Segundas Notas à Legislação da Lavagem de Capitais Em Portugal-EU: Regime Sancionatório Numa Primeira Abordagem

DOI: 10.19135/revista.consinter.00011.21

Recebido/Received 21.08.2020 – Aprovado/Approved 09.10.2020

Gonçalo S. de Melo Bandeira[1] – http://orcid.org/0000-0001-8859-4023

E-mail: gsopasdemelobandeira@hotmail.com

Resumo: esta primeira abordagem do regime sancionatório da legislação que previne a lavagem de vantagens, como por exemplo, dinheiro – branqueamento de vantagens como p.e. capitais -, em Portugal e na UE vai ter em consideração que não é possível esquecer o dever de formação. É preciso somar à prevenção do branqueamento de vantagens, como capitais, os ilícitos criminais e os ilícitos contraordenacionais que constam da Lei do Branqueamento. Embora, neste último caso, ainda não de todos os ilícitos contraordenacionais. O que, na devida altura, iremos completar. E isto é devido a um problema nesta legislação, como noutras: o seu tamanho cada vez maior. Neste texto são todavia abordados problemas essenciais da parte geral dos ilícitos contraordenacionais. Parte indispensável para a boa compreensão anotada desta legislação.

Palavras-chave: lavagem de dinheiro; branqueamento de capitais; direito penal económico; regime sancionatório; crimes e contraordenações

Abstract: this first approach to the sanctioning regime of the legislation that prevents laundering of advantages, such as money – money laundering such as capital, in Portugal and the EU will take into account that it is not possible to forget the duty of training. It is necessary to add to the prevention of the laundering of advantages, such as capital, criminal offenses and counter-administrative offenses contained in the Law of Laundering. Although, in the latter case, not yet of all illegal administrative offenses. Which, in due course, we will complete. This is due to a problem in this legislation, as in others: its increasing size. In this text, however, essential problems of the general part of the administrative offenses are addressed. Indispensable part for the good understanding noted of this legislation.

Keywords: money laundry; money laundering; economic criminal law; sanctioning regime; crimes and administrativ offenses

Sumário: 1. Objectivos, metodologia e pré-introdução. 2. Introdução. 3. O bem jurídico do ilícito penal do branqueamento e a interpretação da e na criminalização; as definições da LB-lei do branqueamento; o dever de formação na LB-lei do branqueamento. 4. O regime sancionatório na LB-lei do branqueamento-ilícitos criminais. 5. O regime sancionatório na LB-lei do branqueamento-ilícitos contraordenacionais, “parte geral”. 6. Conclusões. Bibliografia.

1 Objectivos, metodologia e pré-introdução

Os objectivos continuam, de novo, a estar concentrados na protecção da confiança na “origem lícita de determinados factos”, sempre num universo de Sociedade Democrática – CEDH, Convenção Europeia dos Direitos “do Homem”-Humanos – como orientação decisiva do próprio Estado de Direito, livre e verdadeiro. Neste sentido, não afectando a protecção, quer da “paz pública”, quer da “realização da justiça”, tendo também em consideração o princípio da legalidade que está consagrado no código penal português e na respectiva “secção” na qual se enquadra a presente criminalização lusitana do crime de “branqueamento[2]. Criminalização, portanto, que tutela um bem jurídico poliédrico. Como em situações pretéritas, a metodologia a ser perseguida centraliza-se numa certa investigação comparativa maxime dogmática e doutrinal[3], legal[4], mas igualmente, ainda que brevitatis causa, jurisprudencial[5], que podemos analisar sobre a matéria, como v.g., em países como Portugal e em toda a UE-União Europeia, a qual é neste momento em que escrevemos composta por 27 países, com a recente saída do Reino Unido[6]. Por fim, mas não por último, não podemos esquecer que no crime de “branqueamento” ou “lavagem” de v.g dinheiro, como refere a própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça Português, “O grande patrão do crime pode ser um cidadão respeitável, de peito medalhado, amigo do rei. Manda meter cheques na conta bancária e sereias na cama de nababos e poderosos. Chantageia e corrompe o mais Catão[7].

2 Introdução

De acordo com textos anteriores, já sabemos que a Lei portuguesa 83/2017, de 18 de Agosto, que vamos abreviar por LB-Lei do Branqueamento, “estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais. 2 – A presente lei estabelece, também, as medidas nacionais necessárias à efetiva aplicação do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006 [adiante designado Regulamento (UE) 2015/847”]”. Entretanto esta lei foi ligeiramente alterada pelo Dec.-Lei 144/2019, de 23 de Setembro[8].

3 O Bem Jurídico do Ilícito Penal do Branqueamento e a Interpretação da e na Criminalização; as Definições da LB-Lei do Branqueamento; o Dever de Formação na LB-Lei do Branqueamento

Sobre o recortar dos contornos do “bem jurídico” do crime de branqueamento no ordenamento jurídico português, bem como sobre as definições e dever de formação na LB-Lei do Branqueamento, os quais têm que estar sempre presentes no contexto em que dissertamos, remetemos para um outro texto nosso[9].

4 O Regime Sancionatório na LB-Lei do Branqueamento-Ilícitos Criminais

De acordo com o art. 157º da LB, “Divulgação ilegítima de informação”, “1 – A divulgação ilegítima, a clientes ou a terceiros, das informações, das comunicações, das análises ou de quaisquer outros elementos previstos nas alíneas a) a d) do n. 1 do art. 54.º da presente lei e no art. 14.º do Regulamento (UE) 2015/847, é punida: / a) No caso das pessoas singulares, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais; / b) No caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas, com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias. / 2 – Em caso de mera negligência, a pena prevista na alínea a) do número anterior é reduzida a 1/3 no seu limite máximo[10]. Está portanto aqui em causa o bem jurídico da tutela da informação não consentida no contexto do diploma legislativo. É assim punível o dolo nas suas três modalidades: directo, necessário e eventual, bem como a negligência consciente ou inconsciente[11].

De acordo com o art. 158º da LB, “Revelação e favorecimento da descoberta de identidade”, “1 – A revelação ou o favorecimento da descoberta da identidade de quem forneceu informações, documentos ou elementos ao abrigo dos arts. 43.º a 45.º, 47.º e

53.º da presente lei ou do Regulamento (UE) 2015/847, é punida: / a) No caso das pessoas singulares, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais; / b) No caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas, com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias. / 2 – Em caso de mera negligência, a pena prevista na alínea a) do número anterior é reduzida a 1/3 no seu limite Máximo”. Verifica-se, pois, uma tutela do bem jurídico que poderemos apelidar de descoberta da identidade nos termos supramencionados. Igualmente aqui é punível o dolo nas suas três modalidades: directo, necessário e eventual, bem como a negligência consciente ou inconsciente[12].

Já o art. 159º da LB nos fala no crime de “Desobediência”, “1 – Quem se recusar a acatar as ordens ou os mandados legítimos das autoridades setoriais, emanados no âmbito das suas funções, ou criar, por qualquer forma, obstáculos à sua execução, incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada, se as autoridades setoriais tiverem feito a advertência dessa cominação. / 2 – Na mesma pena incorre quem não cumprir, dificultar ou defraudar a execução das sanções acessórias ou medidas cautelares aplicadas em procedimentos instaurados por violação das disposições da presente lei ou dos respetivos diplomas regulamentares”. Crime que vem de encontro aquilo que já existe em termos mais gerais no Código Penal Português[13]. Estão em causa os crimes contra o bem jurídico autoridade pública, rectius, num ambiente de “resistência, desobediência e falsas declarações à autoridade pública”, nos termos mais generalistas do Código Penal. Cremos que no futuro, feita uma grande reforma de uniformização – pois o excesso de especialização perde a noção do total real, “estupidifica a ovelha que não se consegue aperceber por vezes do verdadeiro rumo do rebanho a que pertence”, levando à corrupção do “Espírito da História” de que nos falava Georg Wilhelm Friedrich Hegel -, para evitar interpretações cada vez mais diversas, não haverá necessidade de estar a repetir ilícitos típicos demasiado similares em diferentes diplomas legislativos.

5 O Regime Sancionatório na LB-Lei do Branqueamento-Ilícitos Contraordenacionais, “Parte Geral

A LB-Lei do Branqueamento procura neste contexto criar uma “parte geral para os ilícitos contraordenacionais”. O que, no mínimo, entra em conflito interpretativo com o já existente no ordenamento jurídico português, i.e., o RGCO-Regime Geral das Contraordenações[14]. Não deixando de lembrar que, em face das lacunas do RGCO, se aplicam, quer as normas do Código Penal, quer os Princípios Processuais Penais e, portanto, incluindo o Código de Processo Penal e, claro está, o próprio Código de Processo Civil[15]. Pelo que, é necessário destacar aqui as seguintes normas jurídicas: art. 160º da LB: “Aplicação no espaço / O disposto na presente secção é aplicável, independentemente da nacionalidade do agente, aos seguintes factos que constituam infração à lei portuguesa: / a) Factos praticados em território português; / b) Factos praticados fora do território nacional pelos quais sejam responsáveis as entidades referidas nos arts. 3.º, 4.º e 6.º, atuando por intermédio de sucursais, agentes ou distribuidores ou em regime de prestação de serviços, bem como as pessoas que, em relação a tais entidades, se encontrem em alguma das situações previstas no n. 1 do art. 163.º; c) Factos praticados a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, salvo tratado ou convenção em contrário[16].

Já o art. 161º da LB prescreve a “Responsabilidade / 1 – Pela prática das contraordenações previstas na presente secção podem ser responsabilizadas, conjuntamente ou não, pessoas singulares, pessoas coletivas, ainda que irregularmente constituídas, e associações sem personalidade jurídica. / 2 – É responsável como autor das contraordenações previstas na presente lei todo aquele que, por ação ou omissão, contribuir causalmente para a sua produção”. É caso para dizer ao legislador: obrigados! Mas, na realidade, cremos que o mencionado no art. 161º da LB não acrescenta nada à questão da “responsabilidade”, quer ao RGCO, quer ao Código Penal, o qual se aplica subsidiariamente. De contrário, teríamos um CP ou RGCO profundamente incompleto e, portanto, em desacordo com a própria Constituição-Constitucional.

O art. 162º da LB prevê a “Responsabilidade das pessoas coletivas e das entidades equiparadas”: “1 – As pessoas coletivas e as entidades equiparadas a pessoas coletivas são responsáveis pelas contraordenações cometidas pelas pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais, quando estas atuem no exercício das suas funções ou em nome e no interesse do ente coletivo. / 2 – A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva apenas é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. / 3 – A invalidade e a ineficácia jurídicas dos atos em que se funde a relação entre o agente individual e a pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva não obstam à responsabilidade de nenhum deles”. Neste contexto, como seria de esperar, surgem alguns problemas de interpretação e aplicação da legislação em vigor. E isto porque – como já referimos em outras publicações[17] -, os modelos de imputação da responsabilidade penal e/ou contraordenacional que o legislador português tem consagrado no ordenamento jurídico português diferem de legislação para legislação. O que provoca uma inadmissível dificuldade interpretativa levando alguns intérpretes e aplicadores a violarem sistematicamente o princípio da legalidade e, antes mesmo disso, a teoria da interpretação consagrada no art. 9º do Código Civil português. Uma norma constitucional fora da Constituição[18]. Se houver dúvidas, compare-se o art. 162º da LB com v.g. o art. 11º do Código Penal[19], ou com o art. 7º do RGCO[20], ou com o art. 7º do RGIT-Regime Geral das Infracções Tributárias[21], ou com o art. 3º do RJIAECSP-Regime Jurídico das Infracções Anti-Económicas e Contra a Saúde Pública[22], ou com o art. 401º do CdVM-Código dos Valores Mobiliários[23] ou com o art. 73º do RJC-Regime Jurídico da Concorrência[24], entre outros! Se nuns casos as redacções se assemelham, noutros casos são completamente diferentes, criando a confusão total na interpretação e aplicação da lei. Recordamos um determinado “professor catedrático” – cátedra da “manga de alpaca burocrática” – que mais parece um aprendiz de direito penal ao estar sempre a dizer que “eu não sou positivista”. Confundindo, de modo grave e irracional do ponto de vista das ciências jurídicas, o seu próprio positivismo com o respeito pelos mínimos valores constitucionais do princípio da legalidade criminal[25]. Ou, melhor dizendo, convidando ao activismo judicial que violará o princípio da legalidade e a separação original de poderes preconizada, entre outros, por Montesquieu: legislativo, executivo e judicial. O que conspurca a consagração e aprofundamento do Estado de Direito – espaço e tempo – democrático, social, livre e verdadeiro. Exemplo prático: é mais fácil imputar, processualmente, a responsabilidade criminal por um crime de branqueamento (lavagem no Brasil) a uma determinada empresa, sociedade comercial (art. 11º do CP somado ao art. 368º/A do mesmo CP), do que imputar, processualmente, a responsabilidade criminal por um crime de fraude fiscal (art. 7º do RGIT somado ao art. 103º do mesmo RGIT). É que o nexo de imputação consagrado no art. 11º do CP (pessoas com posição de liderança: órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade) é mais largo do que o nexo de imputação consagrado no art. 7º do RGIT (órgãos ou representantes apenas)! Sendo que, por ironia, o crime de fraude fiscal (simples ou qualificada), é um dos crimes que pode dar origem ao crime de branqueamento previsto e punido no art. 368º/A do CP! A lógica da interpretação e aplicação racionais jurídicas e científicas fica prejudicada.

Por outro lado, refere o art. 162º da LB, com o nosso negrito: “2 – A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva apenas é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela”. Ora, esta norma jurídica é p.e. similar à seguinte disposição legislativa, entre muitas outras hipóteses que aqui poderiam ser vertidas: art. 11º/6 do Código Penal, “A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito”. Mas a diferença irracional reside na palavra que colocámos acima a negrito “apenas”! Refere o Código Penal inserido no Capítulo III, “Causas que excluem a ilicitude e a culpa”, art. 31º, “Exclusão da ilicitude: 1 – O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. / 2 – Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: / a) Em legítima defesa; / b) No exercício de um direito; / c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou / d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado”: “nomeadamente”! Além do art. 21º da Constituição, o “Direito de resistência”. Ou seja, em caso algum, em termos também constitucionais, a responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva “apenas é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva também pode ser excluída que não apenas quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. Nomeadamente se estiverem em causa outras causas que excluem a ilicitude ou a culpa, os quais, portanto, não são taxativas. De contrário, estaríamos perante uma norma que violaria não apenas o próprio Código Penal, como, claro está, a Constituição.

A esta grande confusão gerada por culpa exclusiva dos vários legisladores portugueses vistos como um todo ao longo das décadas da nossa ainda jovem democracia – desde o 25 de Abril de 1974, a acrescentar à Constituição de 25 de Abril de 1976, com as suas, até agora, 7 Revisões -, temos a somar o art. 163º da LB, “Responsabilidade das pessoas singulares”, “1 – A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas a pessoas coletivas não exclui a responsabilidade individual das pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais. / 2 – Não obsta à responsabilidade dos agentes individuais que representem outrem a circunstância de a ilicitude ou o grau de ilicitude depender de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só se verificarem na pessoa do representado, ou de requerer que o agente pratique o ato no seu próprio interesse, tendo o representante atuado no interesse do representado. / 3 – As pessoas singulares que sejam membros de órgãos de administração, de direção ou de fiscalização da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva incorrem na sanção prevista para o autor, especialmente atenuada, quando, cumulativamente, não sejam diretamente responsáveis pelo pelouro ou pela área onde se verificou a prática da infração e a sua responsabilidade se funde unicamente no facto de, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infração, não terem adotado imediatamente as medidas adequadas para lhe pôr termo, a não ser que sanção mais grave lhe caiba por força de outra disposição legal”. Também aqui nos poderíamos socorrer de normas jurídicas muito similares já existentes p.e. no Código Penal, o qual se aplica subsidiariamente[26]. Quanto ao n. 3 do art. 163º da LB será igualmente importante referir que, em caso algum, pode prejudicar as eventuais hipóteses de acção por omissão: cfr. art. 10º do Código Penal, “Comissão por acção e comissão por omissão”, “1 – Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. / 2 – A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. / 3 – No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada”. E, como é evidente, o art. 10º do CP prevalece sobre o art. 163º da LB. Assim como a Constituição criminal prevalece sobre qualquer lei ou decreto-lei ordinários[27].

Como já referido, esta LB tenta “recriar” ou “repisar” uma “parte geral do regime geral das contraordenações” ou do próprio Código Penal, os quais já existiam no nosso ordenamento jurídico, conforme mencionado. Ora veja-se (!): art. 164º da LB, “Tentativa e negligência / 1 – A tentativa e a negligência são sempre puníveis. / 2 – Em caso de infração negligente, o limite máximo da coima prevista para a infração é reduzido para metade. /3 – Em caso de tentativa, a coima aplicável é a prevista para o ilícito consumado, especialmente atenuada”. Muito haveria para dizer sobre esta precisa norma jurídica da LB-Lei do Branqueamento. Já sabemos que as regras gerais constam do Código Penal Português e do RGCO-Regime Geral das Contraordenações Português. Assim, no RGCO: art. 8º do RGCO, “Dolo e negligência / 1 – Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. / 2 – O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo. / 3 – Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais”; art. 12º do RGCO, “Tentativa / 1 – Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de uma contra-ordenação que decidiu cometer sem que esta chegue a consumar-se. / 2 – São actos de execução: / a) Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de contra-ordenação; / b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico; / c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”; art. 13º do RGCO, “Punibilidade da tentativa / 1 – A tentativa só pode ser punida quando a lei expressamente o determinar. / 2 – A tentativa é punível com a coima aplicável à contra-ordenação consumada, especialmente atenuada”; art. 14º do RGCO, “Desistência / 1 – A tentativa não é punível quando o agente voluntariamente desiste de prosseguir na execução da contra-ordenação, ou impede a consumação, ou, não obstante a consumação, impede a verificação do resultado não compreendido no tipo da contra-ordenação. / 2 – Quando a consumação ou a verificação do resultado são impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforça por evitar uma ou outra”. Ora, veja-se agora o Código Penal Português. Art. 13º do CP, “Dolo e negligência / Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”; art. 21º do CP, “Actos preparatórios / Os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário”; art. 22º do CP, “Tentativa / 1 – Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. / 2 – São actos de execução: / a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; / b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou / c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”; art. 23º do CP, “Punibilidade da tentativa / 1 – Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão. / 2 – A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada. / 3 – A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”. Recordemos então de novo a norma jurídica em questão na parte que aqui mais nos interessa: “art. 164º da LB, “Tentativa e negligência / 1 – A tentativa e a negligência são sempre puníveis…”. Como já referimos noutras publicações, o legislador português consagrou uma regra jurídica que viola a Constituição Portuguesa, a qual assenta na dignidade do ser humano. Ora, ao ser humano, que não é perfeito – assim como as máquinas, a matemática ou a inteligência artificial também não são perfeitas, até porque como resulta do pensamento de Edmund Husserl, “não há ciências mais perfeitas do que as ciências humanas”, humanistas, diríamos -, é natural o engano, a negligência, o errar no devir negligente ou uma série de tentativas que, inclusive, não podem ser puníveis do ponto de vista da legitimidade constitucional. É impossível ao ser humano acertar sempre e fazer sempre tudo a 100%, já para não falar que cada ser humano, é um ser humano. Então, se houver desistência na tentativa, esta, mesmo assim, é punível?! Claro que, constitucionalmente, a resposta é peremptória: não. Note-se na chamada “tentativa impossível”, quando p.e. é “manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”. Como é que é possível, sem ferir a Constituição em qualquer das suas vertentes que assentam na dignidade do ser humano[28], afirmar o seguinte?! “A tentativa e a negligência são sempre puníveis”?! A razão é simples, o “Estado Policial”, com tiques autoritários, há muito tempo que percebeu que também é esta uma forma de punir, mas também, no caso das contraordenações, de cobrar uma espécie de “impostos” por uma outra via, a via das coimas. Coimas são as multas penais no mundo das contraordenações. Mais dinheiro a entrar no Estado tirado aos bolsos dos contribuintes. Ora, todos bem sabem que nem sempre os dinheiros públicos são bem gastos e sequer tratados com zelo.

Além do mais, ao afirmarmos que “A tentativa e a negligência são sempre puníveis”, estamos a violar a necessidade, adequação, proporcionalidade e intervenção (que deve começar por ser) mínima, das sanções penais e contraordenacionais. Será mesmo necessário à prevenção geral positiva – incluindo a retribuição -, à prevenção especial positiva (incluindo a ressocialização) e à “justiça restaurativa”, quando possível, que a tentativa e negligência sejam sempre puníveis?! E será adequado?! E será proporcional?! E respeitará o princípio de intervenção mínima do Estado?! Tendo sempre em consideração a dignidade do ser humano, na qual assenta a Constituição Portuguesa?! Como já dissemos noutra publicação: “Será por estas e por outras que o legislador dos regimes contraordenacionais especiais – laboral, tributário, segurança social, bancário, etc. etc. etc. – passou também a declarar, preto no branco, tão positivista afinal que ele é (mas tão pouco historicista e teleológico…), que, por regra, “a negligência é sempre punível”? Então, onde fica o art. 18º da CRP, cujos fundamentos são tão odiados nos regimes autoritários e totalitários?! Foi deixado na gaveta?! E o art. 13º do CP ou o art. 8º/1 do RGCO?! E o art. 32º/10 da CRP?! Ou terá passado a “cobrança de coimas” a ser uma nova forma de cobrança de “impostos” e “taxas”?! Mas também não estará isso mesmo a violar o Princípio da Legalidade Tributária e por isso também o art. 103º da CRP ou o art. 104º da CRP, como um todo?! Já para não falar no art. 165º/1, al. I) da CRP?!”[29]

Quanto ao “Concurso de infracções”, o art. 165º da LB, estabelece o seguinte: “1 – Salvo o disposto no número seguinte, se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, são os agentes responsabilizados por ambas as infrações, instaurando-se, para o efeito, processos distintos, os quais são objeto de decisão pelas entidades respetivamente competentes. / 2 – Há lugar apenas ao procedimento criminal quando o crime e a contraordenação tenham sido praticados pelo mesmo agente, através de um mesmo facto, violando interesses jurídicos idênticos, podendo o juiz penal aplicar as sanções acessórias previstas para a contraordenação em causa. / 3 – Nos casos previstos no número anterior, deve a autoridade setorial respetiva ser notificada da decisão que ponha fim ao processo”. Trata-se duma solução que é no mínimo curiosa. Em lugares paralelos, temos o art. 2º do RGIT-Regime Geral das Infracções Tributárias, “Conceito e espécies de infracções tributárias / 1 – Constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. / 2 – As infracções tributárias dividem-se em crimes e contra-ordenações. / 3 – Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente será punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação”. A expressão “… violando interesses jurídicos idênticos…” é absurda, pois no caso do direito penal está em causa a tutela de bens jurídicos e no caso do direito contraordenacional está em consideração a tutela de bens administrativos. Embora se possa considerar direito penal em sentido amplo a conjugação de direito e processo penal e direito contraordenacional, temos que admitir que estamos também perante áreas com especificidades próprias. Isto significa, por conseguinte, que os interesses, quer tutelados no direito e processo penal, quer tutelados no direito contraordenacional, não são em rigor idênticos do ponto de vista jurídico.

Sobre a “Prescrição”, prevê a LB no seu art. 166º: “1 – O procedimento relativo às contraordenações previstas na presente lei prescreve no prazo de cinco anos. / 2 – Nos casos em que tenha havido ocultação dos factos que são objeto do processo de contraordenação, o prazo de prescrição suspende-se até ao conhecimento desses factos por parte da entidade com competência instrutória do procedimento contraordenacional. / 3 – Sem prejuízo das outras causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas na lei, a prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se também a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso. / 4 – A suspensão prevista nos números anteriores não pode ultrapassar: / a) 30 meses, quando as infrações sejam puníveis com coima até € 1 000 000; / b) Cinco anos, quando as infrações sejam puníveis com coima superior a € 1 000 000. / 5 – O prazo referido no número anterior é elevado para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. / 6 – O prazo de prescrição das coimas e sanções acessórias é de cinco anos, a contar do dia em que a decisão administrativa se torne definitiva ou do dia em que a decisão judicial transite em julgado”. Também a prescrição já tinha regras próprias, quer no direito e processo penal, CP e CPP, quer no regime geral das contraordenações, RGCO[30]. Ou seja, com o acentuar da passagem dos anos estamos a construir uma série de sub-regimes penais e contraordenacionais. Uma “Torre de Babel” na qual chegará o dia, como a História nos ensina, na qual ninguém se irá entender.

De acordo com o art. 167º da LB, também é importante referir que o legislador consagrou uma “Graduação da sanção / 1 – A determinação da medida da coima e das sanções acessórias faz -se em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza individual ou coletiva do agente. / 2 – Na determinação da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente e das exigências de prevenção, atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias: / a) Duração da infração; / b) Grau de participação do arguido no cometimento da infração; / c) Existência de um benefício, ou intenção de o obter, para si ou para outrem; / d) Existência de prejuízos causados a terceiro pela infração e a sua importância quando esta seja determinável; / e) Perigo ou dano causado ao sistema financeiro ou à economia nacional; / f) Caráter ocasional ou reiterado da infração; / g) Intensidade do dolo ou da negligência; / h) Se a contraordenação consistir na omissão da prática de um ato devido, o tempo decorrido desde a data em que o ato devia ter sido praticado; / i) Nível de responsabilidades da pessoa singular, âmbito das suas funções e respetiva esfera de ação na pessoa coletiva ou entidade equiparada em causa; / j) Especial dever da pessoa singular de não cometer a infração. / 3 – Na determinação da sanção aplicável tem-se ainda em conta: / a) A situação económica do arguido; / b) A conduta anterior do arguido; / c) A existência de atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração; / d) A existência de atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infração; / e) O nível de colaboração do arguido com a entidade com competência instrutória do procedimento contraordenacional. / 4 – A coima deve, sempre que possível, exceder o benefício económico que o arguido ou pessoa que fosse seu propósito beneficiar tenham retirado da prática da infração”. Também neste campo de matérias era já possível discernir, quer no direito e processo penal, CP e CPP, quer no regime geral das contraordenações, RGCO, regras similares[31]. Ou seja, mais regras, sobre temas similares ou mesmo iguais, havendo sobreposição e gerando uma natural, e humana, confusão na tarefa de interpretar e aplicar a legislação em vigor. O ordenamento jurídico português, como aliás outros no mundo, caminham para o caos interpretativo, a par da manifesta falta de formação dos próprios Magistrados. Já para não falar na ausência de Tribunais mais especializados. O que, por outro lado, pode provocar ferimentos constitucionais.

Já no art. 168º da LB, estão consagradas as “Injunções e cumprimento do dever violado / 1 – Sempre que a infração resulte da violação de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensam o infrator do cumprimento do dever, se este ainda for possível. / 2 – A autoridade setorial competente ou o tribunal podem sujeitar o infrator à injunção de cumprir o dever em causa, de cessar a conduta ilícita e de evitar as suas consequências. / 3 – Se as injunções referidas nos números anteriores não forem cumpridas no prazo fixado pela autoridade setorial competente ou pelo tribunal, o infrator incorre na sanção prevista para as contraordenações nos termos do art. 170.º”. O Tribunal. O Tribunal e não o tribunal, uma vez que se trata dum órgão de soberania. O qual deve ser respeitado e fazer-se respeitar perante o poder legislativo e executivo.

6 Conclusões

De novo, também por aqui, o problema do branqueamento de vantagens, como por exemplo capitais – ou lavagem de vantagens como por exemplo dinheiro -, é uma questão que continua a dizer respeito à corrupção em sentido amplo e portanto não apenas ao direito e processo penal, mas também à criminologia e à política criminal, às ciências jurídico-criminais: “Strafrecht ohne Kriminologie ist blind, Kriminologie ohne Strafrecht ist grenzenlos[32]. Esta máxima permanece válida, ainda que por vezes atacada na academia através da corrupção das ciências jurídico-criminais pelos próprios docentes ou investigadores, cada um a lutar pela sua aldeia de vaidade, não se apercebendo da figura do ridículo que fazem… “Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz”. Mais uma vez temos que ter em consideração a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Mas também, no seio da UE, o Tratado da União Europeia e o Tratado de Funcionamento da União Europeia. Mais uma vez lembremos que para Franz Von Liszt era uma unidade orgânica das partes que superava a parcialidade da especialização[33]. Demasiada especialização significa estupidificação e/ou ignorância sobre o todo, sobre a estrutura arquitectónica, até porque somente se pode ser um especialista de qualidade se antes se foi um generalista de qualidade. Assim, pois, não podemos esquecer o princípio da culpa e o princípio da presunção de inocência, entre outros, como o princípio da legalidade, o princípio do contraditório, o princípio do acusatório ou o princípio do recurso, o princípio da transparência e o princípio do segredo de justiça a par do princípio da publicidade, entre outros. E, como nos diz também Hans-Heinrich Jescheck, que tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente em 2006 na Alemanha, e como já tivemos oportunidade de dizer noutras publicações, o juízo de desvalor sobre a atitude jurídica interna do autor não opera globalmente sobre a base do conjunto da personalidade daquele, mas apoia-se na análise dos elementos da culpa determinados legalmente[34]. Ou como também como já citámos noutros locais e como diria Claus Roxin, que a responsabilidade depende dos dados que se devem adicionar ao ilícito: da culpa do sujeito e da necessidade preventiva de sanção penal que há que deduzir da lei[35]. Afinal, como igualmente nos diz Günther Jakobs, a culpa – assim que há um autor dum facto anti-jurídico, pois há uma falta de motivação jurídica dominante, mas também quando o autor é responsável por essa falta – é uma infidelidade ao Direito. i.e., um conceito determinado de modo normativo[36]. Tendo nós também que afirmar que não há qualquer comparação possível entre um Estado de Direito democrático social, verdadeiro e livre e uma qualquer ditadura, de direita ou de esquerda ou do raio que a parta, na expressão popular. Antes uma monarquia Constitucional do que uma República ditatorial, ou alguns dos países com maior qualidade de vida do mundo não fossem p.e. a Noruega, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Reino Unido, Japão, entre outros. Sem prejuízo do Estado de Emergência ou Estado de Sítio, o qual pode ser estabelecido nos termos constitucionais-constitucionais. No sentido também de que pertencerá ao Povo a escolha dos seus representantes, bem como haverá uma separação nítida entre os poderes legislativo, executivo e judicial. Sem prejuízo da fiscalização mútua legitimada e incentivada do ponto de vista constitucional-constitucional. Finalmente, por fim, mas não por último, não tem sentido estar a criar ex novo regimes gerais de direito penal ou direito contraordenacional que se sobrepõem aos já existentes! De contrário, o caos interpretativo e aplicativo da legislação já é uma realidade. Solução alternativa possível? Criar códigos europeus democraticamente legitimados e aplicáveis em toda a União Europeia.

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Notas de Rodapé

[1] Professor na Escola Superior de Gestão do IPCA-Minho, Portugal. Prof.-Conv. v.g. em diversas aulas em Mestrados nas Universidades do Porto e Minho. Investigador Integrado no JusGov-Research Centre for Justice and Governance, Escola de Direito da Universidade do Minho. Doutor em Ciências Jurídico-Criminais desde 2009 e Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa desde 2003. Membro Eleito da Comissão de Fiscalização e Disciplina do Sindicato Nacional do Ensino Superior. E-mail: gsopasdemelo bandeira@hotmail.com Facebook: Gonçalo S. De Mello Bandeira (N.C. Sopas).

[2] Cfr. art. 368º/A do CP-Código Penal na versão da Lei 83/2017, de 18/8: “1 – Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n. 1 do art. 1.º da Lei 36/1994, de 29 de setembro, e no art. 324.º do Código da Propriedade Industrial, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham. / 2 – Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos. / 3 – Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos. / 4 – A punição pelos crimes previstos nos n.os 2 e 3 tem lugar ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores, ou ainda que os factos que integram a infração subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do art. 5.º / 5 – O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada. / 6 – A pena prevista nos n.os 2 e 3 é agravada de um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual. / 7 – Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada. / 8 – Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial. / 9 – A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. / 10 – A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens”.

[3] BANDEIRA, G. S. de Melo, O Crime de “Branqueamento” e a Criminalidade Organizada no Ordenamento Jurídico Português no contexto da União Europeia: novos desenvolvimentos e novas conclusões. In: AA.VV., Coordenação de NASCIMENTO SILVA, Luciano; BANDEIRA, Gonçalo N.C. Sopas de Melo. Lavagem de Dinheiro e Injusto Penal – Análise Dogmática e Doutrina Comparada Luso-Brasileira. Curitiba: Juruá, Disponível em: <www.jurua.com.br>, 2009; bem como, versão portuguesa, O Crime de “Branqueamento” e a Criminalidade Organizada no Ordenamento Jurídico Português no contexto da União Europeia… Lisboa, 2010, pp. 563-574 e passim; BANDEIRA, G.S. de Melo / FACHIN, Z.A., Responsabilidade Criminal por Dinheiros Públicos, Branqueamento de Capitais/Lavagem de Dinheiro e Direitos Sociais, Revista Internacional CONSINTER, Ano I – v. I § Direito e Justiça § Aspectos Atuais e Problemáticos, Juruá, Curitiba, I Simpósio Congresso Internacional do CONSINTER, 6 e 8.10.2015, Facultat de Dret da Universitat de Barcelona, Curitiba-Barcelona, passim; BANDEIRA, G.S. de Melo, Criminalidade Económica e Lavagem de Dinheiro, Prevenção pela Aprendizagem, Revista Internacional CONSINTER de Direito, Ano II, N. 2, Efetividade do Direito, 1º Semestre, Juruá, Curitiba-Lisboa, 2016, pp. 15 e ss.; BANDEIRA, G.S. de Melo, Directiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20.05.2015: a Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo e o Sistema Financeiro Capitalista, Direito e Justiça, Juruá, 2016, pp. 129 e ss..

[4] No caso português, cfr. o art. 11º do Código Penal, bem como, fruto de Portugal ser país membro da UE-União Europeia, a LB-Lei 83/2017 de 18/8, a qual “Estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, altera o Código Penal e o Código da Propriedade Industrial e revoga a Lei 25/2008, de 5 de junho, e o Dec.-Lei 125/2008, de 21 de julho”. Mais uma vez o equívoco permanece, pois o direito penal não visa em Portugal o “combate”, mas sim as prevenções geral e especial positivas, a retribuição e a justiça restaurativa, quando neste último caso, é possível: art. 18º da CRP-Constituição.

[5] Em Portugal, é inevitável a referência ao Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência 13/2007, de 22.03.2007, publicado no Diário da República, Série II, de 13.12.2007: “Na vigência do art. 23.º do Dec.-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, o agente do crime previsto e punido pelo art. 21.º, n. 1, do mesmo diploma, cuja conduta posterior preenchesse o tipo de ilícito da alínea a) do seu n. 1, cometeria os dois crimes, em concurso real”. Assim como: o Ac. do STJ de 18.01.2017 (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f 003fa814/fd707bf601a023798025824b0057be35?OpenDocument , 14.08.20); e o Ac. do STJ de 15 de Fevereiro de 2017 (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9d d8b980256b5f003fa814/3a86a12603906aa0 8025824a004a9e98?OpenDocument , 14.08.20). Acrescentando ao texto anterior, também devemos referir a seguinte jurisprudência que tem relevância no ordenamento jurídico português: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.07.20 (http://www.dgsi. pt/jtrl.nsf/33182fc732 316039802565fa00497ee c/801de67a309357758 0257be9003309a 3?OpenDocument , 14.08.20); Ac. do STJ, de 8.01.2014 (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/9 54f0ce6ad9dd8b9802 56b5f00 3fa81 4/a7 ea6ac09e68eeac80257c82004b4 600?OpenDocument&Highlight=0,corrup/prct .C3/pr ct. A 7/pr ct.C3/prct.A3o,crime,precedente , 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 21.06.2017 (http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e71216 57f91e80257cda00381fdf/4f6dd155fdd56d2b80258152003847fa?OpenDocument , 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação do Lisboa, de 6.06.2017 (http://www.dgsi.pt /jtrl.nsf/33182fc7323160398025 65fa00497eec/2426087866527eed80258147003818ea?OpenDocument , 14.08.20); Ac. do STJ, de 11.06.2014 (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e226 52275680718b80257d1 5004292f6?OpenDocument , 14.08.20).

[6] Embora, “UE mantém “sérias divergências” com Reino Unido e pede “compromisso” / O regresso à mesa das negociações não resultou no impulso final com vista a um acordo entre Bruxelas e Londres sobre a futura relação bilateral. Barnier fala em “sérias divergências” persistentes, reitera as linhas vermelhas da União e pede “compromisso” às autoridades do Reino Unido”, https://www.jornalde negocios.pt/economia/europa/uniao-europeia/detalhe/ue-mantem-serias-divergencias-com-reino-uni do-e-pede-compromisso .

[7] Cfr. Ac. do STJ, de 11.06.2014.

[8] O qual refere o seguinte: “Art. 9.º / Alteração à Lei 83/2017, de 18 de agosto / O art. 3.º da Lei 83/2017, de 18 de agosto, passa a ter a seguinte redação: “Art. 3.º / Entidades financeiras / 1- Estão sujeitas às disposições da presente lei, com exceção do disposto no capítulo XI, as seguintes entidades com sede em território nacional: (…) “e) Sociedades de investimento coletivo autogeridas e sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo;”.

[9] BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Primeiras Notas à Legislação da Lavagem de Capitais em Portugal-UE: O Dever de Formação, Revista Internacional CONSINTER de Direito, Publicação Oficial Semestral do Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação, Ano V – n. IX, 2º Semestre de 2019, Estudos Contemporâneos, Porto e Curitiba, 2019, pp. 727-748. Sobre o tema do dever de formação neste contexto, já antes, BANDEIRA, G.S. de Melo, Criminalidade Económica e Lavagem de Dinheiro, Prevenção pela Aprendizagem, Revista Internacional CONSINTER de Direito, Ano II, N. 2, Efetividade do Direito, 1º Semestre, Juruá, Curitiba-Lisboa, 2016, pp. 15 e ss.;

[10] Cfr. o art. 54º/1 da LB-Lei do Branqueamento: “Dever de não divulgação / 1 – As entidades obrigadas, bem como os membros dos respetivos órgãos sociais, os que nelas exerçam funções de direção, de gerência ou de chefia, os seus empregados, os mandatários e outras pessoas que lhes prestem serviço a título permanente, temporário ou ocasional, não podem revelar ao cliente ou a terceiros: / a) Que foram, estão a ser ou irão ser transmitidas as comunicações legalmente devidas, nos termos do disposto nos arts. 43.º, 45.º, 47.º e 53.º; / b) Quaisquer informações relacionadas com aquelas comunicações, independentemente de as mesmas decorrerem de análises internas da entidade obrigada ou de pedidos efetuados pelas autoridades judiciárias, policiais ou setoriais; / c) Que se encontra ou possa vir a encontrar-se em curso uma investigação ou inquérito criminal, bem como quaisquer outras investigações, inquéritos, averiguações, análises ou procedimentos legais a conduzir pelas autoridades referidas na alínea anterior; / d) Quaisquer outras informações ou análises, de foro ou interno ou externo, sempre que disso dependa: / i) O cabal exercício das funções conferidas pela presente lei às entidades obrigadas e às autoridades judiciárias, policiais e setoriais; / ii) A preservação de quaisquer investigações, inquéritos, averiguações, análises ou procedimentos legais e, no geral, a prevenção, investigação e deteção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”. Refere o art. 14º do Regulamento (UE) 2015/847, “Prestação de informações”: “Os prestadores de serviços de pagamento dão uma resposta completa e sem demora, nomeadamente através de um ponto de contacto central nos termos do art. 45.o, n.o 9, da Diretiva (UE) 2015/849, caso esse ponto de contacto tenha sido nomeado, e em conformidade com os requisitos processuais previstos no direito nacional do Estado-Membro em que estão estabelecidos, aos pedidos apresentados exclusivamente pelas autoridades desse Estado-Membro responsáveis pela prevenção e pelo combate ao branqueamento de capitais ou ao financiamento do terrorismo, relativamente às informações exigidas ao abrigo do presente regulamento”.

[11] Cfr. art.s 13º, 14º e 15º do Código Penal.

[12] Cfr. art.s 13º, 14º e 15º do Código Penal.

[13] Cfr. art. 348º do Código Penal.

[14] Cfr. Dec.-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com alterações até a Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.

[15] Cfr. art. 32º e art. 41º do RGCO.

[16] O que tem que ser conjugado com o art. 368º/A, n. 4 e 5 do Código Penal: “4 – A punição pelos crimes previstos nos n.os 2 e 3 tem lugar ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores, ou ainda que os factos que integram a infração subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do art. 5.º / 5 – O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada”.

[17] V.g. BANDEIRA, G. S. de Melo, Responsabilidade Penal Económica e Fiscal dos Entes Colectivos…, 2004, passim; BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Abuso de Informação, Manipulação do Mercado e Responsabilidade Penal das “Pessoas Colectivas”…, 2011/2016 (5ª tiragem), passim; BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Responsabilidade Penal e Contraordenacional das Organizações Colectivas, Boletim da Faculdade de Direito…, 2017, pp. 129-148.

[18] BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Primeiras Notas à Legislação da Lavagem de Capitais em Portugal-UE: O Dever de Formação, Revista Internacional CONSINTER de Direito…, 2019, pp. 727-748.

[19] Art. 11º do CP: “Responsabilidade das pessoas singulares e coletivas”, “1 – Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. / 2 – As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos arts. 144.º-B, 152.º-A, 152.º-B, 159.º e 160.º, nos arts. 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos arts. 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos: / a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou / b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. / 3 – (Revogado.) / 4 – Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade. / 5 – Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto. / 6 – A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. / 7 – A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes. / 8 – A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime: / a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e / b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão. / 9 – Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: / a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa; / b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou / c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. / 10 – Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade. / 11 – Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados”.

[20] Art. 7º do RGCO-Regime Geral das Contraordenações: “Da responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparadas”, “1 – As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica. / 2 – As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”.

[21] Art. 7º do RGIT: “Responsabilidade das pessoas colectivas e equiparadas”, “1 – As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo. / 2 – A responsabilidade das pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. / 3 – A responsabilidade criminal das entidades referidas no n. 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes. / 4 – A responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n. 1 exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes. / 5 – Se a multa ou coima for aplicada a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por ela o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados”. Em relação a esta norma jurídica, devemos ter em consideração a seguinte jurisprudência no seio do ordenamento jurídico português: Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Maio de 2013 (http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005 cd5bb/3b820682ae38333280257b6b003a8506?OpenDocument&Highlight=0,RGIT , 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Fevereiro de 2013 (http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb53003 0ea1c61802568d9005cd5bb/63f9d955491708f780257b36005920c4?OpenDocument&Highlight=0,RGIT , 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Maio de 2013 (http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/3 3182fc732316039802565fa00497eec/8a458eb6071edba280257c2e0058dd75?OpenDocument&Highlight=0,RGIT , 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Abril de 2013 (http://www.dgsi. pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/087761db9a39c54680257b8200399916?OpenDocument&Highlight=0,RGIT , 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de Outubro de 2015 (http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/78282e5232db6de180257ee40037b124?OpenDocument, 14.08.20); Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Outubro de 2017 (http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/d1f7e72a5357c5da802581bb0053c6f4?OpenDocument , 14.08.20); Ac. do Tribunal Constitucional 636/2018, de 22 de Novembro de 2018 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180636.html?impressao=1 , 14.08.20). Neste último Acórdão do Tribunal Constitucional, destacámos a declaração de inconstitucionalidade pela segunda vez do n. 5 do art. 7º do RGIT, referindo-se nomeadamente em relação aos nossos próprios trabalhos o seguinte, entre outros aspectos: “Centrando a atenção nos entes societários de índole comercial desprovidos de personalidade jurídica geral aqueles que relevam para o presente recurso -, verifica-se que o RGIT visa especialmente as sociedades com atividade antes da celebração de escritura pública, seja com a criação de falsa aparência de que existe um contrato de sociedade, seja com a efetiva celebração de acordo de constituição, nos termos do art. 36.º, n.ºs 1 e 2 do CSC, e as sociedades com celebração de escritura pública mas com atividade antes do registo, referidas no art. 37.º, n. 1 do CSC (nesse sentido, Gonçalo de Melo Bandeira, “Responsabilidade” Penal Económica e Fiscal dos Entes Coletivos À Volta das Sociedades Comerciais e Sociedades Civis sob a Forma Comercial, Almedina, p. 351)”.

[22] Cfr. art. 3º do RJIAECSP: “Responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas”, “1 – As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo. / 2 – A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. / 3 – A responsabilidade das entidades referidas no n. 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o n. 3 do artigo anterior”. Na realidade, esta “responsabilidade criminal” também é “responsabilidade contraordenacional”. Salvo se se defender a tese de que a responsabilidade criminal em sentido amplo inclui a responsabilidade contraordenacional. E aí, a perspectiva estaria correcta do nosso ponto de vista.

[23] Cfr. art. 401º do CdVM: “Responsabilidade pelas contraordenações”, “1 – Pela prática das contraordenações previstas neste Código podem ser responsabilizadas pessoas singulares, pessoas coletivas, independentemente da regularidade da sua constituição, sociedades e associações sem personalidade jurídica. / 2 – As pessoas coletivas e as entidades que lhes são equiparadas no número anterior são responsáveis pelas contraordenações previstas neste Código quando os factos tiverem sido praticados, no exercício das respetivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores. / 3 – A responsabilidade da pessoa coletiva é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções concretas, individuais e expressas daquela, transmitidas ao agente, por escrito, antes da prática do facto. / 4 – Os titulares do órgão de administração das pessoas coletivas e entidades equiparadas, bem como os responsáveis pela direção ou fiscalização de áreas de atividade em que seja praticada alguma contraordenação, incorrem na sanção prevista para o autor, especialmente atenuada, quando, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infração, não adotem as medidas adequadas para lhe pôr termo imediatamente, a não ser que sanção mais grave lhe caiba por força de outra disposição legal. / 5 – A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes”.

[24] Cfr. art. 73º do RJC: “Responsabilidade”, “1 – Pela prática das contraordenações previstas na presente lei podem ser responsabilizadas pessoas singulares, pessoas coletivas, independentemente da regularidade da sua constituição, sociedades e associações sem personalidade jurídica. / 2 – As pessoas coletivas e as entidades equiparadas referidas no número anterior respondem pelas contraordenações previstas na presente lei, quando cometidas: / a) Em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou / b) Por quem atue sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. / 3 – Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade. / 4 – A fusão, a cisão e a transformação não determinam a extinção da responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática da contraordenação: / a) No caso de fusão, a pessoa coletiva ou entidade equiparada incorporante de outras ou a que resulte da operação; / b) No caso de cisão, as pessoas coletivas ou entidades equiparadas que resultem da operação ou que beneficiem de incorporações de património da sociedade cindida; / c) No caso de transformação, as pessoas coletivas ou entidades equiparadas que resultem da operação. / 5 – No caso de extinção da pessoa coletiva ou entidade equiparada, pelas coimas em que a mesma for condenada respondem os antigos bens desta que tiverem sido adjudicados em partilha. / 6 – Os titulares do órgão de administração das pessoas coletivas e entidades equiparadas, bem como os responsáveis pela direção ou fiscalização de áreas de atividade em que seja praticada alguma contraordenação, incorrem na sanção cominada no n. 4 do art. 69.º, quando atuem nos termos descritos na alínea a) do n. 2 ou quando, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infração, não adotem as medidas adequadas para lhe pôr termo imediatamente, a não ser que sanção mais grave lhes caiba por força de outra disposição legal. / 7 – A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual de quaisquer pessoas singulares, nem depende da responsabilização destas, nos casos de violação de deveres de colaboração. / 8 – As empresas cujos representantes, ao tempo da infração, eram membros dos órgãos diretivos de uma associação de empresas que seja objeto de uma coima ou de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos nas alíneas a) a g) do n. 1 do art. 68.º, no n. 2 do art. 69.º e no artigo anterior, são solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima, exceto se, por escrito, tiverem lavrado a sua oposição à decisão que constitui a infração ou da qual a mesma resultou”.

[25] Assim aconteceu no disparatado “Parecer n. 11/2013”, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, Ministério Público, Publicado no Diário da República, 2ª série, n. 178, de 16 de Setembro de 2013. Texto por nós anotado em BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Responsabilidade Penal e Contraordenacional das Organizações Colectivas, Boletim da Faculdade de Direito…, 2017, pp. 129-148.

[26] Cfr. art. 12º do CP. Para mais desenvolvimentos na actuação no lugar de outrem, os nossos v.g. BANDEIRA, G. S. de Melo, Responsabilidade Penal Económica e Fiscal dos Entes Colectivos…, 2004, passim; BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Abuso de Informação, Manipulação do Mercado e Responsabilidade Penal das “Pessoas Colectivas”…, 2011/2016 (5ª tiragem), passim.

[27] Cfr. art.s 18º e do 24º ao 34º da Constituição: “o sismógrafo da própria Constituição”, nas palavras do Prof. Doutor J.J. Gomes CANOTILHO.

[28] Cfr. art. 1º da Constituição da República Portuguesa: “República Portuguesa: / Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

[29] BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo, Responsabilidade Penal e Contraordenacional das Organizações Colectivas, Boletim da Faculdade de Direito…, 2017, pp. 145-146. E como aí referimos, já COSTA, António de Almeida, A propósito do novo Código do Trabalho: Bem Jurídico e pluralidade de infracções no âmbito das contraordenações relativas ao “trabalho suplementar”, Subsídios para uma dogmática do direito de mera ordenação social laboral, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, Coimbra, 2003, passim.

[30] No RGCO, cfr. art. 27º, Prescrição do procedimento; art. 27º-A, Suspensão da prescrição; art. 28º, Interrupção da prescrição; art. 29º Prescrição da coima; art. 30º Suspensão da prescrição da coima; art. 31º Prescrição das sanções acessórias. Assim como no CP, Título V, Extinção da responsabilidade criminal, Capítulo I, Prescrição do procedimento criminal, Art. 118º, Prazos de prescrição; art. 119º, Início do prazo; art. 120º, Suspensão da prescrição; art. 121º, Interrupção da prescrição; Capítulo II, Prescrição das penas e das medidas de segurança, art. 122º, Prazos de prescrição das penas; art. 123º, Efeitos da prescrição da pena principal; art. 124º, Prazos de prescrição das medidas de segurança; art. 125º, Suspensão da prescrição; art. 126º, Interrupção da prescrição.

[31] Cfr. art. 18º do RGCO, Determinação da medida da coima; e o CP português, Capítulo IV, Escolha e medida da pena, Secção I, Regras gerais: art. 70º, Critério de escolha da pena; art. 71º, Determinação da medida da pena; art. 72º, Atenuação especial da pena; art. 73º, Termos da atenuação especial; art. 74º, Dispensa de pena; Secção II, Reincidência, art. 75º, Pressupostos; art. 76º, Efeitos.

[32] JESCHECK, Hans-Heinrich / WEIGEND, Thomas (1996). In Lehrbuch des Strafrechts § Allgemeiner Teil § Funfte Auflage, Duncker & Humblot • Berlin, Alemanha, p. 41.

[33] LISZT, Franz Von (1889), ZStW, 9, a revista fundada pelo próprio e da qual era director, Zeitschrift der deutschen Strafrechtswissenshaft – Revista da Ciência alemã do Direito Penal. Hoje chamada de Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenshaft também ZStW.

[34] Jescheck, Hans-Heinrich / Weigend, Thomas. In Lehrbuch des Strafrechts § Allgemeiner Teil § Funfte Auflage, Duncker & Humblot • Berlin, Alemanha, 1996, p. 429.

[35] ROXIN, Claus, Strafrecht. Allgemeiner Teil, Band I: Grundlagen. Der Aufbau der Verbrechenslehre. Beck, München, 1994, p. 700.

[36] JAKOBS, Günther, JAKOBS, Günther, Strafrecht Allgemeiner Teil, Die Grundlagen und die Zurechnungslehre, Studienausgabe, 2.Auflage, Walter DeGruyter, Berlin, New York, 1993, pp. 469.