A consensualidade na execução penal: possibilidades e cautelas

Consensuality in criminal execution: possibilities and precautions

DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.20

Recebido/Received 28/04/2023 – Aprovado/Approved 31/05/2023

José Roberto Pimenta Olivera[1] – https://orcid.org/0000-0002-3534-2575

Claudia Braga Tomelin[2] – https://orcid.org/0000-0002-0669-3843

Resumo

O artigo objetiva analisar a aplicação da consensualidade no âmbito da execução penal, notadamente a introdução do termo de ajustamento de conduta (TAC), por meio da Portaria do antigo Departamento Penitenciário Nacional nº 275/2016, e tem como hipótese que tal procedimento poderia representar um avanço em termos de celeridade dos processos internos dos estabelecimentos penitenciários, além de se traduzir em importante ferramenta para dissuasão e prevenção de novos ilícitos disciplinares. Fundamenta-se em uma perspectiva pragmática do Direito Administrativo Sancionador, o qual tem a missão de tutelar o interesse público projetado no ordenamento jurídico em contextos marcados pela complexidade e dinamicidade das relações sociais. A metodologia utilizada foi a promoção de um debate dialético entre textos fundamentais sobre essa área do Direito e a consensualidade, as legislações vigentes e os métodos de utilização da consensualidade no contexto da execução penal, em especial o Termo de Ajustamento de Conduta. Como ponto de partida, defende-se que as sanções disciplinares devem ser compreendidas como instrumentos para a consecução das finalidades públicas que reclamam uma atuação estatal que supere a lógica binária lícito/ilícito, buscando soluções que produzam os melhores resultados para a sociedade. Argumenta-se que o sistema de punições e incentivos que perpassa a execução da pena privativa de liberdade deve levar em conta a potencial dupla função das sanções disciplinares: garantir ordem e disciplina sem deixar de promover a integração social do sentenciado. O texto conclui que a introdução da consensualidade, por meio da citada portaria,  pode ser um instrumento efetivo à disposição da administração penitenciária, mas impõe cautelas em sua aplicação, a fim de não gerar espaço para arbitrariedades. Ademais, conclui que a Portaria nº 275/2016 demanda melhor densificação e detalhamento, para que se justifique o TAC como um exercício de potestades sancionadoras disciplinares apto a promover o interesse público na conformidade de condutas.

Palavras-chave: Execução Penal; Direito Administrativo Sancionador; Pragmatismo; Sanções Disciplinares; Consensualidade; Termo de Ajustamento de Conduta.

Abstract

The article aims to analyze the application of consensuality in the context of criminal execution, particularly the introduction of the term and adjustment of conduct, through the Ordinance of the former National Penitentiary Department nº 275/2016 and has the hypothesis that such a procedure could bring improvements to, at least, the speed of the internal processes of penitentiary establishments. It is based on a pragmatic perspective of Sanctioning Administrative Law, which has the mission of protecting the public interest projected in the legal system in contexts marked by the complexity and dynamism of social relations. The methodology used was the promotion of a dialectical debate between fundamental texts on this area of law and consensus, current legislation and methods of using consensus in the context of criminal execution, in particular the Term of Adjustment of Conduct. As a starting point, it is argued that disciplinary sanctions should be understood as instruments for achieving public purposes that require state action that goes beyond the licit/illicit binary logic, seeking solutions that produce the best results for society. It is argued that the system of punishments and incentives that permeates the execution of the custodial sentence must take into account the potential double function of disciplinary sanctions: guaranteeing order and discipline while promoting the social integration of the convict. The text concludes that the introduction of consensuality by means of the aforementioned ordinance  can be an effective instrument available to the penitentiary administration, but it imposes caution in its application, in order not to generate arbitrariness. Furthermore, it concludes that Ordinance nº 275/2016 demands improvement in terms of densification and detailing, so that the TAC can be justified as an exercise of disciplinary sanctioning powers capalbe of promoting the public interest in the conformity of conduct.

Keywords: Penal Execution; Sanctioning Administrative Law; Pragmatism; Disciplinary Sanctions; Consensuality; Term of Adjustment of Conduct.

Sumário: 1. Introdução; 2. Considerações sobre a consensualidade no Direito Administrativo Sancionador; 3. A consensualidade no Direito Administrativo Sancionador aplicada na execução da pena: possibilidades, limites e desafios; 4. A consensualidade no Sistema Penitenciário Federal: Portaria 275/2016 do DEPEN; 5. Conclusões; 6. Referências.

1  INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o pensamento pragmático vem sendo prestigiado pelo sistema jurídico brasileiro. Ele se faz presente na jurisprudência, na doutrina e, mais recentemente, no direito administrativo positivado[3]. Como teoria do conhecimento, a origem do pragmatismo remonta a estudos dos filósofos Charles Sanders Peirce, William James e John Dewey publicados na intersecção dos séculos XIX e XX[4]. Do campo filosófico espraiou-se para diversos campos científicos, tal como a ciência jurídica. Doutrinariamente, é crescente a investigação jurídico-dogmática sobre o pragmatismo e seus desdobramentos. Alexandre Santos Aragão observa que o pensamento pragmático repercute na compreensão acerca das missões entregues ao Estado, como concretizar o interesse público, visando a melhor realização prática e os menores ônus possíveis, tanto para o Estado como para os cidadãos[5].

José Roberto Pimenta Oliveira e Dinorá Grotti destacam que a chegada da influência do pragmatismo no Direito Administrativo Sancionador veio em busca da eficiência da atividade sancionadora e da efetividade (e legitimidade) de seus modelos institucionais singulares de tutela e concretização de determinados bens jurídicos públicos[6]. José Vicente Santos de Mendonça também percebe esse novo “estilo” do direito administrativo, descrente da centralidade do direito como chave de interpretação da vida econômica, política e social, e que se preocupa com a realização de pesquisas de opinião, textos de psicologia experimental e pesquisas de campo[7].

O presente estudo buscou alinhavar, em linhas gerais, como o pragmatismo – e seus desdobramentos jurídico-conceituais atuais – está influenciando a construção e operação de modelos administrativos sancionadores no campo da atividade disciplinar penitenciária.

A execução da pena privativa de liberdade, em grande medida, realiza-se no âmbito penitenciário, no cárcere, no qual o indivíduo é privado de seu direito de liberdade, nos termos da legislação penal, processual penal e penitenciária em vigor. Cumpre à Administração Penitenciária a gestão do estabelecimento prisional.

Sabidamente, há muito vivencia-se, no Brasil, uma crise do sistema penitenciário. Um de seus demonstrativos é o índice elevado de infrações administrativas penitenciárias, a exigir a adequada resposta institucionalizada. Dentro desse contexto, o pragmatismo (com seus desdobramentos conceituais) pode auxiliar a construir novos arranjos administrativos em busca de maior eficiência na tutela dos interesses públicos que norteiam a execução de penas.

Este estudo tem como hipótese que a introdução de acordos na seara disciplinar pode ser uma inovação promissora, mas exige avaliações quanto à forma, efeitos e limites de sua possível experimentação administrativa. Para tal investigação, elegeu-se uma metodologia dialética, discorrendo sobre a consensualidade no Direito Administrativo Sancionador e sem perder de vista que o esquema sancionatório não pode se pautar por estratégias desconectadas da finalidade da pena e das regras de convivência coletiva. Tratará de analisar a possibilidade de instrumentos consensuais, notadamente o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a serem introduzidos por meio de normas infralegais no curso da execução da pena. Concluindo pela potencial efetividade do consensualismo, fará um breve inventário das cautelas que devem ser observadas na aplicação desse valioso mecanismo de que dispõem as administrações penitenciárias, para que as finalidades públicas da execução penal sejam atingidas. Buscou contribuir com uma avaliação da Portaria 275/2016, do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[8], que prevê a possibilidade de se firmar o uso do TAC em relação às faltas disciplinares de natureza leve e média no âmbito do Sistema Penitenciário Federal. Examinou, ainda, dados acerca do número de termos de ajustamento de conduta e de sanções disciplinares decorrentes de faltas médias e leves firmados no âmbito do Sistema Penitenciário Federal.

No que respeita à Portaria nº 275/2016, foi possível concluir que, ao introduzir a possibilidade de celebração de termo de ajustamento de conduta (TAC) nas faltas médias e leves, referido normativo representa um avanço no sentido de que a atuação da administração penitenciária esteja menos centrada em atos e unilaterais e mais focada na colaboração, com a criação de um ambiente favorável à cooperação. Contudo, a portaria requer aperfeiçoamentos, com a necessidade da previsão de: (1) pressupostos teleológicos, (2)  objetivos esperados com o mecanismo, (3) requisitos procedimentais necessários para a celebração do acordo, (4) conteúdo das cláusulas, (5)  descrição das obrigações assumidas, (6)  seu modo de cumprimento e  (7) sua forma de fiscalização.

Quanto aos dados sobre o número de acordos firmados nos presídios federais, constatou-se a ausência de informações relacionadas à reincidência dos custodiados, que tenham firmado TAC, o que impede avaliar se o mecanismo cumpre a finalidade pública esperada, consubstanciada na prevenção, dissuasão e repressão de faltas disciplinares relevantes para a tutela da ordem, disciplina e para a garantia da reinserção da pessoa privada de liberdade.

2  CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSENSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR

O Direito Administrativo Sancionador compreende, em grande medida, o conjunto de normas jurídicas que disciplinam o exercício de competências estatais sancionadoras. São atribuídas em prol de órgãos e entidades do Poder Executivo no âmbito de todos os entes federativos, bem como em prol de órgãos que exercem funções administrativas no bojo do Poder Legislativo e Judiciário, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal[9]. Acolhe, por conseguinte, o que tradicionalmente se considera o regime jurídico-administrativo de infrações e sanções administrativas.

Como corolário do paradigma do Estado Democrático de Direito, o Direito Administrativo Sancionador submete-se a extenso rol de princípios constitucionais, de índole material e processual. São materiais aqueles que incidem diretamente na relação jurídica sancionadora: eficiência, legalidade, tipicidade, irretroatividade de norma mais prejudicial, retroatividade da norma favorável (conforme justificação ponderada acolhida em lei), imputação adequada (responsabilidade subjetiva, como regra, e responsabilidade objetiva, como exceção), pessoalidade, proporcionalidade e razoabilidade, prescritibilidade e non bis in idem. São princípios processuais os que incidem diretamente na relação jurídico-processual que objetiva a produção do ato sancionador no exercício da função administrativa (nela inserida a denominada jurisdição de contas) ou função jurisdicional não-penal: devido processo legal, imparcialidade, contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, garantia da não auto-responsabilização, inadmissibilidade de provas ilícitas, recorribilidade, definição a priori da competência sancionadora, non bis in idem formal, vedação da reformatio in pejus, motivação e duração razoável do processo[10].

A partir do quadro institucional fundamental ordenado pela Constituição, e complementado ao nível legal, o Direito organiza instituições ao derredor das quais se estruturam os sistemas de responsabilização. Retomando, ao Direito Administrativo Sancionador cabe moldar os sistemas de responsabilização correlacionados com a fiscalização do cumprimento dos diversos regimes administrativos que agasalha, como instrumento de promoção de efetividade e de conformidade.

Não há sistema de responsabilização, em sua completude lógico-jurídica, sem uma segmentação normativa que abranja a fiscalização de condutas intersubjetivas (vista com amplo significado) e consequentes normas de monitoramento, orientação, precaução e repressão. Esse amplo arranjo institucionalizado exige um planejamento de caráter permanente: avaliação, diagnóstico, prognóstico, reavaliação...

O regime disciplinar de execução da pena restritiva de liberdade, em sede de estabelecimento administrativo penitenciário, é típico sistema de responsabilização ao abrigo do Direito Administrativo Sancionador  (DAS). Aqui, o influxo do pensamento pragmático, a busca por melhores e maiores resultados em termos de atendimento de interesses públicos, faz refletir sobre possibilidades e limites de celebração de acordos administrativo.

Segundo Juliana Bonacorsi de Palma, é possível adotar um sentido amplo e um sentido restrito na conceituação da consensualidade. Em sentido amplo, a consensualidade corresponde a qualquer forma de acordo de vontades da Administração Pública. Em sentido restrito, pode ser definida como “técnica de gestão administrativa por meio da qual acordos entre Administração Pública e administrado são firmados com vistas à terminação consensual do processo administrativo pela negociação do exercício do poder de autoridade estatal”[11]. A autora anota que a consensualidade na Administração Pública encontra-se sedimentada em significativa parcela dos sistemas jurídicos do Direito Administrativo[12], no que cita países como Itália, Espanha e Alemanha, cujos ordenamentos jurídicos preveem normas autorizativas de adoção de esquemas consensuais pela Administração. No Brasil, observa que, até a década de 1990, o direito administrativo sancionador conhecia apenas a resposta binária sancionar/não sancionar, o que evidencia a cultura repressiva tradicional do direito administrativo, marcada pelo princípio da legalidade estrita e pela dicotomia interesse público versus interesse privado[13].

A visão tradicional do direito administrativo e seus institutos foi (e ainda é) uma geradora de obstáculos à viabilidade jurídica de a administração pública transacionar com o particular. O obstáculo na aceitação das vias negociais administrativas pode ser atribuído à interpretação do princípio da indisponibilidade do interesse público e da inafastabilidade das prerrogativas públicas[14].

Moreira Neto lança uma nova perspectiva sobre o tema: o interesse público é inegociável, mas são passíveis de negociação os modos de atingi-lo com maior eficiência.  Assim, os interesses públicos subjacentes a determinado conflito coexistem com o interesse público de compô-lo.  O autor assim expõe o seu pensamento:

Esse interesse em dirimir o conflito, e retornar à normalidade nas relações sujeitas à disciplina administrativa, é indubitavelmente da maior importância, tanto na esfera social como na econômica, justificando que sejam encontrados modos alternativos de atendimento ao interesse público envolvido, que não aqueles que deveriam ser unilateralmente aplicados pelo Poder Público[15].

Palma, dentro de sua defesa do reconhecimento da consensualidade como técnica de gestão, define que a consensualidade é formada por dois componentes básicos: (i)  um viés cidadão, na medida em  que a atuação consensual da Administração Pública promove maior abertura do processo administrativo à manifestação dos particulares, com valorização do civismo; (ii) um viés pragmático, que se relaciona à eficiência, consistindo os acordos em efetivas válvulas de escape a determinadas disfuncionalidades da atuação administrativa. Segundo essa perspectiva, os mecanismos consensuais podem se mostrar mais eficientes no caso concreto, quando comparados com atos imperativos e unilaterais[16].

Extrai-se da produção acadêmica sobre o tema o forte vínculo entre consensualismo e pragmatismo como instrumentos voltados ao cumprimento, com eficiência[17], das missões entregues à Administração Pública[18].

Com efeito, surgiram iniciativas institucionais, estaduais e municipais que visaram introduzir mecanismos consensuais no sistema disciplinar e conferir racionalidade ao sistema de sanções, levando em conta a necessidade de se imprimir eficiência e celeridade aos procedimentos. Almejou-se, também, alcançar resultados práticos mais efetivos, ao mesmo passo que fórmulas binárias (punição versus não punição) passaram a ser rejeitadas na apreciação das comissões disciplinares[19]. Dignas de nota são as considerações de Ana Sofia Schmidt, Procuradora do Estado de São Paulo, sobre a consensualidade na perspectiva da “justiça restaurativa”, na seara disciplinar:

Como o paradigma punitivo apresenta sempre a mesma resposta para qualquer tipo de conduta que possa ser vista como infração disciplinar, acaba por colocar na esteira rolante uma quantidade enorme de casos. Casos graves e casos irrelevantes formam, juntos, as pilhas de processos que lotam as mesas e armários e desafiam a cada dia a resistência física e intelectual de todos os que atuam nessa linha de produção.

Dois graves problemas podem ser desde logo identificados [...] O primeiro é a mecanização dos procedimentos. [...] O objetivo passa a ser resolver os processos e não resolver os problemas que deram causa aos processos.

O outro problema é que, por ter apenas um remédio para todos os males, o paradigma punitivo não reconhece as particularidades de cada caso. [...]

O paradigma punitivo é, portanto, suficiente e adequado para responder às perguntas fáceis acerca do funcionamento do sistema disciplinar, mas se mostra insuficiente para responder às perguntas difíceis. Para isso, é preciso um novo olhar. Por intermédio desse novo olhar, o fato que a perspectiva punitiva reduz desde logo a uma “infração disciplinar” recupera sua complexidade; é um problema que pode ser analisado por vários ângulos, além do jurídico. A aplicação da sanção afigura-se como uma das possibilidades. [...]

Se não é possível, em nosso atual estágio civilizatório, abdicar do castigo como estratégia para obter a adesão às normas é preciso, ao menos, desconstruir o significado e o alcance do paradigma punitivo[20].

A teoria da responsividade é voltada para orientar a prática da regulação, com vistas a prevenir e combater, com eficiência e efetividade, infrações cometidas por agentes privados em diversos setores regulados. Embora a teoria tenha surgido no contexto da regulação econômico-social, impregnada pelo pragmatismo norte-americano, os estudos podem ser analisados para o aperfeiçoamento da atuação sancionatória da administração pública nas suas diferentes facetas, inclusive no campo penitenciário.

O modelo, que passou por refinamentos, sugere que punir é caro e persuadir é barato e propõe que o regulador disponha de uma combinação ótima e flexível de instrumentos persuasivos e punitivos, que se distribuam em pirâmides regulatórias cuja base seria composta de medidas essencialmente persuasivas, se tornando mais severas quanto mais próximas do vértice. A partir de estudos realizados por Ian Ayres e John Braithwaite, os autores concluíram que nas sociedades atuais, complexas e dinâmicas, não há como conceber soluções regulatórias genéricas em abstrato, dissociadas das peculiaridades de cada setor econômico-social e do comportamento de cada agente regulado. Técnicas sancionatórias voltadas exclusivamente à punição podem desestimular os agentes regulados responsáveis a ajustarem o seu comportamento às normas, passando a adotar postura beligerante em relação ao agente regulador. Deve haver uma combinação ótima entre as diferentes estratégias para se alcançar a execução da lei, em atendimento aos fins da regulação[21].

Lançando mão dessa base teórica, a responsividade influi no Direito Administrativo Sancionador uma lógica de flexibilidade que permitiria, às autoridades administrativas, múltiplas respostas aos descumprimentos a dispositivos regulamentares pelos sujeitos submetidos ao sistema de responsabilização. Contexto em que praticado o ilícito, disposição do autor em colaborar com a administração e em reconhecer o erro, gravidade da conduta, entre outras circunstâncias, teriam relevância nas tomadas de decisão.

Trata-se de produzir uma mudança de paradigma no modelo administrativo sancionador disciplinar, construído sobre o “controle e comando”, alterando-o para modelos impregnados de discricionariedade no enfrentamento de condutas irregulares. É nessa perspectiva que o pragmatismo da responsividade se encontra com a prática e disseminação da consensualidade, pois o consenso e o diálogo entre as partes interessadas está entrevisto como forma de ação preponderante para obter eficiência.

Feita essa incursão sobre a introdução da consensualidade no DAS, passaremos a abordar esse importante mecanismo no processo de execução da pena descrito na Lei de Execução Penal (LEP)[22], cuja natureza jurídica híbrida[23] atrai a incidência da dogmática do Direito Administrativo Sancionador. 

3  A CONSENSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR APLICADO NA EXECUÇÃO DA PENA: POSSIBILIDADES, LIMITES E DESAFIOS

Organismos internacionais têm reconhecido a importância da consensualidade como ferramenta possível na engrenagem do sistema disciplinar no ambiente intramuros. As Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos, conhecidas como “Regras de Mandela”, dão realce às medidas alternativas para a superação de conflitos no ambiente prisional e para prevenir infrações administrativas. Lê-se: “As administrações prisionais são encorajadas a utilizar, na medida do possível, a prevenção de conflitos, a mediação ou outro mecanismo alternativo de resolução de conflitos para prevenir infrações disciplinares ou para resolver conflitos”[24].

Por outro lado, em publicação do Observatório Europeu das Prisões, Marie Crétenot ressalta que nenhum país europeu tem consagrado em lei o princípio de dar prioridade a mecanismos de restauração e de mediação para resolver conflitos, em alternativa à aplicação de sanções disciplinares[25], o que é demonstrativo das dificuldades de alteração de processos institucionais no campo penitenciário.

Ainda, a introdução, execução, avaliação e extinção de formas consensuais de conflitos na esfera administrativa encontra limite nos princípios constitucionais da Administração Pública. A legalidade segue como princípio fundamental no Estado Constitucional estruturante das relações jurídico-administrativas, como meio de sustentação de quaisquer competências públicas. É certo que, em termos de fontes normativas, o DAS admite colaboração regulamentar, mas, em seu domínio, cabe precipuamente à lei dispor sobre a estrutura do sistema de responsabilização, relativamente a cada elemento que a sustenta, em matéria de bens jurídicos, tipificação de condutas ilícitas, cominação de sanções (incluindo eventuais medidas acautelatórias) e direitos e garantias processuais[26]. Logo, a previsão de mecanismos de resolução consensual de conflitos na esfera administrativa em norma infralegal somente é possível, em nosso ordenamento jurídico, se houver habilitação prévia.

Oliveira e Grotti advertem que, no caso da Instrução Normativa 4/2020[27], responsável pela atual disciplina do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no âmbito do sistema disciplinar dos servidores do Poder Executivo Federal, viola-se o princípio da legalidade[28]. Isso porque uma norma regulamentar administrativa que crie competências sancionadoras e, portanto, preveja meios alternativos às sanções disciplinares, deve ser precedida de autorização prevista em lei em sentido formal. De fato, além de a Lei 8.112/90, que “dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”[29], não prever mecanismos de consensualidade, é ainda omissa em relação à possibilidade de atos infralegais regulamentarem infrações disciplinares e formas consensuais de conflitos[30].

No caso do sistema disciplinar penitenciário, cabe destacar, de início, que a modelagem sancionatória delineada pela Lei de Execução Penal adota parâmetro de legalidade distinto daquele prevalecente no Direito Penal, que exige lei em sentido formal para a criação de delitos e penas. A Constituição estabelece que a lei federal veiculará normas gerais de direito penitenciário (art. 24, I, § 1º CF/88), enquanto que a LEP disciplina as faltas graves nos artigos 50 a 52 e outorga à “legislação local” a incumbência de tipificação de infrações leves e médias e sanções correlatas.

Aqui, entendemos que a chamada “legislação local” deve ser compreendida em sentido amplo, não se restringindo à lei em sentido formal, votada pelo poder legislativo. A razão é que a própria LEP autoriza a previsão de faltas leves e médias por ato infralegal, conforme se depreende de seu artigo 45: “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar” (grifo nosso)[31]. Trata-se de uma habilitação regulamentar adequada, pois a realidade administrativa que os sistemas disciplinares penitenciários enfrentam justifica essa flexibilidade tipificatória de ilícitos disciplinares.

Esse tratamento na LEP enseja diversidade de prática administrativa penitenciária na Federação Brasileira.  Assim, por exemplo, enquanto no Distrito Federal as faltas leves e médias estão disciplinadas no Código Penitenciário Distrital[32], ou seja, em lei em sentido formal, no Estado de São Paulo as faltas da mesma natureza e respectivas sanções estão previstas em ato infralegal, no Regimento Interno Padrão dos estabelecimentos penais[33].

A colaboração regulamentar, todavia, tem limites. Solução diversa haverá de aplicar-se no tocante à sanção, uma vez que o regulamento não deve alcançar a criação de sanções, que sempre exige prévia definição legislativa. Admitir inovação sancionatória, de caráter primário, por atos infralegais locais, implica contrariar, visceralmente, o conteúdo mínimo de segurança jurídica alocado no princípio da legalidade. Nesse aspecto, a LEP atende razoavelmente à exigência da legalidade, no tocante à fixação das sanções, em seu artigo 53, que define no que se constituem as chamadas sanções disciplinares (“I – advertência verbal; II – repreensão; III – suspensão ou restrição de direitos (art. 41); IV – isolamento na própria cela, ou em local adequado [...] observado o disposto no art. 88; V – inclusão no regime disciplinar diferenciado”). Se a LEP autoriza tipificação de infrações leves e médias a exigir reação sancionadora unilateral, entende-se, então, estarem também habilitadas soluções consensuais no campo sancionador por parte da autoridade administrativa competente.

Superada essa barreira, cumpre discorrer sobre o problema da tipificação de ilícitos no DAS disciplinar, cujos tipos infracionais costumam ser permeados de conceitos jurídicos indeterminados, como utilização de tipos em branco ou tipos remissivos[34].

Deficiência tipificatória é problema crônico em sistemas de responsabilização administrativa de caráter disciplinar no Brasil. Na seara penal, tem sido observada a larga utilização de tipos penais abertos, com muitos elementos que exigem valoração e com emprego de vocábulos incertos, como é o caso, segundo consideração de Souza[35], da nova lei de abuso de autoridade (Lei n. 13.869/2019). É preciso ter atenção para que o mecanismo da consensualidade não sirva de “válvula de escape” para contornar esse problema, o qual exige enfrentamento, tanto no meio acadêmico, quanto na produção do direito (produção normativa, jurisprudência, e no “chão de fábrica” que aplica a legislação nos casos concretos).

A introdução da consensualidade requer esforços por parte da Administração Penitenciária na fase de instauração de processos disciplinares, com a análise das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada contexto infracional para avaliação da possibilidade de oferecimento de acordo. Essas preocupações acerca da tipicidade e da necessidade de  análise contextual, pragmática, consequencialista e cuidadosa das circunstâncias de fato e de direito, como pressupostos para a formalização de acordo, são apenas algumas de tantas outras que merecem atenção por parte de todos os que lidam com a Administração da Justiça, incluindo servidores, defensores públicos, advogados, membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, a fim de que novas formas de resposta a transgressões disciplinares cumpram o papel dele esperado e não gere espaço para outras e piores disfuncionalidades.

É certo que mecanismos pragmáticos podem gerar riscos para a higidez do sistema disciplinar penitenciário, em que as assimetrias entre presos e agentes penitenciários assumem dimensões maiores diante do caráter precário, instável e conflituoso da vida prisional, abrindo margem para arbitrariedades e abusos. Por essa razão, faz-se necessário que o sistema de sanções, incluindo formas consensuais de conflito, seja submetido a mecanismos externos de fiscalização, operados pelo campo da Justiça. Possibilidade de práticas de corrupção devem ser avaliadas e o marco regulatório de novas formas de consensualidade deve ser aperfeiçoado sobre bases que incentivem transparência, objetividade e integridade no seu manuseio.

4  A CONSENSUALIDADE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL: A PORTARIA 275/2016 DO DEPEN

Antes de ingressar no conteúdo proposto no tópico, convém abordar, brevemente, características do sistema penitenciário federal que o diferem do sistema prisional comum, presente nos estados. Seu regime de segurança é mais rigoroso e tem mais restrições.

Walter Nunes (2020, p. 110), Juiz Corregedor do Presídio Federal de Mossoró/RN e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, destaca que os presídios federais, conforme previsão no artigo 52, § 2º da LEP,  foram criados com a finalidade de isolar lideranças das organizações criminosas e impedir que os presos do sistema penitenciário federal criem facções, fortaleçam as existentes ou utilizem o estabelecimento como “escritório do crime”, uma realidade presente nos sistemas estaduais[36].

Por essa razão, a inclusão no sistema é medida excepcional e temporária. Apesar do regime rigoroso, os direitos básicos previstos nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos devem ser observadas.

Foi justamente no âmbito de um regime rigoroso como o do sistema penitenciário federal que surgiu a necessidade de privilegiar a instrumentalidade das sanções disciplinares. A Portaria nº 88, do antigo Departamento Penitenciário Nacional, criou um Grupo de Trabalho composto por Agentes Penitenciários Federais e Defensores Públicos da União com o objetivo de discutir e subsidiar a elaboração de projeto normativo de Procedimento Disciplinar de Interno, no âmbito do Sistema Penitenciário Federal[37]. Previa também a possibilidade de avaliar a aplicação de meios alternativos para mediação de conflitos nos casos de faltas leves e médias, visando tornar mais céleres os procedimentos disciplinares. Cinco anos mais tarde, o antigo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) publica a Portaria nº 275, que “condiciona os presos condenados ou provisórios que se encontram nos estabelecimentos penais federais no Sistema Penitenciário Federal à disciplina carcerária e dá outras providências”. Seu artigo 9º contemplou a consensualidade, ainda que de forma lacônica,  por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)[38].

Art. 9º. Em se tratando de falta disciplinar de natureza leve ou média e, analisando-se que o preso possui conduta carcerária considerada ótima ou boa, nos termos dos artigos 49, inciso I e II, 50 e 51 ou que já tenha sua conduta reabilitada, conforme disposição do artigo 54, a critério da Direção da unidade, poder-se-á ser firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC);

§ 1º O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é o instrumento pelo qual o preso interessado declara estar ciente da infração cometida, culposa ou dolosamente comprometendo-se a ajustar a conduta em observância aos deveres e proibições previstas na legislação vigente.

§ 2º Com a assinatura do TAC o procedimento disciplinar ficará suspenso pelo prazo de 06 (seis meses).

§ 3º Decorrido o prazo de 06 (seis) meses sem cometimento de nenhuma infração disciplinar, extinguir-se-á a punibilidade disciplinar e o preso poderá ser beneficiado por um novo TAC.

Esse regramento do TAC aplica-se exclusivamente ao modelo disciplinar do sistema penitenciário federal e tem como pressuposto objetivo a constatação da prática de infração de natureza média e leve, que não é definida na LEP, mas encontra definição no Decreto nº 6.049/2007, que aprova o Regulamento Penitenciário Federal, nos artigos 43 e 44:

Art. 43. Considera-se falta de natureza leve: I – comunicar-se com visitantes sem a devida autorização; II – manusear equipamento de trabalho sem autorização ou sem conhecimento do encarregado, mesmo a pretexto de reparos ou limpeza; III – utilizar-se de bens de propriedade do Estado, de forma diversa para a qual recebeu; IV – estar indevidamente trajado; V – usar material de serviço para finalidade diversa da qual foi prevista, se o fato não estiver previsto como falta grave; VI – remeter correspondência, sem registro regular pelo setor competente; VII – provocar perturbações com ruídos e vozerios ou vaias; e VIII – desrespeito às demais normas de funcionamento do estabelecimento penal federal, quando não configurar outra classe de falta.

Art. 44. Considera-se falta de natureza média: I – atuar de maneira inconveniente, faltando com os deveres de urbanidade frente às autoridades, aos funcionários, a outros sentenciados ou aos particulares no âmbito do estabelecimento penal federal; II – fabricar, fornecer ou ter consigo objeto ou material cuja posse seja proibida em ato normativo do Departamento Penitenciário Nacional; III – desviar ou ocultar objetos cuja guarda lhe tenha sido confiada; IV – simular doença para eximir-se de dever legal ou regulamentar; V – divulgar notícia que possa perturbar a ordem ou disciplina; VI – dificultar a vigilância em qualquer dependência do estabelecimento penal federal; VII – perturbar a jornada de trabalho, a realização de tarefas, o repouso noturno ou a recreação; VIII – inobservar os princípios de higiene pessoal, da cela e das demais dependências do estabelecimento penal federal;  IX – portar ou ter, em qualquer lugar do estabelecimento penal federal, dinheiro ou título de crédito; X – praticar fato previsto como crime culposo ou contravenção, sem prejuízo da sanção penal; XI – comunicar-se com presos em cela disciplinar ou regime disciplinar diferenciado ou entregar-lhes qualquer objeto, sem autorização; XII – opor-se à ordem de contagem da população carcerária, não respondendo ao sinal convencional da autoridade competente; XIII – recusar-se a deixar a cela, quando determinado, mantendo-se em atitude de rebeldia; XIV – praticar atos de comércio de qualquer natureza; XV – faltar com a verdade para obter vantagem; XVI – transitar ou permanecer em locais não autorizados; XVII – não se submeter às requisições administrativas, judiciais e policiais; XVIII – descumprir as datas e horários das rotinas estipuladas pela administração para quaisquer atividades no estabelecimento penal federal; e XIX – ofender os incisos I, III, IV a X do art. 39 da Lei nº 7.210, de 1984[39].

Por outro lado, a Portaria 275 nada dispõe sobre os pressupostos teleológicos do TAC, desperdiçando a oportunidade de realçar os objetivos esperados com o mecanismo. Tampouco dispõe sobre os requisitos procedimentais necessários para a celebração do acordo, o conteúdo das cláusulas, a descrição das obrigações que possam ser assumidas, seu modo de cumprimento e forma de fiscalizá-las. Limita-se a prescrever que, por meio do acordo, o preso se compromete a ajustar a conduta em observância aos deveres e proibições previstas na legislação vigente, lançando mão de remissão indeterminada.

Esta análise evidencia que a Portaria necessita de urgente atualização, melhor densificação e detalhamento, para que se justifique o TAC como um exercício de potestades sancionadoras disciplinares apto a promover o interesse público na conformidade de condutas. Não se pode admitir sua utilização como mero impeditivo para instauração de processos disciplinares, visando reduzir custos administrativos, o que abriria margem para disfuncionalidades várias, incluindo violação de direitos.

A fim de melhor analisar a experiência do sistema federal penitenciário com a consensualidade, solicitou-se ao DEPEN, por meio da Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à informação Fala.BR[40], o número de TACs e de sanções disciplinares decorrentes de faltas médias e leves firmados no Sistema Penitenciário Federal, no período de 1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2022. Também foram solicitados dados relacionados a reincidência dos custodiados que tenham celebrado TACs no referido período.

Há cinco presídios federais distribuídos pelo território, em Catanduvas-PR, Campo Grande-MS, Porto Velho-RO, Mossoró-RN e Brasília-DF. As unidades de Mossoró/RN e de Catanduvas/PR não firmaram Termos de Ajustamento de Conduta no período solicitado. O artigo 9º da Portaria DEPEN nº 275 estabelece que o TAC será firmado “a critério da Direção da unidade”, autorizando o entendimento de que se trata de uma faculdade. Os dados concernentes às unidades de Campo Grande, Porto Velho e Brasília seguem demonstrados nos gráficos abaixo:

Número de sanções (faltas leves e médias) e TACs – Penitenciária Federal de Campo Grande-MS

Número de sanções (faltas leves e médias) e TACs – Penitenciária Federal de Porto Velho-RO

Número de sanções (faltas leves e médias) e TACs – Penitenciária Federal de Brasília

Nos anos de 2017 e 2018 inexistia o Setor de Conselho de Disciplina.

Nota-se que nas unidades de Brasília e de Campo Grande o número de acordos firmados é consideravelmente maior que o número de sanções aplicadas. Apenas a de Porto Velho registra número de sanções consideravelmente superior ao de acordos firmados, mas não há informações disponíveis para avaliar a razão dessa discrepância, como óbice legal para a celebração de acordo substitutivo de sanção (caso da reincidência) ou resistência da Administração Penitenciária da unidade à consensualidade.

Não se obteve resposta sobre os dados relacionados à reincidência dos custodiados que tenham firmado o TAC no período solicitado. Trata-se de lacuna que precisa ser preenchida a fim de avaliar se o mecanismo cumpre a finalidade pública esperada, consubstanciada na prevenção, dissuasão e repressão de faltas disciplinares relevantes para a tutela da ordem, disciplina e para a garantia da reinserção dos custodiados.

Apesar da atual carência de dados sobre os resultados práticos da utilização do Termo de Ajustamento de Conduta no procedimento de apuração de faltas disciplinares no âmbito do sistema penitenciário federal, considera-se que a introdução dessa ferramenta pode ser um avanço em busca de eficiência administrativa. Entretanto, há de se ter cautela com sua aplicação, pois a consensualização não é uma simples alternativa à sanção disciplinar[41] e nem pode ser utilizada como forma de superar problemas estruturais do esquema sancionatório, como falta de pessoal, visando apenas uma redução de custos.

Requer, antes de mais nada, profundo e sistemático conhecimento sobre o processo disciplinar penitenciário conduzido por servidores, cujos processos formativos devem ser compostos por uma estrutura curricular equilibrada, que não só contemple aspectos voltados à ordem e à disciplina, mas também conteúdos que privilegiem uma visão voltada à reinserção social dos apenados[42].

Além disso, a opção pela consensualidade no campo disciplinar penitenciário deve ser seguida por uma política de monitoramento e avaliação, com vistas ao seu aperfeiçoamento, a fim de aquilatar se os acordos firmados estão cumprindo a finalidade desejada. A avaliação não pode levar em conta exclusivamente aspectos de economicidade e eficiência processual no exercício das funções correicionais. Deve considerar, também, se a ferramenta tem sido útil para a dissuasão e prevenção de novos ilícitos administrativos, o que pode ser melhor mensurado com dados sobre reincidência de custodiados beneficiados pelo TAC.

Se concordarmos que prevenir é menos custoso do que punir, uma reflexão cuidadosa sobre a eficácia, eficiência e efetividade do TAC no sistema disciplinar penitenciário não pode ser negligenciada.

5  CONCLUSÕES

1. A consensualidade deve ser reconhecida como uma técnica de gestão cujo instrumento de formalização corresponde ao acordo administrativo. Seu objetivo é satisfazer as finalidades públicas à disposição da Administração Pública.

2. Há forte vínculo entre consensualismo e pragmatismo. Sua mescla pode se traduzir em cumprimento das finalidades públicas atribuídas à Administração Pública de forma eficiente e legítima.

3. No Brasil, o consensualismo está relacionado ao princípio constitucional da eficiência. Observa-se a tendência desse instrumento em diversos campos do Direito Administrativo que acompanharam o Direito Penal rumo a mecanismos consensuais de resolução de conflitos.

4. A visão restrita sobre a indisponibilidade do interesse público e a inafastabilidade de prerrogativas públicas é um obstáculo à aceitação de vias negociais administrativas.

5. As ideais da consensualidade alcançaram o direito administrativo disciplinar. É o que se percebe com o surgimento de uma multiplicidade de iniciativas normativas estaduais e municipais que introduziram mecanismos consensuais no sistema disciplinar, visando conferir racionalidade ao sistema de sanções e alcançar resultados práticos mais efetivos.

6. Mecanismos consensuais de resolução de conflito interessam de perto os estudos do processo de execução da pena descrito na LEP, já que há um sistema de responsabilização sancionatório disciplinar que perpassa a execução da pena.

7. A Lei de Execução Penal não previu a consensualidade no seu modelo sancionador, que se traduz em delimitação de faltas graves, médias e leves e respectivas sanções. Apesar disso, a consensualidade pode ser contemplada em ato infralegal, tal qual a Portaria nº 275/2016 do DEPEN, que introduziu o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em relação às faltas médias e leves aplicadas no sistema federal disciplinar. Isso é possível devido à própria LEP outorgar à “legislação local” a incumbência de tipificação de infrações médias e leves. Por força de seu artigo 45, “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar” (grifo nosso), o significado de “legislação local” deve ser compreendido em sentido amplo.

8. A consensualidade, na seara disciplinar penitenciária, não pode servir de “válvula de escape” para o problema das tipificações abertas ou de falta de pessoal. Antes de tudo, requer esforços por parte das administrações penitenciárias, na fase de instauração de processos disciplinares, de analisar as circunstâncias fáticas e jurídicas de cada contexto infracional, com o fim de garantir que esse  mecanismo alcance resultados em termos de maior efetividade e eficiência no sistema sancionador disciplinar.

9. O TAC traduz um pensamento convergente com o método pragmático, rejeitando fórmulas pré-definidas para os problemas de disciplina detectados no ambiente carcerário, levando em conta o conjunto de circunstâncias específicas que envolvem cada caso.

10. Embora represente um avanço no sentido de buscar formas de responsabilização superadoras da lógica binária ilícito/sanção, a Portaria nº 275/2016 do DEPEN afigura-se lacunosa quanto aos aspectos teleológicos do acordo, aos requisitos procedimentais necessários para a sua celebração, ao conteúdo de suas cláusulas, ao monitoramento e à fiscalização de seu cumprimento. Nessa toada, conclui-se pela necessidade de sua alteração, a fim de melhor densificação e detalhamento de seus dispositivos, para que se justifique o TAC como um exercício de potestades sancionadoras disciplinares apto a promover o interesse público na conformidade de condutas.

11. Conclui-se, ainda, pela necessidade de a Secretaria Nacional de Políticas Penais (antigo Departamento Penitenciário Nacional) empreender esforços direcionados a documentar e publicar dados sobre a reincidência dos apenados que tenham celebrado TAC no âmbito do sistema penitenciário federal, a fim de possibilitar a avaliação da efetividade do instrumento, e garantir transparência dos atos da administração.

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Notas de Rodapé

[1]     Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, líder do grupo de pesquisa Direito e Corrupção (PUC-SP/CNPq), presidente do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro, Procurador Regional da República na 3ª Região, professor de Direito Administrativo na PUC-SP, São Paulo, Brasil, e-mail: jroliveira@pucsp.br, https://orcid.org/0000-0002-3534-2575.

[2]     Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (IDASAN), mestranda em Direito na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil, e-mail: claudia.tomelin@gmail.com, https://orcid.org/0000-0002-0669-3843.

[3]     Um reflexo desse movimento seria a Lei nº 13.655/2018, que “Inclui no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público”. Brasil, Presidência da República, Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13655.htm, acesso em: 21 abr. 2023.

[4]     Sobre o tema, ver: Dewey, John, “O desenvolvimento do pragmatismo americano”, Scientiae Studia, 5(2), 2007, pp. 227-243, disponível em: https://doi.org/10.1590/S1678-31662007000200006, acesso em: 21 abr. 2023.

[5]     Aragão, Alexandre Santos de, “Interpretação consequencialista e análise econômica do direito público à luz dos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade”, in Binenbojm, Gustavo, Souza Neto, Claudio Pereira de, Sarnento, Daniel, Vinte anos da Constituição Federal de 1988, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009.

[6]     Oliveira, José Roberto Pimenta, Grotti, Dinorá Adelaide Musetti, “Direito administrativo sancionador brasileiro: breve evolução, identidade, abrangência e funcionalidades”, Revista Interesse Público, ano 22, n. 120, mar./abr., 2020, p. 92.

[7]       Mendonça, José Vicente Santos de, “A verdadeira mudança de paradigmas do direito administrativo brasileiro: do estilo tradicional ao novo estilo”, Revista de Direito Administrativo, v. 265, Rio de Janeiro, 2014, p. 189.

[8]     Brasil, Ministério da Justiça e Segurança Pública, “Portaria nº 275, de 10 de maio de 2016”, Diário Oficial da União, seção 1, 13/05/2016, p. 67-68.

[9]     Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso: 06 nov. 2022.

[10]     Embora a principiologia citada não seja diretamente do Direito Penal, tem nele e em sua dogmática inspiração, devido ao seu longevo desenvolvimento doutrinário e pelo grau elevado de institucionalização de suas normas que disciplinam o jus puniendi relativo ao status libertatis do ser humano.

[11]    Palma, Juliana Bonacorsi, Sanção e acordo na Administração Pública, São Paulo, Malheiros, 2015, pp. 111-112.

[12]    Ibidem, p. 100.

[13]      Sobre esse tema, conferir Sarmento, Daniel, org., Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.

[14]    Palma, ibidem, p. 278. A indisponibilidade de interesses públicos é princípio constitucional do Direito Administrativo Brasileiro. Isso significa que deve haver justificação constitucional para qualquer modelo, sistema, arranjo, prática etc. administrativos, vocacionados à tutela de interesses públicos. Isso não deve vedar o legislador a instituir potestades consensualizadas no campo do DAS. O que o princípio exige é a ampla fundamentação de formas de atuação consensualizada no campo das garantias institucionalizadas, construídas para assegurar a legalidade formal e material da atuação administrativa.

[15]    Moreira Neto, Diogo de Figueiredo, “Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa”, Revista de Direito Administrativo, 2003, p. 154.

[16]    PALMA, ibidem, p. 112.

[17]      Sobre esse conceito, Odete Medauar ensina que a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. Liga-se à ideia de ação para produção de resultado rápido e preciso. Contrapõe-se à ideia de lentidão, descaso, negligência e omissão. Medauar, Odete, Direito Administrativo Moderno, Belo Horizonte, Fórum, 2018, p. 127.  Aragão adverte que “a eficiência não pode ser entendida apenas como maximização de lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo que incumbem ao Estado”. Aragão, ibidem, 2009. Palma destaca o caráter de conceito jurídico indeterminado inerente à eficiência. Aponta três relevantes interpretações: (i) eficiência como sinônimo de “boa administração; (ii) eficiência como comando de otimização das decisões administrativas; (iii) eficiência como dever de escolha do meio mais adequado para determinar decisões no caso concreto, enfocando o caráter instrumental do direito administrativo e seus institutos. Palma, ibidem, p. 120.

[18]    Nesse sentido, conferir: Moreira Neto, ibidem; Aragão, Alexandre Santos de, “A consensualidade no Direito Administrativo: Acordos regulatórios e contratos administrativos”, Revista de Informação Legislativa, n. 167 jul/ set. 2005; Ferraz, Luciano, “Controle consensual da Administração Pública e suspensão do processo administrativo disciplinar (SUSPAD) – a experiência do Município de Belo Horizonte”, Interesse Público, v. 44,  2007; Oliveira, Gustavo Justino de, Schwanka, Cristiane, “A administração consensual como a nova face da administração pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação”, A&C Revista de Direito Administrativo & Constitucional, ano 8, n. 32, 2008; Mello, Shirlei Silmara de Freitas, “Inflexões do princípio da eficiência no processo administrativo disciplinar federal: tutela de urgência (afastamento preventivo) e controle consensual (suspensão do processo e ajustamento de conduta)”, Fórum Administrativo, ano 11, n. 126, 2011; Palma, ibidem; Sady, André, Greco, Rodrigo Azevedo, “Termo de ajustamento de conduta em procedimentos sancionatórios regulatório”, Revista de Informação Legislativa, v. LII, 2015; Marques, Sylvia Bitencourt Valle, Lima, Isaura Alberton de, “O Termo de Ajustamento de conduta como Mecanismo de Eficiência na Gestão Pública”, Revista Práticas em Gestão Pública Universitária, ano 6, v. 6, n. 1, jan-jun, 2022; Oliveira, José Roberto Pimenta, Grotti, Dinorá Adelaide Musetti, “Consensualidade no Direito Administrativo Sancionador: Breve Análise do Ajustamento Disciplinar”, in Direito Administrativo Sancionador Disciplinar, Rio de Janeiro, CEEJ, 2021.

[19]      Entre as iniciativas pioneiras, podemos citar a instituição da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar (SUSPAD), por meio da Lei nº 9.310/06 (regulamentada pelo Decreto n. 12.636/07) do município de Belo Horizonte. Segundo leitura do professor Luciano Ferraz, os objetivos centrais da SUSPAD consistiram em (i) desburocratizar e tornar menos dispendiosos os processos de controle disciplinar; (ii) conferir maior celeridade aos processos instaurados pela Corregedoria; (iii) permitir a auto-recuperação do servidor nas infrações de baixa lesividade à disciplina interna da Administração. Ferraz, Luciano, “Controle consensual da Administração Pública e suspensão do processo administrativo disciplinar (SUSPAD) – a experiência do município de Belo Horizonte”, Interesse Público, v. 9, n. 44, jul./ago., 2007.

[20]    Oliveira, Ana Sofia Schmidt de, “Superando o paradigma punitivo. Por um procedimento disciplinar restaurativo”, Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 85, jan./jun., 2017.

[21]    Ayres, Ian, Braithwaite, Jonh, Responsive regulation: transcending the deregulation debate, Nova York, Oxford University Press, 1992.

[22]    Brasil, Lei de execução penal, Lei nº 7210 de 11/07/1984, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, acesso em: 26 out. 2022.

[23]    Nestor Távora considera que o processo de execução penal apresenta índole administrativa de forma residual, visto que sua natureza jurisdicional é preponderante. Távora, Nestor, Curso de Processo Penal e Execução Penal, São Paulo, JusPodivm, 2022, p. 1.575.  Já Rafael de Souza Miranda, com quem o trabalho se alinha, entende que a execução penal apresenta natureza jurídica mista, pois se desenvolve tanto no plano administrativo como jurisdicional. Cita a permissão de saídas e autorização para trabalho externo como providências administrativas sob responsabilidade do estabelecimento prisional. Miranda, Rafael de Souza, Manual de Execução Penal: Teoria e Prática, Salvador, JusPodivm, 2019, p. 20.

[24]    Unodc, Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela), 2015, disponível em: https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf, acesso em: 23/04/2023, Regra 8.

[25]    Crétenot, Marie, Das Práticas Nacionais para as Recomendações Europeias: iniciativas interessantes de gestão das Prisões, Observatório Europeu das Prisões, Condições de detenção na União Europeia, Roma, 2013.

[26]    Sobre o princípio da legalidade em matéria de infrações e sanções administrativas, conferir: Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 2021, p. 811.

[27]    Brasil, Controladoria-Geral da União, “Instrução Normativa nº 4, de 21 de fevereiro de 2020”, Diário Oficial da União, ed. 38, seção 1, 26/02/2020, p. 155.

[28]    Oliveira, Grotti, ibidem, 2021, p. 22.

[29]      Brasil, Presidência da República, Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm, acesso em 22 abr. 2023.

[30]    Marrara, ao discorrer sobre a consensualidade no campo regulatório, aponta que a previsão legal de acordos não é apenas juridicamente recomendável, como também é essencial para conferir estabilidade à via consensual. Destaca que a autorização legal se torna dispensável exclusivamente na hipótese de deslegalização do sistema punitivo regulatório, precedido de autorização legal que preveja essa deslegalização. Marrara, Thiago, “Regulação Consensual: o papel dos compromissos de cessão de prática no ajustamento de condutas dos regulados”, Revista Digital de Direito Administrativo, 4(1), 2017, p. 291.

[31]   Nucci não admite a previsão de faltas leves e médias por meio de resolução administrativa, contudo, tal entendimento não tem sempre prevalecido. Nucci, Guilherme de Souza, Curso de Execução Penal, Rio de Janeiro, Forense, 2022, p. 92. No Tribunal de Justiça de São Paulo, no voto do Des. Otávio de Almeida Toledo proferido nos autos de Agravo de Execução Penal nº XXXXX-57.2019.8.26.0509, debate-se: “Por fim, embora não desconheça a tese defendida pelo i. colega e 2º Juiz nestes autos, Des. Guilherme de Souza Nucci, segundo a qual ‘uma Resolução Administrativa, emanada de um órgão do Executivo, não pode fixar como falta disciplinar qualquer conduta, de forma discricionária, arbitrária e sem qualquer parâmetro legal’ (declaração de voto apresentada nos autos do Agravo de Execução nº 90000131-84.2019.8.26.0637), julgo que o Regimento Interno Padrão dos Presídios é válido e perfeitamente aplicável. Explico: discordo da invocação do princípio da legalidade quanto à previsão de faltas de natureza leve e média, pois ela não trata da tipificação de uma conduta como crime ou, ainda, da imposição de uma pena, mas sim de instituto administrativo-disciplinar, razão por que não está abrangido pela garantia do artigo 5º, XXXIX, da Constituição da República. Evidentemente, a Lei de Execução Penal a prevê no tocante ao rol de faltas graves, no sentido de que são assim consideradas apenas as condutas contidas no seu artigo 50, podendo a legislação local tratar apenas das médias ou leves, bem como das respectivas sanções”. Brasil, Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Execução Penal nº XXXXX-57.2019.8.26.0509, Inteiro Teor, Relator: Otávio de Almeida Toledo, 2019, disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/898456058/inteiro-teor-898456136, acesso em 26 abr. 2023.

[32]      Distrito Federal, Lei nº 5.969, de 16 de agosto de 2017, disponível em https://www.sinj.df.gov.br/sinj/Norma/167305020d434795bcaf1f5cbc3541c2/Lei_5969_16_08_2017.html, acesso em 23/04/2023.

[33]      Governo de São Paulo, “Resolução SAP – 144, de 29/06/2010”, Diário Oficial, seção I, 30 de junho de 2010.

[34]    Oliveira; Grotti, 2021, ibidem, p. 24.  Sobre a distinção entre tipos em branco, tipos abertos e elementos normativos do tipo, conferir: Guaragni, Fábio André, Bach, Marion, Norma penal em Branco e outras Técnicas de Reenvio em Direito Penal, São Paulo, Almedina, 2014.

[35]    Souza, Renee do Ó, Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade, São Paulo, JusPodivm, 2022, p. 13.

[36]      Nunes, Walter, “Sistema Penitenciário Federal: o regime prisional de líderes de organizações criminosas”, Revista Brasileira de Execução Penal, Departamento Penitenciário Nacional, Brasília, 2020.

[37]      Brasil, Ministério da Justiça e Segurança Pública,  “Portaria n. 88, de 25 de março de 2011”, Diário Oficial da União, n. 59, seção 2, 28/03/2011, p. 38-49.

[38]    Diversos são os instrumentos previstos na legislação brasileira aptos a cumprir os propósitos do controle consensual. Entre eles se destacam: Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar (SUSPAD), Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), Acordos Substitutivos, entre outros. Para se aprofundar sobre esses instrumentos, conferir: Calixto, Fernanda Karoline Oliveira, Silva, Larissa Helena Correia, “Controle e consensualidade na Administração Pública”, in Carvalho, Fábio Lins de Lessa, coord., Direito Administrativo Vanguardista, Curitiba, Juruá, 2023, p. 32-34.

[39]    Brasil, Presidência da República, Decreto nº 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6049.htm, acesso em 23 abr. 2023.

[40]    Os dados foram solicitados por meio do site falabr.cgu.gov.br. FalaBR, [Fala.BR] Manifestação respondida no sistema, mensagem recebida por claudia.tomelin@gmail.com em 26 jan .2023a e 20 mar. 2023b.

[41]    Nesse sentido, conferir Oliveira, Grotti, 2021, ibidem, p. 31.

[42]      A respeito das críticas sobre o processo formativo dos servidores da administração penitenciária, conferir Araújo, Stephane Silva de, Leite, Maria Cecília Lorea, “Qualificação e política penitenciária: o currículo a serviço da ordem e da disciplina no cárcere”, Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 16, 2021, disponível em https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/1514/525, acesso em 06 nov. 2022.