Promovendo ética, integridade, compliance e ESG no ensino: parcerias de sucesso com o setor privado

Promoting ethics, integrity, compliance, and ESG in education: successful partnerships with the private sector

DOI: 10.19135/revista.consinter.00019.10

Recebido/Received 19/12/2023 – Aprovado/Approved 06/03/2024

Ligia Maura Costa[1] – https://orcid.org/0000-0003-0166-5218

Luciana Stocco Betiol[2] – https://orcid.org/0000-0003-3196-4972

Resumo

O artigo apresenta uma experiência acadêmica na Fundação Getulio Vargas (FGV), centrada em uma disciplina eletiva, oferecida uma vez por semestre. Essa experiência destaca a problemática em torno da necessidade de abordagens inovadoras para promover a integração dos conceitos de ética, integridade, compliance e ESG (Environmental, Social, and Governance) na formação acadêmica. A hipótese de pesquisa sugere que a imersão dos alunos em desafios reais de não compliance, por meio de parcerias com empresas de diversos setores, pode resultar em um alto grau de engajamento e na aplicação prática do conhecimento teórico. O método utilizado é o hipotético-dedutivo, partindo da premissa que a cooperação intercursos, aliada a uma abordagem centrada no aluno pode contribuir para uma formação acadêmica mais abrangente e aplicável. Ao longo de cinco anos, aproximadamente duzentos e cinquenta alunos de administração de empresas, administração pública e direito da FGV foram envolvidos nessa iniciativa. A imersão ocorre ao longo de uma semana em uma empresa parceira, escolhida em diversos setores de negócios, como infraestrutura, agronegócio, engenharia e construção, mercado financeiro, indústria farmacêutica e medicina diagnóstica. Os alunos enfrentam desafios reais de não compliance, apresentando soluções ao final da semana. Esta abordagem transcende vários aspectos, incluindo éticos, legais, organizacionais, comportamentais, modelo de negócios e gestão de fornecedores. Os resultados obtidos destacam o alto engajamento dos alunos, a abordagem inovadora intercursos, a aplicação prática do conhecimento teórico em desafios reais de não compliance em diferentes setores, contribuindo, por fim, para uma formação acadêmica mais enriquecida, com uma aplicação prático-teórica.

Palavras-chave: Educação; Compliance; ESG; Ética; Direito; Administração de Empresas; Administração Pública; Dilemas; Metodologia de Ensino.

Abstract

This article presents a successful academic experience at Fundação Getulio Vargas (FGV). This experience highlights the issue regarding the need for innovative approaches to promote the integration of ethics, integrity, compliance and ESG (Environment, Social, and Governance) concepts in academic education. The underlying research hypothesis suggests that student´s immersion in real non-compliance challenges, through partnerships with companies from various sectors, can result in high levels of engagement and practical application of theoretical knowledge. The method used is hypothetical-deductive, based on the premise that inter-course cooperation, coupled with a student-centered approach, can enhance learning and contribute to a more comprehensive and applicable academic education. Over five years, approximately two hundred and fifty students from business administration, public administration, and law courses at FGV have been involved in this initiative. The immersion takes place over a week in a partner company, selected from various businesses sectors such as infrastructure, agribusiness, engineering and construction, financial markets, pharmaceutical industry, and diagnostic medicine. Students face real non-compliance challenges, presenting solutions at the end of the week. This approach transcends various aspects, including ethical, legal, organizational, behavioral, business model, and supplier management considerations. The results highlight the high engagement of students, the innovative inter-course approach, the practical application of theoretical knowledge in real non-compliance challenges across different sectors, ultimately contributing to a more enriched academic education focused on practical-theoretical application.

Keywords: Education; Compliance; ESG; Ethics; Law; Business Administration; Public Administration; Dilemmas; Teaching Methodology.

Sumário: 1. Introdução; 2. Fomentando Valores: Inovação no Ensino da Ética, Integridade, Compliance e ESG; 3. Transformando o Ambiente de Aprendizado: O Design da Disciplina; 4. Desvendando a Disciplina Compliance e ESG: Uma Abordagem Detalhada; 5. Considerações Finais; 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A cada dia há uma demanda maior por disciplinas nas instituições de ensino superior que aproximem os alunos dos desafios práticos desde o início de sua formação acadêmica. O uso do método do estudo de caso, há mais de 100 anos inaugurado pela Harvard Business School, é adotado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Metodologia de ensino essencial para a aproximação da teoria com a prática, proporciona uma compreensão holística e contextualizada dos casos em estudo. Desde sua introdução pela FGV, o método do estudo de caso tem sido amplamente adotado em diversas disciplinas e cursos, se destacando como uma ferramenta importante para explorar desafios e oportunidades em contextos diversos.

Embora o método do estudo de caso tenha se estabelecido como uma abordagem valiosa para o aprendizado, não está isento de críticas. Algumas das críticas mais comuns estão relacionadas às preocupações com a generalização dos resultados, o que torna a aplicação desafiadora em outras situações. Além disso, há argumentos de que a subjetividade do pesquisador ao selecionar, interpretar e analisar os casos pode trazer viés nos resultados.

Há, portanto, espaço para outras metodologias de ensino, mais adequadas às gerações Y e Z e, por essa razão, mais dinâmicas, inovadoras e integrativas, que possam capturar a atenção e promover uma participação mais ativa dos alunos[3]. Essas gerações têm maior familiaridade com a tecnologia, maior rapidez na absorção de informações e preferência por abordagens mais interativas. Elas tendem a perceber que o método do estudo de caso tradicional é menos envolvente e interessante.

Assim, enquanto o método do estudo de caso tem suas vantagens, é importante reconhecer a necessidade de diversificar as abordagens pedagógicas para atender às demandas das gerações contemporâneas, incorporando métodos mais adaptáveis, tecnologicamente avançados e centrados no aluno. Buscando atender aos novos clamores discentes, a Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), idealizou uma disciplina inovadora denominada Semana de Imersão. Essa disciplina oferece aos alunos a imersão em uma experiência de conexão direta dos conhecimentos teóricos apresentados em sala de aula, com desafios reais enfrentados por empresas parceiras que se disponibilizam a compartilhar seus dilemas e desafios. Para tanto, os estudantes são recebidos nas instalações das empresas parcerias, onde tem contato com presidentes de empresas, presidentes de conselhos de administração, diretores de compliance, diretores jurídicos e outros colaboradores. Eles vivenciam o dia a dia da organização e são expostos a um dilema real que a empresa parceira esteja enfrentando no momento. Em contrapartida, cabe a eles apresentarem sugestões de encaminhamentos para os desafios apresentados pela organização, demonstrando que os entenderam e que tem condições de trazer soluções inovadoras e que atendam às necessidades da organização, respeitando os limites orçamentários, jurídicos e de gestão indicados previamente por elas.

Este artigo explora a problemática em torno da necessidade de abordagens inovadoras para integrar conceitos como ética, integridade, compliance e ESG (Environmental, Social and Governance) no ensino e aprendizagem[4]

A hipótese de pesquisa subjacente sugere que a imersão dos alunos em desafios reais de não compliance, através de parcerias estabelecidas com empresas de diversos setores, resulta em um alto grau de engajamento por parte dos alunos possibilitando a aplicação prática do conhecimento teórico adquirido durante sua formação acadêmica. Isso porque, ao enfrentarem desafios concretos vivenciado pelas empresas parceiras terão a oportunidade de testar suas habilidades analíticas, críticas, inovadoras e criativas na resolução de problemas. Agrega-se a isso o fato de que essa experiência os desafia a pensar de forma mais holística e interdisciplinar, integrando conhecimentos de diversas áreas como administração, direito, ética e sustentabilidade.

No contexto deste estudo, a metodologia adotada é o método hipotético-dedutivo, quando partimos de uma premissa inicial, e buscamos verificar sua validade por meio da dedução lógica de consequências observáveis. A premissa fundamental é a de que a cooperação intercursos, juntamente com uma abordagem centrada no aluno, pode otimizar o processo de aprendizagem e enriquecer a formação acadêmica. A abordagem centrada no aluno enfatiza a importância de adaptar o ensino às necessidades individuais dos alunos, promovendo um maior engajamento e uma aprendizagem mais profunda.

Para bem explorar nossa hipótese de pesquisa, iniciaremos apresentando as regras gerais da Semana de Imersão. Avançaremos explicitando a metodologia da disciplina que trata de Compliance e ESG, e mergulharemos nas experiências vividas pelos estudantes com as empresas parceiras, pontuando os dilemas e aprendizados delas extraídos. Em conclusão, apontaremos os principais desafios e oportunidades oferecidos pela disciplina, tanto do ponto de vista estrutural quanto conceitual.

2  FOMENTANDO VALORES: INOVAÇÃO NO ENSINO DA ÉTICA, INTEGRIDADE, COMPLIANCE E ESG

Em um período em que o mundo sofre, cada vez mais, os impactos de equívocos éticos, de integridade, de compliance e ESG, nos mais diferentes setores da economia, a importância de uma educação sólida nesses temas se torna mais relevante do que nunca[5]. Não há dúvida das consequências nefastas de práticas antiéticas, ilícitas e desonestas no cenário empresarial contemporâneo[6]. A falta de abordagem ética adequada no ensino, resultante da utilização do modelo de educação da disciplina de ética scattershot ou “atirando para todos os lados”, como mencionado por Swanson e Fisher[7], traz o risco claro de se formar estudantes despreparados para reconhecer dilemas éticos na prática, além de não estarem aptos a compreender, sugerir ou implementar possíveis soluções para esses dilemas. Apesar das várias evidências de que as práticas empresariais atuais não são eficazes, o status quo na educação em ética e integridade permaneceu praticamente inalterado ao longo dos últimos anos[8].

O destaque da disciplina Semana de Imersão em Compliance e ESG está no fato de que ela é a única disciplina no rol de disciplinas da Semana de Imersão da FGV EAESP, dedicada totalmente a essa temática, com foco nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com potencial de transformar o comportamento de futuros juristas e gestores públicos e privados, ao formar indivíduos para um ambiente de negócios mais íntegro e que não mais admite condutas que violem regras mínimas de ética e integridade[9]. A disciplina Compliance e ESG, no formato Semana de Imersão, vai muito além do tradicional, ao propor uma imersão profunda nos temas éticos essenciais, destacando não apenas a teoria, mas também a aplicação prática desses princípios no cenário empresarial contemporâneo.

A disciplina propõe uma reflexão sobre estratégias educacionais não convencionais, tendo por objetivo inspirar as novas gerações de líderes a aplicar esses princípios na prática. O enfoque dado enriquece a compreensão teórica ao capacitar os estudantes a enfrentar desafios reais, complexos e dinâmicos do mundo empresarial, com responsabilidade social e respeitando os princípios éticos. A inovação no ensino é um catalisador para o desenvolvimento de futuros líderes que incorporam ativamente os valores e princípios morais fundamentais que orientam o comportamento esperado nas organizações do século XXI.

A ideia de base da disciplina é melhor entender o padrão de raciocínio voltado a casos aplicados de ética e integridade empresarial[10], num cenário em que a economia está mundialmente conectada[11]. A inovação dessa metodologia de ensino de dilemas éticos, de integridade, compliance e ESG vai além da sala de aula. Através de parcerias estratégicas com empresas de setores variados, os estudantes têm a oportunidade única de aplicar seus conhecimentos na solução de desafios reais enfrentados pelas organizações. Esse envolvimento prático não apenas enriquece a aprendizagem, mas também prepara os futuros líderes para os dilemas complexos que podem surgir em suas carreiras. A disciplina Compliance e ESG completa o seu quinto ano de existência, tendo auxiliado na formação de mais de duzentos e cinquenta alunos, ao trabalhar desafios reais compartilhados por empresas com atividades no Brasil que objetivam ser referência no tema de compliance, integridade, ética e ESG. As empresas parceiras nesses cinco anos fazem parte dos setores de infraestrutura, agronegócio, engenharia e construção civil, mercado financeiro, indústria farmacêutica e medicina diagnóstica.

Em um mundo onde a integridade e a ética se tornam cada vez mais relevantes, iniciativas como a Semana de Imersão oferecem uma visão promissora do futuro da educação em ética, integridade, compliance e ESG, moldando a próxima geração de líderes comprometidos com uma abordagem ética, sustentável e inclusiva.

3  TRANSFORMANDO O AMBIENTE DE APRENDIZADO: O DESIGN DA DISCIPLINA

Em meio às evoluções no cenário da educação, a importância de um design inovador de disciplinas é como um catalisador para a transformação do ambiente tradicional de aprendizado. Um design planejado enfatiza como a estrutura e a abordagem moldam o modo dos alunos absorvem e aplicarem o conhecimento na prática. Ao repensar a arquitetura das disciplinas, se abre um vasto leque de possibilidades para cativar a atenção dos alunos, promover a participação ativa e estimular o pensamento crítico. Métodos de ensino inovadores, o uso da tecnologia, a aplicação de abordagens práticas são componentes essenciais para criar um ambiente de aprendizado dinâmico, eficaz e inclusivo.

As disciplinas da Semana de Imersão da FGV EAESP ocorrem uma vez por semestre e são disciplinas eletivas, ou seja, os estudantes têm a liberdade de escolher um tema que esteja mais integrado aos seus interesses de formação profissional, agregando esse aprendizado à grade previamente estabelecida para os cursos de administração de empresas, de administração pública ou de direito. A escolha deve se dar partindo de um rol de mais de trinta diferentes disciplinas oferecidas durante esse período, que misturam temas, desafios e parceiros do setor público ou privado dos mais diversos tamanhos e setores da economia. Essa variedade de disciplinas proporciona aos estudantes uma exposição abrangente, permitindo que escolham as que melhor se alinhem às suas aspirações e ambições profissionais. Durante a Semana de Imersão todas as demais disciplinas da grade curricular dos mencionados cursos são suspensas. Essa suspensão visa permitir que os alunos concentrem integralmente suas energias na disciplina escolhida, proporcionando um aprofundamento nos conteúdos propostos. A jornada dos estudantes se dá de segunda à sábado, das 8h00 às 18h00.

As turmas são compostas por no máximo trinta alunos, de diversos semestres, a partir do segundo semestre, do curso administração de empresas e com vagas reservadas aos alunos das escolas de administração pública e de direito da FGV. Essa diversidade em sala de aula, com estudantes de diferentes cursos, tanto no processo formativo, quanto na formação de origem, permite que a interação entre estudantes com maturidade, conhecimentos, visões e percepções distintas gere um valor adicional para os participantes, os professores e as empresas parceiras, diante de um resultado que sempre trará soluções multi e interdisciplinares. Diante da limitação de vagas, as disciplinas da Semana de Imersão são extremamente concorridas. Os estudantes com melhor performance acadêmica têm preferência na escolha do que será cursado. Essa abordagem garante que aqueles estudantes que demonstram um maior comprometimento com seus estudos tenham a oportunidade privilegiada de participar das disciplinas oferecidas durante esse período intensivo de aprendizado.

4 DESVENDANDO A DISCIPLINA COMPLIANCE E ESG: UMA ABORDAGEM DETALHADA

A disciplina foi oferecida pela primeira vez no ano de 2018, completando o seu quinto ano consecutivo na grade de eletivas no ano de 2023. Nesse período foram formados aproximadamente duzentos e cinquenta alunos no tema, aproximando-os de dilemas éticos compartilhados por empresas, nacionais e multinacionais que operam no Brasil e que buscam ser referência em ética, integridade, compliance e ESG. Antes da pandemia da COVID-19, o modelo original da disciplina era integralmente presencial, realizado parte na sede da empresa e parte nas dependências da FGV. Esse formato permite uma maior proximidade dos alunos com a realidade da empresa, com os gestores envolvidos no desafio proposto e, com áreas afins à de compliance, ética, integridade e ESG, a depender do tema que será trabalhado naquele período. Por exemplo, um setor bem presente nas imersões tem sido o de recursos humanos. Agrega-se a isso a experiência dos estudantes de poderem vivenciar a cultura das organizações parceiras, ainda que num curto espaço de tempo e terem acesso a informações que não estão disponíveis ao público. Diante das regras impostas pela pandemia da COVID-19, excepcionalmente, as ofertas desse curso tiveram de ser realizadas à distância até o primeiro semestre de 2022. Nesses casos, a plataforma Zoom foi a plataforma utilizada preferencialmente, embora o Microsoft Teams tenha sido utilizado também, em resposta a requisitos de segurança de empresas envolvidas nas ofertas da disciplina.

As organizações que participaram fazem parte dos seguintes setores: infraestrutura, agronegócio, engenharia e construção civil, mercado financeiro, indústria farmacêutica e medicina diagnóstica.

A metodologia da disciplina é totalmente centrada no aluno, cabendo aos professores serem facilitadores do conhecimento. A cada semestre se trabalha com uma nova empresa, que propõe um desafio real no tema de Compliance e ESG, com uma complexidade que deve levar em consideração o momento de vida dos estudantes e a sua bagagem teórica. Os professores auxiliam a empresa parceira a construir a agenda da Semana de Imersão; a desenhar a pergunta a ser respondida partindo dos desafios reais existentes na empresa; a identificar especialistas para dar suporte temático e doutrinário aos estudantes; e, a mapear o material didático de apoio para melhor compreensão e aprofundamento do desafio proposto pelos estudantes. Esse material didático parte da indicação de textos acadêmicos específicos, casos de ensino, podcasts, webinars, documentários, filmes, séries, livros e o arcabouço normativo nacional e internacional no tema de integridade, ética, compliance e ESG.

Durante a Semana de Imersão os estudantes são expostos a cinco grandes pilares: (i) quem é a empresa a ser estudada; (ii) quais as informações necessárias sobre a área de compliance e integridade da empresa, código de ética e conduta, código de sustentabilidade e o programa de compliance e de integridade; (iii) qual o desafio ético ao qual eles deverão apresentar uma solução; (iv) quais as palestras temáticas com especialistas da empresa parceira e com convidados externos para auxiliar na solução do desafio; (iv) quais são as ferramentas necessárias para elaboração de relatórios e facilitação de processos.

As palestras e encontros são entremeados por atividades em grupos, bem como reuniões com pontos focais da empresa a fim de dirimir dúvidas que surjam durante a execução da proposta de solução ao desafio proposto. Os alunos são divididos em quatro grupos, com sete a oito integrantes cada. A empresa apresenta dois desafios aos alunos, sendo que dos quatro grupos, dois serão responsáveis pela proposta de solução a um dos desafios e os outros dois grupos responderão ao segundo desafio proposto.

Esse desenho estimula os estudantes a identificar que apreenderam o conhecimento teórico e a fazer sua aplicação na prática, além de construir relacionamentos com os integrantes do grupo para a construção e apresentação do relatório no modelo de consultoria, a ser entregue no último dia da disciplina para a empresa parceira. A entrega a ser feita pelos estudantes segue a dois formatos distintos.

O primeiro formato, corresponde a uma apresentação, em formato de Power Point (PPT), para a equipe de compliance da empresa parceira, realizada sempre na sexta-feira à tarde. Nesse momento os grupos, de forma separada, apresentam seus resultados para uma banca, composta por integrantes da empresa, que irão avaliar a compreensão do desafio, a qualidade do conteúdo entregue e da apresentação feita, o engajamento do grupo e a viabilidade financeira e operacional da solução apresentada. Os grupos receberão uma classificação seguido de um feedback pelos executivos da empresa sobre o que foi apresentado, sendo que todos receberão certificado personalizado de participação na disciplina. Os dois grupos mais bem avaliados, em cada um dos dois desafios propostos, recebem um prêmio simbólico da empresa, segundo as respectivas políticas de compliance sobre o oferecimento de presentes.

No dia seguinte, sábado, todos os grupos terminam a elaboração do segundo formato da entrega a ser feita: um relatório, no modelo de consultoria, contendo o material apresentado à empresa no dia anterior, agregado do feedback recebido por ocasião da referida apresentação. Esse material, diferentemente do que acontece na apresentação, é avaliado exclusivamente pelos professores da disciplina e, posteriormente, compartilhado com a empresa parceira, fazendo parte do compromisso assumido com ela pela disponibilização de tempo e conhecimento de seus executivos durante a Semana de Imersão.

A seguir analisamos os desafios trazidos pelas diferentes empresas, cada experiência vivida, seus desafios e as soluções apresentadas.

Empresa do setor da indústria, infraestrutura e mobilidade

Na primeira vez que a disciplina foi oferecida na Semana de Imersão tivemos como parceira uma empresa multinacional alemã, do ramo da indústria, infraestrutura e mobilidade. No Brasil, as operações dessa empresa contavam com cerca de seis mil colaboradores, divididos em doze fábricas, sete centros de pesquisa e desenvolvimento e treze escritórios regionais.

Diante do volume de colaboradores, a empresa tinha como desafio para os estudantes trabalhar o tema de comunicação e treinamento em compliance para colaboradores da geração Y (Millenials, nascidos entre 1980 e 1994) e Z (iGeneration ou GenZ, nascidos entre 1995 e 2010), que representavam aproximadamente metade dos colaboradores da empresa.

A empresa identificou ser um desafio dar plena efetividade ao bem estruturado programa de compliance diante de uma dificuldade em acessar e comunicar aos colaboradores das gerações Y e Z os temas afetos à política de compliance.  Essa dificuldade sentida pela empresa permeava desde os conteúdos do treinamento até a forma de transmitir/comunicar o programa nele proposto. A efetividade de um programa de compliance e ESG numa organização é elemento estratégico para o cumprimento da legislação anticorrupção brasileira, por exemplo, bem como para proteger a organização de falta de integridade de seus colaboradores. Não basta que o material exista, ele precisa ser percebido, assimilado e praticado por todos os seus colaboradores.

Nesse caso, havia uma questão geracional que vinha impedindo que as políticas internas de compliance perpassassem toda a estrutura organizacional. Aos estudantes da Semana de Imersão, pertencentes à geração Z, coube a incumbência de apresentar soluções na forma de planos e/ou projetos na área de treinamento e comunicação, partindo de um orçamento pré-estabelecido pela empresa, buscando aprimorar e expandir a efetividade dos programas já existentes dentro da organização no tema de compliance e integridade.

Para bem realizar a atividade, os estudantes foram apresentados ao código de conduta da empresa e aos sistemas de comunicação e treinamento em compliance já existentes na organização, como se colaboradores fossem. Essa experiência foi benéfica por dois motivos. Primeiro, porque os colocou em contato direto com a temática do desafio proposto, e como essa temática refletia na realidade da empresa. Depois, em estando na posição que um colaborador ocuparia, os estimulou a, partindo de suas experiências e demandas pessoais, identificar quais ferramentas existente necessitavam de aprimoramentos e quais novas ferramentas, talvez mais inovadoras, poderiam ser propostas. A geração Z é retratada como uma geração que nasceu num contexto digital, são os chamados nativos digitais. São pautado por grande mobilidade, redes sociais e múltiplas realidades[12], e esse cenário influenciou a construção dos resultados apresentados para a organização parceira, fazendo-os pensar: (i) na questão de falhas na comunicação ao não identificar dois públicos diversos na organização, com formações, percepções e quereres diversos (fábrica e administrativo-escritório); (ii) a necessidade do uso de novas mídias para o treinamento e comunicação interna, garantindo interatividade, velocidade, modernidade e participação, todos atributos valorizados e demandados pelas novas gerações (Y e Z) e (iii) readequação do material e tempo utilizado nos treinamento, como o uso de jogos interativos para envolver os colaboradores (gamification), fomentando identificação e empatia com a temática.

Empresas do setor do agronegócio

Na segunda e última edição da disciplina, contamos com a parceira de duas das maiores empresas multinacionais brasileiras do setor do agronegócio. Semelhante ao caso anterior, a preocupação de uma das empresas do agronegócio era quanto à efetividade do treinamento e da comunicação sobre questões de compliance e anticorrupção; já a outra empresa tinha um desafio ético em relação à contratação ou não de um fornecedor, que era o único no mercado, mas suspeito de práticas que violavam princípios ESG (em particular, desmatamento e aspectos sociais e trabalhistas).

No caso da primeira organização, o desafio estava focado num dilema ético:  volume de pessoas que estão debaixo da estrutura organizacional. A empresa contava, à época, com 90 mil colaboradores, no Brasil e no exterior (com presença em cento e dezessete países), com grande diversidade de idiomas, crenças religiosas, formação, atividade, contexto cultural e territorial. Não apenas o aspecto conceitual era uma preocupação, mas também um controle de fato sobre a realização dos treinamentos. Essa era uma demanda da empresa tanto para cumprimento de regras legais, mas também para sinalizar a financiadores, investidores e públicos interessados que essa organização se preocupava em ser uma empresa com comportamento íntegro.

Para bem realizar a atividade, os alunos foram apresentados aos sistemas de comunicação e treinamento em compliance existentes na organização, como se colaboradores fossem, e visitaram as plantas de produção fora da cidade de São Paulo/Brasil, a fim de entender o processo produtivo e se aproximar de parte do público da empresa que eram colaboradores de chão de fábrica. Essa experiência foi benéfica pois os colocou em contato com a temática, e como esta refletia nas diversas realidades da empresa. Identificou-se a necessidade de se trabalhar comunicação e treinamento, dois importantes pilares de um programa de compliance, de forma customizada para cada um dos públicos da organização, com apelos visuais e estrutura de linguagem próprios, optando pelo melhor veículo para se dar essa comunicação, e levando em consideração um cuidado com tempo de exposição ao tema.

As soluções apresentadas passaram por: (i) ferramentas que alcançasse o colaborador dentro e fora da organização, como por exemplo o uso de gibis e jogos de tabuleiro (gamefication) com uma linguagem lúdica e simples, que pudesse ser levados para a casa do colaborador e compartilhado com seus familiares; (ii) comunicação da informação em locais que saíessem das estruturas formais de treinamento (exemplo: frases em uniformes; dizeres em escadas, paredes, portas); (iii) quando possível, utilização de quiz para avaliação da compreensão do tema, com formatos diferentes dependendo da área. Se chão de fábrica, atividades mais lúdicas como jogos. Se escritório, trabalhar com os colaboradores via sistema de treinamento digital por meio de computadores e celulares; (iv) uso de sistema de rádio interno da organização, aproveitando a estrutura de equipamentos sonoros, para levar comunicação e treinamento para pessoas de chão de fábrica que tinha turnos muito bem delimitados.

A segunda empresa é também uma grande empresa do setor com mais de quatrocentas unidades espalhadas pelo mundo, mais de duzentos e quarenta mil colaboradores com clientes espalhados por cento e noventa países. O desafio proposto centrava-se na análise da due diligence feita pela empresa e na recomendação a ser adotada diante de um potencial fornecedor de commodities. Durante a avaliação reputacional, o software de due diligence identificou informações relevantes, posteriormente corroboradas pela análise humana do time de compliance, abordando investigações sobre violações a direitos humanos e ambientais. Este fornecedor era o único agente econômico com estrutura para atender à demanda da empresa parceira, sem possibilidade de substituição a curto e médio prazo. O dilema apresentado aos dois grupos era o seguinte: (i) o primeiro grupo de estudantes partiria do princípio de que a empresa parceira havia optado pela contratação deste terceiro e deveria trazer propostas para mitigação deste risco já identificado; (ii) já o segundo grupo de estudantes, partiria do princípio de que a empresa se recusou a contratar o referido fornecedor, contudo concorrentes o fizeram. A empresa esperava, neste segundo caso, uma proposta para minimizar os danos, já que havia grandes chances de irregularidades na cadeia de valor, o que geraria concorrência desleal e enfraquecimento da empresa diante da contratação desse fornecedor por concorrentes.

As soluções apresentadas passaram por: (i) treinamento e capacitação ao fornecedor envolvido em suspeita de violação a direitos humanos e ambientais; (ii) aquisição do referido fornecedor e implementação de boas práticas de governança na empresa adquirida; (iii) desenvolvimento próprio da commodities produzida pelo fornecedor, o substituindo definitivamente; e (iv) ação coletiva entre as empresas do setor para melhoria dos aspectos ESG.

Empresa do setor da engenharia e construção civil

Na terceira oferta da disciplina estabelecemos parceira com uma empresa familiar brasileira, com significativa presença internacional, em particular na América Latina e África, do ramo de engenharia e construção civil. O desafio consistia em abordar questões concretas enfrentadas pela empresa no tema de compliance, no contexto do cumprimento de normas em (i) reputação organizacional; (ii) transformação do setor de engenharia e construção civil; e, (iii) gestão de fornecedores para a inclusão da temática de compliance em contratos e práticas.

A empresa vivenciou um grande escândalo de não conformidade, e em razão de acordo firmado com autoridades brasileiras e estrangeiras se desdobrou na implementação de políticas internas, ferramentas, disseminação de temática para a plena efetividade do seu programa de compliance, mas tinha ainda o desafio de transmitir e fazer com que fossem implementadas políticas de integridade por seus fornecedores, sem exceção, desde escritórios de advocacia e consultorias até fornecedores de materiais para obras de engenharia. A ideia era a de usar o escândalo no qual se envolveu para ser um mobilizador de mudanças, como ocorreu no caso Siemens, retratado por Peter Löscher para a Harvard Business Review[13]. No caso da empresa parceira, parte do desafio estava focado no volume de fornecedores.  A empresa contava, à época, com cinquenta e cinco mil fornecedores ativos no Brasil. Essa era uma preocupação da empresa tanto para apoiar seu processo de recuperação de imagem e reputação, que foram fortemente abaladas pelo escândalo de corrupção, bem como para atender ao cumprimento de regras legais domésticas e internacionais, e aos acordos de leniência firmados com autoridades brasileiras e estrangeiras. Além disso, seria, também, uma sinalização a financiadores e terceiros interessados de que a organização tinha mudado e que buscava ser uma empresa íntegra. É importante dizer que na época a empresa estava em processo de recuperação judicial e em dificuldades financeiras, com prejuízos superiores a um bilhão de reais.

Para bem realizar a atividade, os alunos foram apresentados aos executivos da empresa do setor de compliance, como se fossem colaboradores. A experiência foi interessante para os estudantes por dois motivos. Primeiro, porque eles foram colocados em contato com uma empresa que havia passado – e ainda estava passando – por um grande escândalo de não conformidade. Em segundo lugar, os estudantes tiveram que se colocar na posição de colaboradores de uma empresa que enfrentava sérias dificuldades financeiras e, portanto, com recursos limitados para enfrentar o problema. Os resultados apresentados trouxeram a necessidade de refletir sobre: (i) ações de prevenção para os fornecedores voltadas à educação e treinamento, através da simplificação do material, aprimoramento de uma cartilha do código de conduta para fornecedores já existente, e a criação de portal de vídeos educativos; (ii) desenvolvimento de indicadores de conformidade aos fornecedores, permitindo uma possível classificação por ranking, e com isso trazendo mais transparência ao processo; (iii) promoção da utilização do canal de denúncias; e (iv) criação de nudges que reforçassem a mensagem de integridade.

Empresa do setor infraestrutura do mercado financeiro

Na quarta oferta da disciplina tivemos uma parceria com a maior empresa do setor de infraestrutura do mercado financeiro, e uma das maiores no mundo, tendo forte presença na América Latina, com presença importante também no Chile, México, Colômbia e Peru. Diferentemente dos casos anteriores, a preocupação da organização era o desenvolvimento de um relatório de integridade. No caso dessa organização, o grande desafio era a construção e análise crítica desse relatório de integridade pelos estudantes, num prazo de uma semana, com um limitado conhecimento técnico sobre a própria construção de um programa de integridade. Agrega-se a isso, que essa imersão foi a primeira realizada integralmente no ambiente virtual, diante do avanço da pandemia de COVID 19.

A importância da semana de imersão em compliance para a empresa era tal que o próprio presidente da organização fez a abertura da disciplina aos alunos, indicando a eles e a todos os colaboradores que maximizar lucros significava respeitar os valores e princípios de integridade.

Para bem realizar a atividade, os alunos foram apresentados à empresa como um todo e, em particular, à equipe de compliance. Essa experiência foi interessante pois colocou os alunos em contato com uma questão relevante para a empresa e de difícil consecução. As soluções apresentadas passaram, fundamentalmente, por:  (i) melhoria nas ferramentas do canal de denúncias, inclusive maior divulgação da existência do canal, alteração da aba em que se localizava o canal de denúncias no site, pois de difícil localização e, em especial, proposição de alteração quanto ao órgão de avaliação das denúncias envolvendo o alto escalão da empresa; (ii) criação de métricas de identificação de red flags de não conformidade; (iii) melhoria dos programas de treinamento e comunicação; e, (iv) melhoria do site da organização, já que o código de conduta, por exemplo, era de difícil acesso.

Empresa do setor da indústria farmacêutica

Nesta oferta da disciplina, tivemos uma parceria com uma das maiores empresas multinacionais no ramo farmacêutico, médico-hospitalar e de produtos voltados ao consumidor final, que contava com mais de seis mil colaboradores à época, sendo o Brasil um dos sessenta países em que possuía escritórios, redes de distribuição e fábricas da empresa espalhadas pelo território nacional.

O desafio apresentado buscava entender como seria possível incentivar que a média gerência, em todas as unidades de negócio, estivesse ciente e fosse capaz de aplicar na prática as regras e políticas de compliance da organização. Para bem realizar a atividade, os alunos foram apresentados às 3 áreas em que a empresa estava dividida e, em particular, às equipes de compliance (uma para cada área temática da empresa). Essa experiência foi interessante pois deu a dimensão aos alunos sobre a complexidade que grandes estruturas organizacionais, e altamente segmentadas por setores e hierarquia gerencial podem gerar, e como isso pode impactar na cultura da organização. Explicitou-se que nesse cenário a organização vive uma realidade de alta rotatividade de colaboradores, momento em que haveria necessidade de estar a todo o tempo retomando os treinamentos, perdendo todo o esforço do que foi feito, bem como o enfraquecimento da perpetuação da cultura com a saída daqueles colaboradores.

As soluções apresentadas passaram, fundamentalmente, por discutir o conteúdo e formato do treinamento e dos sistemas de comunicação; um repensar das metas de compliance, que deveriam conversar com as metas financeiras e comerciais impostas aos colaboradores, bem como elaborar mecanismos de engajamento dos colaboradores com o tema de compliance. Identificou-se a necessidade de: (i) construção de um plano robusto de comunicação que perpassasse as 3 áreas da empresa, a fim de reduzir a falha comunicacional existente diante da alta segmentação (baixa, média e alta gerência); (ii) personalização da comunicação e do treinamento, respeitando as particularidades de área e grau de hierarquia; (iii) aprimoramento das políticas de compliance para equalizar dissonâncias entre o que a área esperava, vis a vis as demandas por cumprimento de metas nas áreas financeiras e comerciais. Esse achado foi essencial para que os alunos atentassem que o modelo de negócio pode ser o gatilho para más condutas por parte dos colaboradores, a fim de verem suas metas atingidas. Essa, inclusive, foi uma das conclusões a que um estudo de perfil do fraudador brasileiro, capitaneado pela KPMG em 2021 chegou. Neste estudo aponta-se que a principal motivação para a realização de fraudes, com 38% das ocorrências, era para atingir metas corporativas, ou seja, por uma pressão por performance[14]; (iv) elaboração de sistemas de medição e avaliação da efetividade do programa de compliance e das ferramentas de comunicação e treinamento, a fim de aprimorar práticas futuras e (v) instrumentos de engajamento e reconhecimento de melhores práticas entre os colaboradores, em especial da média gerência.

Empresa do setor de medicina diagnóstica

Nesta oferta da disciplina tivemos uma parceria com uma das maiores empresas brasileiras do setor de medicina diagnóstica, com operações na Argentina e Uruguai e, na época, em expansão para o Chile e Colômbia. A organização contava com quarenta e cinco mil colaboradores diretos e nove mil indiretos.

O desafio trazido pela empresa foi o de compliance voltado para a ética no desenvolvimento e governança de algoritmos. A reflexão dos impactos do mundo digital na sociedade contemporânea e como devemos trazer os princípios éticos para o desenvolvimento de algoritmos, que evitem vieses na tomada de decisões automatizadas era o principal foco de preocupação da empresa.

Cabia aos alunos trabalhar em duas frentes: (i) a preparação de uma matriz de riscos éticos e (ii) o desenvolvimento de um benchmarking de solução em governança algorítmica.

Para bem responder a esses desafios, os alunos tiveram uma imersão no setor da saúde e uma maior compreensão das principais mudanças que ocorreram com o ingresso da transformação digital. Também tiveram acesso a todo o programa de compliance e privacidade da empresa parceira, e puderam tomar contato com a área de inovação da organização, que vinha atuado fortemente no desenvolvimento de algoritmos.

Essa experiência foi especialmente desafiadora por alguns motivos. Primeiro, porque colocou os alunos diante de um tema totalmente novo, onde as soluções ainda estão sendo exploradas pelas empresas e pela área regulatória da saúde. Segundo, porque como estavam na posição de colaboradores, isso os estimulou a, partindo de suas experiências e demandas pessoais, identificar quais ferramentas necessitavam de aprimoramentos.

Os resultados apresentados trouxeram a necessidade de se pensar: (i) sobre o modelo Gartner de maturidade em governança, com a criação de um comitê de ética em algoritmos e dados; (ii) desenvolvimento de um software para ser um checklist, sendo que esse software teria que respeitar um novo código de ética, com base na lei aplicável naquele momento, e na cultura da empresa (em especial os princípios ESG).

Empresa do setor financeiro

Nesta oferta da disciplina tivemos uma parceira com uma das maiores instituições financeiras brasileira, na época com quarenta e quatro mil pontos de atendimento no país, cinquenta e cinco milhões de clientes e mais de oitenta e seis mil colaboradores. A disciplina foi desenvolvida para ser realizada presencialmente, ou seja, uma parte na empresa parceira e outra na FGV. Entretanto, um pouco antes do início da disciplina, diante do aumento do número de casos de COVID-19 no Brasil, a empresa preferiu que a disciplina fosse feita virtualmente. Foi utilizada a plataforma Teams, de preferência da empresa parceira, para o contato com seus executivos. As atividades de apoio para o desenvolvimento do desafio pelos estudantes ocorreram presencialmente na FGV, inclusive com uma visita a um grande escritório de advocacia, que trouxe aspectos práticos de compliance aos estudantes. A apresentação da solução ao desafio da empresa parceira pelos estudantes se deu no formato híbrido, com alguns executivos da empresa presencialmente na FGV e outros nas instalações da parceira.

O desafio desta vez era único para todos os quatro grupos de estudantes: compreender os custos e benefícios do compliance para a empresa através do desenvolvimento de Indicadores-Chave. Os resultados apresentados pelos estudantes trataram de (i) identificar as melhores práticas pelo “Índice/Métrico”; (ii), tangibilizar o valor agregado do compliance para a empesa; (iii) debater os critérios utilizados no desenvolvimento dos referidos Indicadores-Chave; (iv) recomendar indicadores que incorporassem princípios éticos; e, (v) estruturar um projeto para a empresa que contemplasse medidas éticas protetivas eficazes para uma estrutura de compliance de uma instituição financeira.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível identificar, na execução da disciplina Semana de Imersão em Compliance e ESG, tanto os aspectos desafiadores para a sua realização, quanto as grandes oportunidades de inovação no aprendizado da ética, integridade, compliance e aspectos ESG. Esses aspectos são tanto estruturais da disciplina quanto de conteúdo.

Conforme mencionado anteriormente, a Semana de Imersão ocorre semestralmente, apresentando mais de 30 temas de disciplinas distintas. A ampla variedade de temas e empresas parceiras cria uma certa competição interna entre as disciplinas. Isso implica que, se não houver interesse dos alunos na temática de compliance e ESG, ela pode deixar de ser oferecida naquele semestre. Dado que o tema de compliance e ESG é abordado exclusivamente nessa disciplina da Semana de Imersão, a não oferta significa não alcançar os futuros gestores públicos e privados, bem como juristas, com essa temática, utilizando esse método inovador naquele semestre específico.

O modelo adotado pelos professores na disciplina também apresenta um desafio intrínseco, que é a falta de escalabilidade, uma característica positiva dos modelos baseados em estudos de caso e casos de ensino. Nesse modelo, a cada semestre, busca-se uma nova empresa parceira para compartilhar seu desafio. Para realizar isso com êxito, as parcerias começam a ser procuradas quase um ano antes da disciplina ser oferecida, com o risco de não se concretizarem devido à falta de quórum ou a algum fator externo que impacte a empresa parceira. Além disso, o contato com as empresas parte das relações pessoais dos professores responsáveis pela disciplina, o que pode limitar as possibilidades de novas parcerias. Isso implica em um recomeço e uma reconstrução da disciplina Compliance e ESG a cada início de semestre, sempre visando uma nova empresa, um novo setor, novas preocupações e desafios.

Por outro lado, quando a empresa aceita participar da disciplina, há uma grande proximidade do docente com a empresa parceira, permitindo o estabelecimento de uma forte conexão entre academia e prática. A relação pessoal dos docentes com os responsáveis pela área de compliance da empresa parceira pode ser identificada como um fator de sucesso para a sua realização. Essa conexão ficou ainda mais explicitada quando houve a necessidade, em curto espaço de tempo, de sair do modelo presencial e ir para o sistema online ou híbrido de ensino. A parceria das empresas foi essencial para que a disciplina pudesse continuar a ser oferecida, com alto grau de qualidade e participação dos alunos e dos executivos das empresas parceiras.

Outra faceta sensível vivenciada nesta disciplina reside no fato de que, apesar da orientação dada às empresas parceiras para que os temas não ultrapassem a capacidade técnica dos alunos, bem como o tempo alocado para a apresentação de suas soluções, é difícil ter controle absoluto sobre o tema escolhido por elas. Isso já levou, em alguns semestres, à observação de que o desafio enfrentado pelos estudantes extrapolava o que era viável de ser apresentado por alunos de graduação, especialmente considerando a imersão de apenas uma semana no problema. O resultado é a geração de algum nível de frustração nos estudantes, especialmente naqueles que não conseguiram entregar exatamente o que a empresa parceira esperava, recebendo críticas, mesmo que construtivas, por parte da organização.

Em relação ao modelo metodológico, o que se tem é a opção pela metodologia de ensino centrada no aluno. Isso demanda, por parte deles, uma busca ativa por respostas num curto espaço de tempo, tirando-os de uma zona de conforto trazida pelo sistema tradicional de ensino centrado no professor. Nessa disciplina, o professor é um facilitador do processo, e não um locus para a busca de respostas e conhecimento. Se por um lado esse modelo é desafiador, em especial diante da urgência do tempo que muitas vezes reduz a possibilidade de pesquisas com maior profundidade, por outro lado traz uma oportunidade única aos estudantes. A oportunidade se apresenta no vivenciar, para eles, de uma realidade que é a urgência que os líderes experimentam, cada vez mais, nas tomadas de decisão nas organizações.

Com relação aos pontos positivos, é possível identificar que esse modelo possibilita que os estudantes trabalhem com dados das organizações parceiras que não estão disponíveis publicamente. Isso porque eles vivem a realidade da empresa junto aos seus executivos e colaboradores. Essa relação é tão intensa, que se fez necessário elaborar um documento para garantir, por parte dos estudantes, a assunção a compromissos de confidencialidade sobre informações sensíveis obtidas durante a disciplina.

Também se torna evidente que lidar com o tema de compliance e ESG nas organizações transcende o aspecto meramente normativo e de conformidade. Todas as disciplinas oferecidas conseguiram destacar a interconexão desse tema com outras dimensões e disciplinas presentes em um curso de graduação em administração de empresas, administração pública e direito.

Dentre os temas que ficaram muito em evidência mencionamos as questões voltadas à cultura organizacional, como ela pode fomentar ou travar questões relativas à implementação de programas de compliance; novas demandas geracionais (Y e Z); o modelo de negócio em que a organização está pautada, com maior ou menor dependência de relacionamentos com o poder público, ou ser ela mais ou menos segmentada; o modelo de remuneração dos colaboradores, com metas financeiras e comerciais que podem estimular práticas de não conformidade para o seu atingimento; as práticas da organização com relação à gestão e desenvolvimento de fornecedores; a discussão sobre ética no uso de dados e algoritmos, etc.

Os docentes experimentaram um ganho significativo de referencial e conhecimento prático sobre os reais desafios enfrentados pelas organizações ao abordar esses temas. Esse acúmulo de experiência enriquece substancialmente as disciplinas subsequentes de Compliance e ESG. Faz parte do papel do docente, enquanto facilitador, instigar os alunos a examinarem os desafios propostos pelas organizações de diversas perspectivas, incluindo aquelas que a própria organização pode não ter considerado, como observado em mais de uma ocasião durante esses cinco anos. Além disso, há a oportunidade de estabelecer correlações entre os desafios enfrentados, os aprendizados adquiridos e compartilhados, independentemente do setor de atuação. Isso ocorre porque alguns desafios são semelhantes, e as soluções propostas podem ser refinadas nas próximas ofertas da disciplina Compliance e ESG.

Finalmente, algumas disciplinas ministradas durante a Semana de Imersão deram origem a novos projetos relacionados aos temas de integridade, ética, compliance e ESG. Isso resultou na elaboração de pesquisas e produtos que têm o potencial de beneficiar a sociedade como um todo. Essa conexão entre a academia com práticas concretas destaca a importância que essa proximidade pode ter tanto no setor produtivo quanto no aprendizado dos estudantes e do corpo docente.

6  REFERÊNCIAS

CHAVAN, Meena, CARTER, Leanne M, The value of experiential and action learning in business ethics education, Journal of Business Ethics Education, vol. 15, 2018, p. 5-32.

HUNT, David M, RADFORD, Scott K, Teaching business ethics: how to use experience-based projects to achieve higher-order learning outcomes, Journal of Business Ethics Education, vol. 15, 2018, p. 169-184.

LÖSCHER, Peter, “The CEO of Siemens on Using a Scandal to Drive Change”, Change Management, Harvard Business Magazine, November, 2012.

MATTHEW, L Stanley, NECK, Christopher P, Students’ reasoning about dilemmas in business ethics. Journal of Business Ethics Education, vol. 17, 2020, p. 5-28.

FRACIS, Tracy, HOEFEL, Fernanda. True Gen: Generation Z and its implications for companies. McKinsey & Company. 2018.

PIPER, Thomas R, A program to integrate, leadership, ethics, and corporate responsibility into management education. In T. R. Piper, M. C. Gentile, & S. D. Parks (Eds.), Can ethics be taught? Perspectives challenges, and approaches at Harvard Business School, Boston, MA: Harvard Business School Press, 1993, p. 117-149.

SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves, A importância do ensino da ética. Ética, transparência e compliance. GV Executivo. vol. 18, 2019, p. 35-36.

SIMS, Ronald R., FELTON, Edward L, Designing and delivering business ethics teaching and learning. Journal of Business Ethics, vol. 63, 2006, p. 297-312.

SWANSON, Diane L, FISHER. DANN G, Assessing business ethics education: starting the conversation in earnest, In Diane L. Swanson e Dann G. Fisher (eds.), Toward assessing business ethics education. Advancing business ethics education, Charlotte, NC: Information Age Publishing, 2011, p. 1-21.

SWANSON, Diane L, FISHER, Dann G, Business ethics education: if we don’t know where we’re going, any road will take us there, Decision Line, 2009, p. 10-13.

TELLO, Gabriella, SWANSON, Diane, FLOYD, Larry, CALDWELL, Cam, Transformative learning: a new model for business ethics education, Journal of Multidisciplinary Research, vol. 5, n.  1, 2013, p. 105-120.

KPMG, Perfil do fraudador brasileiro, 2021.

Notas de Rodapé

[1]     Ligia Maura Costa, ligia.costa@fgv.br, professora titular; livre-docente em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; pós-doutorado Sciences Po, Paris; doutora pela Université de Paris Ouest Nanterre La Défense, com título de doutorado revalidado pela Universidade de São Paulo; CEP: 01313-902, São Paulo, SP, Brasil; Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). https://orcid.org/0000-0003-0166-5218

[2]     Luciana Stocco Betiol, Luciana.betiol@fgv.br, professora; doutora em direito das relações sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; mestre em direito das relações sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; CEP 01313-902, São Paulo, SP, Brasil. Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). https://orcid.org/0000-0003-3196-4972

[3]     TELLO, Gabriella, SWANSON, Diane, FLOYD, Larry, CALDWELL, Cam, Transformative learning: a new model for business ethics education, Journal of Multidisciplinary Research, vol. 5, n.  1, 2013, p. 105-120.

[4]     SIMS, Ronald R, FELTON,  Edward L, Designing and delivering business ethics teaching and learning, Journal of Business Ethics, vol. 63, 2006, p. 297-312.

[5]     TELLO, Gabriella, SWANSON, Diane, FLOYD, Larry, CALDWELL, Cam, Transformative learning: a new model for business ethics education, op. cit., p. 115.

[6]     PIPER, Thomas R., A program to integrate, leadership, ethics, and corporate responsibility into management education. In T. R. Piper, M. C. Gentile, & S. D. Parks (Eds.), Can ethics be taught? Perspectives challenges, and approaches at Harvard Business School, Boston, MA: Harvard Business School Press, 1993, p. 117-149.

[7]     SWANSON, Diane L., FISHER. Dann G., Business ethics education: if we don’t know where we’re going, any road will take us there, Decision Line, 2009, p. 11.

[8]     SWANSON, Diane L., FISHER. Dann G., Assessing business ethics education: starting the conversation in earnest. In Diane L. Swanson e Dann G. Fisher (eds.), Toward assessing business ethics education. Advancing business ethics education, Charlotte, NC: Information Age Publishing, 2011, p. 2 e ss.

[9]     SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves. A importância do ensino da ética. Ética, transparência e compliance. GV Executivo. vol. 18, 2019, p. 35-36.

[10]    MATTHEW, L. Stanley, NECK, Christopher.P,. Students’ reasoning about dilemmas in business ethics. Journal of Business Ethics Education, vol. 17, 2020, p. 5-28.

[11]    HUNT, David M., RADFORD, Scott K., Teaching business ethics: how to use experience-based projects to achieve higher-order learning outcomes, Journal of Business Ethics Education, vol. 15, 2018, p. 169-184.

[12]    FRANCIS, Tracy, HOEFEL, Fernanda, “True Gen: Generation Z and its implications for companies”, McKinsey & Company. 2018.

[13]    LÖSCHER, Peter, “The CEO of Siemens on Using a Scandal to Drive Change”, Change Management. Harvard Business Magazine. November, 2012.

[14]    KPMG. Perfil do fraudador brasileiro. 2021.