A INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO E O REGIONALISMO JURÍDICO: A PESSOA HUMANA NA AMAZÔNIA – O CABOCO

THE INTERNATIONALIZATION OF LAW AND LEGAL REGIONALISM: THE HUMAN PERSON IN THE AMAZON – THE CABOCO

DOI: 10.19135/revista.consinter.00009.22

Alcir Gursen de Miranda[1] – https://orcid.org/0000-0001-8314-8649

Themis Eloana Barrio Alves G. de Miranda[2] – https://orcid.org/0000-0003-0671-2626

Resumo: O tema “A Internacionalização do Direito e o Regionalismo Jurídico: A Pessoa Humana na Amazônia – O Caboco” foi desenvolvido conforme o neoconstitucionalismo na linha de Peter Häberle em suas obras Hermenêutica Constitucional e Teoria da Constituição como Ciência da Cultura, no âmbito do regionalismo jurídico com objetivo de demonstrar a importância social, cultural e jurídica do caboco como sujeito de direito na Amazônia, enfatizando a pessoa humana fruto da mestiçagem do indígena com o conquistador português. Análise da Constituição brasileira, destacadamente do pluralismo constitucional, de legislação infraconstitucional e de tratados internacionais foram necessários para melhor compreensão dessa figura jurídica peculiar visando sua proteção e fortalecimento no embate de novos direitos, em face da internacionalização do direito na contemporaneidade, todavia desnecessário reforma constitucional para garantia e proteção dos direitos do caboco.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Amazônia. Direito Amazônico. Sujeito de Direito. Caboco.

Abstract: The theme “The Internationalization of Law and Legal Regionalism: The Human Person in the Amazon – The Caboco” was developed according to the new constitutionalism in the line of Peter Häberle in his works “Constitutional Hermeneutics” and “Theory of the Constitution as Science of Culture”, within the scope of legal regionalism with the purpose of demonstrating the social, cultural and juridical importance of the Caboco as a subject of law in the Amazon, emphasizing the human person fruit of the Indian’s miscegenation with the Portuguese conquistador. Analysis of the Brazilian Constitution, especially constitutional pluralism, infra-constitutional legislation and international treaties was necessary to better understand this peculiar legal figure, aiming at its protection and strengthening in the struggle of new rights, in the face of the internationalization of law in contemporary times, however unnecessary constitutional reform to guarantee and protect the rights of the people.

Keywords: Constitutional Law. Amazon. Amazonian Law. Subject of Law. Caboco.

INTRODUÇÃO

O Direito em escala universal ganhou nova compreensão com a Lei Fundamental de Bonn[3] ao elevar a patamar de destaque a dignidade da pessoa humana, fortalecido com o neoconstitucionalismo como principal direito fundamental. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948[4] havia estabelecido parâmetros para o universalismo jurídico, proporcionando a internacionalização do direito estatal em decorrência de tratados, pactos e convenções internacionais na seara dos direitos humanos. O direito privado dos romanos fortalecido com o Código Civil Francês de 1804 e publicizado com o Estado Social agora está internacionalizado. A internacionalização do direito na contemporaneidade sustentada pelos direitos humanos é realidade no direito estatal[5] com os direitos fundamentais e os novos direitos, em compreensão distinta do universalismo jurídico, este, desconsiderando o direito estatal, o direito regionalizado e o localismo jurídico.

O neoconstitucionalismo destaca que a cultura, um dos elementos do Estado, é necessário à dignidade da pessoa humana. Cultura que implica em direito regionalizado a permitir no âmbito deste trabalho enfoque sobre região de maior destaque na contemporaneidade, a Amazônia. Amazônia brasileira onde existe trabalhador rural típico chamado caboco.

Compreender o direito regionalizado é compreender o direito conforme a cultura de determinado povo em determinado espaço e tempo, é compreender o Direito como Cultura, é compreender um direito regionalizado para Amazônia, Direito é cultura. Por via de consequência, estabeleço a temática do trabalho: “A Internacionalização do Direito e o Regionalismo Jurídico: A Pessoa Humana na Amazônia – O Caboco”.

A problemática a ser enfrentada desponta: Existe a figura do caboco como elemento típico da Amazônia? O caboco está previsto na Constituição brasileira como grupo étnico? Há necessidade de reforma constitucional para inserir o caboco como sujeito de direito na Amazônia? Qual a repercussão desse fenômeno do direito regionalizado, em face da internacionalização do direito?

O Estado nacional nesse caldeirão contemporâneo é amálgama em sua hermética existência, tornando-se mais um componente na ampla concepção internacional. Nesse contexto, para Pureza (p. 10), as relações de Estado bilateral passam a multilateral e descentralizado, observando-se o interesse comum internacional. Todavia, se esses Estados nacionais são obrigados a amoldar-se aos interesses internacionais, por certo, nesse mesmo tempo devem, necessariamente, reformar suas compreensões jurídicas para enfrentar o inevitável universalismo visando proteger os interesses nacionais, regionais e locais, destacadamente o Estado cultural, fortalecendo os grupos sociais mais tradicionais na concretização da dignidade da pessoa humana, populações tradicionais onde pode ser incluída a comunidade caboca.

O trabalho traz fundamento científico, no entanto, utilizarei linguagem direta e objetiva, visando ao público em geral, somente inserindo tecnicismo jurídico quando o termo for imprescindível. Afinal, o trabalho não é escrito nem restrito aos doutos, visa as pessoas comuns não iniciadas no mundo acadêmico. Linguagem suficiente para análise dos sabidos, porém, necessária à compreensão social e cultural da comunidade.

Acredito que o trabalho tem como valor prático oferecer elementos sobre a realidade cultural e jurídica da Amazônia na contemporaneidade, importantes à análise atual do problema mundial. Em suma: razão prática, objetiva e atual da temática, em face do permanente interesse pela Amazônia, em nível internacional.

O trabalho será desenvolvido em seis partes: 1. Navegando pela foz em labirinto – Formação étnica tradicional do caboco; 2. Navegando em Banzeiro – O “abrasileiramento” da Amazônia e a “invasão” estrangeira; 3. Navegando em Remanso – O caboco; 4. A força dos sete mares – Invisibilidade do caboco; 5. Ancorando em Porto Seguro – Pluralismo cultural brasileiro; 6. Seguindo o grande farol – Tratados internacionais.

1 NAVEGANDO PELA FOZ EM LABIRINTO – FORMAÇÃO ÉTNICA TRADICIONAL DO CABOCO

A figura do caboco merece estudo jurídico como parte da compreensão da identidade cultural da Amazônia, considerando os direitos fundamentais. Raras são as pesquisas etnográficas, antropológicas ou sociológicas sobre o caboco, até o final dos anos 1960 eram praticamente inexistentes, a ficção literária foi única fonte de conhecimento sobre o caboco, a literatura amazônica reconhece o caboco como o principal tipo humano da Amazônia[6]. Na seara do Direito a abordagem sobre o caboco é inexistente, o caboco não é reconhecido como sujeito de direito na Amazônia, é totalmente ignorado, o Direito não apreendeu a importância que a figura merece no contexto amazônico.

O típico caboco na Amazônia vive às margens dos cursos d’água (rios, igarapés, furos e paranás, lagos e lagoas), totalmente alheio ao mundo jurídico vigente e desconhece o regime de propriedade privada do capitalismo selvagem. Para esse trabalhador rural o importante é estar à beira do rio de onde tira seu alimento e serve de via de transporte e acesso à cidade, numa zona bem delimitada de terra extrai o açaí para beber e, numa área mais alta, cultiva um roçado de mandioca para produzir a farinha, base de sua alimentação, a caça é realizada somente quando o peixe não vem, quando o rio está “panema”, o extrativismo agrário é sua atividade econômica principal, em alguns casos, existe o artesanato rústico com seus paneiros, abanos, alguidares e coisas mais. A terra como bem econômico não tem valor, o importante é o que a natureza produz sobre essa terra (GURSEN, 1988, p. 32).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reconhece o caboco como um dos tipos regionais do Brasil, peculiar da região amazônica, paralelamente a outros tipos regionais[7]. Por certo, os diferentes tipos são definidos, para além da região e sua história – do espaço e do tempo –, por fatores étnicos formadores do grupo social, a dimensão social e cultural, o elemento socioambiental, a componente geoeconômica e a linguagem.

Acredito esteja faltando mais amplitude e maior aprofundamento no estudo sobre o caboco, como principal sujeito nas relações sociais e jurídicas na Amazônia, muito mais que estudo complexo, em verdade, ocorre evidente conceito prévio ([pré] conceito) em todos os aspectos sobre o caboco. A compreensão do caboco no âmbito jurídico visa, primeiramente, definir se o caboco é uma figura jurídica com características próprias ou se está vinculada a outra. Compreender o caboco como figura jurídica típica da Amazônia é necessidade no Estado Democrático de Direito na concretude da garantia da dignidade da pessoa humana a esses indivíduos marcantes em manter o ambiente amazônico ecologicamente equilibrado.

Compreender a figura jurídica do caboco fortalece a denominação de maneira geral, proporciona melhor estudo comparativo com outras figuras e institutos jurídicos e facilita a aplicação do direito na Amazônia, dentre outras vantagens. Na mesma linha, haverá menor possibilidade de interferência político/acadêmica de outras áreas do conhecimento, assegurará ao caboco acesso à justiça com maior objetividade, proporcionará maior celeridade na tramitação dos processos, no âmbito judicial e administrativo, bem como facilitará maiores recursos perante as instituições financeiras.

Compreensão de forma clara e objetiva da figura jurídica do caboco, em face de outras figuras jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente no âmbito agrário, além de se garantir a continuidade de utilização da expressão, com sustentação no âmbito do Judiciário, incluindo-se as atividades essenciais à Justiça, por certo, levará a redução das resistências e se evitará a utilização de expressões alheias à realidade amazônica.

Benefícios e desvantagens do caboco como figura jurídica, em decorrência de compreensões diversas são plenamente aceitas no mundo das ciências sociais, no mundo da cultura, no mundo do dever ser, no mundo do Direito. É certo, no entanto, que a compreensão da figura jurídica do caboco possibilitará que os protagonistas do Direito vislumbrem formas mais objetivas em relação a outras figuras e institutos jurídicos, além de proporcionar elaboração de decisões judiciais com sedimentação jurisprudencial, bem como facilitar a produção de material jurídico em nível doutrinário e acadêmico.

O caboco como mestiço tem os elementos étnicos de sua formação bem identificados na Amazônia. Além do índio, em primeiro momento surgiu o conquistador português, no início da miscigenação física, biológica e cultural, posteriormente ocorreu a presença do negro africano, acrescentando mais um elemento nessa miscigenação, mais tarde chegaram os Nordestino brasileiros e estrangeiros além de europeus, somente na segunda metade do século XX chegaram à Amazônia o elemento do Sul e Sudeste do Brasil, em decorrência da abertura das grandes estradas, projetos de colonização e projetos econômicos.

Os detalhes desse processo de miscigenação, da mestiçagem na Amazônia serão analisados com vagar, para melhor compreensão da figura do caboco, um mestiço, no fortalecimento da pessoa humana peculiar da Amazônia, em decorrência da internacionalização do Direito.

1.1 O Índio

Na época da conquista portuguesa o índio[8] dominava a região do vale do rio Amazonas, destacadamente as margens dos cursos d’água, densamente povoada por diversos grupos indígenas. Os índios na Amazônia desde o início do período colonial tiveram ampla legislação visando a proteção de suas terras e de sua cultura, destacando lei que declarava os índios pessoas livres e condenava a escravidão. Portugal regulou de forma minuciosa e longa a vida dos índios até o casamento entre o português e a índia, na regulamentação jurídica da mestiçagem, com o surgimento do caboco. Em verdade, se as leis portuguesas estavam impregnadas de sentimento humanitário e de preocupação protecionista, no exercício da atividade colonizadora o índio era submetido a vida rude, perseguido, incompreendido em seu primitivismo – é o “paradoxo da colonização” portuguesa.

A cultura indígena[9] é o fundamento da cultura amazônica contemporânea, da cultura caboca, desde o vocabulário, com a designação dos principais elementos geográficos, tais como Pará, Guajará, Marajó, Anajás, Roraima, Paracaima, Macunaima e tantos outros. A crença indígena na Amazônia ainda lembra o “Deus Sol”, fonte da vida e da morte, venera o “Grande Pai Macunaima”, respeita os conhecimentos do pajé em ritual de batição de folhas, remédios naturais de raízes, cascas, sementes, folhas, flores e frutos. Os costumes e as tradições são bem materializados com o artesanato indígena, Gilberto Freyre (p. 163) enfatiza na cultura amazônica e brasileira, exportada para Europa, como marcante herança da cultura indígena, o asseio pessoal, o hábito do banho diário. A gastronomia tem como principal elemento da dieta do índio a farinha de mandioca[10], recepcionada e usada pelos amazônidas cabocos, pelos brasileiros … e estrangeiros. Dentre os utensílios destaca-se a rede, o pilão, os artefatos de barro e de palha/cipó, a cuia etc. …

A organização social[11] dos índios de liderança hereditária, conselho dos idosos, reverência ao pajé, estão sendo destruídos pela interferência de religiosos e ONGs, a forma coletiva de exploração da terra, para produção de alimentos ainda está presente, mas a habitação coletiva somente é encontrada em grupos isolados[12]. O amazônida, em verdade o caboco, e a cultura brasileira de maneira geral, traz muito da cultura indígena, assimilada desde a conquista da Amazônia aos portugueses.

1.2 O Conquistador Europeu

A conquista da Amazônia foi impactante. No primeiro momento a ocupação da terra ocorreu com fins estritamente comerciais, na linha do utilitarismo, depois o cristianismo de conversão, toda a Amazônia foi ocupada por obra de missionários, paralelamente ocorreu o choque cultural causado aos índios. Espanhóis cruzaram a Amazônia de Leste a Oeste, os franceses ficaram na região da foz do Grande Rio em ambas as margens do delta, os ingleses e os irlandeses penetraram o canal Norte do rio Amazonas e os holandeses penetraram pelo delta Sul, estabelecendo-se na Ilha de Gurupá e na foz do rio Xingu, depois os portugueses chegaram e expulsaram todos, sob ordens do rei de Espanha. Os confrontos dos índios com os conquistadores europeus foram intensos e sangrentos, ao final houve mistura física, biológica e cultural, miscigenaram, nasceu o caboco.

O imigrante português se adaptou perfeitamente ao ambiente amazônico: andava nu como os índios, comia mandioca e outras raízes, aprendeu os segredos da floresta, o nome das plantas e suas utilidades de farmácia natural, o momento do cultivo e da colheita, a língua. Da união com a índia nasceram os primeiros mestiços, os quais, os cabocos, assimilaram a cultura da mãe.

A marcante e forte influência portuguesa na Amazônia é fato inegável, tanto no campo econômico quanto cultural como jurídico. Belém do Pará é uma cidade com ares lusitanos, onde as casas do bairro da Cidade Velha, traduz o dia a dia dos portugueses na Amazônia. Como conquistadores da Amazônia, em constante imigração, tornaram-se dominantes, não apenas pelo fato colonização, mas pela multiplicação operada por meio do relacionamento com as índias e depois com as negras. Os portugueses, bem diferentes dos anglo-saxões na parte Norte da América, procuraram interagir com os indígenas, tendo como consequência natural o nascimento de mestiços.

Os portugueses eram os “donos” das leis que passaram a reger a Colônia, justificando-se a forte influência do Direito português na construção do Direito brasileiro, com influência recíproca na cultura constitucional, desde as primeiras constituições, enquanto a Lei de Sesmaria foi meio legal utilizado para exploração das terras no Brasil Colônia, as Ordenações Filipinas dos portugueses vigoraram no Brasil até o início do século XX, quando entrou em vigor o Código Civil brasileiro no ano de 1917. Fizeram a economia da Amazônia em três momentos não excludentes: (1º) Ciclo do açúcar no momento da fundação de Belém do Pará; (2º) Ciclo das “drogas do sertão”; (3º) Ciclo agrícola com a reforma do Marques de Pombal. Os portugueses foram os grandes negociantes no período áureo da borracha, mas participaram de outras atividades econômicas além do comércio, a agricultura, a indústria e serviços.

A gastronomia portuguesa com a bacalhoada regada com azeite de oliva é prato típico da ceia de Natal na Amazônia, o festival de sardinha é realizado todos os anos, o cheiro do pão quentinho das panificadoras, os pastéis de nata ganharam sabor do cupuaçu. A simbiose é perfeita das arraigadas tradições portuguesas com o novo modo de viver da Amazônia, ao cheiro do mato e das águas, o “aportuguesamento” da Amazônia é marca registrada da cultura portuguesa, conforme pode-se observar pelos nomes de cidades e vilas. O sentimento de solidariedade, a devoção religiosa, a paixão ao futebol. Mas a chegada do negro africano trouxe novos elementos nessa construção cultural da Amazônia.

1.3 O Escravo Negro Africano

A participação do negro africano na cultura e economia da Amazônia formador da figura do caboco tem significado restrito em pontos bem determinados, certamente, em decorrência do elevado número da população indígena. Acrescente-se fato da atividade econômica na região sustentada pelo extrativismo agrário, exigia conhecimento dos produtos e das áreas onde poderiam ser encontrados, limitando atuação do escravo negro.

A mão de obra negra de trabalho escravo na Amazônia chegou com os ingleses na costa do Amapá e foz do rio Amazonas em final do século XVI, para trabalhar nos engenhos na produção de açúcar e aguardente. Os portugueses somente começaram o tráfico de negros africanos à Amazônia no final do século XVII, em decorrência de pressão exercida por religiosos (jesuítas, carmelitas, mercedários) que precisavam de mão de obra escrava, para trabalhar em suas fazendas de pecuária e plantação de cana-de-açúcar dos engenhos, considerando a dificuldade legal e cultural de escravidão do índio. A maior concentração de negros na Amazônia foi em Belém do Pará, no interior o maior contingente foi levado à região do rio Trombetas e Baixo rio Amazonas, depois, em números menores, à Ilha de Marajó, poucos foram os negros para Capitania de São José do Rio Negro[13], não há notícia de escravo negro no vale do rio Branco[14]. Fugitivos negros oriundos de fazendas do Maranhão e Pernambuco formaram mocambos na região de Macapá, na parte Oeste da Ilha de Marajó, rio Mocajuba, rio Gurupi, rio Tocantins e cabeceira do rio Trombetas. O tráfico de escravos negros entre o Grão Pará e as praças de África foi encerrado no ano de 1834.

A relação amorosa do português com a negra era radicalmente proibida por lei, os que assim procediam eram taxados infames. Certamente, por essa razão, a descendência do cruzamento do branco europeu com a negra africana na Amazônia, daquela época, traz marcas pouco profundas, considerando a existência de mestiço descendente do negro, tanto do português com a negra[15] como do negro com a índia, além dos negros com os mestiços existentes na região, o caboco, passou a existir novo mestiço, o “caboco negro”. Com seus costumes, língua, crenças e tradições os africanos influenciaram os elementos indígena e português na Amazônia.

No campo econômico o escravo negro exercia atividade no âmbito agrário nas diversas culturas[16], na Ilha de Marajó foram vaqueiros, desenvolveram artesanato de cerâmica na região das Ilhas e cercanias da cidade de Belém do Pará. O sincretismo religioso com o candomblé, umbanda e quimbanda é outra marca do africano, com interação portuguesa, por meio de seus santos, as divindades brancas tornaram-se negras: Nossa Senhora da Conceição tornou-se Iemanjá; São Jorge, Ogum; São Roque, Onolu etc., tornando-se afro-brasileiras. A gastronomia africana é forte[17]: a comida dispensada da casa-grande era reinventada pelos escravos negros, onde o destaque é a feijoada. A música e o canto trazem força rítmica africana, bem diferente do ritmo do fado português, e construiu o gingado do carimbó na Amazônia, mas tem o samba, batuque, lundu, ginga, de onde derivou a dança, por meio da qual expressava seu ser, o agogô e o afoxé são instrumentos musicais trazidos pelos africanos. O vocabulário africano é presente em todos os setores da vida amazônica, como neném, pipi, bunda (bumbum), cocô, quitanda, batuque e, muitas, na forma do diminutivo, como dindinho (padrinho)[18].

Essa fase na formação do elemento humano amazônico ocorreu durante o período colonial até o Segundo Império, em meados do século XIX, quando estourou o interesse pela borracha e a miscigenação tornou-se ampla e intensa com a chegada de brasileiros da região Nordeste do país e estrangeiros de várias partes do Mundo.

2 NAVEGANDO EM BANZEIRO – O “ABRASILEIRAMENTO” DA AMAZÔNIA E A “INVASÃO” ESTRANGEIRA

2.1 A Chegada dos Nordestinos e a Riqueza da Borracha

O elemento humano brasileiro que causou o primeiro grande impacto cultural na Amazônia caboca foi oriundo do Nordeste do país, aliando-se elevado contingente populacional e modo de vida. Os nordestinos chegaram à Amazônia em meados do século XIX trazendo cobiça e desconhecimento da região para trabalharem nos seringais, agindo de forma predatória em relação ao ambiente natural, constituíram-se em mão de obra para as colônias agrícolas criadas pelo governo, com destaque à região Leste da Província do Grão Pará, foram os grandes concorrentes dos portugueses pelo controle dos seringais como “coronéis de barranco”. A grande migração de nordestinos ocorreu por ocasião dos dois ciclos da borracha: o primeiro, de 1875 a 1912; e, o segundo, de 1941 a 1945. Estima-se algo em torno de quinhentos mil nordestinos tenham chegado à Amazônia nesses dois períodos.

A presença do nordestino na Amazônia causou profunda transformação social, cultural e econômica na região, levando à nova concepção da Amazônia distinta da Amazônia caboca tradicional: mentalidade, estilo de vida, padrões sociais e culturais. Nordestinos que ficaram na Amazônia constituíram família, em novo processo de miscigenação do nordestino com a caboca, com a índia, mas todos com características cabocas, distantes das margens dos rios, no chamado centrão, onde derrubavam a mata em torno da casa, chamo “caboco do centrão”, nem superior nem inferior, apenas um caboco diferente. Teria sido o primeiro momento de desconstrução do caboco ribeirinho.

Nessa época ocorreu a efetiva incorporação da Amazônia à política do governo do Império do Brasil, marcadamente a política econômica. Desde a década de 1860 a Amazônia aparecia como destaque na produção da borracha, principal item de exportação do país, chamando atenção de governos estrangeiros.

2.2 Os Novos Descobridores

Estrangeiros de diversas partes do mundo chegaram à Amazônia atraídos pelo brilho do “ouro branco” daquela época, o látex para produção da borracha. Muitos em migração espontânea outros em migração dirigida, alguns para trabalharem nas diversas colônias agrícolas criadas, origem de muitos municípios. Vieram norte-americanos, europeus, médio orientais e asiáticos.

Em decorrência da Independência do Brasil[19] e com apoio da Imperatriz Leopoldina[20] muitos alemães chegaram ao Sul do território do Brasil, desde o ano de 1824, algumas famílias fixaram-se na Amazônia, para ensinar o idioma, fazer fotografias e produzir cerveja. A presença alemã na Amazônia, no entanto, remonta aos missionários dos séculos XVI e XVII, vários cientistas alemães, de vários campos científicos, percorreram a região, naturalistas, antropólogos, zoólogos, botânicos, fundaram a etnologia da Amazônia, com pesquisas da população indígena, suas cultura e língua. A interação foi natural gerando o “caboco alemão”.

Os espanhóis retornaram à sua origem histórica, constituindo-se no segundo grupo estrangeiro residente na Amazônia. Participaram ativamente na construção da Estrada de Ferro Belém-Bragança e da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, sendo importantes no desenvolvimento socioeconômico da região Nordeste do Estado do Pará. Contribuíram no campo econômico e cultural no exercício de diversas atividades[21]. A gastronomia é bem apreciada, destacando-se a paella. A língua espanhola falada pela primeira geração de migrantes, com sotaque típico é peculiar, transferido aos naturais mestiços, os “cabocos galegos”.

Os italianos são presentes na Amazônia desde a chegada de técnicos, para trabalharem na Comissão de Limites, contratados pelos portugueses em meados do século XVIII. Arquitetos e pintores italianos tornaram as cidades de Belém do Pará e Manaus com ares da Europa, construindo igrejas, teatros, prédios públicos e privados, estabelecimentos de ensino e hospitais. Fixaram suas raízes em Belém do Pará, Manaus, Breves (Ilha de Marajó), Abaetetuba e no Baixo rio Amazonas, nas cidade de Santarém e Óbidos, destacando-se no comércio de mercadorias, no processo de industrialização e nos serviços. A gastronomia seria sua grande herança para Amazônia fazendo uso de massas e consumo de verduras e legumes. O modo de vida e relacionamentos amorosos deu origem ao “caboco italiano”.

Árabes, libaneses, sírios, turcos e judeus são importantes na colonização da Amazônia, onde se destacaram na atividade comercial, escritório e contabilidade comercial, exercendo forte influência econômica e social. Implantaram na Amazônia o “comércio ambulante fluvial” típico chamado “regatão”. A forte cultura desses povos está presente, merecendo referência especial a cozinha árabe[22]. Relacionaram-se com a população local, dos quais nasceram os chamados “cabocos turcos”.

Os orientais[23] começaram a chegar à Amazônia a partir do ano de 1928, para colonização de diversas áreas previamente selecionadas. Além da contribuição no âmbito agrário[24], ampliaram suas atividades ao comércio[25], depois à indústria. Os japoneses participam na Amazônia do setor mineral (alumínio) e do setor industrial[26]. Marcaram a região com os valores de vida e comportamento, na gastronomia, com o paladar exótico, enriqueceram a cozinha amazônica[27]. Firmaram tradição histórica com influência socioeconômica, social e cultural em vários municípios de colonização japoneses na Amazônia[28] os quais adquiriram características peculiares, umas mais outros menos, em decorrência da inevitável miscigenação, gerando novos cabocos, de olhos mais puxados, aos que chamo “nipocabocos”.

A belle-époque da “Paris do Sol”, como chamavam a cidade de Belém do Pará, reflete a forte presença cultural dos franceses na arquitetura da Amazônia no final do século XIX e início do século XX, exatamente o período áureo da borracha. Ficaram algumas pessoas, nasceram os “cabocos afrancesados”. Os franceses participaram do setor de comercialização, crédito e produção agrária[29]. Vieram na imigração dirigida de colonos franceses, para colônia de Benevides ao longo da Estrada de Ferro Belém-Bragança, pelo governo do Estado do Pará, iniciada no ano de 1870. Produziram ladrilhos, vinho, rum e cachaça.

Os ingleses sempre estiveram presentes na Amazônia, antes da chegada dos portugueses. A arquitetura de ferro de chalés, mercados, caixas d’água e galpões dos ingleses é presente em Belém do Pará e Manaus, prestação de serviços públicos da Parah Eletric Railways & Lighting Company Ltda., no ano de 1905. O “cemitério dos ingleses” nos jardins da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil do ano de 1912 no centro de Belém do Pará virou atração turística. Os ingleses participaram na construção de portos, produção de energia, telefonia, telegrafia e saneamento básico, foram fortes no setor de comercialização e do crédito. Marcaram a região com os “cabocos negros barbadianos[30].

Atualmente empresa russa explora gás natural e petróleo no Alto rio Solimões, na Amazônia, alguns descendentes russos vivem em território amazônico, a miscigenação é decorrência natural, para constituir novo perfil do caboco, com novas características, por certo, o “caboco russo”.

O final da Segunda Grande Guerra (1939-1945) provocou mobilização do governo brasileiro para a Amazônia com o lema “Marcha para o Oeste”, considerando sua importância estratégica e geopolítica, tanto pelas fronteiras internacionais quanto pelo vazio demográfico, visando seu desenvolvimento econômico iniciado com criação dos territórios federais[31] do Amapá[32], Rio Branco[33] e Guaporé[34].

2.3.1 O reencontro brasileiro – esperança das estradas

A caracterização mais contemporânea do caboco ocorreu em decorrência da abertura das rodovias federais na Amazônia na década de 1970, como nova fronteira agrária, tendo como referência a rodovia Belém-Brasília inaugurada em 1961, para ligar a Amazônia as outras regiões do Brasil no sentido Sul-Norte[35], enquanto no sentido Leste-Oeste foi construída a rodovia Transamazônica e a rodovia Perimetral Norte. Paralelamente foram instalados projetos econômicos em imensas áreas de terras, projetos de colonização às margens dessas rodovias e no entorno desses projetos foram implementados.

Houve intensa corrente migratória interna para ocupação dessas terras, algumas já ocupadas por cabocos outras reconhecidas áreas indígenas, os novos migrantes trouxeram problemas ao campo amazônico de forma exponencial, … muitas cidades surgiram, houve conflito… a miscigenação foi inevitável do indígena, do caboco e da caboca com os migrantes bugres, caipiras e matutos, também mestiços do Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil fazendo surgir o “caboco de rodovia”.

3 NAVEGANDO EM REMANSO – O CABOCO

É o trabalho que reconhece o caboco. O ponto de partida é compreensão geral que o caboco é fruto da união física, biológica e cultural do português com a índia. O caboco é o resultado humano da mestiçagem na Amazônia.

Câmara Cascudo (p. 165-166) defende o uso da expressão CABOCO como forma correta, sustentando que a letra “L” teria sido introduzida na palavra, para denominar “caboclo” sem justificativa etimológica na língua tupi, observando se a expressão caboco deriva do tupi caa-boc, no sentido “o que vem da floresta”, ou igualmente do tupi kari’boca, como “filho do homem branco”.

Caboco, portanto, é o mestiço nativo da Amazônia, é o que vive na mata e dela tira seu sustento, geralmente tem sua cabana às margens dos cursos d’água, é o verdadeiro, legítimo e nativo amazônida. É termo vigente, habitual e preponderante na Amazônia no tratamento informal entre as pessoas, em relações e interação no campo e na cidade. Historicamente, o caboco é reconhecido pelos brasileiros em geral como o tipo humano característico da população rural da Amazônia, como a pessoa humana do campo da Amazônia. Nesse sentido, o caboco é o amazônida típico, essencialmente rural e normalmente ribeirinho. Certamente, na Amazônia, também existem os trabalhadores rurais com características da contemporaneidade, chegados pela necessidade das diversas levas de migrantes e pela esperança aos “grandes projetos”.

O caboco deve ser compreendido como figura jurídica diferente do invasor e do grileiro, com as quais não deve ser confundido nem tratado, o caboco pode ser um posseiro, um possuidor, um ocupante, um detentor, um agregado, o caboco é, antes, um trabalhador rural.

3.1 Lei de D. José – Conceito de Caboco

Os portugueses participaram da construção da cultura da Amazônia, considerando que a relação do português com a índia, ou da portuguesa com o índio, era incentivada por meio de lei do rei português, incluindo itens materiais.

O período colonial foi objetivo em relação ao caboco, conforme determinação real, nos termos expressos no Alvará de Lei de 04.04.1755, o caboco seria o português casado com a índia, ou a portuguesa com o índio, bem como seus descendentes. O rei de Portugal considerou “o quanto convém que os meus reais domínios da América se povoem”, acrescentou “que para este fim póde concorrer muito a comunicaçaõ com os Indios, por meio de casamentos” “naõ facaõ com infamia alguma” e “se faráõ dignos da minha real atençaõ”. O principal incentivo do rei foi expresso patrimonialmente garantindo “que nas terras, em que se estabelecerem, seráõ preferidos para aquelles lugares e occupaçoens que couberem na graduação das suas pessoas”. O alcance da norma régia pode ser compreendido pela determinação “que seus filhos e descendentes seráõ habeis e capazes de qualquer emprego, honra, ou dignidade, sem que necessitem de dispensa alguma”, com direito de preferência perante o rei em seus pedidos[36]. “O mesmo se praticara a respeito das Portuguezas que se casarem com Indios”. Em decorrência do incentivo de D. José I, rei de Portugal, o caboco tornou-se o elemento humano mais expressivo e característico da população amazônica.

3.2 A Miscigenação: O Caboco Ribeirinho e Outros Tipos de Cabocos

A miscigenação física, biológica e cultural na Amazônia, certamente, como fato social, não é homogênea, por um lado, pelos centros mais urbanos concentrarem maior contingente de migrantes, por outro, pelo contato entre os próprios mestiços[37], originando o mestiço do mestiço, estes, dominantes na Amazônia contemporânea.

Desde a conquista portuguesa até o “abrasileiramento” da Amazônia, na segunda metade do século XIX, o indígena e o português fazem surgir o caboco ribeirinho, esse “caboco tradicional”, para usar expressão de Eidorfe Moreira (p. 86), com suas características bem definidas é o elemento mais marcante e peculiar da população amazônica, pessoa humana vivendo em função do ambiente natural, em face da grandeza da floresta e das águas. O caboco aprendeu a viver em região com abundância de recursos naturais, de onde extrai seu necessário sustento, destacadamente, a farinha. O caboco ribeirinho ou o “caboco tradicional” seria um dos elementos necessários ao desenvolvimento sustentável na Amazônia, no sentido de defendê-la e preservá-la às presentes e futuras gerações[38].

A internacionalização do rio Amazonas somente ocorreu no ano de 1866 em decorrência da exploração da borracha, quando foi aberto à navegação, proporcionando o comércio mundial com afluxo de capitais e imigrantes. O fechamento do rio Amazonas à navegação estrangeira é fator a ser considerado, para compreensão da identidade do caboco, sem interferência de muitos elementos étnicos. O rio Amazonas, durante o século XIX, era considerado rio exclusivamente nacional, impossibilitando acesso de grupos estrangeiros à região.

Quando eclodiu a exploração da borracha, em metade do século XIX, o caboco sofreu muitas transformações, em decorrência do “abrasileiramento” da Amazônia pelos nordestinos do Brasil e da imigração de estrangeiros, em todos os pontos da região distantes das margens dos rios, redefinindo o perfil do caboco. Mais tarde, grande leva de asiáticos, nomeadamente japoneses, e novamente nordestinos, para o segundo ciclo da borracha. Em período recente, no final do século XX, com a abertura das grandes rodovias e implantação de grandes projetos chegaram os brasileiros da região Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

O caboco aculturou o imigrante, onde passou a ser adjetivado: “caboco negro”; “caboco do centrão”; “caboco alemão”; “caboco galego”; “caboco italiano”; “caboco turco”; “caboco afrancesado”; “caboco barbadiano”; “caboco russo”. Destaco que o “caboco ribeirinho” ou “caboco tradicional” é o paradigma de todas os tipos de cabocos. É certo, em determinadas regiões da Amazônia, a presença intensa de imigrantes construindo outra característica cultural nessas localidades, como é o caso dos municípios, em todos os Estados da Amazônia, com os japoneses, constituindo os “nipocabocos”.

3.3 Elementos Sociais e Culturais

O caboco fala diferente, tem linguagem própria, a maneira de falar que predominava na Amazônia, mesmo após a Adesão do Grão Pará à Independência do Brasil, era a língua geral chamada nheengatu[39]. Nem com a obrigatoriedade de se comunicar por meio da língua portuguesa, conforme determinação do Diretório dos Índios, do período pombalino, e até com a Guerra dos Cabanos, a Cabanagem, quando quase quarenta por cento da população amazônica foi exterminada, em sua maioria cabocos, a força da língua regional prevaleceu. A língua do português era falada com “sotaque de índio”, o curumim (menino) ou a cunhantã (menina) aprendia falar com suas mães índias a língua materna, depois aprendiam o português, por necessidade ou por imposição[40]. É princípio constitucional brasileiro o pluralismo de línguas, coexistindo com a língua oficial português[41], considerando que a Constituição brasileira regula o dever de conhecer e o direito de utilizar a língua oficial, todavia, paralelamente, a língua da comunidade envolvida[42]. A grande migração de nordestinos do Brasil, por ocasião dos dois grandes períodos da borracha, com o “abrasileiramento” da Amazônia, proporcionou que a língua portuguesa fosse efetivamente implantada na região, todavia, com vocabulário e sotaque próprio, o “caboquês”.

O caboco professa religião do “mundo dos encantamentos” e o catolicismo popular, suas lendas, para além de diversão trazem elementos éticos e morais. A Amazônia é um paraíso de lendas, construídas com elementos da natureza amazônica, destacando-se os rios e a floresta, transversalizadas pela cultura portuguesa, com evidente concepção normativa e legal. Lenda da Cobra-Grande (Boiúna), lenda da Mandioca, lenda do Boi-Bumbá, lenda do Açaí, e outras lendas. A lenda da Curupira, entidade do mato que protege o ambiente natural no sentido normativo de direito socioambiental, corpo de menino, figurado de cabelos vermelhos, muito peludo por todo o corpo, com os pés ao contrário (virados para trás) e sem órgãos sexuais. A mais famosa é a lenda do Boto, impregnada de elementos morais do povo amazônico: o peixe que se transforma em belo homem, chega para conquistar e seduzir as jovens ribeirinhas que ficam grávidas, para evitar comentários sobre a mãe solteira o caboco “convencionou” que a criança era “filho do boto”.

O caboco “dança conforme a música” e conseguiu se adaptar, amoldando os ritmos do índio, do português e do negro, com elementos da fauna, da flora e das águas. Conforme região na Amazônia foi criado ou apropriado algum tipo de dança e música: carimbó, siriá, lundu, dança do vaqueiro marajoara, boi-bumbá, sairé e tantas outras.

A gastronomia do caboco tem na farinha de mandioca[43] seu principal alimento, aliás, mandioca nativa da Amazônia que está alimentando o Mundo faminto. A culinária amazônica é considerada a mais autêntica do Brasil[44], o peixe de escama e a caça, crustáceos e quelônios, as raízes e as folhas, as flores, os frutos e as frutas, os pratos mais famosos são a maniçoba, o pato no tucupi e o peixe assado.

3.4 Atividade Econômica

O caboco no âmbito agrário amazônico tem como principal atividade econômica o extrativismo agrário (animal e vegetal), com destaque à pesca artesanal e a agricultura familiar (temporária, de sobrevivência). Amparado pela economia de subsistência, tem estilo de vida próprio: (a) planta mandioca para produzir farinha; (b) em roçado menor planta outras poucas culturas[45]; (c) no jirau tem suas hortaliças; (d) do rio tira seu peixe; (e) na várzea o açaí é abundante; (f) da floresta vêm os frutos e as frutas; (g) floresta de onde tira as raízes, cascas, folhas, flores, sementes, frutas e frutos.

Na identificação da atividade mais típica da economia caboca sobressaem aquelas que refletem o mundo amazônico – as águas e as florestas (MOREIRA, p. 89). Da floresta distinguem-se cada uma das atividades, dada sua peculiaridade, é a chamada cultura florestal com o seringueiro (da seringa), do balateiro (da balata), do castanheiro (da castanha do pará), do guaranazeiro (do guaraná), do piaçabeiro (da piaçaba), do piabeiro (de piaba – peixe pequeno ornamental). Das águas destacavam-se os arpoadores (de pirarucu e jacaré), os viradores (de tartaruga), os regatões (comércio itinerante nas embarcações), os canoeiros e outros mais. Tradicionalmente, pelas regiões, o caboco das marombas e dos currais do Baixo rio Amazonas, dos oleiros e vaqueiros do Marajó, dos castanheiros do rio Tocantins e Baixo rio Madeira, dos cacaueiros de Cametá, dos guaranazeiros de Maués, dos piaçabeiros da foz do rio Branco, das cuias bonitas de Santarém, dos garimpeiros e criadores do rio Branco, dos mariscadores e “viradores” do rio Solimões, dos juteiros de Parintins (BENCHIMOL, p. 87). Todos presentes na Amazônia com sua história.

3.5 Importância Histórica

O caboco tem valorização política desde os tempos da Cabanagem no contexto amazônico, não apenas como objeto de raras pesquisas. O caboco é o grande herói da Cabanagem, único movimento político popular no Brasil em que o povo chegou ao poder, em luta que se estendeu pelo vale do rio Amazonas, no período de 1835 a 1840. Não por acaso a nominação do movimento reflete a origem de seus atores, aqueles que vivem em cabanas, os cabocos.

4 A FORÇA DOS SETE MARES – INVISIBILIDADE DO CABOCO

O modus vivendi do caboco é exemplo de adaptação do ser humano ao ambiente natural, teve habilidade suficiente para obter meios necessários para viver no vale amazônico, ocupa ambiente de várzea ou terra firme, tem fortes laços de parentescos locais com os compadres, hábitos alimentares peculiares e padrões de moradia distintos, come de arremesso a farinha e dorme ao balanço na rede.

O modo de viver positivo do caboco reflete aquele que se satisfaz com a pura existência e é capaz de aproveitar a vida com o mínimo esforço. O caboco expressa modo de vida próprio da Cultura da Selva Tropical, da Cultura da Mandioca, da Cultura Caboca. A disposição espacial do caboco, sua organização social é característica. A população caboca é extremamente dispersa, por esta razão, como não existem grandes aglomerados urbanos, torna-se praticamente invisível.

Navega-se pelos rios da Amazônia, normalmente, sem ver ninguém, sente-se impressão que ninguém vive naquele mundão de floresta e de águas, de repente um pequeno trapiche, onde está amarrada uma canoa[46], uma casa de madeira em palafita, limitado roçado na parte mais alta. Uma casa aqui outra acolá sem aglomerado, é uma comunidade com modo de viver próprio, com identidade própria, é a chamada “invisibilidade paisagística” (ADAMS; MURRIETA; NEVES, p. 17).

O caboco com seu modo de viver único tenha aprendido que é melhor se dispersar, para produzir apenas o suficiente ao seu grupo familiar, a aglomeração poderia levar a esterilidade do solo e falta de alimento, por outro lado, os primeiros grupos indígenas exterminados na Amazônia foram os mais populosos, os mais visíveis. Caboco “invisível” (geográfica, política e juridicamente) vive disperso e desassistido, nos rios e na mata, carente de todo tipo de ação do governo.

5 ANCORANDO EM PORTO SEGURO – PLURALISMO CULTURAL BRASILEIRO

A internacionalização do Direito estatal, seguindo influência dos tratados internacionais, torna possível a aplicação do Direito no Brasil em toda sua extensão e abrangência, para além da efetividade do Estado Social a realização do Estado Democrático de Direito observando a dignidade da pessoa humana, destacadamente pelo respeito aos Direitos culturais.

O Estado Constitucional, conforme o neoconstitucionalismo, traz o pluralismo constitucional[47] como um dos pilares da democracia. O Brasil, constituído em República Federativa[48], tem por objetivo equilibrar a pluralidade (coletividades regionais autonômas – Estados Federados) com a unidade (União), para manutenção da unidade do Estado. Como Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana[49] e o pluralismo político[50], e como um dos objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, propiciando verdadeiro ambiente democrático em Estado pluralista.

O constitucionalismo do Estado democrático, na forma instituída a República Federativa do Brasil[51], implica compreender a ideologia[52] constitucional desse Estado, atento aos princípios fundamentais e aos objetivos da República, para “reduzir as desigualdades sociais e regionais[53]. O preâmbulo da Constituição brasileira define como princípio constitucional o pluralismo ideológico do direito brasileiro, para instituir um Estado democrático. A Constituição estabelece o Estado brasileiro como sociedade pluralista destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais, culturais e individuais. Em verdade, o ambiente democrático deve estar presente em Estado plural, onde a tolerância ao outro é característica essencial da sociedade pluralista, sem conceitos prévios, os chamados preconceitos, com (re)pensar de ideias, valores e concepções, para estruturação do Direito plural. Nessa linha de compreensão, a Constituição brasileira destaca o pluralismo cultural[54], consagrando a liberdade de expressão artística e cultural como direito fundamental[55].

A diversidade étnica e o pluralismo cultural é a realização de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil[56], na efetividade da dignidade da pessoa humana, é o reconhecimento da formação mestiça do povo brasileiro. A cultura constitucional brasileira, no período republicano, traz o pluralismo intrínseco, em decorrência da Federação. O Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil assegura os valores de uma sociedade pluralista abriu leque para diversas atividades pluralistas (política, econômica, social, cultural, educacional, jurídica etc.), onde torna-se possível compreender o Direito conforme a cultura da região, de um direito regionalizado da Amazônia, com sua figura jurídica própria, o caboco.

O caboco, seguindo esse enquadramento, está fundamentado na Constituição, considerando o pluralismo constitucional com os direitos fundamentais e o reconhecimento dos valores sociais e culturais dos diversos espaços do território brasileiro[57]. A Constituição brasileira, ao estabelecer a possibilidade de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, permite a inclusão da comunidade caboca[58], respeitando a figura do caboco, pessoa humana característica do âmbito agrário da Amazônia, figura jurídica típica da Amazônia. Acrescento o pluralismo regional[59], peculiar da Federação brasileira, que leva ao direito da região amazônica, direito regionalizado, para proteger e garantir os direitos do caboco.

É possível compreender o pluralismo jurídico além do ordenamento jurídico estatal, em face de forte influência do direito internacional público com os direitos humanos. No âmbito do direito internacional os direitos humanos legitimam criação de normas jurídicas não-estatais, todavia, reconhecidas por esse Estado em sua concretude.

6 SEGUINDO O GRANDE FAROL – TRATADOS INTERNACIONAIS

Os tratados, convenções e pactos internacionais sobre direitos humanos passaram a fazer parte da Constituição brasileira, do direito constitucional estatal. O direito brasileiro, nos termos da Constituição de 1988[60], recepcionou de forma expressa vários direitos novos consagrados em nível de direito internacional, possibilitando compreensão do caboco, pessoa humana típica da Amazônia, no âmbito do direito regionalizado, como sujeito de direito. Os grupos sociais, culturais e regionais necessitam de proteção e garantias de seus direitos e da dignidade como pessoa humana e como grupo social, nomeadamente, os de regiões complexas como a Amazônia e os contemplados pelas novas concepções dos direitos humanos, em face da internacionalização do direito estatal.

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[61] de 1966, apesar de ser parte da Carta Internacional de Direitos Humanos da ONU[62], é destinado às pessoas físicas visando seu bem-estar, material e espiritual, e sua dignidade como pessoa humana. Conforme o PIDESC[63], o Estado brasileiro deverá adotar medidas visando assegurar o pleno exercício dos direitos culturais do caboco incluindo aquelas necessárias ao desenvolvimento e a difusão da cultura caboca. Para além de assegurar, o Estado brasileiro deve respeitar a liberdade indispensável à atividade criadora do caboco, bem como, reconhecer os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da cultura caboca, em nível nacional e internacional, destacadamente comunitário, em face da Panamazônia.

A República Federativa do Brasil deve aplicar o PIDESC “sem qualquer limitação ou exceção, a todas as unidades constitutivas dos Estados Federados[64], marcadamente os Estados da região amazônica, onde o caboco, para além de seus direitos, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos culturais reconhecidos no PIDESC[65], valendo-se do regionalismo jurídico.

A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais[66] de 2005[67] celebra a importância da diversidade cultural, característica essencial da humanidade, para a plena realização dos direitos humanos. A Convenção ao reconhecer “a importância dos conhecimentos tradicionais como fonte de riqueza material e imaterial”, além de “sua contribuição positiva para o desenvolvimento sustentável, assim como a necessidade de assegurar sua adequada proteção e promoção” caracteriza a cultura caboca por trazer intrinsecamente o conhecimento tradicional da Amazônia, peculiar do povo nativo da região amazônica. Esse reconhecimento avulta pela necessidade de se adotar medidas para proteger as expressões da cultura caboca, incluindo seu conteúdo, marcadamente por que essa expressão cultural está sofrendo ameaças de extinção e de grave deterioração. Enfatizo a importância da cultura caboca para a coesão social amazônica, brasileira e em geral. Ademais, o reconhecimento da cultura caboca, como expressão cultural tradicional, “é um fator importante, que possibilita” aos indivíduos e ao povo amazônida, a comunidade caboca, expressarem e compartilharem com outros suas ideias e valores.

O Tratado sobre Mudanças Climáticas[68], conhecido como Acordo de Paris de 2015, reconhece os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais, bem como o direito ao desenvolvimento, sob compreensão de desenvolvimento sustentável. O Acordo de Paris, ao reconhecer “os direitos das comunidades locais”, leva à compreensão neste conceito de “comunidades locais” para a Amazônia. As comunidades locais nativas da Amazônia são as comunidades cabocas, as quais, as pessoas dessas comunidades no exercício de suas atividades, caracterizam a posse da terra que ocupam como posse caboca. No art. 7, em mesmo nível de tratamento, o conhecimento tradicional distinto do conhecimento indígena, o conhecimento tradicional envolve o conhecimento caboco, embora sucessor do conhecimento indígena com este não se confunde, aquele (conhecimento tradicional) é inerente à pessoa do caboco.

A Convenção 169 da OIT[69] garante que “esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente[70]. O art. 19 é específico ao âmbito agrário, objeto de estudo mais afeto ao regionalismo jurídico, ao caboco: “Os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos interessados condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da população, para fins de: a) a alocação de terras para esses povos quando as terras das que dispunham sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma existência normal ou para enfrentarem o seu possível crescimento numérico; b) a concessão dos meios necessários para o desenvolvimento das terras que esses povos já possuam”.

Conforme sistemática dos tratados internacionais, essa norma da Convenção da OIT pode perfeitamente ser aplicada à comunidade caboca. Ocorre que a Convenção 169 da OIT seria um instrumento para inclusão social dos “povos indígenas e das comunidades locais”, todavia, desconsidera a conservação do patrimônio natural dos Estados, frontalmente em desacordo com as normas de desenvolvimento sustentável das diversas convenções da ONU, desenvolvimento sustentável inerente a atividade da comunidade caboca.

CONCLUSÃO

O enfrentamento da problemática possibilita estrutura de alguns elementos conclusivos, paralelos as conclusões parciais específicas de algumas abordagens. Conforme exposição em linhas volvidas é possível afirma que existe a figura do caboco como elemento típico da Amazônia. A Amazônia, na construção de seu elemento humano mais típico, o caboco, passou por fases bem identificadas, com participação em determinados elementos nessa construção. De maneira geral, é possível identificar a presença do índio na terra conquistada, quando chegaram os conquistadores portugueses, formando a primeira identidade do caboco, típico habitante ribeirinho da Amazônia, o “caboco tradicional” ou “caboco ribeirinho”. A chegada do negro africano, em meados do século XVIII, acrescentou, em pontos definidos, a miscigenação na Amazônia, com o “caboco negro”. O momento mais impactante ao caboco ocorreu com o apogeu da exploração da borracha, em decorrência do “abrasileiramento” da Amazônia e a imigração intensa de estrangeiros, alterando o perfil do caboco tradicional. O espaço geográfico amazônico e a biodiversidade natural influenciam na caracterização da sociedade local, criando “fenômenos sociais” e definindo a identidade cultural das populações rurais da Amazônia. E é nesse “espaço cultural” que encontra-se o caboco, com habilidade suficiente para obter os meios necessários para viver no vale amazônico e criar seu “clima cultural”. Os elementos econômicos, políticos, sociais e culturais definem a identidade do caboco na sua origem, como pequenos produtores familiares que vivem da exploração dos recursos da natureza e têm amplo conhecimento da floresta.

É certo, o caboco não está previsto expressamente na Constituição brasileira como grupo étnico, todavia, o caboco, como mestiço, deve ser compreendido como grupo étnico nem superior nem inferior ao português ou ao índio, ou quaisquer outros grupos étnicos. Como exemplo figurativo de miscigenação, lembro a bandeira do Brasil, com suas cores: a cor verde misturada com a cor amarela produz a cor azul, é outra cor, é nova cor, nada lembrando as outras cores, nem mais bonita nem mais feia, depende da “crítica do juízo”, do juízo do belo, para lembrar Kant. Prefiro a cor verde, minha mulher prefere a azul, simples questão de gosto e preferência. A Constituição brasileira, ao estabelecer possibilidade de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, permite a inclusão da comunidade caboca[71], respeitando a figura do caboco, pessoa humana característica do âmbito agrário da Amazônia, figura jurídica típica da Amazônia. Neste caso, compreendo desnecessário reforma constitucional para inserir o caboco como sujeito de direito na Amazônia.

A repercussão desse fenômeno do direito regionalizado, em face da internacionalização do direito, evidencia-se pelo objeto dos tratados internacionais em proteger e garantir os direitos das populações tradicionais, próprias do regionalismo jurídico, onde está inserto o caboco. O povo amazônico exerce permanente relação no espaço amazônico, onde se estabelece a identidade cultural amazônica, e o Direito, peculiar da região, é exercido de forma especial como Direito especial de um espaço, direito regionalizado, do qual o caboco é o típico sujeito de Direito. Compreendo, no âmbito de um direito regionalizado da Amazônia, que o caboco é o sujeito de direito típico. Consequentemente, destaco o caboco, o ribeirinho da Amazônia, como figura jurídica peculiar regional, como legítimo sujeito de Direito.

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Notas de Rodapé

[1] Professor Decano de Direito (UFRR). Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias. Titular da União Mundial de Agraristas Universitários. Magistrado (Juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima – aposentado). Escritor e Conferencista.

[2] Advogada. Pós-Doutorado / Responsabilidade Ambiental do Estado (US di Messina – Itália). Doutorado em Ciências Jurídica e Sociais / Dimensão do Bem-Estar (UMSA – Argentina). Mestrado em Direito Agrário / Dimensão Socioambiental (UFGO). Escritora.

[3] Promulgada no dia 23.05.1949.

[4] Proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Assembleia Geral realizada em Paris no dia 10.12.1948.

[5] No Brasil os tratados, convenções e pactos internacionais sobre direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais (CF/1988, art. 5º, § 3º).

[6] Exemplo marcante são as personagens “Manuel dos Santos Prazeres” e a “Maria de Todos os Rios” descritas por Benedicto Monteiro, um dos maiores romancistas da Amazônia de todos os tempos, nas obras “Verde Vago Mundo”, “Minosauro”, “A Outra Margem”, “Aquele Um”, “Maria de Todos os Rios”.

[7] Seriam as baianas da Bahia, o caipira de São Paulo, o gaúcho do Rio Grande do Sul, os sertanejos do Nordeste brasileiro.

[8] Índio é a expressão consagrada pela atual Constituição do Brasil, a teor dos arts. 231 e 232, antes chamado “silvícola”, nos termos do Código Civil de 1916, recebeu designação de “naturais”, “gentio”, “bugre”, “selvagem”, pela literatura e historiografia.

[9] A cultura indígena é garantida pelo Estado brasileiro, na forma do art. 215, § 1º, da Constituição Federal.

[10] A Amazônia é reconhecida “Cultura da Mandioca”.

[11] De forma geral “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” (CF/1988, art. 231, caput).

[12] Define a Constituição brasileira que na delimitação das áreas ocupadas pelos índios deve-se garantir “as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (§ 1º, in fine, do art. 231).

[13] Atual Estado do Amazonas.

[14] Atual Estado de Roraima.

[15] Comum em decorrência das atividades domésticas da negra na casa grande.

[16] Arroz, cacau, tabaco, café, lavoura canavieira – dinamizou os engenhos da região –, extração de madeira.

[17] Trouxeram o vatapá, o caruru, o acarajé, o azeite de dendê etc.

[18] O português Manuel virou Mané, as Terezas, Tetés, além de caçamba, dengo, cafuné, molambo, cafajeste, mocotó, zumbi, mucama, quindim, catinga, mandinga, moleque … e tantas outras.

[19] No dia 07.09.1822.

[20] Dona Maria Leopoldina (1797-1826), Arquiduquesa da Áustria da família Habsburg, veio para se tornar princesa no Brasil, em decorrência de seu casamento com Pedro de Alcântara (1798-1834), príncipe herdeiro da família Bragança de Portugal.

[21] Como ensino, tipografia, alfaiataria, sapataria, ourivesaria, livraria, açougue, hotelaria, estivas.

[22] Com quibe, tabule, kafta, esfirra, charuto, costela de carneiro, coalhada síria etc.

[23] Em decorrência do Tratado da Amizade, Comércio e Navegação, assinado entre o Brasil e o Japão, em Paris, no ano de 1895.

[24] Variedades de espécies, técnicas agronômicas, maquinário.

[25] Supermercados, lojas de eletrodomésticos, verduras e frutas.

[26] Zona Franca de Manaus: eletroeletrônicos, duas rodas, relojoeiro, óptico, informática.

[27] Com o sushi, sashimi, yakisoba etc..

[28] Tomé-Açu, Monte Alegre, Santa Izabel do Pará, São Miguel do Guamá, Capanema e Ourém, no Estado do Pará; Manacapuru, Parintins e Maués, no Estado do Amazonas; Macapá, no Estado do Amapá; Quinare, no Estado do Acre; Porto Velho, no Estado de Rondônia; e, Alto Alegre [Taiano], no Estado de Roraima.

[29] Além de geógrafos e paisagistas, matemáticos, engenheiros, arquitetos e técnicos, professores e artistas.

[30] Ingleses negros da Ilha de Barbados.

[31] Nos termos do Decreto-Lei 5.812, de 13.09.1943.

[32] Atualmente Estado.

[33] Atualmente Estado de Roraima.

[34] Atualmente Estado de Rondônia.

[35] Foram construídas a rodovia Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho, Porto Velho-Manaus e Manaus–Boa Vista.

[36]Quando succeda que os filhos ou descendentes destes matrimonios tenhaõ algum requerimento perante mim, me faráõ saber esta qualidade, para em razaõ della mais particularmente os attender”.

[37] Caboco, mameluco, mulato, cafuzo.

[38] CF/1988, art. 225, caput.

[39] Dialeto tupinambá desenvolvido pelos jesuítas, com estrutura na língua tupi.

[40] O nheengau, atualmente, é uma das três línguas oficiais, na região de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas, além do português, a língua oficial do Brasil, a baniwa, a língua nativa. Os atos oficiais, obrigatoriamente, são publicados nessas três línguas.

[41] CF/1988, art. 13.

[42] CF/1988, art. 210, § 2º.

[43] Mandioca: Eleita pela ONU o “Alimento do Século 21”.

[44] Foi escolhida pela UNESCO (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, como a mais importante do Mundo pelo uso de elementos naturais.

[45] Feijão, arroz, milho etc.

[46] Um bote, uma montaria.

[47] O pluralismo jurídico seria a compreensão da aplicação de diversos Direitos sobre o mesmo espaço e ao mesmo tempo, a interpretação e aplicação de um Direito paralelo à forma do Direito proposto pelo Estado, seria a diversidade de Direito no mesmo ordenamento jurídico, com normas jurídicas positivadas ou não estatal, todavia, sem opção do direito natural.

[48] Estado plural desde sua origem republicana.

[49] CF/1988, art. 1º, incs. III.

[50] CF/1988, art art. 1º, incs. V.

[51] CF/1988, art Preâmbulo.

[52] Objetivamente ideologia constitucional fundamenta-se no Preâmbulo da Constituição e nas Declarações de Direitos (CF, arts. 5º-17), as Declarações são documentos de princípios de pretensão universalista, enquanto o conteúdo do Preâmbulo depende de circunstâncias político-sociais, bem como da concepção ideológica do legislador Constituinte.

[53] CF/1988, art. 3º, inc. III.

[54] CF/1988, art 215, § 1º.

[55] CF/1988, art 5º, inc. IX.

[56] CF/1988, art 3º, inc. IV.

[57] CF/1988, arts. 215 e 216.

[58] CF/1988, art. 215, § 1º.

[59] CF/1988, art. 43.

[60] Art. 5º, § 3º.

[61] Adotado em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas no dia 19.12.1966, entrou em vigor somente no dia 03.01.1976. Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991. Promulgado pela Presidência da República por meio do Decreto 591, de 06.06.1992.

[62] Juntamente com a Declaração Internacional de Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

[63] PIDESC, art. 15, 1., a) e c); 2.; 3. e 4.

[64] Art. 28.

[65] Preâmbulo.

[66] Adotado em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no dia 20.10.2005. Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 485, de 20.12.2006. Promulgado pela Presidência da República por meio do Decreto 6.177, de 01.08.2007.

[67] Entrou em vigor internacional no dia 18.03.2007.

[68] Assinado no dia 12.12.2015, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, adotada em Nova York (EUA), no dia 09.05.1992, foi elaborado para substituir o Protocolo de Kyoto, a partir de 2020.

[69] Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra (Suíça), no dia 27.06.1989. Promulgada no Brasil, por meio do Decreto 5.051, de 19.04.2004.

[70] Art. 7º, item 2.

[71] CF/1988, art. 215, § 1º.