Ressocialização de Presos pela Produção Literária
DOI: 10.19135/revista.consinter.00013.06
Recebido/Received 30.04.2021 – Aprovado/Approved 19.07.2021
Paloma Gurgel de Oliveira Cerqueira Bandeira[1] – https://orcid.org/0000-0002-6935-2261
E-mail: palomagurgel_adv@hotmail.com
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar a ressocialização de presos através de produção literária. A crise populacional que assola o sistema penitenciário brasileiro é uma realidade. Um dos principais fatores a contribuir para a alta taxa de ocupação dos presídios é o alto índice de reincidência. Essa situação denota a falha das atuais políticas públicas de ressocialização dos apenados, que não cumprem, a contento, a sua missão. Nesse contexto, merece destaque a falta de incentivos por parte da nossa legislação, e das autoridades públicas, à produção literária por parte daqueles que estão recolhidos ao cárcere. A atividade intelectual promovida pela produção de obras literárias exige, em suas mais variadas nuances, um nível de conhecimento e consciência por parte do autor, o que, por si só, exige maior engajamento por parte daquele que se põe a externar os pensamentos. Por exigir mais comprometimento, é natural que a propensão dessas pessoas à vida intelectual se torne mais natural. Justamente por isso, a hipótese levantada neste trabalho é que o incentivo à produção literária, nos cárceres brasileiros, ajudaria na ressocialização dos presos. Na busca por respostas para a hipótese formulada adotou-se a pesquisa bibliográfica como método de pesquisa. Os resultados encontrados confirmaram a hipótese levantada, demonstrando que o correto incentivo à produção literária poderia ser um agente de transformação no cárcere, promovendo a adequada ressocialização dos presos através da produção intelectual.
Palavras-chave: Processo Penal. População Carcerária. Ressocialização. Produção Literária.
Abstract
This article aims to analyze the resocialization of prisoners through literary production. The population crisis plaguing the Brazilian penitentiary system is a reality. One of the main factors contributing to the high occupancy rate of prisons is the high rate of recidivism. This situation denotes the failure of current public policies for the rehabilitation of inmates, who do not satisfactorily fulfill their mission. In this context, it is worth highlighting the lack of incentives on the part of our legislation, and public authorities, for literary production by those who are confined to prison. The intellectual activity promoted by the production of literary works requires, in its most varied nuances, a level of knowledge and awareness on the part of the author, which, by itself, requires greater engagement on the part of the one who sets out to express his thoughts. Because it requires more commitment, it is natural that these people’s propensity for intellectual life becomes more natural. Precisely for this reason, the hypothesis raised in this work is that the incentive to literary production, in Brazilian prisons, would help in the re-socialization of prisoners. In the search for answers to the formulated hypothesis, bibliographic research was adopted as a research method. The results found confirmed the raised hypothesis, demonstrating that the correct incentive to literary production could be an agent of transformation in prison, promoting the adequate resocialization of prisoners through intellectual production.
Keywords: Criminal Procedure. Prison population. Resocialization. Literary Production.
Sumário: Introdução; 1. A situação carcerária no Brasil; 2. A ressocialização dos presos; 3. Produção literária como aspecto de ressocialização; 4. Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Ao se analisar o contexto histórico do sistema repressivo penal, observa-se a evolução do tratamento dado pelas civilizações ao preso. A mutilação e a morte eram tidas como principais penas aplicadas nas primeiras comunidades humanas. Cita-se neste exemplo, as civilizações que se desenvolveram ao longo dos rios Tigres e Eufrates nos anos 3000 a.C, onde originou-se o famoso Código de Hamurábi.
Com a evolução do comércio, e a necessidade da mão de obra abundante, o trabalho forçado passou a figurar no centro das sanções penais à medida que as civilizações da Idade Média progrediam. Foi, no entanto, na idade moderna (séculos XVII e XVIII) que as grandes nações do mundo, cansadas das práticas de tantas barbáries sob a égide do império da lei, começaram a migrar para um sistema mais humano de aplicação da lei penal.
Em meados do século XVIII, Cesar Bonesana, também conhecido como “o Marquês de Beccaria”, publicou a sua obra mais famosa (Dei Delliti e Delle Pene). Esta viria a ser o maior baluarte da luta contra as arbitrariedades promovidas no sistema penal da época. Segundo sua obra, o magistrado poderia aplicar apenas as penas previstas em lei. Indo além, se referia às penas cruéis como “odiosas e contrárias à justiça”, e concluía sobre as prisões da época que eram “horrível mansão do desespero e da fome, faltando dentro delas muitas coisas, mas principalmente piedade e a humanidade”.
No direito contemporâneo, principalmente após o advento da publicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o exercício da punição penal pelo Estado ganhou outro enfoque: a ressocialização do preso à comunidade. Muito mais que evitar o acometimento de penas graves e odiosas ao sujeito judicialmente condenado, o Direito Moderno passou a resguardar a busca pela recuperação deste através de práticas que lhe permitam, após o cumprimento da pena, voltar a conviver serenamente em sociedade.
Atualmente a tentativa do Estado brasileiro em promover a ressocialização do apenado possui dois frontes principais de batalha: a capacitação do preso para exercício de trabalhos técnicos e, ainda, a promoção da educação formal dele. Sob o enfoque desse novo tratamento dado à figura da pessoa recolhida ao cárcere privado, há de se destacar que em meados de 1950 foram escritas as Normas Gerais do Regime Penitenciário, Lei 3.274/1957. Estas são o ponto de partida para a opção do nosso regime legal pela implantação da educação formal do apenado como corolário para ressocialização deste.
Sobre o aspecto educacional das Normas Gerais do Regime Penitenciário, Eliane Leal Vasques (2008, p. 70) conclui que:
O objetivo seria o de incorporar no cotidiano do cárcere uma educação completa, sem restrições, o que não foi bem consolidado, por falta de uma organização técnica eficiente, o que se conecta com a realidade nacional de descaso com os presídios brasileiros.
Hoje, a reclusão ao cárcere no Brasil é tida como verdadeiro estigma para o apenado. Não é segredo que, todo aquele que eventualmente for condenado à privação de liberdade pela justiça, passará a enfrentar uma série de vexames de toda ordem em nossa sociedade. A alcunha de bandido fica marcada na pessoa do condenado, o qual acaba, na maioria das vezes, a ser reconhecido apenas por esse termo. Não nos esqueçamos ainda da crença popular traduzida no adágio “bandido bom é bandido morto”, que revela o pensamento de boa parte do nosso coletivo social sobre qual deveria ser o destino do apenado.
Essa crença social acerca da irretratabilidade do apenado faz com que nós esqueçamos que, por trás da situação penal que gerou a condenação, há uma pessoa na posição de condenado. Por mais que tenha cometido um delito, essa pessoa, assim como todos nós, possui sentimentos, ambições, esperanças e – principalmente – direitos.
Dentro desse prisma de direitos do apenado, e porque não dizer dever do Estado, destaca-se o direito à ressocialização na vida comunitária. Esta propicia a correta reintegração deste à sociedade, após o cumprimento da pena anteriormente estabelecida. Não havendo a possibilidade da aplicação da pena de prisão perpétua no Brasil, é de se assentir que um dia o apenado cumprirá integralmente a pena judicialmente aplicada, e – após esse período em reclusão – deverá ter reestabelecida a sua plena liberdade. É nessa toada que a ressocialização do preso no âmbito do sistema judiciário brasileiro revela merecer grande destaque, à medida em que habilita o apenado a se reintegrar à sociedade, passando inclusive a poder contribuir com a evolução desta.
O espírito das leis brasileiras evoluiu muito, como vimos, passando a questão da ressocialização do preso a constar inclusive do ordenamento jurídico, conforme se vê adiante:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana;
[…]
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na mesma forma desta Constituição.
Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984
Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
[…]
Art. 3º. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
[…]
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
[…]
Art. 11. A assistência será:
[…]
IV – educacional;
V – social;
Dentro do campo da ressocialização pela educação formal do preso, o apenado, no sistema carcerário, encontra a possibilidade da prática de atividades de leitura e estudo – que permitem inclusive a remição da pena. No entanto, não existe ainda, no Brasil, regramento ou mesmo incentivo que trate da ressocialização do apenado pela produção literária, seja ela científica ou artística.
É inegável que a produção literária, ou mesmo de documentos científicos sobre os mais diversos e variados campos do saber, são por demais coerentes com o objetivo de ressocialização dos apenados. É indiscutível a contribuição desta modalidade para a realocação do preso na sociedade. No entanto, a falta de estímulos para a produção do conhecimento pelas pessoas recolhidas ao cárcere acaba por limar a possibilidade da ocorrência de situações como esta.
Na história mundial não faltam exemplos de grandes obras produzidas enquanto os seus autores estavam presos. A exemplo dessa situação cita-se Dom Quixote, produzido por Miguel de Cervantes; Memórias do Cárcere, escrito por Graciliano Ramos; Cartas do Cárcere, do filósofo italiano Antonio Gramsci; De Profundis, de Oscar Wilde; Introdução à Filosofia Matemática, de Bertrand Russell, e O Livro das Maravilhas, do mercador veneziano Marco Polo. Biblicamente, pode-se citar ainda as epístolas produzidas durante a prisão do apóstolo Paulo (Efésios, Filipenses, Filemom e Colossenses) que somadas ao Evangelho constituam a base central dos ensinamentos cristãos.
Como visto, a produção literária é um caminho, além de uma enorme possibilidade, para a ressocialização da população carcerária. Falta ainda, no entanto, legislação e estímulos do Poder Público em promover essa atividade entre os enclausurados. No Brasil são poucos os exemplos de apenados que produziram algum tipo de conteúdo intelectual. Percebe-se, então, a falha do sistema carcerário ao não promover este tipo de atividade intelectual sob a ótica da ressocialização dos presos.
É justamente essa falha estatal que deu origem aos questionamentos do presente trabalho. A partir da observação do aumento exponencial nos números da população carcerária brasileira, verificou-se que um dos pontos a justificar o crescimento desta é justamente a falta de ressocialização dos presos. Indo além, constatou-se a completa falta de estímulos à produção literária por parte dos apenados, o que demonstra o descaso com que o tema é tratado em nosso país.
Não há dúvidas que a produção intelectual – de livros, artigos, histórias etc. – reveste-se de um caminho que permite o retorno dos apenados ao seio social de forma mais humana e justa. A atividade intelectual, aqui repensada na produção literária, além de estimular o desenvolvimento do intelecto e raciocínio do apenado, possibilita a contribuição destes à sociedade com a promoção de seus estudos, histórias, conclusões, achados, dentre outros.
Analisar, portanto, a possibilidade do estímulo pelo Estado à produção literária dos apenados é o principal objetivo deste artigo, verificando ainda a viabilidade da remição da pena pelas obras escritas.
A hipótese a ser estudada neste artigo é a de que a produção literária é uma importante ferramenta passível de utilização pelo Estado na ressocialização dos presos. Sabendo que a produção de conteúdo intelectual é um dos vieses da educação formal de todo indivíduo, é fácil concluir, portanto, que este tipo de atividade estaria dentro do escopo da Constituição Federal e da Lei de Execuções Penais.
O método de pesquisa utilizado foi a da revisão bibliográfica de artigos científicos, obras literárias, além do estudo do posicionamento de renomados autores. O desenvolvimento do presente estudo levou à inevitável conclusão de que o estímulo do Estado à produção literária, dentro dos presídios brasileiros, é um importante método a permitir a ressocialização daqueles recolhidos ao cárcere.
É inegável que a educação é uma importante ferramenta utilizada no desenvolvimento pessoal. Além de ser direito constitucionalmente assegurado a todos, existem uma série de regras e leis que visam resguardar o direito da população à educação formal. Por que não ofertar igual tratamento à população carcerária? Sem sombra de dúvidas, o estigma encravado naqueles que foram criminalmente condenados, somada à baixa escolaridade e capacitação técnica da imensa maioria da população carcerária, contribuem para o não atingimento do objetivo de ressocialização destes ao final do cumprimento da pena.
O estímulo à produção literária dentro dos presídios brasileiros vem a ser uma importante ferramenta para assegurar a consecução desse fim, na medida em que promove estímulos à capacitação intelectual dos presos. É, portanto, dever do Estado ofertar e estimular programas de incentivo à produção literária entre aqueles recolhidos ao cárcere como forma de estimular o desenvolvimento destes, fazendo surgir conhecimento e produção artística e científica de onde somente se espera violência e desespero.
1 A SITUAÇÃO CARCERÁRIA NO BRASIL
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a população carcerária do Brasil chegou, em 2019, à marca de 773 mil presos, considerando todos os regimes de aplicação da pena. São pessoas que, a despeito de terem cometido crimes de todas as naturezas, ainda assim são humanos, e, portanto, pessoas que devem ter assegurados os princípios basilares da dignidade humana.
A pesquisa promovida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – denominada Projeto Sistema Prisional em Números – trouxe dados alarmantes quanto às condições das instalações carcerárias do Brasil. Os números mostram que a taxa de ocupação dos presídios está em 175%. Segundo o levantamento feito, 58% dos estabelecimentos prisionais não dispõe de assistência médica aos internos e 44% dos presídios não possuem qualquer tipo de assistência educacional.
Conforme os dados colhidos no estudo do CNMP é possível observar que 55% dos detentos brasileiros estão na faixa etária dos 18 aos 29 anos, ou sejam, são pessoas que têm uma longa vida pela frente. No entanto, segundo o relatório Reentradas e Reiterações Infracionais produzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, 42,5% das pessoas maiores de 18 anos que possuíam passagem pelo sistema prisional em 2015 retornaram ao cárcere até o ano de 2019. Os números impressionam e, ao mesmo tempo, enunciam o fracasso nacional na tentativa de ressocialização da população carcerária.
Outro dado merece destaque: visível na pesquisa realizada pelo CNMP, temos a informação de que a população carcerária multiplicou por 8 desde o início do catálogo dos dados por aquele órgão em 1990. Ao manter esse ritmo, é devastador o futuro que se apresenta para a nossa sociedade. Justamente por esse motivo, o debate sobre a ressocialização dos presos, bem como os mecanismos que possibilitem esta, são mais atuais e pertinentes que nunca.
É justamente em razão dos dados apresentados, que atestam a incapacidade do Estado brasileiro de ressocializar a população penitenciária, que o presente estudo revela a importância. Se seguirmos com a tendência de alta tanto do número da população carcerária, quanto do número de reincidentes, chegaremos indiscutivelmente à uma situação insustentável – a qual, a bem da verdade, já estamos.
Os dados colhidos pelos diversos órgãos componentes do judiciário brasileiro demonstram que o Direito Penal, mais especificamente a reclusão do condenado aos estabelecimentos prisionais, tem dado, cada vez mais, razão ao caráter primário da pena, qual seja, o enclausuramento do indivíduo. Sobre o encarceramento exacerbado dos condenados, Louk Hulsman (1997, p. 69) afirma:
Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Vemo-nos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinquente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social.
A própria concepção do enclausuramento, promovida pela reclusão do apenado ao cárcere privado, revela o problema social atinente à maneira como o Estado tem enfrentado a questão da segurança pública. Recolhe-se à cadeia todos aqueles excluídos de toda ordem. Os estudos acima elencados revelam que a maior parcela da população carcerária no Brasil é preta e pobre, relevando que justamente as pessoas que estatisticamente não possuem, em sua grande maioria, as condições dignas mínimas necessárias à vida, são as que mais enveredam pelo caminho do crime.
Ao se depararem com a realidade do sistema prisional, aquelas pessoas, que já não possuíam boas expectativas de uma vida digna em nossa sociedade, apenas afloram o ressentimento e a criminalidade que existe em si. Ora, se a sociedade não acolhe tais pessoas, qual seria o estímulo que elas teriam para se adaptar à sociedade? Como visto nos relatórios e dados apresentados, a reincidência é alta, com tendências ao cometimento de crimes cada vez mais graves. Sobre esse ponto, pontua Loïc Wacquant ao dizer que a gestão penal da insegurança social alimenta-se de seu próprio fracasso programado.
Thomas Mathiesen (1997, p. 275), ao analisar a questão conclui que:
Se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas –, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já.
Conforme vimos nos resultados dos estudos apresentados, a situação carcerária do Brasil é grave e com forte tendência de piorar se nada for efetivamente feito. A adoção de medidas de ressocialização se revela, mais que nunca, necessárias à reabilitação destas pessoas que porventura tenham, em alguma ocasião de suas vidas, optado pela prática delituosa. É cada vez mais premente, e necessária, a recuperação dos presos de nossas cadeias. Por essas razões, deve a ressocialização destes ser encarado como seriedade e afinco, para melhoria da vida em sociedade. Esta diretiva deveria, inclusive, ser tratada como política pública prioritária de enfrentamento à criminalidade.
2 A RESSOCIALIZAÇÃO DOS PRESOS
Há, ou pelo menos deveria existir, uma preocupação com a dignidade da pessoa humana privada de sua liberdade desde o advento da Declaração Universal dos Direitos dos Homens. No entanto, podemos ir além no tempo para encontrar no texto bíblico fundamentação para essa preocupação. Vemos em Hebreus a seguinte passagem:
Lembrai-vos dos encarcerados, como se vós mesmos estivésseis presos com eles. E dos maltratados, como se habitásseis no mesmo corpo com eles. (Hb 13, 3)
Os ensinamentos cristãos venceram as barreiras do tempo para, nos tempos atuais, reverberarem em nossa sociedade. Nossa Lei de Execuções Penais prevê, logo em seu primeiro artigo, o objetivo da reinserção do apenado em nossa sociedade. Sobre essa disposição legal, Bitencourt leciona (2012, p. 130):
A Lei de Execução Penal (LEP), já em seu art. 1º, destaca como objetivo do cumprimento de pena a reintegração social do condenado, que é indissociável da execução da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja a concomitância dos dois objetivos legais, quais sejam, o castigo e a reintegração social, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal e contrária à Constituição Federal.
Conforme visto, o Estado tem o dever legal de adotar medidas que possibilitem aos apenados o futuro retorno ao harmônico convívio social. Por reintegrar uma pessoa podemos entender que é a oferta, ao condenado, da possibilidade de cumprir pena em regime privativo de liberdade em condições mínimas. Tendo estas, é factível crer que ele poderá se reorganizar, não necessitando, futuramente, encontrar na delinquência um modo de vida. Essa busca pelo retorno do apenado ao convívio social somente será atingida se conseguirmos cumprir os objetivos máximos da Lei de Execuções Penais. Ao tratar sobre tema, Mirabete (2008, p. 28) ensina que:
A primeira delas é a correta efetivação dos mandamentos existentes na sentença ou outra decisão criminal, destinados a reprimir e prevenir os delitos. Ao determinar que a execução penal “tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal”, o dispositivo registra formalmente o objetivo de realização penal concreta do título executivo constituído por tais decisões. A segunda é a de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, instrumentalizada por meio da oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança possam participar construtivamente da comunhão social.
Podemos dizer que a Lei de Execuções Penais tem por base os novos paradigmas de uma construção social. Devemos perseguir, ao mesmo tempo, os aspectos de prevenção e humanização da pena imposta, ao passo que nos distanciamos cada vez mais do antigo método com caráter exclusivamente punidor. Nessa nova era do entendimento da execução penal, deve-se ter em mente que a reinserção social daquele que está recolhido ao cárcere é de interesse da própria coletividade.
A ressocialização do indivíduo, enquanto cumpre sua pena, tem como objetivo oferecer dignidade de vida a este, cumprindo assim os mandamentos máximos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse regramento sustenta logo em seu art. 1º que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
A ressocialização do apenado, em sua essência, é propiciada pelo apoio assistencial e ajuda na aquisição (pelo enclausurado) de conhecimento técnico e habilidades necessárias para o seu futuro convívio em sociedade. Fornecer as ferramentas necessárias para que o apenado possa contribuir positivamente com a sociedade, para além de beneficiar esta, garante a ele autoconfiança, honra e autoestima. Tais sentimentos propiciam ao preso o sentimento de pertencimento, que lhe possibilitará reintegrar-se na sociedade. Afinal, se o enclausurado sente que faz parte dela, querer-lhe-á somente o que for de melhor.
Apesar de conhecer o caminho, e de haver inclusive legislação apontado para ele, o nosso sistema carcerário falha em ressocializar os seus presos. Esta conclusão pode ser obtida após uma simples análise dos números apresentados no início deste trabalho. Ao não agir para recuperar aqueles que pelos mais diversos motivos descaminharam-se para o mundo do crime, o Estado Brasileiro colabora para as taxas cada vez mais crescentes de pessoas reincidentes na criminalidade. A nossa sociedade falha uma primeira vez com os indivíduos, que por falta de amparo (material, emocional etc.) acabam por delinquir; e falha novamente, ao não conseguir recuperá-los, fazendo aumentar cada vez mais as estatísticas apontadas.
É sabido que o homem não foi feito para viver preso. O anseio pela liberdade nos é intrínseco. Mas não só a liberdade basta. É necessário dar a ele uma razão para não voltar a delinquir. E essa razão passa invariavelmente pela ressocialização do apenado. Não se nega o caráter punitivo/pedagógico que a pena deve ter, afinal, extirpar o mal da sociedade passa, em certo grau, pela reprimenda de condutas não desejadas por ela. Mas ater-se apenas ao caráter punitivo da pena já se revelou insuficiente como pedra de toque da nossa política criminal. Os números constantes das pesquisas do CNJ e CNMP infelizmente revelam: a reincidência cada vez maior constituem um grande motivo para o crescente aumento da população carcerária brasileira.
3 PRODUÇÃO LITERÁRIA COMO ASPECTO DE RESSOCIALIZAÇÃO
O primeiro baque ao se pesquisar sobre o incentivo do Estado à produção literária, para mapeamento da bibliografia a ser analisada na elaboração do presente estudo, foi a ingrata surpresa no que diz respeito à ausência de projetos e estudos sobre o tema. Atualmente, a ressocialização do preso no Brasil possui somente dois vieses: o trabalho e o estudo. Este último, por seu turno, ocorre principalmente sobre o enfoque da leitura de obras literárias e posterior resenha para apresentação às autoridades carcerárias, que avaliarão o desempenho do apenado neste ofício.
Não foi encontrado, no Brasil, nenhum projeto ou força-tarefa específica que tenha como ponto basilar o estímulo dado aos presos para a produção literária autoral. Tal achado revela o descaso com que é tratado o tema no âmbito da sociedade brasileira, em especial pelo sistema penitenciário. Não está a se negar aqui a relevância que a leitura promovida no âmbito do sistema prisional tenha na ressocialização dos apenados. Nem poderíamos enveredar por tal argumentação, pois o processo de leitura é essencial para a compreensão do ser humano de seu contexto perante a sociedade.
Não obstante a leitura seja uma prática valiosa e importante para o desenvolvimento da consciência humana, é a escrita, sem sombra de dúvidas, que proporciona um grau superior de desenvolvimento da percepção do indivíduo como parte do coletivo. A interpretação textual, demandada durante a atividade de leitura, possui limitações à busca pelo sentido dado ao autor do texto. A produção textual, por seu turno, exige do agente que escreve o uso de diferentes habilidades cognitivas do ser humano.
Irandé Antunes (2010), ao tratar da elaboração de textos, explicita que a produção textual não é, unicamente, a exposição de ideias ou informações através de códigos e classes gramaticais. Para a autora, a produção literária pressupõe etapas interdependentes e complementares entre si, sendo a fase inicial o planejamento das ideias a serem desenvolvidas e as fases posteriores correspondendo à execução da atividade de criação textual em si.
Marcuschi (2008), corrobora afirmando que os textos são “o resultado de uma ação linguística e suas fronteiras são determinadas pelo mundo em que ele está inserido”. É perceptível que, para os renomados autores, a produção textual constitui atividade superior à simples leitura. Aquela engloba e envolve muito mais a psique humana em sua realização do que esta.
Em nossa sociedade há uma preocupação com o letramento das pessoas desde a tenra idade. A noção de letramento, no sentido de desenvolvimento da leitura combinada com a escrita, é amplamente defendida na sociedade, com vistas à inserção das pessoas no contexto social onde tais habilidades são requeridas. Tal preocupação advém do fato de que a linguagem é a maior capacidade de que o ser humano possui para interagir com outras pessoas. Por isso mesmo, a Base Nacional Comum Curricular estabelece, desde a etapa do ensino fundamental, o estímulo à produção textual nas escolas.
Essa preocupação dada pelo Estado à educação básica não encontra igual sorte no que tange às pessoas privadas de sua liberdade. Pela análise das competências necessárias para a produção textual, percebe-se claramente que, no contexto de separação do indivíduo da sociedade através do cárcere, franquear – e, principalmente, estimular – a produção literária destas pessoas é garantir a elas a dignidade à expressão de seus ideais e pensamentos. O estímulo à produção literária por pessoas condenadas à reclusão da vida social é, portanto, medida que urge em nossa sociedade.
Ao alargar o campo de pesquisa, buscando tomar conhecimento de detentos que por si só tenham encontrado na produção literária um vislumbre de ressocialização, achou-se casos esparsos do surgimento de autores por detrás das grades. Um dos casos emblemáticos é o do custodiado do Centro de Recuperação Penitenciário Pará II, Antônio Carlos Almeida, de 52 anos, que escreveu nada menos que 40 livros em 13 anos recolhido ao cárcere.
Uma obra escrita no âmago de uma cela de prisão que ganhou enorme destaque no cenário nacional foi a edição do livro “Marcinho: Verdades e Posições – Direito Penal do Inimigo”, escrito por Márcio Santos Nepomuceno em colaboração com o jornalista Renato Homem. No livro, o autor se define como preso político, relembra episódios como o primeiro crime cometido, bem como sua prisão.
O livro foi prefaciado por Luis Carlos Valois, juiz responsável pela Vara das Execuções Penais de Manaus, que assim deu início à obra:
Antes de mais nada, isto é um livro. Importante ressalva, porque livros são necessários, livros estão em falta, precisamos de livros, cada vez mais livros, em uma sociedade em que se fala tanto e se lê tão pouco. O livro é a única arma que ninguém deveria temer, porque livro é diálogo, e diálogo é sempre o início do fim da violência. Quando se para a fim de ouvir e falar e, principalmente, quando se para a fim de escrever e ler, a violência cessa.
Mas é também o livro de um preso, e a prisão é sempre obstáculo. A fala dentro da prisão é limitada também por seus muros e suas grades. Além disso, e inclusive por isso, é uma fala rara. Não só porque a maioria dos presos não tem espaço para falar, está com a voz embargada pelo cimento, mas porque a maior parte dos presos brasileiros é analfabeta, e encontrar um preso para falar publicamente é difícil.
E isso, por si só, já é uma agravante da punição. Estar encarcerado e não poder se comunicar com o mundo é um acréscimo de dor não previsto em lei. Chega às raias da tortura manter alguém encarcerado sem que essa pessoa tenha a capacidade de gritar para o mundo que vive, o que pensa.
Temos aqui, todavia, um preso que falou e sabe pelo menos de uma coisa mais do que qualquer cientista, advogado ou professor de Direito Penal: sabe mais sobre a prisão. O que costumamos chamar de “ciência jurídica” não é nada se não ouvirmos o preso. Da prisão só sabemos do seu aspecto externo, de sua ilegalidade óbvia.
Este livro foi objeto de grande debate no mundo jurídico brasileiro quando a defesa do apenado solicitou à direção do presídio, onde ele se encontrava, autorização para gravar entrevista para divulgação do lançamento de seu livro. A direção da penitenciária negou o requerimento, tendo sido apresentado recurso ao juízo competente que assim fundamentou a decisão[2] concessiva da entrevista solicitada:
3. Contudo, na hipótese dos autos, a entrevista requerida abordará assuntos referentes ao livro escrito pelo detento, o que guarda consonância com sua ressocialização, de modo que há de se levar em consideração que, em um sistema criminal cuja finalidade maior é voltada para a recuperação daquele inserido na delinquência, as atividades intelectuais, dentro do campo da educação, se mostram mecanismos eficientes à promoção da ressocialização.
4. A produção literária, como forma de estudo, deve ser estimulada no sistema penitenciário, como instrumento de ressocialização, sendo sua divulgação por meio de entrevista jornalística uma maneira de prestigiar o trabalho desenvolvido pelo detento, notadamente quando o seu conteúdo, pelo que consta, não é voltado para a glamourização da atividade criminosa, sendo aplicável, aqui, o disposto no art. 99 do Decreto nº 6.049, de 2007, que deixa plasmado ser o contato externo requisito primordial no processo de reinserção social do preso, direito a ser assegurado, desde que adotada forma adequada e por intermédio de recurso permitido pela administração, preservada a ordem e a disciplina do estabelecimento penal federal, o que é a hipótese dos autos.
Outro caso semelhante ao narrado foi o pedido da defesa de Luiz Fernando da Costa para divulgação, em entrevista jornalística, de temas da sua monografia e livro escrito. Nesta situação, em consonância com os princípios norteadores da execução penal, em especial a promoção da ressocialização do apenado, restou assim ementada a decisão[3] que concedeu a autorização de entrevista pleiteada:
5. Não deve ser concedida a entrevista jornalística com preso no âmbito de penitenciária de segurança máxima, sem propósito ressocializador, por ser ato que não se compatibiliza com a finalidade do Sistema Penitenciário Federal.
6. Na hipótese dos autos, a entrevista requerida abordará assuntos referentes ao livro escrito pelo detento, o que guarda consonância com a sua ressocialização, de modo que há de se levar em consideração que, em um sistema criminal cuja finalidade maior é voltada para a recuperação daquele inserido na delinquência, as atividades intelectuais, dentro do campo da educação, se mostram como mecanismos eficientes à promoção da ressocialização.
7. A produção literária, como forma de estudo, deve ser estimulada no sistema penitenciário, como instrumento de ressocialização, sendo sua divulgação por meio de entrevista jornalística uma maneira de prestigiar o trabalho desenvolvido pelo detento, notadamente quanto ao seu conteúdo, pelo que consta, não é voltado para a glamourização da atividade criminosa, sendo aplicável, aqui, o disposto no art. 99 do Decreto nº 6.049, de 2007, que deixa plasmado ser o contato externo requisito primordial no processo de reinserção social do preso, direito a ser assegurado, desde que adotada forma adequada e por intermédio de recurso permitido pela administração, preservada a ordem e a disciplina do estabelecimento penal federal, o que é a hipótese dos autos.
Fácil perceber que são poucos os estímulos que o sistema penitenciário brasileiro dá ao apenado para que possa produzir textos, e até mesmo remir pena a partir desta prática. No entanto, despontam, inclusive na jurisprudência pátria, decisões e teses que fortemente embasam essa possibilidade. Como visto, a escrita de textos autorais corresponde ao último estágio de desenvolvimento das habilidades psicossociais de interação humana, pois exigem grau máximo de envolvimento do autor em sua confecção.
O estímulo aos presos para que produzam textos, em suas mais variadas vertentes, expressando suas ideias, pensamentos, ambições e planos, demonstra-se como verdadeiro objetivo a ser perseguido pela sociedade como meta para ressocialização deste. O desenvolvimento literário dos apenados possui o condão de dar voz a estes para que possam expressar-se e se fazer serem entendidos pela sociedade como um todo. Encontra-se, na produção literária, portanto, um importante mecanismo hábil a promover a ressocialização de presos, principalmente pelo alto grau de desenvolvimento de habilidades cognitivo-sociais que esta atividade promove.
Sendo a produção literária uma faceta da atividade intelectual inerente aos estudos, é imperioso concluir, ainda, que a realização deste tipo de atividade pelos apenados, importará, sem sombra de dúvidas, em hipótese legal de remição da pena. É crível concluir que a produção de textos e artigos acadêmicos, pelo preso, denotam o envolvimento do autor com o tema abordado na produção textual, o que implica, necessariamente, na atividade pensante, no desenvolvimento de ideias, tornando-as, portanto, aptas à promoção do instituto da remissão da pena.
Vê-se, por fim, que além de permitir a ressocialização do preso, a produção textual revela-se importante medida de política criminal. É que ela permite a recuperação do preso, pelo desenvolvimento intelectual, possibilitando, assim, sua reinserção na convivência social. Não restam dúvidas de que a pena aplicada deverá ser diminuída à medida em que a pessoa reclusa ao cárcere produza cada vez mais textos, demonstrando assim o seu interesse cada vez maior no próprio desenvolvimento intelectual.
4 CONCLUSÃO
Conforme visto ao longo do trabalho, o conceito de pena evoluiu bastante com a própria evolução da sociedade. Dos flagelos físicos provocados na pessoa condenada, passamos à época do trabalho forçado e posteriormente à exclusão desta do convívio social. Felizmente, a sociedade evoluiu de modo a tolerar, cada vez menos, a ocorrência da aplicação destes tipos de pena.
Com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, muito embora fosse possível se vislumbrar mandamentos bíblicos a tratar do tema, a figura do preso passou a ser vista como sujeito de direitos. A partir desse momento, a tentativa de recuperação social daquele que passou a ser recolhido ao cárcere ganhou uma posição de destaque nas finalidades das sanções penais impostas.
No campo do sistema legal brasileiro a ressocialização do preso ganhou proeminência e destaque através da Lei de Execuções Penais. Esta, por meio da LEP, acabou sendo estimulada tanto sob o viés do trabalho quanto da educação formal.
No que tange à educação formal, percebeu-se uma deficiência estatal em estimular a produção textual como mecanismo hábil à ressocialização do indivíduo recolhido ao cárcere. Dá-se muito enfoque à formação escolar do apenado, mecânica e reprodutora de conteúdo, sem, no entanto, lhe viabilizar a atividade pensante característica da essência do saber. A ausência de uma propensão acadêmica, em nosso sistema penitenciário, foi notada especialmente através da ausência de projetos ou programas que estimulassem, nos presídios brasileiros, a produção textual. Muito embora não se espera que sejam promovidas grandes oficinas literárias entre os apenados, o estímulo ao exercício intelectual – contido na produção textual – contribuiria, sem restar qualquer dúvida, à sociabilização desses.
Muito embora não seja estimulado, podemos encontrar casos isolados onde presos conseguiram destaques – e projeção nacional – pelas obras escritas. Esse fato demonstra cabalmente ser a ressocialização do preso pelo incentivo à produção literária, ou científica, uma vertente a ser perseguida por nossa sociedade. Para além de promover o senso crítico e intelecto da pessoa, a atividade intelectual exercida na produção de textos é, também, uma fonte de amparo e acolhimento à medida em que o autor consegue, através das palavras, expressar-se no mundo.
Como visto, a produção literária exige da pessoa um grau elevado de comprometimento – além de maiores capacidades cognoscitivas – para a expressão de seus ideais e pensamentos. Este objetivo é justamente o buscado pela Lei de Execuções Penais ao tratar do tema da ressocialização. A recuperação da pessoa condenada ao recolhimento ao cárcere é, sem sombra de dúvidas, uma esperança tanto da sociedade, que deseja uma decrescente no número de delitos cometidos, quanto do próprio indivíduo, que muita das vezes precisa apenas encontrar uma oportunidade no mundo.
Apesar dos ganhos significativos obtidos no âmbito pessoal e social do estímulo à produção textual, seja ela narrativa ou poética, raros são os casos em que houve qualquer tipo de incentivo a esta atividade em nosso país. Os poucos cases encontrados em nosso território demonstram, num primeiro momento, um vislumbre do que pode ser a pavimentação do caminho de uma política criminal de sucesso na busca pela ressocialização da população carcerária. O caminho já existe, tal qual ocorre na formação acadêmica comum a adolescentes, por exemplo. Como se vê, temos um caminho já pavimentado para que a produção literária seja incentivada como forma de ressocialização dos apenados, bastando apenas que haja um pontapé inicial para que ela se torne uma realidade.
Não existem razões, legais ou morais, que justifiquem não haver estímulo por parte da sociedade à produção de textos, contos e, por que não, artigos científicos, pelas pessoas reclusas ao cárcere. Como se sabe, a condenação criminal retira da pessoa tão somente os direitos que nela estão consignados, não abrangendo, no entanto, direitos sociais, como o direito à educação, da qual a produção literária é um importante viés.
A discussão que ora se apresenta é relativamente nova, não porque nunca foi cogitada, ou não houveram de existir exemplos de sua possível aplicação, mas sim porque não há, ainda, em nosso meio jurídico o estímulo. Não há, em verdade, sequer o debate sobre este tipo de prática. Encontramos, no atual cenário do constante crescimento da população carcerária, mais uma possibilidade de recuperação definitiva destes presos, através de sua ressocialização pela produção textual.
É evidente, portanto, a importância do estudo que se apresenta, à medida em que podemos estar defronte à uma importante possibilidade de ressocialização dos apenados. É dever do Estado, e da população de cobrar deste, a busca pela ressocialização dos presos, devendo o ente estatal dar destaque especial à ainda pouco utilizada ressocialização pela produção textual.
Pode-se concluir, por fim, que a produção textual é importante meio de ressocialização dos apenados, pois permite, sem sombra de dúvidas, o correto estímulo destes ao desenvolvimento intelectual. Estamos diante de uma possível solução ao grave problema da superpopulação carcerária brasileira, muito embora pouco se faça questão do assunto abordado. É chegado o momento, não restam dúvidas, de dar especial enfoque à produção literária dos apenados, como forma de promover a sua ressocialização, possibilitando assim o cumprimento dos anseios previstos pelo legislador infraconstitucional na edição do art. 1º da referida lei, ao tratar da importância da recuperação daqueles que eventualmente tenham adentrado à vida delitiva.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé, Aula de Português: Encontro & Interação, São Paulo, Parábola, 2010.
BÍBLIA, Hebreus, Capítulo 13, versículo 3.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília-DF, Senado, 1988.
BRASIL, Lei 7.210 de julho de 1984, Lei de Execução Penal Brasília/DF, 1984.
BRASIL, Decreto Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941.
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral, 1 – 17. ed., rev., ampl. e atual, De acordo com a Lei 12.550, de 2011, São Paulo, Saraiva, 2012.
BONESANA, Cesar, Dei Delliti e Delle Pene, 1764.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Reentradas e reiterações infracionais, Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/panorama-reentradas-sistema.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
MINISTÉRIO PÚBLICO, Conselho Nacional, Sistema prisional em números. Disponível em: <https://www.cnmp.mp.br/portal/relatoriosbi/sistema-prisional-em-numeros>. Acesso em: 19 abr. 2021.
Declaração Universal dos Direitos dos Homens, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.
HULSMAN, Louk, Penas Perdidas – O Sistema Penal em Questão, Niterói, Luam, 1997, p. 69.
NEPOMUCENO, Márcio Santos, HOMEM, Renato, Marcinho VP: Verdades e Posições – O Direito Penal do Inimigo, Gramma, 2017.
MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão, São Paulo, Parábola, 2008.
MATHIESEN, Thomas, Conversações Abolicionistas – Uma Crítica do Sistema Penal e da Sociedade Punitiva, São Paulo, IBCCrim, 1997, p. 275.
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Execução penal: comentários à Lei 7.210, de 11.07.1984. 11. ed., rev. e atual, São Paulo, Atlas, 2008.
VASQUEZ, Eliane Leal, Sociedade Cativa, Entre cultura escolar e cultura prisional: uma incursão pela ciência penitenciária, Dissertação de Mestrado, 163 fls, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
WACQUANT, Loïc, As Prisões da Miséria, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, p. 145.