Totalitarismo financeiro e seletividade penal

Financial totalitarianism and criminal selectivity

Nota do título [1]

DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.38

Recebido/Received 14/05/2023 – Aprovado/Approved 15/02/2024

Gabriela Emanuele de Resende[2] – https://orcid.org/0000-0001-6378-6619

Henrique Viana Pereira[3] – https://orcid.org/0000-0003-4927-9922

Resumo

Do novo cenário de globalização e de permanentes problemas penais, surge o seguinte problema de pesquisa: de que forma a seletividade penal se manifesta em tempos de totalitarismo financeiro? Almejando construir uma resposta, adotou-se, como marco teórico, a teoria do Direito Penal humano elaborada por Eugenio Raúl Zaffaroni na obra Direito Penal humano e poder no século XXI. A pesquisa desenvolvida pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. Por sua vez, no que concerne ao tipo de investigação, foi adotado o tipo jurídico-projetivo. Ademais, o estudo parte de uma abordagem precipuamente problematizante, cujo foco é transdisciplinar. Como resultado alcançado, confirma-se a hipótese de que o Direito Penal humano surge como proposta apta a lidar com as mazelas do totalitarismo financeiro, partindo dos seguintes passos: a superação do idealismo, a constitucionalização e o ser humano como centro do Direito Penal.

Palavras-chave: Direito Penal Humano; Totalitarismo Financeiro; Seletividade Penal; Eugenio Raúl Zaffaroni.

Abstract

From the new scenario of globalization and permanent criminal problems, the following research problem arises: how does criminal selectivity manifests in financial totalitarism? Aiming to build an answer, the theory of human criminal law elaborated by Eugenio Raúl Zaffaroni in the book Human Criminal Law and Power in the XXI Century was adopted as a theoretical firework. The developed research belongs to the legal-sociological aspect. Furthermore, the juridical-projective type was adopted as the type of investigation. The study starts from a fundamentally problematizing approach, whose focus is transdisciplinary. As a result achieved, the hypothesis was confirmed that human criminal law emerges as a proposal able to deal with the ills of financial totalitarianism, starting from the following steps: overcoming idealism, constitutionalization and the human being as the center of criminal law.

Keywords: Human Criminal Law; Financial Totalitarianism; Criminal selectivity; Eugenio Raúl Zaffaroni.

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento do artigo; 2.1. Garantismo penal; 2.2. Direito Penal em tempos de totalitarismo financeiro; 2.3. A construção do inimigo; 2.4. A exclusão entre os excluídos; 2.5. Direito Penal humano; 3. Considerações finais; 4. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Na obra O Capital, Karl Marx faz referência aos primórdios da luta de classes antes mesmo de existir a forma-dinheiro similar a que se conhece hoje. No mundo antigo, o antagonismo existente entre as classes se dava pela “luta entre credores e devedores e conclui-se, em Roma, com a ruína do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo[4]. Decerto, a desigualdade social não figura tema novo, mas assume fases mais ou menos intensas a depender do período histórico em análise.

Nessa toada, parte-se, neste artigo, da inegável estratificação social já existente e intensificada a partir dos efeitos do capitalismo financeiro. Neste, a renda se encontra cada vez mais concentrada na mão de poucos, conquanto não sejam conhecidos quais são, de fato, os detentores da concentração monetária, uma vez que o aparato financeiro não tem rosto. Do avanço dessa fase do capitalismo, não há como dissociar conceitos como sociedade, política e Direito, do atual quadro de poder financeiro.

Na tentativa de compreender o totalitarismo financeiro e conter os excessos do Direito Penal que, em inúmeros casos, atua em benefício do capitalismo, é imperiosa a construção de um saber jurídico-penal e criminológico pautado na realidade social existente. Mazelas já existentes no Direito Penal clássico foram intensificadas a partir do fenômeno da globalização. Expande-se o Direito Penal sob a escusa de contenção dos riscos da modernidade e, dessa forma, aumentam-se os discursos punitivistas. Por fim, reforça-se a construção do inimigo, em mais uma manifestação da seletividade penal.

Deste novo cenário afligido por permanentes questões penais, surge o seguinte problema de pesquisa: de que forma a seletividade penal se manifesta em tempos de totalitarismo financeiro?

Almejando construir uma resposta, adotou-se, como marco teórico, a proposta do Direito Penal humano elaborada por Eugenio Raúl Zaffaroni na obra Direito Penal humano e poder no século XXI. Como hipótese, considerou-se a referida teoria como alternativa apta a lidar com as mazelas provenientes do totalitarismo financeiro, partindo dos seguintes passos: a superação do idealismo, a constitucionalização e a adoção do ser humano como centro da norma penal.

A pesquisa pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. Por sua vez, no que concerne ao tipo de investigação, foi adotado o tipo jurídico-projetivo. Ademais, o estudo parte de uma abordagem precipuamente problematizante, cujo foco é transdisciplinar.

Os objetivos desta pesquisa são: a) promover uma contraposição entre o garantismo penal clássico e o garantismo de Eugenio Zaffaroni; b) analisar como se dá o Direito Penal em tempos de totalitarismo financeiro; c) verificar a seletividade penal na vigência do capitalismo financeiro.

Como resultado alcançado, confirmou-se a hipótese de que o Direito Penal humano surge como proposta apta a lidar com as marcas do totalitarismo financeiro, partindo dos seguintes passos: a superação do idealismo, a constitucionalização e o ser humano como centro do Direito Penal.

2 DESENVOLVIMENTO DO ARTIGO

Nesta fase, serão trabalhadas as temáticas que refletem o objeto da presente pesquisa. Em suma: o garantismo penal; o Direito Penal em tempos de totalitarismo financeiro, a construção do inimigo e a exclusão entre os excluídos. Por fim, abordar-se-á o tema Direito Penal humano.

2.1 Garantismo Penal

Pondo termo ao conteúdo aflitivo e cruel das penas, Cesare Beccaria, adepto das teorias contratualistas e precursor do princípio da legalidade, serviu, a partir de um pensamento crítico evocado pela obra Dos delitos e das penas[5], como um divisor de águas para o Direito Penal. Para o autor, “(...) só as leis podem fixar as penas de cada delito e (...) o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social”[6].

Beccaria aduz, pois, a imprescindibilidade de que apenas o legislador seja capaz de tipificar condutas e cominar penas, tendo em conta a responsabilidade a esse conferida a partir do depósito de confiança proveniente do contrato social. Em síntese, “Beccaria foi seguidor de Rousseau quanto às ideias contratualistas, e disto deriva, como consequência necessária, o princípio da legalidade do delito e da pena”[7].

Superado o penalismo iluminista iniciado por Beccaria, ocorreu, no século XIX, o despontar de um penalismo terapêutico, reforçado por correntes da medicina individual, particularmente a psiquiatria alienista, e da medicina social calcada no higienismo[8]. O intuito era o de justificar que, embora a sociedade fosse configurada por um contrato social, os pactuantes não eram iguais, considerando as diferenças biológicas que afetavam cada um. Disto veio um forte determinismo biológico[9] apto a distinguir os indivíduos que transgrediam a norma penal como biologicamente condicionados. A pena adotaria, então, um viés terapêutico, marco do positivismo criminológico posterior[10].

Em rumos contrários às escolas positivistas da criminologia, o garantismo penal surge como movimento de reafirmação dos direitos humanos, desprovido das diferenciações biológica e determinista supramencionadas. Como marcos principais a serem trabalhados, enumeram-se: Alessandro Baratta e Luigi Ferrajoli.

Alessandro Baratta, expoente responsável por difundir a criminologia crítica, graduou-se e se tornou doutor em filosofia do Direito pela Universidade de Roma. Em contramão às propostas positivistas da criminologia, Baratta propunha, sobretudo por meio da obra Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, um modelo integrado entre Direito Penal e criminologia, capaz de trazer um conteúdo humanista ao discurso jurídico-penal:

(...) no âmbito da práxis teórica contemporânea, no lugar do clássico modelo integrado de ciência penal pode surgir somente um novo modelo, em que a relação entre ciência social e discurso dos juristas não é mais a relação entre duas ciências, mas uma relação entre ciência e técnica[11].

A integração proposta por Baratta tinha, portanto, o objetivo de efetivar o pleno gozo dos direitos humanos que, concomitantemente, proporcionaria o progresso social[12]. Posteriormente, Baratta[13] elencou uma série de princípios denominados intrassistemáticos, isto é, de limitação formal, e extrasistemáticos, com foco na descriminalização. O objetivo era estabelecer princípios de Direito Penal mínimo a fim de construir uma “teoria dos direitos humanos como objeto e limite da lei penal”[14].

Por sua vez, Luigi Ferrajoli, dotado de uma visão negativa do Direito Penal quando comparado a Baratta, via na racionalidade um meio de contenção dos excessos punitivos. Em forte debate com os abolicionistas de sua época, Ferrajoli não considerava admissível a possibilidade de extinção do sistema penal, tendo em vista que isso “levaria à existência de uma anarquia punitiva, com respostas estatais e sociais selvagens”[15]. A alternativa, portanto, seria a inserção da racionalidade no Direito Penal e no Direito Processual Penal, como pode ser visto na obra Direito e Razão, reforçando a necessidade de distinção entre Direito e moral na construção dos axiomas do garantismo penal:

A primeira condição equivale ao princípio da reserva legal em matéria penal e da conseqüente submissão do juiz à lei: o juiz não pode qualificar como delitos todos (ou somente) os fenômenos que considere imorais ou, em todo caso, merecedores de sanção, mas apenas (e todos) os que, independentemente de sua valoração, venham formalmente designados pela lei como pressupostos de uma pena[16].

Considerando o período de surgimento do garantismo de Baratta e de Ferrajoli, não havia, à época, a preocupação com as ameaças punitivas do totalitarismo financeiro, cujo período de latência se deu nos anos subsequentes. Faz-se mister, no entanto, compreender a importância da criminologia para o contexto de poder no qual se insere. Por esse motivo, em que pese a relevância dos autores supramencionados, torna-se indispensável um estudo criminológico à luz do atual quadro de totalitarismo financeiro, estudo esse que será auxiliado, conforme será visto em sequência, pelas obras de Eugenio Raúl Zaffaroni, marco do garantismo penal hodierno.

2.2 Direito Penal em Tempos de Totalitarismo Financeiro

A importância deste tópico surge a partir da impossibilidade de construção de um discurso jurídico-penal asséptico e desconexo com a realidade em que se encontra inserido. Toda lei penal deve ter em mente o contexto global do quadro de poder que a permeia. De início, o colonialismo industrial fruto do mercantilismo, em sequência, o neocolonialismo proveniente da revolução industrial e, por fim, a globalização ainda em vigor[17]. Deste modo:

Qualquer programa político que queira evitar a utopia ou o delírio deve levar em conta o quadro de poder em que aspira a ser realizado. Portanto, a fim de elaborar uma lei penal em uma base minimamente realista, é necessário começar por se situar na conjuntura global e regional, como um passo indispensável para tentar uma aproximação do que seria necessário nesta circunstância[18].

O capitalismo apresenta duas faces: o capitalismo produtivo, cujo marco temporal mais forte data da revolução industrial, e o capitalismo financeiro, fruto da globalização. Este segundo menor e mais forte que o primeiro, considerando sua desvinculação da política local, nacional e internacional. O capitalismo financeiro apresenta uma vastidão de poder muito superior ao alcance político, tendo em conta sua capacidade de transposição territorial e o enfraquecimento dos órgãos internacionais frente às grandes corporações[19].

A reviravolta do capitalismo financeiro foi responsável por alterar “o equilíbrio tradicional com a política: o estabelecimento não está mais ligado horizontalmente à política, porém o domina, desfrutando de uma capacidade de deslocamento geográfico que falta à política, por essência territorial”[20]. Mantém-se, assim, o domínio dos Estados periféricos pelos Estados centrais a partir de um neocolonialismo oriundo da globalização. Enxugam-se os recursos provenientes dos Estados marginais enquanto o aparato financeiro beneficiado reside nos países centrais. Dada, ainda, sua fluidez e despersonalização, o poder financeiro se mostra capaz de migrar de um território a outro, fazendo-se inalcançável para qualquer política local.

A gestão do domínio financeiro se encontra com as altas cúpulas das empresas, nas quais existem gestores indicados a aumentar os lucros, ainda que de forma não ética, desprovidos da escolha de se manifestarem contrários, sob pena de serem substituídos[21]. E é nesse contexto de insegurança que surge o anseio social e midiático por rápidas respostas de contenção de riscos[22], ainda que, para tanto, sejam suprimidos direitos e garantias fundamentais a fim de encontrar um culpado e puni-lo o mais rápido possível:

Por fim, disseminou-se na sociedade um sentimento exagerado de insegurança, que não parece corresponder exclusivamente a tais riscos, mas é potencializado pela intensa cobertura midiática de eventos perigosos ou danoso, pelas dificuldades encontradas pelo cidadão comum em compreender a acelerada mudança tecnológica e ajustar seu cotidiano a ela por causa da percepção social generalizada de que a sociedade tecnológica moderna acarreta notável transformação das relações e valores sociais e uma redução significativa da solidariedade coletiva. Em suma, todo esse conjunto de fatores aciona demandas por intervenções socioestatais que permitem controlar tais riscos e aplacar tais medos, aplicando-se a política criminal, entre outros mecanismos sociais[23].

Expande-se o Direito Penal sob a falsa premissa de contenção dos riscos da modernidade, desistindo de colocar o ser humano como centro da norma penal a partir da personalização de um poder que não pode ser personalizado. A punição de gestores de empresas, sem a análise prévia da responsabilidade subjetiva e de princípios constitucionais, não garante a diminuição das mazelas do capitalismo financeiro, apenas traz um falacioso sentimento de revanche.

Da mesma forma, a guerra declarada ao tráfico de drogas não garante o enfraquecimento daquele que efetivamente goza de seus benefícios: o poder financeiro. Isso porque o papel da cocaína “é introduzido como um fator caótico nas sociedades altamente estratificadas, enquanto permite que o aparato de reciclagem do monopólio bancário colonizador mantenha a maior parte da renda do tráfico”[24]. Em suma, o poder financeiro se beneficia do caos declarado nos países marginais, inaugurando uma nova fase do colonialismo tardio.

2.3 A Construção do Inimigo

Günther Jakobs, partidário da escola finalista de Hans Welzel e discípulo deste, foi responsável por cunhar o termo Direito Penal do inimigo na tentativa de prover, ainda que de forma controversa e amplamente criticada, a contenção do Direito Penal. Decerto, a construção da noção de inimigo não configura tema novo, considerando as severas perseguições propagadas no período inquisitorial[25] e, em período ainda mais recente, a punição da vadiagem e da mendicância na manifesta criminalização da pobreza[26]. Nas palavras de Zaffaroni:

De fato, o direito penal desumano opera sempre por meio da constante fabricação de outros inimigos. O escândalo causado há alguns anos pelo breve e muito discutido artigo do Professor Bonn – Günther Jakobs – não fazia muito sentido, porque o direito penal sempre foi o direito penal do inimigo. O pecado de Jakobs talvez tenha sido apenas a ingenuidade que o levou a dizê-lo expressamente e a chamá-lo pelo nome, trazendo de volta o véu que havia escondido algo ciosamente guardado durante os últimos séculos ou talvez até mesmo o último milênio[25].

O que Jakobs fez foi esclarecer um assunto que há muito permeia o Direito Penal, desde a sua forma mais primitiva até a sua forma mais moderna. Para o autor, é necessário que, objetivando manter a segurança do ordenamento jurídico, faça-se uma distinção entre dois polos de uma mesma moeda: o Direito Penal do inimigo em contraposição ao Direito Penal do cidadão[26]. Nessa linha, garantias e direitos fundamentais restam mais ou menos assegurados a depender de qual polo se encontra o indivíduo em análise no caso concreto:

Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas. Portanto, seria completamente errôneo demonizar aquilo que aqui se tem denominado Direito penal do inimigo[27].

Ao considerar fatores como a personalidade de quem delinque na imposição da pena, parte-se para um Direito Penal do autor em detrimento do Direito Penal do fato. Jakobs[28]defende que nem todo indivíduo que delinque representa um inimigo para o Estado, razão pela qual, para o autor, configura-se errônea a previsão de cúmulos na parte geral do Direito Penal, fazendo-se necessária a clara distinção entre aqueles que estariam aptos a receber a proteção da Constituição Cidadã.

Faz-se mister destacar que o Direito penal do inimigo não encontra respaldo na Constituição Federal, considerando o fundamento da dignidade da pessoa humana em somatória ao princípio da humanidade, entre outros princípios e garantias fundamentais. A ausência de um respaldo constitucional e legislativo, no entanto, não garante, por si só, que a construção do inimigo não esteja impregnada no poder punitivo – definido por Zaffaroni[29] como o poder que o Estado exerce ou permite que seja exercido – ou no poder militarizador e verticalizador-disciplinar[30], por exemplo.

A seletividade penal[31] surge, pois, como evidente ramificação da construção de um inimigo digno de ser mais duramente penalizado, ou, ainda, seletivamente penalizado em detrimento de outros que também cometeram crimes. Isso porque “o outro inimigo é sempre uma não pessoa”[32]. Delimita-se a figura do delinquente, constrói-se, com auxílio midiático reforçado pela atuação dos próprios órgãos penais, o arquétipo de criminoso perigoso e violento, alimentando-se, sobretudo no contexto da América Latina, das características de homens jovens membros das classes sociais mais carentes[33].

A seletividade se vale do estado de vulnerabilidade, seja social ou racial, em que se encontram determinados indivíduos ou parcelas da população. Na perspectiva de Zaffaroni[34], o estado de vulnerabilidade pode ser compreendido como o grau de risco ou perigo que alguém corre somente por pertencer a uma classe, grupo ou estrato social, bem como por se encaixar em um estereótipo pré-fixado. Diante disso, infere-se que:

Os órgãos do sistema penal selecionam de acordo com esses estereótipos, atribuindo-lhes e exigindo-lhes esses comportamentos, tratando-os como se se comportassem dessa maneira, olhando-os e instigando todos a olhá-los do mesmo modo, até que se obtém, finalmente, a resposta adequada ao papel assinalado[35].

Cumpre destacar, contudo, o livre arbítrio pertinente à conduta do infrator, de forma que a vulnerabilidade intrínseca a sua classe social ou racial, por si só, não faz com que um indivíduo venha a delinquir. Todavia, há aqueles que são “mais sensíveis às demandas do papel formuladas pelas agências dos sistemas penais[36], ou, ainda, que não possuem uma estrutura familiar adequada, o que colabora para que o papel já formulado de delinquente pela seletividade penal venha, então, a ser efetivamente preenchido.

O idealismo pertinente ao discurso jurídico-penal legitimante parte da igualdade de aplicação das normas penais. No entanto, o que se verifica é que “as prisões, que em sua maioria abrigam pessoas pobres que cometem crimes grosseiros e nem sequer são condenadas, negam a igualdade que o famoso contrato idealista de direito penal pressupõe”[37]. Os papeis pré-formulados de criminalidade não abrangem a totalidade de indivíduos que cometem condutas delituosas, bem como possuem como foco tipos penais específicos, em desconsideração “de crimes econômico-políticos (como Wolf-gang Naucke os chama) que causam a ruína de nações e mergulham populações inteiras na pobreza e na miséria[38].

A proposta que Zaffaroni traz de construção de um Direito penal humano não parte do aumento punitivo dos estratos socioeconômicos mais elevados, conforme será visto em tópicos ulteriores – considerando o poder de contenção que o Direito Penal desempenha –, mas de equalização do ser humano enquanto centro da norma penal.

Fato é que a seletividade penal, em comunhão à construção do inimigo, não figura tema novo, sendo, pois, reincidente ao longo da história punitiva. Entretanto, trata-se de assunto que favorece o totalitarismo financeiro, conforme será visto no tópico subsequente, a partir da promoção de uma exclusão entre os excluídos que em muito colabora com a incapacidade de coalisão política.

2.4 A Exclusão Entre os Excluídos

A criação de arquétipos de criminosos favorece a ampliação do punitivismo até mesmo nos setores político-sociais intitulados mais progressistas. Para os mais conservadores, correspondem ao papel: traficantes de drogas, pedófilos e ladrões. Para os setores mais progressistas: abusadores de mulheres, racistas e homofóbicos. É defendida, a partir disso, a proposta de Jakobs de criação do inimigo anteriormente trabalhada.

Aos que correspondem ao objeto de punição ansiado pela classe correspondente, propõe-se a punição desmedida e desprovida de direitos e garantias fundamentais. Questiona-se a presunção de inocência que permite responder ao processo penal em liberdade – em caso de não haver alguma das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal[39]. Reivindica-se, em certa medida, algum tipo de punição corpórea, ainda que ilegalmente praticada no interior das prisões. Critica-se a finitude da pena, argumentando que, a depender do crime praticado, a pena deveria ser perpétua:

Desejando e aplaudindo as prisões e condenações a qualquer preço, estes setores da esquerda reclamam contra o fato de que réus integrantes das classes dominantes eventualmente submetidos à intervenção do sistema penal melhor se utilizem de mecanismos de defesa, frequentemente propondo como solução a retirada de direitos e garantias penais e processuais, no mínimo esquecidos de que a desigualdade inerente à formação social capitalista que, lógica e naturalmente, proporciona àqueles réus melhor utilização dos mecanismos de defesa, certamente não se resolveria com a retirada de direitos e garantias, cuja vulneração repercute sim de maneira muito mais intensa sobre as classes subalterizadas, que vivem o dia a dia da Justiça Criminal, constituindo a clientela para qual esta prioritariamente se volta[40].

Retoma-se, aqui, o fato de que, em que pese não exista respaldo constitucional e legislativo para tanto, o Direito Penal do Inimigo se encontra, desde sempre, impregnado nos setores da sociedade. Em resposta às expectativas sociais que tratam o Direito Penal como gargalo resolutor de mazelas, criam-se, cada vez mais, tipos penais na mais evidente manifestação do Direito Penal simbólico[41]. Como exemplo, a tipificação da homofobia fruto do ativismo judicial desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26 [42].

A tipificação exacerbada de condutas não é capaz de, desvinculada de políticas públicas e de uma política criminal coesa e efetiva, prevenir delitos. Se assim o fosse, não mais haveria inúmeros casos de violência doméstica ou de feminicídio a partir da promulgação da Lei n. 11.340[43] e da criação da qualificadora de feminicídio, incluída no artigo 121, § 2°, inciso VI, do Código Penal[44]. O que há, a partir disso, é o aumento da seletividade penal que atinge mais fortemente aqueles que pertencem às classes socioeconômicas desprivilegiadas:

Entretanto, estas campanhas punitivistas são singularmente bem-sucedidas entre muitas das pessoas que sinceramente combatem e ostentam estes movimentos, e muitas vezes caem na armadilha do punitivismo, o qual, como em qualquer outro caso, não só não resolve conflitos, mas também abre novas áreas de arbitrariedade seletiva, com sua sequência inseparável de corrupção, autonomia das agências policiais e reforço da discriminação[45].

O discurso punitivista favorece a exclusão entre os excluídos, o que, por sua vez, fortalece, ainda mais, o poder desempenhado pelo totalitarismo financeiro. Ao enxergar o próximo, também já excluído, como inimigo, impede-se uma eventual coalisão política apta a reconhecer a realidade como é e a reivindicar melhorias. Logo, aqueles já excluídos pelo sistema capitalista não se enxergam como pertencentes a um mesmo grupo marginalizado, pelo contrário, passam a ver no outro um monstro a ser combatido.

Na perspectiva de Zaffaroni[46], para o controle dos excluídos, utiliza-se não apenas a letalidade das agências penais, mas o incentivo da violência entre os próprios excluídos, esta última reforçada pelos aparelhos midiáticos que compõem as corporações transnacionais. Certamente, a mídia, braço forte do poder financeiro, se beneficia economicamente das matérias que suscitam o constante sentimento de insegurança. A seletividade penal e o discurso punitivista são midiaticamente rentáveis na medida que promovem mais acessos e captam mais telespectadores. 

Ademais, beneficia-se o poder financeiro ao enfraquecer Estados a partir da violência propagada entre os próprios excluídos. Nessa diretiva, “(...) o alto nível de violência entre os próprios excluídos, o poder das quadrilhas armadas e a impotência – e a corrupção – da polícia condicionam o caos da chamada insegurança, que enfraquece nossos Estados ao atenuar seu controle territorial”[47]. Conforme visto anteriormente, o poder financeiro, já beneficiado pela sua capacidade de transposição territorial que afeta o alcance político local, bebe da fonte de caos gerada nos países marginais e do enfraquecimento de Estados nacionais.

2.5  Direito Penal Humano

O agigantamento do aparelho financeiro deu origem a massas de capital despersonalizadas, “que no hemisfério norte começaram a tomar o lugar da política, fazendo dos políticos dos seus países seus reféns ou lobistas”[48]. Ao contrário das outras fases do capitalismo, o capitalismo desprovido de um produto não possui mais um dono aparente. Trata-se de conglomerados empresariais e de grandes corporações que não possuem um único responsável.

Pouco se fala em quantias físicas de lucro, como a moeda, o ouro ou a prata, trabalha-se, tão somente, com números que podem ser eletronicamente transferidos – daí a capacidade que o poder financeiro tem de se movimentar entre os Estados. Uma simples queda eletrônica de números é capaz de afetar a economia global, o que torna os países tão dependentes das grandes corporações.

Da capacidade de transposição territorial e da sujeição da política aos aparatos financeiros, surge o totalitarismo financeiro que se beneficia do discurso punitivista, da seletividade penal e da criminalidade nos países marginais:

No último caso, os concessionários operam no sul e enfraquecem alguns estados da nossa região, uma vez que, como no caso do tráfico de cocaína, introduzem o caos nas sociedades, corrompem todas as instituições estatais, provocam altas taxas de violência e morte, acabam com a polícia, e mesmo com as forças armadas, e com a própria política, ou seja, contribuem para degradar estados naquilo a que mais adiante chamaremos modelos de estados atrofiados[49].

A construção do inimigo a partir da seletividade penal favorece o poder financeiro na medida que introduz no outro a máscara de não pessoa. “Somente esta máscara explica por que o vizinho pacífico de ontem se torna subitamente o inimigo a ser reprimido em um genocídio (...)[50]. Ao retirar a humanidade do próximo, trabalha-se a favor do totalitarismo financeiro por dois fatores: pelo incentivo à violência entre os excluídos que dificulta a coalisão política a fim da busca por melhorias políticas, econômicas e sociais; pelo enfraquecimento dos Estados nacionais e das agências penais em razão da violência e da seletividade penal que os acometem.

Todos os elementos mencionados fazem parte do que Zaffaroni[51] menciona como Direito Penal desumano. Para a transposição desse cenário, o autor propõe a construção de um Direito Penal humano, cujas bases serão, doravante, elencadas.

Em um primeiro momento, impende questionar: existe uma criminologia crítica latino-americana? Em que pese não exista a possibilidade de nacionalização de um saber enquanto ciência, decerto a criminologia é elaborada sob influência dos poderes e das características dos locais em que se origina. Por muito tempo os criminólogos críticos latino-americanos foram esquecidos em detrimento da valorização do discurso jurídico-penal central, inapto a lidar com as questões predominantes nos países marginais[52].

Legitimou-se o poder punitivo a partir do uso de qualquer uma das teorias legitimantes disponíveis, em total desconsideração da sua função latente[53]. Em síntese, conforme abordado ainda na década de 1990 na obra Em busca das penas perdidas, na mais evidente desconsideração da dicotomia existente entre “ser” e “dever ser”:

O discurso jurídico-penal é elaborado sobre um texto legal explicitando, mediante os enunciados da “dogmática”, a justificativa e o alcance de uma planificação na forma do “dever ser”, ou seja, como um “ser” que “não é” mas que “deve ser”, ou, o que é o mesmo, como, um ser “que ainda não é”[54].

Os discursos importados se tornam, portanto, incapazes de elaborar um Direito Penal condizente com os direitos humanos, uma vez que descartam a realidade na qual cada país se insere. Disso surge a tarefa do Direito Penal humano de projetar o cumprimento dos direitos humanos, inseridos no âmbito do “dever ser”, na realidade social, “ou seja, promover esse dever ser se torna um ser na sociedade e no planeta, num sentido diametralmente oposto aos interesses do capital financeiro transnacional[55].

Como meio de concretizar esse objetivo, propõe-se a superação do idealismo. Trata-se de tema trabalhado na obra Em busca das penas perdidas, em que Zaffaroni[56] destaca a importância do realismo de Hans Welzel para a construção de um discurso jurídico-penal condizente com a realidade social. Posteriormente, na obra Direito Penal humano, o autor trabalha a imperiosa necessidade de inserção de dados das ciências sociais no Direito Penal, haja vista que este “não poderia empurrar o ser para o dever ser sem ter dados empíricos[57].

Em sequência, é proposta a figura da constitucionalização, isto é, a constitucionalização do Direito Internacional em somatória à internacionalização do Direito Constitucional. Trata-se de movimento atual que opera em lentidão, considerando o enfraquecimento dos órgãos internacionais. Todavia, consiste em movimento adequado ao Direito Penal humano, uma vez que:

(...) por meio do aprofundamento da constitucionalização e internacionalização do direito penal sob a premissa básica de que todo ser humano é uma pessoa, ele necessariamente levará ao privilégio da vida diante da ameaça de sua destruição massiva e, portanto, assumirá por mandato legal positivo sua função de impedir o genocídio e – simultaneamente – de proteger todos os bens legais[58].

Logo, a premissa básica do Direito Penal humano é introduzir o ser humano como centro do Direito Penal. No âmbito jurídico interno, trata-se de aspecto perfeitamente condizente com o fundamento da dignidade da pessoa humana, cuja base reside no ser humano como centro da norma jurídica, impossibilitando sua instrumentalização para outros fins[59].

Faz-se mister destacar que, para que seja concretizada a proposta de Direito Penal humano, deve-se assimilar que toda e qualquer pessoa deve consistir no centro do Direito Penal, o que se choca com a construção do inimigo proposta pela seletividade penal. A pessoa existe independente da lei, não se cria um ser humano por meio de uma construção normativa penal. Portanto, o conceito de pessoa prevalece, enquanto elemento atrelado aos Direitos Humanos, e não pode ser relativizado à vontade do poder[60]

Por fim, retomando a construção do inimigo de acordo com o punitivismo ansiado por cada grupo político-social (conservadores ou progressistas), imprescindível questionar: a lei penal deve ser para ricos ou para pobres? Evidente a existência de sociedades amplamente estratificadas, não se trata, contudo, de punir mais ou menos a depender da classe social que o indivíduo ocupa. Se assim o fosse, “isto seria um simplismo inaceitável que, mais uma vez, cairia no mascaramento de não pessoas das camadas superiores[61]. Ao contrário do que pregam alguns setores da sociedade que se dizem progressistas, a lei penal deve se ater ao ser humano, independente de quem seja, sob pena de se cair, mais uma vez, na proposta de Jakobs de Direito Penal do inimigo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da importância da criminologia garantista clássica – aqui representada por autores como Alessandro Baratta e Luigi Ferrajoli – faz-se necessário compreender o papel que a criminologia crítica desempenha no atual quadro de poder. Por este motivo, optou-se, na pesquisa aqui disposta, pela teoria do Direito Penal humano, desenvolvida por Eugenio Raúl Zaffaroni, como marco teórico apto a lidar com o totalitarismo financeiro que acomete, de forma ainda mais grave, os países situados no hemisfério sul do globo.

O capitalismo financeiro possui como característica sumária a existência de grandes corporações desprovidas de um único dono. Neste, não há de se falar em quantias físicas como a moeda, o ouro ou a prata. Trata-se de valores eletronicamente quantificados e de fácil transferência, o que facilita, ainda mais, a capacidade de rápida transposição territorial que os aparelhos financeiros possuem. A administração dos conglomerados empresariais reside na mão de cúpulas de gestores cujo objetivo principal é o aumento compulsório do lucro, ainda que de forma antiética, sob pena de serem prontamente substituídos.

Nesse cenário, o Direito Penal atua como aparato de auxílio ao poder financeiro dominante: prega-se o discurso amplamente punitivista calcado na seletividade penal e na construção do inimigo, estimula-se a violência nos países marginais e a constante exclusão entre os excluídos. Ao vestir no próximo a máscara de não pessoa, retoma-se a proposta de Jakobs de Direito Penal do inimigo, o que dificulta qualquer hipótese de coalisão política em busca de melhorias políticas, sociais e econômicas. A violência instaurada, reforçada pelo constante sentimento de insegurança – este fortemente propagado pela mídia, empreende o caos nos países marginais, o que beneficia o neocapitalismo pertinente ao totalitarismo financeiro ao enfraquecer os Estados nacionais e ao descredibilizar a política local.

O Direito Penal humano surge como proposta de rompimento desse cenário. Apresenta como elementos: a superação do idealismo, a constitucionalização e o ser humano como centro do Direito Penal. O primeiro consiste na superação do idealismo baseado no “dever ser” em detrimento de uma análise pautada no realismo. Trata-se de tentativa de efetivar os direitos humanos, os quais residem no “dever ser”, na realidade social, isto é, no “ser”. Para tanto, utiliza-se do fenômeno da constitucionalização e da internacionalização dos direitos humanos.

Por fim, propõe-se a inserção do ser humano, independente de quem seja, como centro do Direito Penal – aspecto este condizente com o fundamento da dignidade da pessoa humana. Foram estes os passos para a construção de um Direito Penal humano sugeridos por Zaffaroni. Evidente que quaisquer tentativas de efetivação dos direitos humanos no plano prático operam em lentidão, o que, no entanto, não reduz a importância das propostas zaffaronianas, trazidas neste artigo, a fim de realocar o ser humano como centro da norma penal e, a partir disso, combater, paulatinamente, a seletividade penal intensificada pelo totalitarismo financeiro.

4 Referências

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Notas de Rodapé

[1]     O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

[2]     Bacharel em Direito pela ESDHC. Mestranda em “Intervenção Penal e Garantismo” pela PUC/MG. Integrante do grupo de pesquisa “Direito Penal Contemporâneo: em busca da maior proteção com o menor sacrifício à liberdade”, CNPq. 30535-610, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: gabrielaeresende@yahoo.com.br. https://orcid.org/0000-0001-6378-6619

[3]     Doutor e Mestre em Direito pela PUC/MG, pós-graduado pelo CAD/UGF e graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos. Professor do PPGD da PUC/MG. Coordenador do grupo de pesquisa “Direito Penal Contemporâneo: em busca da maior proteção com o menor sacrifício à liberdade”, CNPq.  30535-610, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: henriquepenal@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-4927-9922

[4]     MARX, Karl, O capital: crítica da economia política (livro I), São Paulo, Boitempo, 2013, p. 278.

[5]     Nas palavras de Gabriel Ignacio Anitua, referida obra “consiste numa das primeiras exposições globais e articuladas do direito penal, do direito processual penal e da criminologia, orientando-se pelos conhecimentos da filosofia política, mas aplicando-os sempre a esta matéria com uma análise evidentemente jurídica”. (ANITUA, Gabriel Ignacio, Histórias dos pensamentos criminológicos, Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 160).

[6]     BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas, São Paulo, Edipro, 2017, p. 10.

[7]     PIERANGELI, José Henrique, ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Manual de direito penal brasileiro: parte geral, 8ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 236.

[8]     ANITUA, Gabriel Ignacio, Histórias dos pensamentos criminológicos, Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008.

[9]     Reforçado pela obra O homem delinquente de Lombroso (LOMBROSO, Cesare, O homem delinquente, São Paulo, Edijur, 2020).

[10]    Sobre o assunto, Anitua dispõe que: “o estudo da criminologia positivista pode ser explicado, de forma bem sintética, com base no “homem delinquente”. Essa denominação seria a de um ente diferenciado, como outra “raça” em tudo diferente dos seres humanos normais” (ANITUA, Gabriel Ignacio, Histórias dos pensamentos criminológicos, Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 297).

[11]    BARATTA, Alessandro, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, Rio de Janeiro, Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 6ª edição, 2021, p. 155-156.

[12]    ANITUA, Gabriel Ignacio, Histórias dos pensamentos criminológicos, Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008.

[13]    BARATTA, Alessandro, Princípios de Direito Penal mínimo: por uma teoria dos direitos humanos como objeto e limite da lei penal, Florianópolis, Habitus, 2019.

[14]    Ibidem, p. 27.

[15]    ANITUA, Gabriel Ignacio, Histórias dos pensamentos criminológicos, Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 732.

[16]    FERRAJOLI, Luigi, Direito e razão: teoria do garantismo penal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 30.

[17]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b.

[18]    Ibidem, p. 21.

[19]    Ibidem.

[20]    Ibidem, p. 23.

[21]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b.

[22]    Riscos estes oriundos do conceito de “Sociedade de Risco”, termo cunhado pelo sociólogo Ulrich Beck (BECK, Ulrich, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade, São Paulo, Editora 34, 2010).

[23]    Finalmente, en la sociedad se ha difundido un exagerado sentimiento de inseguridad, que no parece guardar exclusiva correspondencia con tales riesgos, sino que se ve potenciado por la intensa cobertura mediática de los sucesos peligrosos o lesivos, por las dificultades con que tropieza el ciudadano medio para comprender el acelerado cambio tecnológico y acompasar su vida cotidiana a él, y por la extendida percepción social de que la moderna sociedad tecnológica conlleva una notable transformación de las relaciones y valores sociales y una significativa reducción de la solidaridad colectiva. En suma, todo ese conjunto de factores activa demandas de intervenciones socioestatales que permitan controlar tales riesgos y aplacar tales temores, y a eso se aplica, entre otros mecanismos sociales, la política criminal. (RIPOLLÉS, José Luis Diéz. De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana: un debate desenfocado, In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 16, n. 71, p. 70-125, mar./abr. 2008, disponível em: http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=4739, acesso em: 06 jul. 2022, p. 4, tradução nossa).

[24]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 26.

[25]    Sobre o tema, Zaffaroni destaca: “Mas quando as várias inquisições surgiram, e a caça às bruxas se espalhou pela Europa, pensou-se que somente seres inferiores eram capazes de trair a Cidade de Deus fazendo um pacto com Satanás (o inimigo), e esses seres inferiores eram quase exclusivamente mulheres” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 45). Nesta época, portanto, o inimigo dotado de extrema periculosidade configurava, em suma, mulheres.

[26]    Aspecto que permanece presente, ainda que em desuso, no artigo 14 da Lei de Contravenções Penais (BRASIL, Decreto-lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941, Lei das Contravenções Penais, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm, acesso em: 29 de jul. de 2022).

[27]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p.102.

[28]    JAKOBS, Günther, Direito penal do inimigo: noções e críticas, 2 ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 42.

[29]    Ibidem, p. 42.

[30]    Ibidem.

[31]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p.102.

[32]    Compreendido com o poder exercido pelos órgãos dos sistemas penais sobre setores populacionais mais carentes, bem como sobre aqueles considerados diferentes ou significativamente incômodos (ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Em busca das penas perdidas, 5. ed., Rio de Janeiro: Revan, 2018, p. 23).

[33]    Seletividade penal, doravante, compreendida como a aplicação desigual das normas penais a partir de construções de arquétipos de criminalidade, e não como seleção de bens jurídicos.

[34]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 103.

[35]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Em busca das penas perdidas, 5. ed., Rio de Janeiro: Revan, 2018.

[36]    Ibdem.

[37]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Em busca das penas perdidas, 5. ed., Rio de Janeiro: Revan, 2018, p. 133.

[38]    Ibidem, p. 134.

[39]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 91.

[40]    Ibidem, p. 91.

[41]    BRASIL, Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm, acesso em: 31 de jul. de 2022.

[42]    KARAM, Maria Lúcia, A esquerda punitiva, In: Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, n. 3, Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, 1997, p. 80-81.

[43]    Na perspectiva de Rodrigo José Fuziger, o termo “Direito Penal simbólico” surgiu a partir de atos atinentes ao Direito Penal que “não preconizam uma função instrumental, ou seja, que não terão possibilidade de atingir o efeito prático que se propõem e, por conseguinte, serão incapazes de alcançar o propósito que o legitima. (FUZIGER, Rodrigo Jose, As faces de Jano: o simbolismo no Direito Penal, 2014, Tese (Doutorado em Direito), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-27102016-094544/pt-br.php#:~:text=As%20faces%20de%20Jano%3A%20o%20simbolismo%20no%20direito&text=Esta%20pesquisa%20busca%20lan%C3%A7ar%20bases,simb%C3%B3lica%20dentro%20do%20Direito%20penal, acesso em: 31 de jul. de 2022, p. 13).

[44]    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, Relator: Min. Celso de Mello, 13 de jun. de 2019. Brasília, STF, 2019, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754019240, acesso em: 03 de ago. de 2022.

[45]    BRASIL, Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm, acesso em: 31 de jul. de 2022.

[46]    BRASIL, Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015, Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm, acesso em: 31 de jul. de 2022.

[47]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 30.

[48]    Ibidem.

[49]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 25.

[50]    Ibidem, p. 29.

[51]    Ibidem, p. 31.

[52]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p. 104.

[53]    Ibidem.

[54]    SANTOS, Ílson Dias dos; ZAFFARONI, Eugenio Raúl, A nova crítica criminológica: criminologia em tempos de totalitarismo financeiro, São Paulo, Tirant lo Blanch, 2020.

[55]    Aqui compreendida por como a função verdadeiramente exercida pelo poder punitivo (SANTOS, Ílson Dias dos; ZAFFARONI, Eugenio Raúl, A nova crítica criminológica: criminologia em tempos de totalitarismo financeiro, São Paulo, Tirant lo Blanch, 2020).

[56]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Em busca das penas perdidas, 5. ed., Rio de Janeiro: Revan, 2018, p. 18.

[57]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b.

[58]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Em busca das penas perdidas, 5. ed., Rio de Janeiro: Revan, 2018.

[59]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b, p.98.

[60]    Ibidem, p. 84.

[61]    NOVELINO, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, 15 ed., Salvador, JusPodivm, 2020.

[62]    ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Direito penal humano e poder no século XXI, São Paulo, Tirant lo blanch, 2021b.

[63]    Ibidem, p. 125.