A AUTOVINCULAÇÃO DO LEGISLADOR AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL NA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA E PORTUGUESA
THE SELF-LINKING OF THE LEGISLATOR TO THE STANDSTILL PRINCIPLE IN BRAZILIAN AND PORTUGUESE LEGAL DOCTRINE AND JURISPRUDENCE
DOI: 10.19135/revista.consinter.00009.14
Leonardo David Quintiliano[1] – https://orcid.org/0000-0002-1469-4926
Resumo: O presente artigo pretende rediscutir a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social (standstill) na autovinculação do legislador aos direitos sociais, especialmente em tempos de crise.
Embora tenha sido desconsiderado por parte da doutrina, a tese da vedação de retrocesso ressurge nos tempos de crise do Estado Social e de Direito, especialmente diante de reformas estruturais, como as reformas previdenciárias no Brasil e em Portugal, para citar alguns exemplos.
Uma análise lógica da argumentação contida na jurisprudência brasileira e na portuguesa, bem assim dos fundamentos doutrinários que as sustentam, permite concluir que ainda remanescem três hipóteses que justificam a incidência de uma vedação do retrocesso social em Estados onde se verifica – em maior ou menor grau – o dirigismo constitucional.
Palavras-chave: Proibição do retrocesso social. Estado Social. Autovinculação do legislador.
Abstract: This article seeks to revisit the application of the standstill principle as a way of self-linking the legislator to social rights, especially in times of crisis.
Although this self-linking has been disregarded by the doctrine, the standstill principle reappears in times of crisis of the Welfare State, especially when there are structural reforms, such as the social security reforms in Brazil and Portugal, to mention a few examples.
A logical analysis of the arguments contained in Brazilian and Portuguese jurisprudence, as well as the doctrinal foundations that support them, allows us to conclude that there are still three situations that can justify the incidence of a standstill principle in states with greater or lesser constitutional dirigisme.
Keywords: Standstill principle. Welfare State. Self-linking of the legislator.
INTRODUÇÃO
O presente artigo analisa criticamente a incidênica da tese da autovinculação do legislador ao “princípio da proibição do retrocesso social”, a partir da construção doutrinária e jurisprudencial comparada entre Brasil e Portugal.
Embora, para alguns, o princípio da proibição do retrocesso já tenha sido superado[2], a prática jurisprudencial e a doutrina o mantêm vigente. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a partir de 2011[3], passa a invocar esse efeito catraca dos direitos sociais como princípio implícito autovinculante do legislador, baseando-se fortemente na doutrina portuguesa, especialmente de Canotilho, e no Acórdão 39/1984 do Tribunal Constitucional de Portugal (TCP).
A questão liga-se à concepção de Estado Social e à sua conformação em cada Constituição.
Com efeito, é cediço que, com o desenvolvimento do Estado Social, a discricionariedade legislativa conheceu restrições inexistentes no Estado Liberal, provocadas pela adoção, por parte do poder constituinte originário, de normas de conteúdo programático ou dirigente, especialmente em matéria de prestações sociais, mediante as chamadas imposições ou ordens de legislar.
Tais imposições consistem em comandos dirigidos ao legislador para regulamentar normas constitucionais que apresentam uma estrutura diversa dos chamados “direitos fundamentais de primeira geração”, por indicarem tão somente um núcleo essencial do direito, cuja aplicabilidade depende da densificação desse conteúdo por parte do legislador, que, nesse mister, tem ampla discricionariedade.
Há situações, porém, em que o poder constituinte originário limitou tal liberdade legislativa, explícita ou implicitamente, justamente para proteger direitos considerados mais fundamentais da conveniência do jogo político democrático, em que, por questões de ordem social, política e econômica, muitas vezes a maioria representada se torna refém da minoria representante[4].
Ditas imposições constitucionais geram dois efeitos: a) os poderes constituídos não podem eliminar ou reduzir o conteúdo essencial desses direitos; e b) o poder legislativo tem o dever de criar as condições necessárias para a efetivação desses direitos[5].
Na primeira hipótese, haverá inconstitucionalidade por ação do ato estatal que violar o conteúdo essencial dos direitos ou restringi-los[6].
No segundo caso, há que se distinguir a situação em que o legislador atuou, daquela em que se manteve inerte. Neste caso, haverá uma inconstitucionalidade por omissão, a ser resolvida de acordo com os instrumentos previstos em cada ordenamento jurídico, ao passo que naquela o dever de legislar é cumprido.
Resta saber se, uma vez executado tal dever, pode o legislador retroceder e, se sim, se deve observar algum limite. A par dos demais limites aos limites dos direitos fundamentais[7], como a proteção da confiança, a igualdade e o respeito ao núcleo essencial, a proibição de retrocesso assume, para alguns, certa autonomia normativa, enquanto, para outros, tratar-se-ia de mera retórica[8].
Assim, diante do mencionado objetivo, será analisada comparativamente a aplicação dessa teoria pela jurisprudência brasileira e portuguesa, verificando-se sua consistência dogmática à luz dos respectivos ordenamentos jurídicos e da própria concepção histórico-evolutiva dos institutos envolvidos.
A pesquisa se deu sob o influxo da linha de pesquisa dos direitos fundamentais, empregando-se os métodos zetético[9] e dogmático, com aplicação, neste, da lógica silogística tradicional e, naquele, do método dialético, especialmente do critério histórico-conceitual, sempre que a vagueza e indeterminação dos preceitos o exijam.
1 CONCEITO DE PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL E SUA ORIGEM NO DIREITO COMPARADO
A teoria da proibição de retrocesso social, em sentido amplo, fundamenta-se na concepção de que o grau atingido de conquistas em direitos fundamentais não pode recuar. Num sentido mais estrito, ela diz respeito à eventual impossibilidade de o legislador regredir na concretização de direitos sociais[10].
A doutrina utiliza vários termos para se referir a tal proibição, encontrando-se, dentre outros, os seguintes: vedação de retrocesso, irreversibilidade, não revisibilidade, não retorno e efeito catraca[11], em português; em inglês, o termo standstill[12], com o sentido de bloqueio, paralisação, muito usado na Bélgica, ou ratchet effect[13], em francês, effet cliquet[14] (efeito trava) ou cliquet anti-retour[15] (trava anti-retorno), non-retour (não retorno)[16], clause cliquet (cláusula catraca), clause plancher (cláusula chão)[17], non-régression (não regressão)[18]; em espanhol, prohibición de regresividad o de retrocesso, ou no-regresividad[19]; em italiano, non regresso[20] e, em alemão, nichtumkehrbarkeitstheorie[21] ou rückschrittsverbot[22].
A proibição de retrocesso social, embora seja sempre tratada sob o prisma dos direitos sociais, teve seu desenvolvimento na Alemanha ligado à proteção dos direitos de liberdade. Não obstante, sua formulação teórica original teria sido invocada na doutrina italiana para tratar da “vedação de geração de uma omissão inconstitucional”.
Com efeito, atribui-se o pioneirismo no emprego do princípio a Balladore Pallieri. Na sua obra Diritto Costituzionale[23], o constitucionalista italiano, ao se deparar com as normas constitucionais não autoaplicáveis que veiculam imposições constitucionais[24], afirma que elas
(…) produzem um efeito, ao menos indireto, notável. Elas prescrevem um caminho a ser seguido pela legislação ordinária; não obrigam o legislador a seguir esse caminho, mas o obriga a não seguir o caminho oposto. Seria mesmo inconstitucional a lei que dispusesse em contrário ao que a Constituição prescreve. Além disso, se por exemplo, em execução do art. 44º da Constituição, a reforma agrária atualmente em elaboração for regulamentada, poder-se-á, depois de emanada a lei, realizarem-se as oportunas modificações e retoques que se considerar necessárias, mas não se poderá voltar atrás, desnaturando ou anulando a reforma[25].
O que Pallieri enuncia, na verdade, é a “proibição de gerar uma omissão inconstitucional”. Parte, assim, o jurista italiano, da pré-compreensão de que a não densificação normativa de uma norma programática, tal como a contida no art. 32 da Constituição italiana, que garante o direito fundamental à saúde e a gratuidade de atendimento aos indigentes, bem como de qualquer outra norma regulamentável, é inconstitucional. Tal inconstitucionalidade, no entanto, não geraria qualquer direito subjetivo aos destinatários da norma constitucional carecedora de densificação, e não criaria qualquer direito de ação ou meio de tutela para constranger o Estado a contretizá-la[26].
Diversamente da concepção italiana, na Alemanha, a ideia de proibição do retrocesso não decorreu diretamente dos direitos sociais, destacando-se que a Lei Fundamental de Bona não traz um catálogo desses direitos[27]. Ali a ideia de retrocesso ou não reversibilidade foi ligada ao direito de propriedade e assim desenvolvida pelo BVerfG (Tribunal Federal Alemão).
O BVerfG, entendendo que o cidadão teria uma liberdade de exercer sua propriedade conquistada por direitos sociais, que não poderia ser frustrada pelo legislador, adotou o posicionamento de que o Estado não poderia restringir direitos que já tinham sido objeto de concretização, quando: a) na atribuição ao titular de posição jurídico-subjetiva de natureza pública, caracterizada por ser patrimonial, pessoal, própria e exclusiva do titular; b) à posição jurídica individual deve corresponder uma contraprestação pessoal relevante do titular; c) a prestação deve servir à garantia da existência de seu titular[28].
Percebe-se que, na construção alemã, a proibição de retrocesso aproxima-se da ideia de proteção da confiança, tida como um instrumento oferecido pela ordem jurídica para garantir a segurança patrimonial do cidadão[29].
Há que se frisar, contudo, que as peculiaridades do sistema alemão, especialmente o fato de que os direitos sociais ali não gozam de um status de direitos fundamentais, limitam a importação de seus fundamentos doutrinários e jurisprudenciais aos sistemas português[30] e brasileiro[31].
2 ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
A tese da proibição do retrocesso social não encontra consenso na doutrina[32] e assenta-se especialmente na ideia de que tal princípio decorreria de um dever de progressividade dos direitos sociais, inerente à concepção de Estado Social e Democrático de Direito[33], da dignidade da pessoa humana[34], do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, da vinculatividade estatal às normas de direitos sociais, ou de uma vedação de criação de omissões inconstitucionais[35].
A seguir, analisam-se individualmente cada um desses fundamentos.
2.1 O Dever de Progressividade dos Direitos Sociais
Parte da doutrina e jurisprudência entende que a existência de uma vedação de retrocesso decorreria de um dever de progressividade dos direitos sociais (efeito catraca). A ideia é a de que, assim como se dá na alegoria da catraca, uma vez que se a ultrapasse, não é mais possível retornar. No caso do legislador, uma vez cumprido o dever de legislar imposto constitucionalmente, para densificar o conteúdo de um direito fundamental, estaria ele impedido de retornar, quer para revogar totalmente, quer para diminuir o conteúdo densificado. Tal dever poderia ser expresso ou tácito.
A previsão de progressividade poderia se encontrar expressamente prevista na Constituição ou em normas internacionais. Nesse sentido, é importante destacar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, em diversos dos seus artigos, previa o compromisso dos Estados em assegurar, progressivamente, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no tratado[36].
O segundo – e, talvez, mais discutível – é a concepção de existência de um dever tácito de progressividade inerente ao Estado Social de Direito ou à concepção de dignidade da pessoa humana.
2.1.1 Dever de progressividade ínsito à conceção de Estado Social de Direito
Estado de Direito é um valor político, um conceito indeterminado, porém determinável, que encerra um ideal de Estado. Em decorrência, sua densificação axiológica e normativa é construída com o auxílio de ciências afins. No plano jurídico e sociológico, a expressão aparece como ideia-força, donde emergem formulações teóricas que pretendem conferir normatividade a valores morais e ideológicos que se acredite decorrer diretamente de sua concepção[37].
Uma dessas formulações pretende extrair da ideia de Estado de Direito, especialmente de sua variante – o Estado Social de Direito – um princípio da máxima efetividade das normas de direitos fundamentais sociais, do que resultaria um dever de progressividade dos direitos sociais vinculante do legislador[38].
Segundo uma das formas de compreensão do Estado Social de Direito, sua finalidade seria a de garantir a máxima efetividade dos direitos sociais, o que conduziria à noção de realização progressiva de tal categoria de direitos. A contrario sensu, seria vedada sua realização regressiva[39].
Todavia, consistindo a liberdade de conformação do legislador um dos princípios estruturantes do mesmo Estado de Direito, qualquer limitação a esse princípio deve encontrar fundamento em uma previsão constitucional expressa ou em um princípio implícito, porém mediante um raciocínio lógico-jurídico inequívoco.
Nesse sentido, uma breve análise histórico-evolutiva do conceito de Estado de Direito parece infirmar qualquer pretensão de dedução de um princípio autônomo de progressividade dos direitos sociais vinculante do legislador[40].
Há diversos elementos a se considerar. Em primeiro lugar, a ideia de progressividade deve ser interpretada de forma sistemática, à luz dos demais princípios constitucionais, como a proporcionalidade, a liberdade de conformação do legislador, bem como pelos limites impostos pela reserva do possível. Em segundo lugar, a própria concepção do que seja uma medida progressiva ou regressiva deve considerar pelo menos três aspectos: um, de caráter subjetivo; outro, de caráter sinalagmático; e, finalmente, um de caráter temporal.
O primeiro aspecto liga-se à própria avaliação individual ou de um grupo de interesse acerca da natureza da medida. A mesma medida pode ser considerada progressiva para uns e regressiva para outros. A flexibilização da legislação trabalhista pode ser considerada, para alguns, um regresso em termos de garantias sociais, por diminuir uma certa proteção aos trabalhadores. No entanto, para outro grupo, a mesma medida pode ser considerada um avanço, por considerar o aumento das contratações por prazo indeterminado, ou mesmo o aumento do emprego.
Uma medida legislativa também pode implicar um progresso social em um campo e, ao mesmo tempo, um regresso social em outro. É o que pode ocorrer, por exemplo, com a convergência de pensões entre os sistemas público e privado, feita mediante a diminuição das vantagens conferidas às pensões públicas, em atendimento ao princípio da igualdade entre os pensionistas de ambos os sistemas. Tal convergência pode ser feita, também, com a concessão de vantagens aos pensionistas de um sistema e a retirada de vantagens dos pensionistas do outro sistema, hipótese em que haverá um progresso para o primeiro grupo e um regresso para o segundo grupo.
Finalmente, o aspecto temporal evidencia que a natureza progressiva ou regressiva da medida pode apenas se verificar no longo prazo. É o que ocorre, especialmente, no campo econômico. Uma medida de contenção de despesas do Estado pode retirar direitos sociais num primeiro momento, para evitar uma maior constrição no futuro.
Assim, ainda quando o Estado estiver diretamente vinculado a uma cláusula expressa de compromisso de progressividade dos direitos sociais, todos esses aspectos devem ser objeto de uma ponderação que sopese os argumentos envolvidos e, diante de um conflito relevante de interesses, deve prevalecer a medida estatal, que já resultou do processo democrático de balanceamento dos interesses sociais em jogo. Apenas em casos discrepantes pode ter lugar uma intervenção judicial para aferição de eventual violação a uma cláusula de standstill[41].
2.1.2 Dever de progressividade expresso ou implícito no texto constitucional
Diversa é a hipótese de o dever de progressividade estar implícita ou explicitamente prevista em texto constitucional ou normas internacionais vinculantes do legislador.
Nesse sentido, é importante destacar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, em diversos dos seus artigos, previa o compromisso dos Estados em assegurar, progressivamente, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no tratado[42]. Tal dever apresenta duas implicações: que os Estados tomarão medidas para viabilizar tais direitos e que não deverão tomar medidas regressivas[43].
Esta também apresenta os mesmos reflexos nos ordenamentos português e brasileiro. Com efeito, em Portugal, em razão do disposto no art. 8º, n. 2, da CRP, a cláusula de progressividade dos direitos sociais deve ser observada como princípio infraconstitucional e supralegal que determina um standstill na máxima medida possível. Em decorrência, a concretização de um direito social pelo legislador gera-lhe uma autovinculação, atraindo-lhe o ônus de demonstrar o interesse público que justifica a medida[44].
Alguns autores defendem, ainda, a existência de uma progressividade implícita na Carta Social Europeia e na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia[45].
No caso brasileiro, a par do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, há que se ressaltar a previsão do art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[46]. Diante de tais normas, duas situações seriam possíveis para o Estado brasileiro. A aprovação do tratado por maioria qualificada de três quintos na Câmara dos Deputados e no Senado, em dois turnos de votação, nos termos do art. 5º, § 3º, da CRFB, imprimiria ao referido Pacto status constitucional. Como sua aprovação, no entanto, não observou tais requisitos, o tratado adquire um status supralegal, porém infraconstitucional, tal como se dá em Portugal.
Há, ainda, quem encontre um dever de progressividade implícita em alguns dispositivos como o art. 3º, I e III[47], art. 7º, caput[48], e art. 170, caput e incs. VII e VIII da CRFB[49].
2.1.3 Dever de progressividade como garantia da eficácia ou efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais
Outro argumento invocado é o de que o dever de progressividade seria uma decorrência natural da eficácia jurídica das normas constitucionais, as quais, ao serem objeto de concretização legal, não poderiam ser suprimidas pelo legislador, sob pena de retirar a própria eficácia constitucional[50].
A referida tese funda-se na pré-compreensão de que a jusfundamentalidade das normas de direitos sociais e sua consequente força jurídica implicariam tal dever.
Não se nega – à evidência – que tais normas gozem de tais características. Mas a força jurídica vinculante de uma norma social depende de sua própria estrutura normativa[51].
Com efeito, como reconhece Carlos Blanco de Morais, fundamentalidade e subjetividade são características diversas. Esta diz respeito ao nível de determinabilidade e efetividade da norma, ao passo que aquela deriva da previsão constitucional de um direito[52].
Nesse sentido, a fundamentalidade da norma não lhe confere per si eficácia. Daí porque José Afonso da Silva classifica, no Brasil, como de eficácia limitada, aquelas normas cuja eficácia depende de conformação legislativa[53].
Tal eficácia pode se encontrar condicionada pela ausência de dois elementos que, em virtude de sua natureza, só podem ser preenchidos pelo legislador: o elemento criativo e o elemento financeiro.
O elemento criativo repousa na positivação de uma decisão política legitimada democraticamente, que dará um conteúdo exigível por seu destinatário. A medida da eficácia dessa norma será diretamente proporcional ao direito criado. Já o elemento financeiro implica uma decisão política de alocação de recursos escassos. Embora todos os direitos – mesmo os de liberdade – envolvam custos[54], o fato é que direitos prestacionais envolvem custos diretos, individualizáveis e maiores que os custos dos direitos de garantias, muitos dos quais são absorvidos pelos custos inerentes à manutenção do aparato estatal[55].
Por outro lado, a efetividade de uma norma sem qualquer densificação constitucional, como a que simplesmente impõe ao legislador o dever de garantir a proteção à saúde, é obtida com a legislação. Esta pode conferir qualquer grau de efetividade ao direito e ser alterada de modo a equacionar, diante da dinâmica política, social e econômica, os elementos criativo e financeiro, sem qualquer comprometimento a uma efetividade de tal direito.
2.2 Direito Subjetivo à Ação Estatal
Outro fundamento utilizado pela doutrina é o de que as leis concretizadoras de direitos sociais não poderiam ser objeto de revogação ou alteração pelo legislador, pois as normas de direitos sociais seriam mandamentos constitucionais dirigidos ao Estado e, consequentemente, ao lhe determinarem a tomada de medidas como meios para se atingirem os fins previstos nas normas-programa, tais mandamentos imporiam deveres jurídicos objetivos de realizarem o fim (ou programa) contido em tais normas, mediante as medidas apropriadas[56].
Canotilho, por sua vez, reconhece a possibilidade das normas de direitos sociais gerarem direitos subjetivos[57] à reclamação judicial para manutenção do nível de realização do direito constitucional e proibição de qualquer “tentativa de retrocesso social”[58]. O autor é contrário à tese de total correlação entre dever-objetivo e direito-subjetivo proposto por Kelsen[59]. Nesse sentido, reconhece que
direito subjectivo social, economico e cultural – imposições legiferantes e prestações não devem confundir-se. O reconhecimento, por exemplo, do direito à saúde, é diferente da imposição constitucional que exige a criação do Serviço Nacional de Saúde, destinado a fornecer prestações existenciais imanentes àquele direito[60].
Nessa mesma linha, Canotilho, analisando especificamente a CRP, a partir de uma pretensa interpretação teleológica do art. 3º da CRP e do art. 9º da CRP, reconhece que o referido dispositivo revelaria uma imposição constitucional de realização de uma democracia econômica, social e cultural[61]. Tal imposição constitucional geraria uma garantia institucional e um direito subjetivo[62]. Em decorrência, o autor desloca a tese da proibição do retrocesso para a segurança jurídica, ao limitar o retrocesso ao respeito aos direitos (subjetivos) adquiridos.
Não se nega por completo essa tese, mas a criação de direitos subjetivos a partir das normas de direitos sociais depende da satisfação de alguns requisitos.
Em primeiro lugar, só excepcionalmente pode-se admitir que as normas constitucionais de direitos sociais sejam convoladas em direitos subjetivos[63]. De fato, reclamando estes uma “determinabilidade normativa”, com objeto, destinatário e conteúdo delimitados, determinados ou determináveis, sua judicialização, característica dos direitos subjetivos, não é possível, porquanto normas de caráter programático, como as que preveem o direito à saúde, à educação e à habitação, dentre outras, não alcançam um grau suficiente para sua dedução em juízo[64].
Além disso, como afirma Alexy, as normas de direitos fundamentais apresentam uma tríplice estrutura, envolvendo o titular do direito, o destinatário do direito e o objeto. As normas sociais implicariam, assim, direitos a prestações em sentido amplo, os quais possuiriam como espécie os direitos a prestações em sentido estrito, os direitos à proteção, à organização e ao procedimento[65].
Os direitos subjetivos a uma reivindicação da ação estatal seriam possíveis nos termos do ordenamento jurídico-constitucional. Ocorre que em grande parte dos ordenamentos, como se dá no Brasil e em Portugal, não há um meio constitucionalmente previsto para compelir o legislador a fazê-lo. De qualquer modo, desde que respeitado o núcleo essencial do direito social, qualquer ação estatal que dê alguma efetividade ao direito social desconfigura a condição de inadimplência do legislador.
Finalmente, os fins da República Portuguesa previstos nos arts. 2º e 9º da CRP, de realização de uma democracia econômica, social e cultural, são princípios de conteúdo genérico que servem de parâmetros para orientação do legislador e de limitações contra a tentativa de adoção por parte do mesmo legislador ou do constituinte derivado de medidas contrárias a tais fins. Desse modo, não é possível deduzir de tais princípios uma imposição constitucional criadora de direitos subjetivos, como afirma Canotilho[66].
2.3 Direito Subjetivo a Prestações Sociais
Já os direitos a uma prestação determinada só podem ser exercitados se presentes os três elementos essenciais já enunciados de acordo com Alexy, especialmente o destinatário e objeto determinado[67]. Ocorre que as normas de direitos sociais raramente determinam tais elementos, o que depende de uma densificação legislativa, sem a qual não há que se falar em direitos subjetivos.
Tais direitos prestacionais, ou de créditos dos indivíduos perante a coletividade, como prefere chamar Celso Lafer[68], podem consistir, portanto, em direitos subjetivos a prestações sociais, na medida em que a lei preveja um direito líquido e certo a certa prestação estatal. É o caso, v.g., da lei que regulamenta os benefícios assistenciais. Uma vez determinado que todo cidadão, ao atingir certa idade ou tempo de serviço, fará jus à percepção de uma pensão mensal, tal prestação torna um direito subjetivo – porquanto possui um valor e natureza certa determinada e exigível do Estado. No caso, porém, de determinada lei instituir as bases gerais que devem informar determinada prestação social, sem definir seu quantum e requisitos para concessão, não há um direito subjetivo a tais prestações, mas igualmente um direito subjetivo de exigir uma ação estatal.
Ainda no primeiro caso, pode-se discutir se há um direito adquirido ao valor da pensão, como entende Jorge Reis Novais[69] e o TCP[70], mas isso não implica uma vedação ao retrocesso por parte do legislador fundado exclusivamente na conceção de que há um direito subjetivo à prestação e à manutenção do status quo.
Na mesma linha, Jorge Reis Novais argumenta que se os direitos de liberdade podem ser restringidos, também podem os direitos sociais, sobretudo porque neste caso deve-se observar a reserva do financeiramente possível[71].
2.4 Vedação de Criação de uma Omissão Inconstitucional
Parte da doutrina apenas admite a tese da proibição do retrocesso social, tal como se verifica com os direitos de liberdade, se uma norma infraconstitucional concretizadora de uma imposição constitucional de legislar for revogada, sem ser substituída por outra[72].
Também com algum dissenso, reconhece a doutrina que tal vedação ocorrerá se houver revogação sem substituição da concretização legal, quando: a) for violada a dignidade da pessoa humana; b) violar os princípios da proteção da confiança, da igualdade, da proibição do arbítrio e da razoabilidade; c) as concretizações deverem ser consideradas materialmente constitucionais[73]; e, ou, d) afetarem o conteúdo essencial do direito[74].
2.4.1 Revogação violadora da dignidade da pessoa humana
Alguns autores reconhecem que a revogação de uma lei concretizadora de um direito social será inconstitucional se violar a dignidade da pessoa humana[75].
Essa tese esbarra na dificuldade de densificação de um princípio da dignidade da pessoa humana. Não se nega a importância do conceito[76], tampouco que o termo reflete todas as aspirações representadas especialmente pelos filósofos políticos a partir do século XVII, muitas das quais consagradas nas declarações de direitos[77], mas o fato é que tal princípio apenas pode ser invocado de modo autônomo se houver um consenso radicado na consciência geral acerca de seu conteúdo, e não apenas mediante uma formulação retórica doutrinária ou jurisprudencial, sob pena de banalização do princípio, como advertiu o STF:
Creio ser indispensável enaltecer a circunstância da desnecessidade da invocação da dignidade humana como fundamento decisório da causa. Tenho refletido bastante sobre essa questão, e considero haver certo abuso retórico em sua invocação nas decisões pretorianas, o que influencia certa doutrina, especialmente de Direito Privado, transformando a conspícua dignidade humana, esse conceito tão tributário das Encíclicas papais e do Concílio Vaticano II, em verdadeira panacéia de todos os males. Dito de outro modo, se para tudo se há de fazer emprego desse princípio, em última análise, ele para nada servirá. […][78].
Assim, o conceito de dignidade da pessoa humana só pode ser utilizado autonomamente contra o legislador, fora das demais garantias e direitos fundamentais expressamente previstas que lhe delimitam um conteúdo de acordo com a ordem jurídico-constitucional, se mediante uma argumentação lógico-jurídica, for demonstrado de modo inequívoco que certo conteúdo inerente a tal princípio se encontra implícito no texto constitucional.
Na ordem constitucional brasileira, assim como na portuguesa, o princípio da dignidade humana não possui um conteúdo autônomo; seu conteúdo encontra-se delimitado pelas demais normas constitucionalmente previstas, que aclaram seu conteúdo. Nesse sentido, a autonomização do princípio na Lei Fundamental de Bona e as soluções jurisprudenciais e doutrinárias adotadas devem ser interpretadas e recepcionadas com ressalva na ordem jurídica constitucional brasileira e portuguesa.
2.4.2 Observância dos princípios da proteção da confiança, da igualdade, da proibição do arbítrio e da razoabilidade
Outros autores, porém, defendem a vedação do retrocesso social, sem recorrem à estrutura das normas de direitos sociais, mas ao fundamento de vedação de arbitrariedade legislativa, ou de afetação a outros princípios constitucionais, como o da igualdade, da proibição do arbítrio e da razoabilidade. Nesse sentido, a supressão de medidas legislativas concretizadoras de direitos sociais deveria se submeter a um teste de proporcionalidade[79].
Segundo Vieira de Andrade, as normas de direitos sociais implicam uma “certa garantia de estabilidade das situações ou posições jurídicas criadas pelo legislador ao concretizar as normas respectivas”. Tal garantia pode assumir três graus: um grau mínimo, que impede que simplesmente sejam destruídas tais posições; um grau máximo, quando tais garantias possam ser consideradas materialmente constitucionais e um grau médio, que exige a observância do princípio da proteção da confiança e vedação do arbítrio legislativo[80].
A referida tese, no entanto, ao fazer depender o princípio da proibição do retrocesso de outros princípios constitucionais, infirma, a contrario sensu, sua autonomia normativa, transformando o termo em vocábulo retórico que serve para indicar uma situação específica de aplicação daqueles princípios[81].
2.4.3 Afetação do conteúdo essencial do direito
Finalmente, outro fundamento bastante utilizado é o de que a revogação de lei concretizadora de um direito social apenas seria possível se não diminuísse o núcleo essencial dos direitos[82].
O mesmo faz Canotilho, que reconhece a “anulação, revogação ou aniquilação pura e simples” do núcleo essencial do direito social como limite à liberdade de conformação do legislador[83].
Embora o TC, por exemplo, faça referências ao núcleo essencial, na esteira da linha teórica proposta por Vieira de Andrade[84], não define o que seria esse núcleo essencial[85].
Alegam alguns autores que nem sempre é possível aferir um conteúdo essencial de tais direitos[86]. Isso não obsta que se avalie, em cada caso, se o conteúdo essencial é ou não preservado. Nesse ponto, abstrações teóricas podem dificultar a compreensão do fenômeno. O fato é que, diante de casos concretos como pensões, remunerações, matrículas em universidades, escolas e creches, é muito mais fácil avaliar a preservação ou não de um conteúdo essencial, que em formulações com pretensões de universalidade.
Também não parece, como defende Felipe Derbli, que a proteção do conteúdo essencial de um direito social não possa ser objeto de proteção pelo princípio da proibição do retrocesso, ao fundamento de que outros princípios podem atuar em sua defesa[87]. A concorrência de normas não é argumento para se desconsiderar a aplicação de uma delas, até mesmo porque decorrem de fundamentos diversos que não se excluem, mas se somam.
2.4.4 Natureza constitucional da lei concretizadora de direitos sociais
Segundo Jorge Miranda, a revogação de uma lei que concretiza uma imposição constitucional pode implicar uma inconstitucionalidade material[88]. O fundamento da sua tese é a aquisição de uma certa força constitucional por tais leis devido à unidade sistemática que integram[89].
Rui Medeiros também admite a possibilidade de direitos sociais concretizados pelo legislador integrarem o bloco de fundamentalidade constitucional e, em decorrência, não poderem ser modificados pelo legislador[90].
José Carlos Vieira de Andrade, porém, é contrário. Este autor chama à atenção duas contradições que decorreriam da adoção dessa tese. Em primeiro lugar, se for conferida aos direitos sociais tal força, esta poderá ser mais forte que a dos próprios direitos de liberdade, que igualmente comportam restrição, desde que respeitado seu conteúdo essencial. Em segundo lugar, tal vinculação do legislador corresponderia a dar-lhe inicialmente poderes constituintes, para depois retirar sua própria liberdade de conformação[91]. Ou seja, segundo essa tese, o legislador seria um Poder de uma única oportunidade, comparável a um atirador que dispõe de apenas uma bala: se não acertar o alvo (equacionar o direito social à realidade do financeiramente possível e relativamente aos demais direitos sociais) com aquela única bala (lei concretizadora), não poderia voltar atrás (efeito catraca).
Com efeito, a par das contradições apontadas por Vieira de Andrade, a única forma de se aceitar a tese da constitucionalização do direito criado pelo legislador seria pressupor uma mutação constitucional provocada pela densificação legislativa.
2.4.5 Mutação constitucional provocada pela concretização de direitos sociais
Canotilho sustenta a possibilidade de as normas que concretizam direitos sociais adquirirem força constitucional, por um processo de mutação, provocado pela existência de um “consenso básico presente na consciência jurídica geral”, limitando, assim, a edição de leis que violem imposições ou programa constitucional[92].
Tal entendimento foi seguido pelo juiz do Tribunal Constitucional Messias Bento, em declaração de voto no Acórdão 39/1984, segundo o qual tal concretização material já radique na “consciência jurídica dominante, formando-se uma espécie de communis opinio a respeito da sua essencialidade”[93].
Também Cristina Queiroz e Vieira de Andrade aceitam a tese da mutação constitucional. Ambos, porém, divergem quanto às condições para que tal mutação se verifique. Para Cristina Queiroz, não é a lei que gera a mutação, mas sua atuação[94]. Já, para Vieira de Andrade, a constitucionalização da concretização legislativa deve ocorrer excepcionalmente, desde que haja um “consenso profundo e alargado construído ao longo do tempo” e se limite a aspectos gerais da concretização, não a todos os pormenores[95].
Jorge Reis Novais acrescenta, ainda, que a consagração constitucional de um direito fundamental não pode ser apartada da concretização legislativa, como se a norma de direito fundamental fosse apenas o que o enunciado constitucional diz, e não a norma que se extrai a partir da interpretação do texto constitucional pelo enunciado contido na lei concretizadora[96].
Com efeito, tal teoria não encontra suporte no direito constitucional português, que se funda, como em grande parte dos demais Estados Democráticos de Direito numa permanente possibilidade de revisão das escolhas legislativas. Daí porque é inerente a esse regime a alternância no Poder. No mesmo sentido, há que destacar a declaração de voto de Messias Bento, para quem
a Lei Fundamental (…) não se pode confundir com um mero programa de governo; há-de ser antes — e sempre — um quadro normativo, aberto à criatividade e à inventiva do poder democrático. Há-de permitir a este que – empenhado na criação de condições de justiça social, capazes de possibilitar a cada homem uma cada vez mais completa realização da sua personalidade – rasgue caminhos vários que cada um, atento às exigências do bem comum, possa livremente percorrer em busca do seu próprio modelo de bem-estar[97].
Também não parece que seja possível falar em constitucionalização do direito social densificado por lei, em virtude de uma mutação constitucional presumida[98].
Ora, a mutação constitucional se refere à alteração de sentido da Constituição, sem modificação do seu texto escrito[99]. A densificação de normas constitucionais não pode se confundir com esse processo. Uma mutação constitucional só se torna possível, porque a norma não se confunde com o texto da constituição. Ela é a interpretação do texto de acordo com a realidade[100]. As hipóteses de densificação do texto são acréscimos pretendidos por um legislador democrático, em determinada conjuntura política e econômica. A realidade que condiciona uma mutação constitucional deve ser tida por inevitável. Assim pode se dar com a interpretação do casamento, diante da aceitação da união entre pessoas do mesmo sexo, do adultério, do termo livro (impresso) diante do surgimento dos livros eletrônicos, entre outros. Em tais casos, a modificação de sentido da norma se deve a uma alteração de sentido da própria realidade, não a uma intervenção do legislador. Já no caso de uma norma que prevê o direito a uma pensão de cinco mil euros, após trinta e cinco anos de trabalho, ou o direito de se matricular no curso de Direito das Universidades Públicas, após o devido processo seletivo, sem o pagamento de propinas, não se pode aceitar que se está diante de uma mutação constitucional. Assim, nem nos termos mais rígidos admitido por Vieira de Andrade, como a verificação de “consenso profundo e alargado construído ao longo do tempo”, poderia se falar em uma mutação constitucional propriamente dita[101]. Para Bockenförde, tal “constitucionalização” tratar-se-ia de uma interpretação evolutiva por parte do poder jurisdicional, muito assemelhada a uma mutação constitucional[102]. No entanto, ela mais se assemelharia a uma sentença intermédia[103], decorrente de manifestação ativista por parte do Poder Judiciário[104].
Não obstante, como garantia institucional, a omissão do legislador pode dar ensejo a uma declaração de omissão. Tal declaração, se por um lado não tem o condão de autorizar o judiciário a suprir a omissão normativa do legislador, tal como ocorre com o mandado de injunção, segundo a prática recente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, declara um estado inconstitucional que vincula negativamente o legislador. Em decorrência, não pode o legislador, por qualquer ato, em especial um ato revocatório, incorrer em tal inconstitucionalidade.
3 CONCLUSÃO
A ideia de que um dever de progressividade dos atos estatais em matéria de direitos sociais decorreria da dignidade da pessoa humana ou da noção histórico-conceitual do Estado Social ou do Estado de Direito parte de duas pré-compreensões. A primeira é a de que seria possível encontrar racionalmente um conteúdo jurídico de tais conceitos. A segunda é a de que o legislador existe para garantir cada vez mais prestações sociais. É a figura do legislador-amigo de que fala Haberle[105].
Fora dos argumentos neoconstitucionais e de manifestações ativistas, porém, não é possível deduzir tal dever da concepção de Estado de Direito, de Estado Social, de dignidade da pessoa humana, pois o caráter aberto, dinâmico e relativo de tais conceitos reclamam, para seu emprego, uma legitimação democrática, que pode ser obtida de dois modos: socialmente, quando houver um consenso mínimo radicado na sociedade acerca das características antropológicas, sociais, morais e históricas mínimas em torno de seu conteúdo, ou legalmente, quando o legislador define tal conteúdo[106].
Nesse sentido, as teses que defendem um princípio geral de proibição do retrocesso social a partir dessas concepções carecem de fundamento jurídico plausível, esbarrando em duas limitações que decorrem do mesmo princípio do Estado de Direito da qual pretendem extrair tais teses.
A primeira delas reside na reserva do financeiramente possível, considerando que os direitos têm custos e sua proteção implica a diminuição de outros direitos[107]. A segunda diz respeito ao próprio princípio democrático. De fato, a cláusula democrática implica alternância de poder e tal regime só faz sentido se aqueles que alternam o poder podem ter visões diferentes sobre a alocação de recursos[108]. O Estado contemporâneo prescinde cada vez mais de decisões políticas fundamentais, consistindo a boa governança na arte de distribuir os recursos de modo a otimizar o bem-estar social.
Tanto o sistema jurídico português, quanto o sistema jurídico brasileiro não referendam tal teoria. No entanto, um dever de progressividade em ambos os ordenamentos decorre expressa ou implicitamente de previsões contidas em suas Constituições ou Tratados ou Convenções de que sejam signatários, especialmente o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que vincula ambos.
Não houvesse esse dever de progressividade, a revogação de tais direitos poderia encontrar limites em outros princípios constitucionais, mas não em um princípio de não retrocesso.
Tal dever de progressividade, porém, não pode ser considerado uma regra que se imponha de modo tudo-ou-nada, a qualquer custo, indicando, antes, um princípio que deverá ser cotejado com outros princípios constitucionais, no caso de conflitos, especialmente o da proibição do excesso e o da segurança jurídica.
Os direitos subjetivos a uma reivindicação da ação estatal seriam possíveis nos termos do ordenamento jurídico-constitucional. Ocorre que em grande parte dos ordenamentos, como se dá no Brasil e em Portugal, não há um meio constitucionalmente previsto para compelir o legislador a fazê-lo. De qualquer modo, desde que respeitado o núcleo essencial do direito social, qualquer ação estatal que dê alguma efetividade ao direito social desconfigura a condição de inadimplência do legislador.
Por outro lado, há que se reconhecer que, uma vez cumprida a imposição constitucional de legislar a fim de garantir a efetividade de um direito social, a omissão inconstitucional que veio a ser suprida com essa lei não pode ser restabelecida[109]. O fundamento, porém, não é a mutação constitucional, mas o fato de que criar uma omissão é um ato inconstitucional, o que é vedado implicitamente em qualquer ordenamento. Se a omissão inconstitucional não pode ser suprida sem o exercício de um poder legislativo (pois, ainda que se admitam sentenças aditivas, tais sentenças consistirão em manifesto ato legislativo editado pelo Poder Judiciário), uma vez que dependem de ato criativo, o ato que cria a omissão inconstitucional pode ser infirmado, porquanto a atividade criadora não constitui mais um óbice, e todos os elementos caracterizadores da norma estão presentes.
Isso não quer dizer, por outro lado, que a concretização não possa ser modificada. O que não pode ocorrer é uma regulamentação que elimine o núcleo do direito concretizado.
A abertura de uma omissão constitucional, porém, pressupõe que a referida omissão possa ser objeto de um controle de constitucionalidade[110].
Ademais, a vedação de retrocesso imposta ao legislador não decorre de todas as normas concretizadoras de direitos fundamentais, mas apenas de normas que possam ser consideradas jusfundamentais[111].
A jusfundamentalidade da norma, por sua vez, requer a verificação de dois pressupostos: a existência de uma cláusula constitucional aberta que abrigue a referida norma e a sua materialidade constitucional[112].
A materialidade constitucional deve ser entendida como uma equivalência estrutural às demais normas de direitos fundamentais constitucionalmente previstas, embora alguns entendam que a norma deva ser considerada fundamental em outro plano, como que para a “consciência jurídica coletiva”[113].
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RE 363889/DF – Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli – j. em 02.06.2011. Publicado em 16.12.2011.
ARE 639337 AgR/SP – 2ªT. – Rel. Min. Celso de Mello – j. em 23.08.2011 – Publicado em 15.09.2011.
PORTUGAL. Tribunal Constitucional
(Todos os acórdãos do Tribunal Constitucional de Portugal foram consultados no sítio do TC na internet. A pesquisa pode ser feita pelo número do acórdão no seguinte endereço: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/>).
Processo 6/83. Acórdão 39, de 11.04.1984.
Processo 126/84. Acórdão 150, de 31.07.1985.
Processo 768/02. Acórdão 509, de 19.12.2002.
Processo 1.260/13. Acórdão 862, de 19.12.2013.
FRANÇA. Conseil Constitutionnel
(Consultado no sítio do referido órgão na internet. A pesquisa pode ser feita pelo número do acórdão no seguinte endereço: <http://recherche.conseil-constitutionnel.fr/?expert>)
Décision 83-165, DC du 20 janvier 1984 (20.01.1984).
ECLI:FR:CC:1984:83.165.DC
Notas de Rodapé
[1] Especialista e Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Titular de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Ibirapuera e Professor Doutor da Escola Paulista de Direito.
[2] Cf. MEDEIROS, Rui. Direitos, liberdades e garantias e direitos sociais: entre a unidade e a diversidade. In: MIRANDA, Jorge (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Lisboa: Fadul, 2010. v. 1, p. 668.
[3] Com o julgamento do ARE 639337 AgR/SP – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – j. em 23.08.2011 –Publicado em 15.09.2011.
[4] Com efeito, se houvesse recursos infinitos, certamente o legislador não teria limites, pois o anseio de qualquer mandatário político é agradar seus eleitores. Como isso não ocorre, e diversos são os interesses em jogo, o governante deve fazer escolhas e, algumas vezes, modificá-las. Ademais, inerente ao princípio republicano está a alternância do poder e nada mais natural que os grupos que sucedem o exercício dos poderes constituídos alterem as opções político-legislativas anteriormente adotadas. Cf. SILVA, Jorge Pereira da. O dever de legislar e proteção jurisdicional contra omissões legislativas: contributo para uma teoria de inconstitucionalidade por omissão. Lisboa: Universidade Católica, 2003. p. 281.
[5] Cf. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 112.
[6] Cf., nesse sentido, decisão do Conselho Constitucional francês. CC. Décision 84-181, DC du 11 octobre 1984 (11.10.1984). ECLI:FR:CC:1984:84.181.DC
[7] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais. Coimbra: Coimbra, 2010. p. 246; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 460.
[8] Cf. NOVAIS, Reis. Direitos sociais…, cit., p. 249.
[9] Cf. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 39-51.
[10] Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. v. IV, t. IV,p. 397.
[11] Cf. QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais: princípios dogmáticos e prática jurisprudencial. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 5. Canotilho fala em proibição de contra-revolução social ou evolução reaccionária. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. Rui Medeiros fala ainda em tom irônico em princípio da proibição da evolução reaccionária. MEDEIROS, Rui. Direitos, liberdades e garantias e direitos sociais: entre a unidade e a diversidade. In: MIRANDA, Jorge (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Lisboa: Fadul, 2010. v. 1, p. 668. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional…, cit., p. 397.
[12] HACHEZ, Isabelle. Le principe de standstill dans le droit des droits fondamentaux: une irréversibilité relative. Athènes – Bruxelles – Baden-Baden: Editions Ant. N. Sakkoulas – Bruylant – Nomos Verlagsgesellschaft, 2008.
[13] Cf. SAJÓ, András. Social rights as middle-class entitlements in hungary: the role of constitutional court. In: GARGARELLA, Roberto; DOMINGO, Pilar; ROUX, Theunis. Courts and social transformation in new democracies: an institutional voice for the poor? Burlington: Ashgate, 2006. p. 86.
[14] Cf. FAVOREU, Louis; PHILIPPE, Loïc. Les grandes décisions du conseil constitutionnel. 10. ed. Paris: Dalloz-Sirey, 1999. p. 581 ss.
[15] MOLLION, Grégory. Les garanties légales des exigences constitutionnelles. Revue française de droit constitutionnel, n. 62, v. 2, p. 232, 2005.
[16] HACHEZ, Isabelle. Le principe de standstill…, cit., p. 485.
[17] ARAUJO, Cassandra Pinhel. La protection des droits fondamentaux dans l’union européene à la lumière de charte des droits fondamentaux – Mémoire de master 2 recherche droit international, européen et compare, 2013. Les Mémoires de l’Équipe de Droit International, Européen et Comparé, n. 4, p. 26. Disponível em: <http://ediec.univ-lyon3.fr/publications>. Acesso em: 18 jul. 2017
[18] Cf. BRAIBANT, G. La charte des droits fondamentaux de l’union européenne. Témoignage et commentaires. Paris: Editions du Seil, 2001. p. 267.
[19] Cf. COURTIS, Christian. Ni un paso atrás: la prohibición de regresividad en materia de derechos sociales. Buenos Aires: Del Puerto, 2006. p. 18.
[20] Cf. DELFINO, Massimiliano. Il principio di non regresso nelle direttive in materia di politica sociale. Giornale di Diritto del Lavoro e di Relazioni Industriali, 2002. Disponível em: <https://www.francoangeli.it/Riviste/ Scheda_ Rivista.aspx?idArticolo=19442>. Acesso em: 23 maio 2017. Convém salientar que na Itália, a despeito do atribuído pioneirismo doutrinário da proibição do retrocesso social, o recurso a tal princípio é raro na doutrina e jurisprudência, em face de sua configuração constitucional, que se assenta em outros princíipios, como a igualdade, a proporcionalidade e a razoabilidade para defesa de direitos em face de leis retroativas. Assim, os termos regressività e regressione também são encontrados, embora refiram-se a traduções literais do princípio da proibição do retrocesso contido em outros instrumentos não italianos.
[21] Cf. HESSE, Konrad. Grundzüge des verfassungsrechts der bundesrepublik deutschland. Heidelberg: C. F. Müller, 197, p. 86.
[22] Cf. SCHLENKER, Rolf-Ulrich. Soziales rückschrittsverbot und grundgesetz: Aspekte verfassungsrechtlicher einwirkung auf die stabilität sozialer rechtslagen. Berlim: Duncker & Humblot, 1986.
[23] Não tivemos acesso à 1ª edição, datada de 1949, mas apenas à segunda edição da obra, datada de 1950. PALLIERI, Giorgio Balladore. Diritto costituzionale. 2. ed. Milão: Dott. A. Giuffré, 1950. p. 280.
[24] Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente…, cit., p. 293.
[25] PALLIERI, Giorgio Balladore. Diritto costituzionale…, cit., p. 280. (Tradução nossa).
[26] PALLIERI, Giorgio Balladore. Diritto costituzionale…, cit., p. 280.
[27] Cf. arts. 1º a 19º da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha.
[28] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 450-1.
[29] Cf. DERBLI, Felipe. A aplicabilidade do princípio da proibição de retrocesso social no direito brasileiro. In: SARMENTO, D.; SOUZA NETO, C. P. (Coords.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 345.
[30] Cf. NOVAIS, Reis. Direitos sociais…, cit., p. 249.
[31] Uma outra incoerência dessa tese de criar uma conexão entre direito de propriedade e direito social é seu aspecto se poder sustentar, a contrario sensu, a desapropriação dos direitos sociais, mediante indenização. DERBLI, Felipe. A aplicabilidade do princípio da proibição de retrocesso social no direito brasileiro. In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 345.
[32] A tese de existência de uma proibição do retrocesso que possa vincular o legislador não é consensual na doutrina. Sobre a divergência doutrinária, Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. 5. ed. Coimbra: Coimbra, 2012. t. IV, p. 485 ss.
[33] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 158.
[34] OTERO, Paulo. Instituições políticas…, cit., p. 578-92.
[35] Cf., dentre outros, MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. v. IV, t. IV, p. 397-8; MEDEIROS, Rui. Direitos, liberdades e garantias e direitos sociais: entre a unidade e a diversidade. In: MIRANDA, Jorge (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Lisboa: Fadul, 2010. v. 1, p. 676; SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos…, cit., p. 455-7. Ana Paula de Barcelos justifica a tese da proibição do retrocesso como uma espécie de eficácia jurídica vedativa, segundo a qual se deve proteger a parcela do direito concretizado legislativamente, quando não for acompanhada de “política substitutiva”. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 85 ss; OTERO, Paulo. Instituições políticas…, cit., p. 578-92; HACHEZ, Isabelle. Le principe…, cit., p. 17.
[36] Cf. art. 2º, n. 1; art. 13, n. 2, “b” e “c”; art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O referido tratado entrou em vigor em 31.10.1988. Cf. art. 27, n. 2, do International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Versão original em inglês disponível no site da Organização das Nações Unidas. A versão em português, bem como os documentos de ratificação e comunicação do depósito da ratificação estão disponíveis, em Portugal, no site do Diário da República Eletrônico: <https://dre.pt/application/file/297973>.
[37] Como defende Ingo Sarlet. Cf. SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos…, cit., p. 455-7. O autor invocado ainda o Estado de direito, através dos princípios concretizadores e regras constitucionais dele decorrente.
[38] Explica Sérgio Resende de Barros que “O Estado social e o Estado liberal se converterão um no outro, na medida em que se transformem um ao outro no terceiro em que serão um só: o Estado Democrático de Direito. (…) Um é tese, o outro é antítese e, pela própria força da contradição, ambos tendem a evoluir para sua síntese”. BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo. Campinas: Millennium, 2008. p. 261 (grifo no original). No mesmo sentido, acerca da Constituição espanhola, que adota a fórmula Estado social y democrático de Derecho, Manuel García-Pelayo defende que a referida noção não “constitui uma simples agregação ou justaposição dos termos componentes, mas sua articulação em uma totalidade conceitual”. GARCÍA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del estado contemporâneo. 2. ed. Madrid: Alianza, 1985. p. 92-104. Sobre os conceitos de Estado de Direito, Estado Social e Estado Democrático, cf. ALEXANDRINO, José Melo. Liçoes de direito constitucional. Lisboa: AAFDL, 2015. v. 1, p. 82 ss.
[39] Jorge Miranda explica o Estado Social de Direito a partir de como devem ser suportadas as despesas para a satisfação das necessidades coletivas. No Estado mínimo, tais despesas deveriam ser suportadas pelos privados; no Estado marxista, pelo Estado; e, no Estado social, este “assume os custos de satisfação de necessidades básicas, embora não os das demais necessidades a não ser na medida do indispensável para assegurar aos que não possam pagar as prestações os mesmos direitos a que têm acesso aqueles que as podem pagar”. Cf. MIRANDA, Jorge. Os novos paradigmas do estado social. Texto da conferência proferida em 28.09.2011, em Belo Horizonte, no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado. Disponível em: <http://www.icjp.pt/si tes/default/files/media/11162433.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017.
[40] Cf. em sentido contrário, SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais…, cit., p. 455-7.
[41] Nesse sentido, entendeu o Supremo Tribunal Federal no Brasil, na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2213/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – Publicado em 23.04.2004.
[42] Cf. art. 2º, n. 1; art. 13, n. 2, “b” e “c”; art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O referido tratado entrou em vigor em 31.10.1988. Cf. art. 27, n. 2, do International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Versão original em inglês disponível no site da Organização das Nações Unidas. A versão em português, bem como os documentos de ratificação e comunicação do depósito da ratificação estão disponíveis, em Portugal, no site do Diário da República Eletrônico: <https://dre.pt/application/file/297973>.
[43] HACHEZ, Isabelle. Le principe de standstill…, cit., p. 26. No mesmo sentido: COURTIS, Christian. Ni un paso atrás…, cit., p. 8.
[44] Segundo Flávia Piovesan, os direitos e garantias previstos em tratados e convenções criam obrigações jurídicas, não consistindo em meros preceitos de ordem moral e programática. Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, globalização econômica e integração regional. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 70-1.
[45] HACHEZ, Isabelle. Le principe de standstill…, cit., p. 54 ss.
[46] Cf. COURTIS, Christian. Ni un paso atrás…, cit., p. 12 ss.
[47] Dispõe o referido artigo: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (…); III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (…)”.
[48] Dispõe o “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (grifamos).
[49] Dispõe o “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; (…); III – função social da propriedade (…)”. Cf. DERBLI, Felipe. O princípio da proibição do retrocesso…, cit., p. 382.
[50] Nesse sentido, cf. MENDONÇA, João Vicente Santos de. Vedação do retrocesso: o que é e como perder o medo. Revista de Direito da Associação de Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. v. XII, p. 223-4.
[51] Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional: teoria da constituição em tempo de crise do estado social. Coimbra: Coimbra, 2014. t. II, v. 2, p. 589-90.
[52] MORAIS, Carlos Blanco de. Curso…, cit., p. 577.
[53] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 86.
[54] Cf. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York, London: W. W. Norron & Company, 1999. p. 35 ss.
[55] Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional…, cit., p. 556 ss.
[56] O principal expoente dessa tese é Böckenförde. Cf. BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Estudios sobre derechos fundamentales. Trad. Juan Luis Requejo Pagés e Ignacio Villaverde Menéndez. Baden Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 1993. p. 80 ss.
[57] O direito subjetivo, adaptando a conceituação proposta por Léon Duguit, pode ser definido como o poder do indivíduo de pleitear o reconhecimento jurisdicional de algo que se pretende, desde que seu objetivo e motivo sejam legítimos. Cf. DUGUIT, Léon. Manuel de droit constitutionnel: théorie générale de l’état – le droit et l’état – lês libertes publiques – l’organisation politique de la france. 4. ed. Paris: E. de Boccard, 1923. p. 1.
[58] Segundo Canotilho, tais imposições constituiriam os direitos originários a prestações e sua concretização por atos normativos infraconstitucionais corresponderiam a direitos derivados a prestações. Reconhece o autor que para a maior parte dos juristas, os direitos a prestações seriam normas programáticas, e não imposições constitucionais e, portanto, não gerariam direitos subjetivos. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 1982. p. 366; 374.
[59] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Joäo Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 140-1.
[60] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente…, cit., p. 368.
[61] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional…, cit., p. 337.
[62] Ibidem, p. 338-9.
[63] Adota-se aqui a definição trazida por Carlos Blanco de Morais, segundo o qual os direitos subjetivos são “posições jurídicas ativas consagradas em norma jurídica portadora de um elevado grau de determinabilidade ou decidibilidade que permite ao seu titular desfrutá-la em termos imediatos ou exigir judicialmente que seja assegurado esse mesmo desfrute”. Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso…, cit., p. 574.
[64] Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso…, cit., p. 574.
[65] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. V. A. Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 43, 195-6, 202-3.
[66] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional…, cit., p. 338-9.
[67] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos …, cit., p. 43, 195-6, 202-3.
[68] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 127 e 130-131.
[69] NOVAIS, Jorge Reis. O direito fundamental à pensão de reforma em situação de emergência financeira. E-pública – Revista Eletrônica de Direito Público, n. 1, 2014. Disponível em: <http://e-publica.pt/pdf/artigos/direitofundamentalpensao.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2018, p. 7.
[70] Cf. TCP. Processo 1260/2013. Acórdão 862/2013, § 45.
[71] NOVAIS, Jorge Reis. Princípios constitucionais…, cit., p. 304-6.
[72] Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1983. p. 369, nt. 37.
[73] Ibidem, p. 378.
[74] OTERO, Paulo. Instituições políticas…, cit., p. 578-92.
[75] Cf. OTERO, Paulo. Instituições políticas…, cit., p. 578-92; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 369, nota 37.
[76] Cf. HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade, ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 75.
[77] Cf. LÉON, Luis Fleitas de. A propósito del concepto de “estado de derecho”: un estudio y una propuesta para volver a su matriz genética. Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo, a. X, n. 20, p. 24, 2011.
[78] Cf. STF – RE 363889 – Pleno – Rel. Min. Dias Toffoli – Publicado em 16.12.2011.
[79] Nesse sentido, OTERO, Paulo. Instituições…, cit., p. 596; PULIDO, Carlos Bernal. Fundamento, conceito e estrutura dos direitos sociais: uma crítica a “existem direitos sociais?” de Fernando Atria. In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 161. QUEIROZ, Cristina. O princípio…, cit., p. 70.
[80] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 378.
[81] Cf. NOVAIS, Reis. Direitos sociais…, cit., p. 249.
[82] Cf. HESSE, Konrad. Grunzüge des verfassungsrechts…, cit., p. 86-7. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional…, cit., p. 393. Paulo Otero, porém, admite tal retrocesso se houver fundamentação por parte do legislador. Cf. OTERO, Paulo. Instituições políticas…, cit., p. 578-92.
[83] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional…, cit., p. 340.
[84] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 381.
[85] Cf. Processo 768/2002. Acórdão 509, de 19.12.2002.
[86] Cf. ALEXADRINO, José de Melo. Direitos fundamentais: introdução geral. Estoril: Principia, 2007. p. 145. Segundo o autor, a existência de um conteúdo essencial é incompatível com a sistemática do art. 18º, n. 3, combinada com o art. 17º da CRP.
[87] DERBLI, Felipe. A aplicabilidade…, cit., p. 364.
[88] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, cit., 1981. p. 670.
[89] “Não se visa com isso revestir as normas legais concretizadoras da força jurídica própria das normas constitucionais ou elevar os direitos derivados a prestações a garantias constitucionais. Essas normas continuam modificáveis como quaisquer outras normas ordinárias, sujeitas a controlo da constitucionalidade e passíveis de caducidade em caso de revisão constitucional (sem prejuízo de limites materiais). Nem sequer vêm a prevalecer sobre outras normas ordinárias; como tais, nenhuma consistência específica adquirem. O que se pretende é, na vigência de certas normas constitucionais, impedir a abrogação pura e simples das normas legais que com elas formam uma unidade de sistema”. MIRANDA, Jorge. Os novos paradigmas…, cit.
[90] MEDEIROS, Rui. Direitos…, cit., p. 676.
[91] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 377. Também Carlos Blanco de Morais entende que o princípio da proibição do retrocesso não impede que sejam extintos direitos criados por lei ordinária. A aplicação do mesmo regime previsto no art. 18º da CRP não impede que tais direitos sejam extintos. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional…, cit., p. 52.
[92] Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente…, p. 414.
[93] Cf. Processo 6/83. Acórdão 39/1984. Declaração de Voto.
[94] QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade…, cit., p. 70.
[95] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 378-80.
[96] NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais…, cit., p. 155 ss.
[97] Cf. Processo 6/83. Acórdão 39/1984. Declaração de Voto Messias Bento.
[98] Como admitem, com algumas variações, QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade…, cit., p. 70; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 378-80.
[99] Cf. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 10. Para uma definição mais ampla, conceito e histórico, cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional: teoria da constituição…, cit., p. 242 ss.; e, do mesmo autor: As mutações constitucionais implícitas e os seus limites jurídicos: autópsia de um acórdão controverso. Jurismat – Revista Jurídica do Ismat, Portimão, n. 3, p. 55, 2013. Disponível em: <http://www.ismat.pt/images/PDF/jurismat3.compressed.pdf>. Acesso em: 03 ago. 2017, p. 61 ss.
[100] Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 31.
[101] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 378-80.
[102] Cf. BOCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Estúdios sobre el estado de derecho y la democracia. Trad. de Rafael de Agapito Serrano. Madrid: Trotta, 2000. p. 185 ss.
[103] As sentenças ou decisões intermédias ou aditivas são as decisões que “declaram que ao preceito impugnado lhe falta algo para ser conforme à Constituição, devendo, assim, o preceito ser aplicado incluindo aquilo que lhe faltava”. Cf. SÁ, Fátima de. Omissões inconstitucionais e sentenças aditivas. In: MORAIS, Carlos Blanco de (Org.). As sentenças intermédias da justiça constitucional. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 428-9.
[104] O ativismo judicial pode ser definido como o “exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há, como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante à práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes”. Cf. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 129.
[105] HÄBERLE, Peter. Dignita’Dell’Uomo e Diritti Sociali nelle Costituzioni degli Stati di Diritto. In: BORGHI, Marco. Costituzione e diritti sociali. Fribourg: Éditions Universitaires Fribourg, 1990. p. 99 ss.
[106] Por isso pondera Alexandrino que a aceitação dessa tese consagraria a impossibilidade de o Direito se adaptar à realidade. Cf. ALEXANDRINO, José de Melo. A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituição Portuguesa: a construção dogmática. Coimbra: Almedina: 2006. v. II, p. 291.
[107] Cf. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York, London: W. W. Norron & Company, 1999. p. 113-8.
[108] Cf. MEDEIROS, Rui. Direitos…, cit., p. 679.
[109] Cf. SILVA, Jorge Pereira da. O dever de legislar…, cit., p. 284.
[110] Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça constitucional: o direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2011. t. II, p. 497 ss.
[111] Cf. MEDEIROS, Rui. Direitos…, cit., p. 673-5. FREITAS, Tiago Fidalgo de. O princípio da proibição do retrocesso social. In: Separata de Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento. Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 830.
[112] Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais…, cit., p. 409.
[113] É o que entendeu o Tribunal Constitucional português no Acórdão 150/1985.