foi confirmada no sistema de execução penal, SEEU. Mesmo assim, em 53 prontuários não constaram a escolaridade do egresso.

Tabela 2 – Escolaridade dos egressos

Escolaridade dos egressos

Frequência

Percentual

Analfabeto

1

1%

Alfabetizado

11

7%

Ensino Fundamental Incompleto

35

23%

Ensino Fundamental Completo

22

15%

Ensino Médio Incompleto

11

7%

Ensino Médio Completo

12

8%

Ensino Superior Incompleto

2

1%

Ensino Superior Completo

3

2%

*Não consta

53

36%

Total

150

100%

Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

O estado civil dos egressos está descrito na Tabela 3. Pode-se observar que 59,23% da amostra válida foi constituída por indivíduos solteiros. Observou-se que apenas metade dos integrantes formou família, sendo 31% casados, 4% divorciados e 1% viúvos. Além disso, 13% dos participantes não apresentaram registro de estado civil.

Tabela 3 – Estado civil dos egressos

Estado civil dos egressos

Frequência

Percentual

Solteiro

77

51%

Casado

46

31%

Divorciado

6

4%

Viúvo

1

1%

*Não consta

20

13%

Total

150

100%

Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

Os crimes cometidos pelos egressos foram classificados em função de sua gravidade (Tabela 4). A categoria de crimes sem violência ou grave ameaça foi composta pelos crimes de lavagem de dinheiro, receptação, porte e posse de arma de fogo, estelionato, falsa comunicação de crime, furto, pornografia infantil e corrupção de menor. Já os crimes com violência ou grave ameaça são lesão corporal, homicídio e roubo. A categoria “hediondo ou equiparado sem resultado de morte” se refere aos crimes de tráfico de entorpecentes, lesão corporal de natureza gravíssima, extorsão, furto com emprego de explosivo. A categoria “hediondo ou equiparado com resultado de morte” é dos crimes de homicídio qualificado, roubo majorado, estupro, estupro de vulnerável e lesão corporal seguida de morte e extorsão com resultado morte. A maior porcentagem observada se refere a crimes na categoria “hediondo ou equiparado sem resultado de morte” e de menor porcentagem foi a de “sem violência ou grave ameaça”.

Em pesquisa aos antecedentes criminais do egresso, foram analisados todos os crimes cometidos por ele, podendo ele ter sido preso por mais de um crime, sendo levado em consideração para o presente estudo a classificação do crime mais grave. Os registros indicaram que 55 (37%) eram reincidentes. Para fins de conceituação, levou-se em consideração se na última condenação do egresso ele era ou não reincidente.

Tabela 4 – Crime cometido

Crime cometido

Frequência

Percentual

Crime sem violência ou grave ameaça

17

11%

Crime com violência ou grave ameaça

47

31%

Crime hediondo ou equiparado sem resultado de morte

50

33%

Crime hediondo ou equiparado com resultado de morte

36

24%

Total

150

100%

Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

O total de egressos analisados de cada uma das instituições penais e o número de egressos que trabalharam durante o cumprimento da pena foram colocados na Tabela 5. Foi possível verificar que as unidades Complexo Médico Penal, Penitenciária Estadual de Piraquara, Penitenciária Estadual de Ponta Grossa, Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão, Casa de Custódia de Londrina e Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão atingiram um percentual de 100% de indivíduos que trabalharam no cárcere.

Tabela 5 – Comparação entre Local do cumprimento de pena e horas de trabalho

Local de pena

Total de egressos

Número de egressos que trabalharam durante a pena

Percentual

CCC- Casa de Custódia de Curitiba

17

1

6%

CCP- Casa de Custódia Piraquara

28

22

79%

CMP- Complexo Médico Penal

5

4

80%

CPFI- Cadeia Pública de Foz do Iguaçu

3

1

33%

PCE – Penitenciária Central do Estado

34

29

85%

PEP I – Penitenciária Estadual de Piraquara

12

12

100%

PEP II – Penitenciária Estadual de Piraquara

17

13

76%

PEPG- Penitenciária Estadual de Ponta Grossa

1

1

100%

PCEUP – Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão

9

9

100%

CSJP- Cadeia Pública de São José dos Pinhais

16

14

88%

PEF- Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu

1

1

100%

CLON – Casa de Custódia de Londrina

3

3

100%

DPAGNU – Delegacia de Polícia de Guaraniaçu

2

1

50%

PFB – Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão

1

1

100%

*Não consta o nome da instituição

1

1

100%

Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

Observa-se que o crime de maior incidência é o que consta violência ou grave ameaça, sendo cometido por 33% da amostra (Tabela 6). O mesmo tipo de crime tem maior prevalência na Casa de Custódia de Piraquara representando 8% da amostra total. O tipo de crime com menor incidência sem violência ou grave ameaça, representando 12% da amostra, teve maior prevalência na Penitenciária Central do Estado.

Tabela 6 – Comparação entre Local do cumprimento de pena e tipo de crime cometido

Local de pena

Crime sem violência ou grave ameaça

Crime com violência ou grave ameaça

Crime hediondo ou equiparado sem resultado de morte

Crime hediondo ou equiparado com resultado de morte

CCC – Casa de Custódia de Curitiba

2

3

11

1

CCP – Casa de Custódia Piraquara

3

11

9

8

CMP – Complexo Médico Penal

0

2

1

1

PCE – Penitenciária Central do Estado

5

9

1

12

PEP I – Penitenciária Estadual de Piraquara

1

2

2

6

PEP II – Penitenciária Estadual de Piraquara

1

7

3

4

PEPG- Penitenciária Estadual de Ponta Grossa

1

0

0

0

PCEUP – Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão

1

4

3

1

 

CSJP- Cadeia Pública de São José dos Pinhais

2

5

6

3

PEF- Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu

0

2

0

0

CLON – Casa de Custódia de Londrina

0

0

1

0

DPAGNU – Delegacia de Polícia de Guaraniaçu

0

1

0

0

PFB – Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão

0

0

0

1

*Não consta o nome da

1

0

0

0

Total

17

45

37

38

Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.

Os resultados mostraram que os egressos foram condenados a penas que variavam de 1.522 dias a 16.923 dias, com média de 5768,80 (DP=2839,687). Cumpriram em média 34,43% da pena estipulada, que variou de mínimo de zero dias a 9084 dias, com média de 1986,66 (DP=1863,391). A pena que os egressos avaliados receberam variou entre 1.522 e 16.923 dias, com média igual a 5.769 dias, com o tempo de pena em regime fechado entre 11 e 9.084 dias, com média igual a 2.001 dias.

Foram registrados os dias de trabalho e estudo de cada egresso. Em média trabalharam 535,12 (DP=610,317), com mínimo de zero e máximo de 3.221 dias. Não havia registros de trabalho de 24 participantes. Todas as instituições ofereciam trabalho, porém não é possível precisar os motivos pelos quais justamente à essa amostra não foi dada a oportunidade.

Os dias de estudo em regime fechado e semiaberto foram em média de 196,67 (DP=310,648), mínimo de zero e máximo de 1.761 dias. Os presos leram em média 1,57 (DP= 3,951) livros, com mínimo de zero e máximo de 24 livros.

Estudar e trabalhar no cárcere, pelo artigo 126 da Lei de Execução Penal, permite que sejam remidos dias da pena. Os dados mostraram que a média de dias remidos foi de 260,05(DP= 271,417), com mínimo de zero e máximo de 1.329 dias. Houve correlação positiva e significativa entre dias de trabalho e dias de estudo (p = 0,460**).

Realizou-se teste de correlação de Spearman para se verificar se havia correlação entre dias remidos e as variáveis do estudo. A correlação entre dias de estudo e dias remidos foi positiva e significativa (p =,678**); entre dias de trabalho e dias remidos também foi positiva e significativa a nível de 0,01 (p = 0,903**); entre gravidade do crime e dias remidos também foi positiva e significativa (p = 0,268**) e entre dias remidos e tempo preso (p = 0,41**). Não houve correlação entre instituição penal e dias remidos (p = 0,024); dias remidos e escolaridade (p = 0,031) e dias remidos e idade (p = 0,135).

Foram realizadas entrevistas com dois egressos da amostra. A seleção foi feita a partir do seguinte critério: um egresso que mais trabalhou e estudou no cárcere, e outro, que não trabalhou nem estudou.

CASO 1: Estudou e trabalhou no cárcere

O participante tinha 50 anos de idade, foi condenado pelos crimes de roubo, tráfico de drogas e porte de arma. Por diversas vezes foi preso e fugia da prisão. Primeiro, teve sua prisão provisória decretada em 2002. Cumpriu pena em regime aberto e, em 2003, foi preso em flagrante novamente. O entrevistado permaneceu preso, sendo na mesma data estabelecido o reinício do cumprimento da pena, fugiu seis vezes do sistema, sendo recapturado as seis vezes. O início do cumprimento da pena em regime aberto ocorreu em 2017, regime este que está até a data de hoje. No total de todos os crimes, recebeu pena de 28 anos 6 meses e 1 dia, ficando em regime fechado por 2614 dias (7anos e 16 dias).

Durante o período em que esteve preso, trabalhou 1722 dias e estudou 249 dias, leu e resenhou 6 livros. Sua remição da pena contou com 745 dias. Quando foi preso tinha união estável com uma mulher e hoje tem união estável com outra mulher. Quando foi preso sua escolaridade era ensino fundamental incompleto e na penitenciária concluiu o ensino médio.

O entrevistado informou que logo que foi preso foi ofertado trabalho, mas ele não aceitou. Não aceitava nem conversar com o agente penitenciário. Depois de muitos funcionários do estabelecimento prisional insistirem, cedeu e aceitou a vaga de trabalho. Iniciou na marcenaria. No primeiro dia de trabalho já sentiu a diferença que é sair do “quadrado” que estava acostumado e ir para um “quadrado” gigante, onde tinha ferramenta e podia fazer algo na vida. Mencionou que “aquele negócio mudou minha vida”.

Sequer sabia que trabalhar o ajudaria a reduzir a pena e depois que ingressou na marcenaria passou a estudar sobre leis. Informou que o agente penitenciário ofertou não só um trabalho, mas uma oportunidade de mudar. Porque além disso, também o levou para psicologia, laborterapia e escola. Na biblioteca, teve contato com o código penal e passou a entender sobre as leis e quanto deveria ficar preso pelo crime que cometeu. Reforçou a importância desse agente penitenciário que fez ele se tornar uma pessoa novamente, pois estava “virado num bicho”.

Hoje, após conquistar a liberdade, é motorista numa empresa, chefe de manutenção e está praticamente formado em mestre de obras com empresa própria e que inclusive contrata egressos do sistema. Tem formação em eletricista, mecânico e eletromecânica. Diz que a penitenciária precisa melhorar muito, falta vontade das pessoas que trabalham lá. As professoras e assistentes sociais são exceção, empenhando-se muito. Mas a maioria está “nem aí” para o preso.

Os agentes, por exemplo, não querem que o preso trabalhe, dá mais trabalho do que o preso ficar no xadrez. Há uma seleção para as vagas de trabalho e estudo, o preso que não tem bom comportamento não é chamado para a escola. Afirma que estudar e trabalhar no cárcere o ajudou a ter bom comportamento e conhecer as oportunidades da vida e assim, voltar para o convívio normal de novo. Destaca que o preso que fica só no “xadrez” está preso à escola do crime.

CASO 2: Não estudou e não trabalhou no cárcere

O participante tinha 29 anos de idade, foi preso a primeira vez em 2014. Recebeu pena de 10 anos 11 meses e 15 dias (4002 dias), por condenação aos crimes de tráfico de drogas, associação ao tráfico de drogas e porte de arma. Foi preso no regime fechado por três vezes, sendo 1094 dias no total.

Constou em seu relatório de pena que durante o período em que esteve preso trabalhou 180 dias e não estudou nem leu livros. Em entrevista foi possível esclarecer que seu nome foi incluído na lista de presos que trabalhavam na faxina, porém, ele nunca pôde sair da cela para realizar o referido trabalho. Apenas foi incluído na lista de trabalho por ser o mais antigo da galeria. Sua remição da pena contou com 60 dias. Quando foi preso era solteiro.

A escolaridade quando ingressou no cárcere era ensino fundamental incompleto, na penitenciária não teve oportunidade de estudar. Realizou a leitura de 10 livros, mas não ganhou remição. Somente após sua liberdade é que terminou os estudos e atualmente faz faculdade de educação física. Durante o período que esteve preso sua mãe faleceu, uma psicóloga veio dar a notícia, mas nunca conseguiu uma consulta com um profissional da área, sendo que existe um setor de psicologia. Seu advogado conseguiu o direito de ir até o velório, mas a penitenciária não tinha escolta para o levar.

Entrou em depressão profunda, não conseguiu atendimento psicológico. Se refere ao “uso de drogas como o único tratamento psicológico que teve acesso”. Só conseguiu abandonar o vício graças a sua atual esposa. Na época, recebeu cartas dela (uma namorada da época da escola), que passou a visitá-lo no cárcere. 

Quando ganhou a liberdade não voltou a reincidir no crime, fez provas do Enseja para concluir o ensino fundamental e médio. Foi muito bem recebido pelo seu genitor. Reforça que não voltou ao crime por causa ajuda da atual esposa; se fosse pela cadeia já tinha voltado ao crime, cadeia não ressocializa, o sistema é muito perverso, ali você está nas mãos dos guardas, eles fazem o que querem com você, a hora que querem, se não quiserem não fazem, é o verdadeiro “comer o pão que o diabo amassou”. Usava tornozeleira, foi muito difícil conseguir emprego, se refere à situação “humilhante”, todos os lugares que entregava currículo pediam os antecedentes criminais. Único serviço que o aceitaram foi em um lavacar, recebia R$ 40,00 por dia.

CONCLUSÃO

Discutir sobre o estudo e trabalho do preso e a consequente remição da pena é algo corriqueiro dentro da comunidade acadêmica. O diferencial trazido neste estudo foi a busca de dados empíricos sobre o tema, visto não haver estudos que aborde os efeitos da Lei de Execução Penal. A ausência de estudos inviabiliza a comparação dos dados desta pesquisa com outros estudos. O que se tem, na maioria das vezes, são análises de conceitos trazidos pela lei, sem que estudos empíricos sobre sua aplicabilidade sejam publicados.

Embora a LEP esteja em vigor desde 1984, este estudo indicou que a lei é parcialmente cumprida, visto que 33,3% da amostra não estudou e 18% não trabalhou enquanto esteve em regime fechado. Com base nos resultados dessa pesquisa, é possível propor a implementação de programas de trabalho mais abrangentes e diversificados nas instituições prisionais paranaenses.

A análise dos dias de estudo dos presos destaca a importância do acesso a oportunidades educacionais, visto que muitos deles não concluíram a Educação Básica. Desse modo, estudar ainda que recluso de sua liberdade, desempenha um papel fundamental na ressocialização e na capacitação dos presos, preparando-os para uma vida produtiva após o cumprimento da pena.

Os entrevistados reconheceram a importância do trabalho dentro do cárcere. Um deles mencionou que sequer sabia que trabalhando poderia reduzir sua pena, inicialmente ficava bem apenas por sair do seu “quadrado” e frequentar um “quadrado maior” – se referindo à marcenaria. O outro, informou que são os guardas que definem o que acontecerá com os presos, que ele “conseguiu uma vaga para a faxina por ser o mais antigo da galeria”. 

A principal limitação foi a ausência de dados. Não se pode afirmar com certeza que todos os indivíduos que trabalharam e estudaram no cárcere tiveram a remição de pena garantida. Muitas variáveis selecionadas para o estudo (tempo de estudo, nível escolar, tempo de trabalho, estado civil, entre outras) estavam subnotificadas. A ausência destas informações prejudica a análise geral das condições de estudo e trabalho no cárcere.

Importante mencionar que os processos começaram a ser implantados na plataforma do SEEU nos últimos 5 anos. Os processos que antes tramitavam no PROJUDI (Processo Judicial Digital), foram enviados ao SEEU. Ocorre que essa migração foi realizada por servidores do poder judiciário, o que ensejou discrepância de informações e perda de dados. Sendo assim, é provável que a ausência de dados não seja indicativa da não existência deles e sim da falta de atualizar o processo na plataforma nova. Já os processos mais recentes foram diretamente implantados no SEEU, o que chega mais próximo da realidade dos dados.

A segunda limitação foi sobre a realização das entrevistas. Inicialmente foram programadas 20 entrevistas, sendo 10 com presos que haviam estudado e trabalhado e 10 com os que não tiveram acesso aos benefícios. No entanto, a maioria dos egressos contatados recusou-se a participar da entrevista. Restaram apenas um egresso de cada grupo, para participar da pesquisa.

O estudo realizado contribuiu para apresentar dados empíricos sobre a implantação da lei de execução penal, no que se refere ao artigo 126 em algumas penitenciarias do estado do Paraná. Estes dados poderão fornecer elementos reais para a discussão e implantação de políticas públicas que visem a ressocialização dos presos do estado. Observou-se que o artigo 126 é parcialmente aplicado e que muitos presos, infelizmente, não podem aproveitar o benefício estabelecido pela legislação.

Para Karina A. Denicol e Paulo J. S. Bittencourt[27], a maior virtude seria o vínculo entre justiça e ética, por contemplar como um mesmo fenômeno a ética privada e a pública, desta forma, revelando o principal propósito do Estado. Os problemas no cárcere provam o quanto é ruim funcionamento estrutural do Estado, provoca violação dos direitos fundamentais dos presos, e consequentemente colocam em risco a segurança da sociedade como um todo. 

A deficiência em aplicar a lei no sistema penitenciário do Estado do Paraná e a dificuldade que existe na estrutura dos estabelecimentos prisionais demonstram a necessidade de desenvolver políticas concretas para a reabilitação do indivíduo. Estes são aspectos que induzem a uma reflexão premente das políticas de execução penal, que dependem da existência de recursos materiais e financeiros, e do envolvimento do poder judiciário, para que determine o cumprimento dessas obrigações por parte do Estado[28].

A pesquisa demonstrou a necessidade de garantia dos direitos fundamentais a todos os encarcerados, pelo poder judiciário e pelo sistema penitenciário, em destaque o estudo e o trabalho. Além de futuras abordagens para analisar os efeitos do estudo e trabalho na ressocialização do preso.

REFERÊNCIAS

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Notas de Rodapé

[1]     Mestre em Psicologia Forense pela Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, Paraná, CEP 82010-210, e-mail contato@jbuiar.adv.br, https://orcid.org/0009-0004-9498-7885.

[2]     Pós-doutor em Direito pela Universidad de León/Es e pela Pontifícia Universidade do Paraná, Pós-Doutor em Psicologia Cognitiva pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Pós-Doutor em Ontologia e Epistemologia pela Pontifícia Universidade do Paraná, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Professor de graduação (PUCPR) e pós-graduação (lato e stricto sensu). Email: tiagogagliano@hotmail.com, https://orcid.org/0000-0003-1551-3733.

[3]     Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Professora aposentada da UFPR. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia (2009-2013), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná. Email: paulainezgomide@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-3361-8993

[4]     BRASIL, Decreto Lei nº 7210, de julho de 1984, Institui a Lei de Execução Penal, Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, Acesso em: 24 ago. 2023.

[5]     TORRES, Eli Narciso da Silva, TORRES, Osmar, “A remição de pena pelo estudo no congresso nacional: militância, lobbies e redes para a aprovação do dispositivo jurídico no Brasil”, Revista Imagens da Educação, vol. 9, nº. 1, mai. 2019, p. 73.

[6]     BRASIL, Decreto Lei nº 7210, de julho de 1984, Institui a Lei de Execução Penal, Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, Acesso em: 24 ago. 2023.

[7]     NUCCI, Guilherme de Souza, Direitos humanos versus segurança pública: questões controvertidas penais, processuais penais, de execução penal e da infância e juventude, 1ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 141 – 142.

[8]     FERRA JOLI, Luigi, Epistemología jurídica y garantismo, 2ª ed., México, Distribuciones Fontamara, 2008, p. 56.

[9]     FERRAJOLI, Luigi, Democracia y garantismo, 1ª ed., Bologna, Editorial Trotta, 2008, p. 63.

[10]    FERRAJOLI, Luigi, Epistemología jurídica y garantismo, 2ª ed., México, Distribuciones Fontamara, 2008, p. 70.

[11]    BRASIL, Decreto Lei nº 7210, de julho de 1984, Institui a Lei de Execução Penal, Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, Acesso em: 24 ago. 2023.

[12]    BRASIL, Decreto Lei nº 7210, de julho de 1984, Institui a Lei de Execução Penal, Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, Acesso em: 24 ago. 2023.

[13]    TORRES, Eli narciso da Silva, A gênese da remição de pena pelo estudo: o dispositivo jurídico-político e a garantia do direito à educação aos privados de liberdade no Brasil, Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017, p. 38.

[14]    FONSECA, Andireia Gomes, A ressocialização do preso, 1ª ed., Belo Horizonte, São Paulo, D'Plácido, 2021, p. 130.

[15]    CABRAL, Luisa Rocha, SILVA, Juliana Leite, “O trabalho penitenciário e a ressocialização do preso no Brasil”, Revista do CAAP, vol. 1, nº. 1, jun. 2010, p. 179.

[16]    TORRES, Eli Narciso da Silva, “A máquina de contar dias é a mesma de moer gente: educação, remição de pena e a dinâmica penitenciária”, Revista Educação e Cultura Contemporânea, vol. 17, nº. 48, abr. 2020, p. 187.

[17]    COSTA, Mário Graça da, KAPIKI, Esmael Tomás, KASSOMA, Adalziro João Djovany Jaime, AFONSO, Arlindo da Costa, “A delinquência juvenil em angola: um olhar para educação, desigualdades sociais e económicas dos jovens, caso do município do bailundo”, Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, vol. 8, n. 2, fev. 2022, p. 43.

[18]    RAMIDOFF, Mário Luiz; JUNIOR, Nicola Frascati. “Desafios do direito penal no século XXI: direito positivo e diversidade cultural (a norma, o valor e o facto como dimensões ético-sociais-jurídicas-políticas do ser humano”, Revista Internacional Consinter de Direito, nº. 9, 2019, p. 354.

[19]    RAMIDOFF, Mário Luiz, JUNIOR, Nicola Frascati, “Desafios do direito penal no século XXI: direito positivo e diversidade cultural (a norma, o valor e o facto como dimensões ético-sociais-jurídicas-políticas do ser humano”, Revista Internacional Consinter de Direito, nº. 9, 2019, p. 340.

[20]    CERQUEIRA, Paloma Gurgel de Oliveira, “O direito humano à saúde no cárcere: inconstitucionalidades do pacote anticrime e o cerceamento ao direito de visita”, Revista Internacional Consinter de Direito, nº. 9, 2020, p. 273.

[21]    BRASIL, Secretária-geral da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude, Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil, Brasília, Presidência da República, 2015, Disponível em: https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/89, Acesso em: 25 ago. 2023.

[22]    BONALUME, Bruna Carolina, JACINTO, Adriana Giaquet, “Encarceramento juvenil: o legado histórico de seletividade e criminalização da pobreza”, Revista Katálysis, vol. 22, nº. 1, jan. 2019, p. 165.

[23]    SANDER, Jany Boswell, SHARKEY, Jill D, GROOMES, Amber N, KRUMHOLZ, Lauren, WALKER, Kimberly, HSU, Julie Y, “Justiça social e infratores juvenis: exemplos de justiça, respeito e acesso em ambientes educacionais”, Revista de Consulta Educacional e Psicológica, vol. 21, p. 7.

[24]    CELLA, Machado Silvana, CAMARGO, Dulce Maria Pompêo de, “Trabalho pedagógico com adolescentes em conflito com a lei: feições da exclusão/inclusão”, Revista Educação & Sociedade, vol. 30, nº. 106, jan. 2009, p. 289.

[25]    TORRES, Eli Narciso da Silva, “Prisão, educação e remição de pena no Brasil”, 1ª ed., São Paulo, Paco Editorial, 2020, p. 287.

[26]    SILVA, Maristela Vieira, A educação auxiliando na ressocialização: uma experiência docente em “celas de aula” no conjunto penal em Valença-BA in VI Semana Internacional de Pedagogia, II Encontro Estadual de Educação em Prisões de Alagoas, I Seminário de Educação em Prisões de Alagoas, Maceió – AL, 2018, Disponível em, https://doity.com.br/media/doity/submissoes/artigo-b9fea59e29d042dfc05f7206defe1a56deded14e-segundo_arquivo.pdf, Acesso em: 24 ago. 2023.

[27]    DENICOL, Karina A., BITTENCOURT, Paulo J. S, “Concepção de Justiça em Aristóteles”, Revista Internacional Consinter de Direito, v. 8, n. 14, 2022, p. 60.

[28]    FERRARI, Paola Nery, A responsabilidade do Estado decorrente de atos jurisdicionais, Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009, p. 47.