Proteção das Florestas na União Europeia: Primeiras Impressões
DOI: 10.19135/revista.consinter.00006.08
Pedro Curvello Saavedra Avzaradel[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3755-8820
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar de forma breve a proteção das florestas no contexto da União Europeia. Serão analisadas, num primeiro momento, as bases jurídicas existentes para a proteção ambiental no bloco. Em seguida, serão trazidas à baila as instituições dedicadas especificamente ao tema, com destaque para a Conferência de Ministros para a Proteção das Florestas e o Comitê Permanente para Florestas na Europa, bem como as estratégias do bloco para a proteção das florestas, tendo por foco as possibilidades de um tratado vinculante e a produção de energia a partir da biomassa florestal. Sem pretensão de esgotar o tema, o presente estudo se propõe e apresentar a problemática da tutela florestal no velho continente, servindo de base para futuros e mais aprofundados estudos.
Palavras-chave: Florestas; Proteção Jurídica; União Europeia.
Abstract: The present work has for objective to present in a briefly the protection of the forests in the context of the European Union. It will analyze, in a first moment, the existent regional law bases for the environmental protection. Afterwards, the institutions dedicated specifically to the forest issue will be brought to light, especially the Conference of Ministers for the Protection of the Forests and the Permanent Committee for Forests in Europe, as well as the strategies of the EU for the protection of the forests, focusing on the possibilities of a binding treaty and on the production of energy from the forest biomass. Not willing to exam the theme in its full complexity, the present study proposes to present the problem of the forest protection in the old continent, aiding more detailed studies in the future.
Keywords: Forests; Law Protection; European Union.
INTRODUÇÃO
Em função dos Tratados e Declarações Internacionais provenientes de estruturas das Nações Unidas, o Direito Ambiental surge neste plano a partir dos anos 1970 e se consolida no final do século passado, reconhecendo como uma de suas premissas que os grandes problemas ambientais não podem ser resolvidos por uma ou algumas nações isoladamente. Nas palavras de Ramon Martin Mateo (1991, p. 203), “la protección de los elementos es materia que frecuentemente rebasa los limites territoriales em que se exerce la jurisdicción de um Estado, bien por transmitirse la contaminación a otros territorios soberanos, bien por transceder ésta a sistemas no sometidos a ninguna soberanía específica, como es el caso de los mares internacionales o de la estratosfera”.
Exige-se, por isso, uma cooperação estruturada e a assunção de compromissos de acordo com as capacidades e responsabilidades diferenciadas de cada país. Outra premissa importante, destacada por Beurier e Kiss (2004, p. 145), consiste na proteção de bens e recursos ambientais para o bem-estar da humanidade (incluídas as gerações futuras) e não a partir dos interesses específicos de cada Estado.
Não surpreende que o Direito Ambiental tenha normas e princípios oriundos de constituições e legislações nacionais, por um lado, e, de outro, instâncias e acordos internacionais. Em respeito à soberania e igualdade (ao menos formal) na comunidade internacional, os Estados somente se submetem às normas voluntariamente aceitas e internalizadas. Essas normas são negociadas buscando sempre o consenso das partes envolvidas, razão pela qual se manifestam como recomendações, declarações definidoras de conceitos, princípios e obrigações gerais (SILVA, 1995, p. 8). Ao estabelecerem fóruns internacionais permanentes para a tomada de decisões como a adoção de protocolos ou tratados específicos, segundo Varella (2004, p. 61), essas convenções-quadro possibilitam a construção gradual de obrigações, sobretudo quando envolvidas questões polêmicas.
Na opinião de Romi (2013, p. 24),
Il s’agit d’un outil méthodologique dont on sent bien qu’il est fait pour imprégner la confection ultérieure d’instruments classiques, mais qui va bien au-delà: pas de valeur juridique contraignante, donc, mais une autorité pour construire – ou, mieux, traduire – un consensus pour une action qui dépasse elle-même la dimension environnementale minimale de la protection pour aller jusqu’à la gestion écologique.
Contudo, a eficácia e de certa forma a efetividade do Direito produzido nas arenas internacionais depende de sua incorporação pelas ordens internas dos Estados nacionais, à qual se seguem a promulgação e o registro perante o órgão competente na comunidade internacional (GUERRA, 2004, p. 44-46). Igualmente, a efetividade dessas normas depende da existência de instituições nacionais e subnacionais bem estruturadas (VARELLA, 2009, p. 42-43), ou, em outras palavras, de capacidades institucionais satisfatórias.
Por mais que exista uma tendência no sentido de os tratados internacionais ambientais envolverem outros atores não estatais (ex.: corporações e organizações não governamentais internacionais) e subnacionais (instâncias locais e federadas não soberanas perante à comunidade internacional), podemos dizer que o Direito Internacional Ambiental ainda se estrutura, de forma geral, a partir das Nações Unidas e dos Estados soberanos que dela participam.
No que tange aos tratados internacionais de alcance global, surgidos de negociações conduzidas pelas Nações Unidas, podemos dizer que a proteção das florestas caracteriza-se por dois conjuntos de normas: de um lado, por dispositivos dispersos, boa parte das vezes de forma indireta – como meios necessários, por exemplo, para conservar a biodiversidade ou estabilizar as alterações climáticas. De outro, existem normas voltadas na sua integralidade para a questão das florestas sem caráter vinculante ou obrigatório. Neste segundo grupo podemos citar a Declaração de Princípios sobre Florestas, a Agenda 21 (ONU, 1992), resultantes da Conferência das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro, e o Instrumento para Florestas das Nações Unidas (ONU, 2007).
Dado o ritmo demasiado lento de construção gradual das normas no âmbito das Nações Unidas, o caráter pouco vinculante dessas normas e a urgência de questões como as alterações climáticas, não podemos deixar de considerar os arranjos regionais e suas normas ambientais, dos quais a União Europeia desponta como profícuo e notório exemplo. Segundo Romi (2013, p. 17), a incapacidade das Nações Unidas estabelecerem uma efetiva governança, bem como a profusão de normas internacionais fragmentadas ou setoriais torna evidente a importância do direito ambiental europeu. Nas palavras do autor:
À ce désorde de sorces, três relatif , car il ne se résume qu’à une forte sectorisation qui se pourrait réduire par une gouvernance mondiale de l’environnement – répond, d’une manière qui pourrait paraître caricaturale si elle ne s’expliquait pas clairement par l’histoire, une approche européenne qui se caractérise par une prise en compte autonome, marquée, et integrée par les autres politiques que les politiques d’environnement : constitucionnellement proclamé, vertébrée par des programmes réguliers qui en assurent une misse en musique institutionnelle, financière et juridique régulière, volontaire et, surtout – naturellement – plus cohérente ou qui en tout cas paraît telle. (ROMI, 2013, p. 17)
Dentro do contexto acima, passamos a apresentar um breve panorama do Direito Ambiental Europeu e de algumas instituições e iniciativas capazes, ao menos em tese, de produzir uma Convenção Florestal Europeia. Como veremos, existem alguns fóruns de negociação que por vezes se contradizem e às vezes se comunicam.
1 NOTAS SOBRE A PROTEÇÃO AMBIENTAL NA UNIÃO EUROPEIA
Comemora-se este ano 60 anos da celebração do Tratado de Roma, marco fundador da Comunidade Econômica Europeia (CEE) e primeiro passo para o surgimento da posterior União Europeia (UE). Contudo, foi preciso esperar cerca de duas décadas até que, com os debates que antecederam e resultaram da Conferência de Estocolmo de 1972, o bloco começasse, efetivamente, a cuidar, enquanto tal, da questão ambiental. Ao comentar esse aspecto, assim se pronuncia Raphaël Romi (1993, p. 13):
Même si cela paraît aujourd’hui surprennant, Il n’etait pas vraiment das la logique de la CEE de développer une politique de l’environnement.
Il a fallu en effect attendre 1972 pur que les chefs d’état et de gouvernement reconnaissent qu’il convenait « de mettre en ouvre une politique communautaire de l’environnement ». La Comission se lança dans la préparation d’un programme d’action qui fut avalisé par le Conseil le 22 novembre 1973.
Sobre a mesma questão, observa Patrick Thieffry (1998, p. 3) que
Pour Le Traité de Rome, l’integration des machés constituait l’ouvre fondamentale de la Communauté il fallait, par exemple, faire échec aux obstacles à la libre circulation des merchandises résultant de normes techniques ou aux possibles effets anticoncurrentiels des aides étatiques accordées aux industries. La protection de l’environnement n’était que rarement un but en soi pendant la décennie des années 1960. Ce n’est qu’en 1972, année de la conference des Nations Unies de Stockholm, que la Communauté aborda réellement les questions relatives à l’environnement.
Ainda de acordo com Thieffry (2015, p. 20), entre os anos de 1967 e 1972, foram adotados alguns regulamentos e diretivas setoriais sobre etiquetagem de embalagens contendo produtos perigosos; acerca das poluições sonora e atmosférica provenientes de motores à combustão. Embora tenha adotado um programa de ação em 1973, a redação original do Tratado de Roma dificultava a determinação de competências e o estabelecimento de obrigações.
No que tange às políticas setoriais, Luis Ortega Álvarez (2005, p. 58) sublinha outros dois tratados que permitiram alguns programas de investimento e pesquisa, mesmo que de forma limitada. O tratado sobre a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, de 1951, permitiu, através de alguns dispositivos, investimentos concretos e melhorias na saúde dos trabalhadores desse setor, medidas de prevenção de doenças respiratórias e mecanismos de monitoramento da concentração de elementos nocivos. Outrossim, o tratado da Comunidade Europeia da Energia Atômica, assinado na mesma data que o Tratado de Roma, também fundamentou a realização de estudos e mecanismos de gestão da qualidade da água e do solo no que tange aos riscos de contaminação por radiações ionizantes.
De início, segundo Romi (2013, p. 32) as normas ambientais foram produzidas pela Comunidade Europeia com o intuito de aproximar e harmonizar as legislações internas, facilitando o livre comércio no bloco, com fundamento no art. 100 do Tratado de Roma. Este artigo trazia limitações às políticas ambientais, uma vez que teriam que se voltar ao livre comércio e à meta do mercado único. No mesmo sentido, Thieffry (2015, p. 21) afirma que os fundamentos eram a harmonização legislativa (art. 100) e o funcionamento do mercado comum (art. 235).
Destaca Luis Ortega Álvarez (2005, p. 59) a interpretação do art. 235, que tratava das competências implícitas e necessárias para realizar os objetivos do Tratado de Roma, juntamente com uma interpretação alargada desses objetivos, listados no art. 2º (sobretudo no que diz respeito à melhoria na qualidade de vida). Tais interpretações legitimaram ações diversas. O exemplo mais importante consiste no Primeiro Programa da Comunidade Europeia para Meio Ambiente, de 1973. Cita o autor um julgado da Corte de Justiça Europeia, de 07.02.1985, no qual restou cristalina a inserção dos valores ambientais nos objetivos da Comunidade. Sobre as limitações decorrentes dos arts. 235 e 100 enquanto fundamento das políticas ambientais então elaboradas, assim se posiciona:
Em cualquier caso, estos dos procedimentos, el del artículo 235 y el del artículo 100, tenian em comum dos elementos limitadores. El primero de ellos era que para ambas medidas se exigía la unanimidad del Consejo, por lo que la necesidad de acuerdo conducía a que el estándard de protección fuesse el que acceptasse el país menos proteccionista. El segundo de ellos era que, también en ambos casos, el objetivo de las medidas se circunscribía dentro del funcionamento del mercado común, esencialmente referido a las cuatro liberdades de tránsito e instalación de personas, mercancías, capitales y servicios, y a La defensa de La libre competencia. (2005, p. 59)
Foi preciso a adoção do Ato Único (UE, 1986) para que as dificuldades jurídicas iniciais fossem amenizadas. Com objetivo de reforçar o caminho rumo ao mercado interno comum, o acordo trouxe novos procedimentos (ex.: aumento dos casos em que o parlamento poderia deliberar por maioria qualificada) e instituições (ex.: o Conselho Europeu). Surgiam com este Ato os arts. 130-R, 130-S e 130-T do Tratado de Roma, especificamente dedicados à questão ambiental. Ao comentar esta reforma, assim se manifesta Ramón Martín Mateo (1991, p. 450):
La adición con ello en la Tercera Parte del Tratado CEE del título XII especialmente dedicado al ambiente, supone el respaldo jurídico al mas alto nivel de las preocupaciones comunitarias en este campo, superándose así su relativa orfandad, que había obligado a arroparle, um tanto forzadamente, bajo la cobertura de otros apoderamientos conexos suscitándose com ello sensibles inconvenientes tal como genéricamente había señalado la doctrina lo que reitera la que se ha ocupado específicamente del Acta Única y el medio.
A partir de então ficaria estabelecido o objetivo de melhorar a qualidade do ambiente e utilizar racionalmente os recursos naturais. Aos Estados seria possível reforçar as disposições comuns desde que tais reforços fossem compatíveis com Tratado como um todo. Outro ponto digno de nota é a presença no art. 130-R, § 2º dos princípios da prevenção, correção na fonte e poluidor-pagador (UE, 1986).
Como destaca Romi (2013, p. 33) isto não significa que as normas ambientais deixassem de ser editadas com base no art. 100 (que exigia a maioria qualificada para aprovação das medidas). Nas palavras do citado autor: “Il se dégageait donc dês cette époque deux manières de faire du droit européen de l’environnement: La façon ‘autonome’, traitant l’environnement de manière spécifique, et une manière plus intégrée qui tratait l’environnement à travers le prisme du rapprochement des législations à des fins de réalisatioin du marché interieur” (Idem).
Coube ao Tratado de Maastricht, de 1992, não apenas concretizar a união econômica do bloco, como lançar novas bases para a união monetária e para o reforço da união política (por exemplo, buscando ações e programas de segurança e política externa comuns). Ademais, criava-se a cidadania europeia (UE, 1992).
No que tange ao aspecto ambiental, os avanços foram decisivos. Consagrou-se o elevado nível de proteção ambiental como um dos objetivos do bloco, variável a ser obrigatoriamente considerada e incluída nas demais políticas. Esta obrigatoriedade de integração da política ambiental às demais a tornou de certa forma, privilegiada.
De acordo com Luis Ortega Álvarez (2005, p. 62), o Tratado de Maastricht teria complicado o sistema de tomada de decisões ambientais, estabelecendo três regimes possíveis: i) o primeiro se aplicava as medidas ambientais em geral, denominado de cooperação, em que o Parlamento não poderia vetar decisões do Conselho ou consultas ao Comitê Econômico e Social; ii) o segundo era aplicado às medidas essencialmente fiscais, de ordenação do território e ordenação do solo (excetuada a gestão de resíduos), medidas de caráter geral, de gestão de recursos hídricos e decisões energéticas estratégicas nacionais. Nesses casos exigia-se a unanimidade com consulta ao parlamento e Comitê Econômico e Social. Em alguns casos específicos o Conselho poderia escolher por unanimidade questões que seriam decididas por maioria qualificada. Por fim, o terceiro regime abrangia os Programas de Ação, aprovados por codecisão, cabendo aqui o poder de veto do Parlamento Europeu.
Ainda sobre o Tratado de 1992, foi acrescentado ao rol dos princípios do art. 130-R, § 2º o da precaução. Com algumas exceções (ex.: uso dos solos, gestão dos territórios, potenciais hidrelétricos e disposições de natureza fiscal), as decisões relativas ao meio ambiente passariam a ser tomadas por maioria qualificada. Outro ponto importante consiste na previsão da criação de fundos para projetos na área ambiental, nas redes europeias de transporte e infraestrutura (UE, 1992).
Por sua vez, o Tratado de Amsterdã (UE, 1997) tem sua importância associada: à inclusão do critério da sustentabilidade, e da busca pelo nível elevado de melhora e proteção ambiental no art. 2º, que cuida dos objetivos do bloco europeu; ao estabelecimento do dever de integração das políticas ambientais às demais no art. 6º; à possibilidade de um Estado-membro manter suas disposições internas em face de nova normativa europeia que busque harmonizar os ordenamentos jurídicos internos do bloco, considerando exigências importantes como a proteção ambiental – devendo comunicá-lo à Comissão Europeia que deverá aprovar ou rejeitar a medida em 6 meses, valendo o silêncio como anuência. Com este tratado, os artigos foram renumerados, passando a parte específica para os de número 174, 175 e 176.
Em dezembro do ano 2000, a carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, no art. 37 afirma que “todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de proteção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável” (UE, 2000). Reforça este último texto a integração da variável ambiental e o chamado desenvolvimento durável ou sustentável, não cabendo exceção em nenhuma hipótese de política, ambiental ou não. De uma forma geral, foram repetidas as disposições ambientais trazidas pelo ato único e pelos tratados de Maastricht e Amsterdã.
A partir do Tratado de Lisboa (UE, 2007), as alterações ou mudanças climáticas passaram a ser incorporadas expressamente como objetivo para o bloco. Nos termos da alínea acrescentada ao artigo/capítulo sobre meio ambiente (Título XX), as políticas do bloco devem contribuir para “a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas” (Idem). Igualmente, a partir deste tratado, o Tratado de Roma passou a ser chamado de Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), com a renumeração dos dispositivos (Idem).
Segundo Thieffry (2015, p. 24-26), embora este tratado, ao alterar o Tratado da União Europeia e o da Comunidade Europeia não tenha trazido novidades importantes no que se refere à política ambiental, algumas alterações institucionais gerais são dignas de nota por afetarem a forma como tal direito é implementado: o reconhecimento do valor vinculante da Carta Europeia de Direitos Fundamentais; a obrigação dos projetos de legislação europeia serem comunicados aos Estados-membros para que possam dar o seu aval no que diz respeito ao princípio da subsidiariedade; a possibilidade de iniciativa popular no bloco para a edição de normas regionais.
Corretamente, a questão climática foi inserida dentro do título sobre meio ambiente, não se podendo admitir que programas de mitigação das emissões ou adaptação aos efeitos esperados desconsiderem outros aspectos ambientais igualmente merecedores de atenção (ex.: questões ligadas à biodiversidade).
Em linhas gerais, podemos dizer que o Direito Ambiental Europeu, produzido de forma supranacional nos termos dos tratados acima citados, é exigível de pronto, vinculando os países que integram o bloco. E, ressalvadas pontuais exceções, goza de certa primazia sobre o ordenamento nacional (CANDEIRA; CUTANDA, 2014, p. 78). Os principais instrumentos jurídicos utilizados são: i) os regulamentos – normas de caráter geral e aplicáveis diretamente a todos os Estados-membros; ii) as diretivas – aplicáveis aos Estados-membros nas medidas dos resultados que precisem alcançar e que necessitam ser transportadas ou incorporadas aos ordenamentos internos; iii) as decisões – cujo conteúdo é obrigatório para os Estados-membros a que se direcionam (Ibidem, p. 79).
No que se refere à efetividade, pode-se constatar, a partir do inicio do século XXI um aumento significativo número de litígios submetidos à Corte de Justiça Europeia e ao Tribunal Europeu relativos ao meio ambiente. Apesar de uma tendência de queda no número de questionamentos sobre a lentidão na incorporação das diretivas, sobre a incorporação deficitária e sobre o desrespeito a diretivas, não se pode afirmar, segundo Thieffry (2015, p. 39-43), que isto signifique um avanço na efetividade do direito ambiental comunitário.
Neste aspecto, merece menção a criação da Comissão sobre a Implementação do Direito Comunitário, cujas atribuições na seara ambiental foram reforçadas e detalhadas pela Resolução do Conselho da União Europeia de 07.10.1997 (UE, 1997b). Esta comissão entre os anos de 1996 e 2005 elaborou alguns relatórios específicos sobre a efetividade direito ambiental no bloco. De 2006 em diante, a temática passou a constar como capítulo do relatório anual sobre a implementação da legislação comunitária.
Em 2008, um relatório específico da Comissão das Comunidades Europeias sobre a aplicação do Direito Comunitário Ambiental elencou como principais desafios: o atraso e a incompletude na adoção das legislações regional e nacionais; falta de conhecimento, consciência e capacitação dos administradores regionais e nacionais; a debilidade da execução de medidas e práticas; o atraso e a insuficiência dos recursos investidos para a redução da poluição (UE, 2008, p. 3). Apontam-se como questões graves: a não comunicação das medidas adotadas nacionalmente, o desrespeito das decisões da Corte de Justiça da Comunidade Europeia e a violação das normas do bloco – sobretudo neste último ponto dos princípios estabelecidos nos tratados regionais (Ibidem, p. 9).
De outro lado, a imposição de sanções pecuniárias aos Estados-membros do bloco pelo não cumprimento reincidente das diretivas – previstas no art. 260 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – parece ter efetivos positivos. No mesmo sentido, parece ter tido boa repercussão a aplicação do art. 258 do mesmo tratado (THIEFFRY, 2015, p. 39-43), que traz a possibilidade de a Comissão indicar uma não conformidade e comunicar ao Estado inadimplente, para que ajuste em prazo razoável, sob pena de responder perante o Tribunal.
Em 2013 foi criado o Expert Group Greening the European Semester & Environmental Implementation Review (EIR). Consiste o EIR num instrumento que funciona a partir de relatórios nacionais sobre a implementação das normas ambientais, suas dificuldades e desafios, boas práticas e experiências de sucesso, examinados anualmente pelo citado grupo de expertos. As experiências bem-sucedidas também podem ser submetidas à apreciação do Conselho Europeu.
Recente estudo (UE, 2016), feito a partir de casos selecionados de infração (não transposição, legislação nacional insuficiente e violação ou má aplicação das diretivas) entre 1999 e 2014 envolvendo os 15 membros mais antigos do bloco, teve como objetivo mensurar os benefícios decorrentes da implementação satisfatória das diretivas europeias ambientais a partir do trabalho da Comissão de Implementação do Direito Ambiental Europeu.
De acordo com o documento, os casos envolvendo certos dispositivos de uma diretiva acabam levando a uma melhor compreensão da sua importância e a melhor aplicação de todo seu conteúdo. Os impactos positivos são potencializados nos chamados casos horizontais, que envolvem vários Estados-membros inadimplentes com a mesma obrigação. O trabalho da comissão, de uma forma geral, estimula a criação de novos instrumentos, o reforço das capacidades institucionais, a transparência e o envolvimento da população. Ao fim, são economizadas importantes somas gastas com a saúde pública e com medidas ambientais de reparação (Idem. Ibidem).
2 A CONFERÊNCIA DE MINISTROS PARA AS FLORESTAS DA EUROPA
Ao focarmos especificamente na proteção das florestas no continente europeu, podemos observar um processo de construção de documentos e declarações que se inicia nos anos 90. Desde então, a Conferência de Ministros para a proteção das florestas na Europa (também chamada de Forest Europe) se tornou um fórum de alto nível para a tomada de decisões, iniciativas, bem como para a adoção de guias gerais de ação acerca do tema. Trata-se de um mecanismo voluntário cujos resultados importantes incluem: a organização de padrões e indicadores técnicos europeus sobre florestas, revisados periodicamente, de forma a uniformizar as informações e facilitar as avaliações dos resultados obtidos; a fixação de metas por meio de programas de ação, periodicamente avaliados e revistos nas conferências seguintes. Realizada em Estrasburgo em 1990, a Conferência inaugural teve a participação de 30 países, teve por objetivo estabelecer padrões técnicos para possibilitar a cooperação sobre o tema e a incorporação do mesmo nas pautas políticas. Foram adotadas 6 resoluções, quase todas voltadas para a estruturação de redes de cooperação e pesquisa sobre florestas no continente (UE, 1990).
Já a seguinte, realizada em 1993 na cidade de Helsinki, teve por pauta a incorporação nos níveis regional e nacional dos documentos produzidos na Cúpula da Terra (Agenda 21 e Declaração de Princípios). Nesta segunda conferência estiveram presentes 37 países e foram adotadas 4 resoluções, que incluem: diretrizes ou princípios gerais sobre manejo florestal sustentável e conservação da biodiversidade; estratégias de adaptação de longo prazo às alterações no clima – focadas no estabelecimento de áreas de aprofundamento científico (UE, 1993).
Entre os conceitos estabelecidos no preâmbulo da Resolução para a gestão sustentável dos bosques na Europa, esta gestão é conceituada no item “d” como “la administración y uso de los bosques y tierras forestales de forma e intensidad tales que mantengan su biodiversidad, productividad, capacidad de regeneración, vitalidad y su potencial para atender, ahora y en el futuro, las funciones ecológicas, económicas y sociales relevantes a escala local, nacional y global, y que no causan daño a otros ecosistemas” (UE, 1993).
Coube à cidade de Lisboa sediar a terceira edição, voltada para os aspectos sociais relacionados com a proteção das florestas. Com a participação de 36 países, foram aprovadas duas resoluções: a primeira sobre os aspectos sociais do manejo florestal sustentável e a segunda sobre o Plano de Trabalho Pan-Europeu para Aumento das Diversidades Biológica e Paisagística nos Ecossistemas Florestais (UE, 1998). Nesta última, estão estabelecidos os 6 critérios para a gestão sustentável na Europa: 1º – a conservação e a melhoria dos recursos florestais e sua contribuição para os ciclos mundiais de carbono; 2º – manutenção da saúde e vitalidade dos ecossistemas florestais; 3º – manutenção e incentivo das funções produtivas da floresta; 4º – manutenção, conservação e melhoria da biodiversidade nos ecossistemas florestais; 5º – manutenção e melhoria das funções ecológicas relacionadas à gestão, sobretudo a proteção das águas e dos solos; 6º – manutenção de outros benefícios e condições socioeconômicas – tais como os culturais, recreativos e a geração de emprego (UE, 1998).
Realizada em Viena no ano de 2003, a quarta Conferência adotou resoluções que retomaram temas dos encontros anteriores (aspectos sociais e culturais, biodiversidade, viabilidade econômica, mudanças climáticas) e abordaram ações de cooperação entre setores e serviços florestais nacionais. Na resolução sobre mudanças climáticas, enfatizaram-se a produção de energia a partir das florestas, as contribuições para o clima e os riscos existentes. Contou o evento com a presença de 41 países europeus e outros 4 não europeus observadores (UE, 2003). Não obstante, ficou a inovação mais emblemática por conta do processo de discussão, incluindo desde o início representantes de 5 setores ou grupos: proprietários, indústria florestal, Organizações Não Governamentais (ONGs) de cunho social; ONGs de defesa do ambiente e comunidade científica (Forest Europe, 2017).
Com a participação de 46 países, a próxima Conferência de Ministros para as Florestas da Europa seria realizada na cidade de Varsóvia em 2007. Esta conferência teve, além da declaração geral, duas resoluções. A primeira cuidou das relações entre floresta, madeira e energia buscando incrementar o fornecimento de energia a partir do manejo sustentável das florestas; a segunda teve por objeto as relações entre floresta e água, incluindo a necessidade de valoração dos serviços prestados pelas florestas e a articulação entre as políticas florestais e de recursos hídricos. Também foram adotadas duas declarações ministeriais: sobre a semana pan-europeia de florestas de 2008 e sobre os incêndios florestais (em razão dos incidentes ocorridos no sul do continente). Na declaração geral, destacamos a menção ao Instrumento das Nações Unidas para Florestas, adotado pouco antes, no mesmo ano, com caráter não vinculante e abrangendo todos os tipos de florestas (ONU, 2007).
Por sua vez, a sexta conferência, ocorrida na cidade de Oslo em 2011, envolveu 42 países europeus, além de outros 6 não pertencentes ao bloco, representantes dos setores produtivo e de ONGs como observadores. Os frutos mais importantes dessa conferência foram: o estabelecimento de metas e de um programa até 2020; o início das discussões sobre um instrumento de caráter vinculante, com a criação de um comitê intergovernamental responsável por negociar o futuro texto (UE, 2011). Dentre as metas para 2020 merecem destaque: a redução pela metade da taxa de perda de biodiversidade (florestal) e, se possível, sua redução a níveis próximos de zero; implementação de políticas que assegurem um aumento significativo das vantagens sociais e culturais das florestas, em especial a saúde humana, o desenvolvimento do campo e a geração de emprego (Idem).
Excepcionalmente, o ano de 2015 seria marcado não por uma, mas por duas conferências de ministros europeus para as florestas, ambas sediadas na cidade de Madrid. No âmbito da conferência ordinária, realizada nos dias 20 e 21.10.2015, foram adotadas resoluções sobre os benefícios sociais das florestas e sua importância para se alcançar uma “economia verde”[2] e sobre a relevância de se enfrentar os desafios globais relativos às florestas no nível regional (UE, 2015).
Por sua vez, a Conferência extraordinária, realizada na tarde do dia 21.10.2015 contou com a presença de 46 Estados Europeus e diversos observadores (países não pertencentes ao bloco, representantes do setor produtivo e ONGs) e teve por pauta avaliar os resultados do mandato de Oslo para a negociação de um instrumento vinculante (UE, 2015). Declaração geral reitera a necessidade de melhorar o papel dos bosques e seus produtos na mitigação das mudanças climáticas e adaptá-los aos efeitos já esperados; promover a melhoria da paisagem e a neutralidade de degradação da terra, entre outras medidas. Reforça também a necessidade do trabalho com enfoque holístico, integrado e intersetorial, incluindo questões como as alterações no clima, o combate à desertificação, os recursos hídricos e o desenvolvimento do campo, favorecendo as possíveis sinergias. O Anexo da Declaração traz a última versão dos indicadores para gestão de florestas (Idem).
Duas resoluções foram tomadas durante a Conferência de Madrid: a primeira teve por objeto o setor florestal no contexto da economia verde, destacando-se os benefícios sociais, o uso dos produtivos florestais para substituir outros mais intensos em carbono na geração de energia, a promoção de empregos verdes na floresta e incorporação do valor integral dos serviços por elas prestados no planejamento das políticas nacionais e de programas de pagamento por serviços ambientais. Estes podem ser utilizados para promover o emprego, as igualdades de gênero e social, dentre outros. Por sua vez, a segunda resolução cuida o aumento da proteção florestal num ambiente em mudança, com o objetivo de atualizar as políticas florestais com os novos desafios e ameaças, sobretudo climáticos. Contou, por fim, a conferência ordinária com uma Decisão Ministerial no sentido de rever o processo em si da Conferência Ministerial para as Florestas na Europa, de forma a torná-lo mais inclusivo e mais efetivo (UE, 2015).
Rodeada de grande expectativa, a Conferência Extraordinária realizada em Madrid teve por objeto os resultados do Comitê Intergovernamental responsável pela negociação de um texto vinculante sobre a proteção das florestas na Europa. Apesar das expectativas geradas, a Decisão Ministerial tomada nesta ocasião extraordinária se limitou a reconhecer o trabalho feito pelo Comitê e que a proposta feita deveria servir de base para uma “possível consideração futura”. Determina que esforços sejam feitos num momento oportuno até 2020 para que se encontrem pontos comuns sobre o acordo vinculante (UE, 2015). Ou seja, até o presente momento, a iniciativa de concretização de um tratado vinculante sobre as florestas na Europa não se concretizou.
Menos de 2 meses após as Conferências realizadas em Madrid, celebrou-se, no âmbito das Nações Unidas, o Acordo de Paris (ONU, 2015). Este acordo não apenas reconhece em seu preâmbulo a importância das florestas enquanto sumidouros de gases de efeito estufa como traz no art. 5º disposições específicas sobre esta questão:
1. As partes deveriam tomar medidas para conservar e, se for caso disso, reforçar os sumidouros e reservatórios de gases com efeito de estufa a que se refere o art. 4º, n. 1º, alínea d), da convenção, nomeadamente as florestas. 2. As partes são incentivadas a tomar medidas para aplicar e apoiar, incluindo através de pagamentos em função dos resultados obtidos, o quadro existente definido nas orientações e decisões pertinentes já acordadas no âmbito da convenção respeitante: às abordagens estratégicas e incentivos positivos para as atividades relacionadas com a redução de emissões provenientes da desflorestação e da degradação florestal e o papel da conservação, da gestão sustentável das florestas e do aumento das reservas de carbono das florestas nos países em desenvolvimento; e às abordagens estratégicas alternativas, como as que combinam a atenuação e a adaptação para a gestão integral e sustentável das florestas, ao mesmo tempo que se reafirma a importância de promover, se for caso disso, os benefícios de uma economia não dependente do carbono decorrentes dessas abordagens. (ONU, 2015)
Tendo em conta o contexto do Acordo de Paris, em que as partes se comprometem a definir elas próprias as metas mais ambiciosas possíveis de serem atingidas, revistas periodicamente de forma a serem progressivas, e adicionando a este contexto o papel de destaque conferido às florestas (ONU, 2015), acreditamos que este acordo global estimulará novas discussões acerca de um trato regional vinculante.
3 PLANOS, ESTRATÉGIAS, LIVRO VERDE E PROTEÇÃO DAS FLORESTAS
Sem prejuízo da Conferência de Ministros para as Florestas da Europa, mecanismo voluntario visto acima, outros processos, mecanismos e instrumentos merecem destaque. No final dos anos 80 foram criadas duas importantes estruturas no âmbito da então Comunidade Europeia. Por meio da Decisão do Conselho 89/367/CEE foi criado o Comitê Permanente Florestal, com atribuições ligadas ao intercâmbio de informações e à realização de consultas. Este Comitê é formado por representantes dos órgãos florestais dos Estados-membros (UE, 1989). No mesmo ano, o Regulamento 1615 do Conselho, de 29.05.1989 criou o Sistema Europeu de Informação e de Comunicação Florestais.
Por meio de seu parlamento, a Comunidade e, posteriormente, a União Europeia adotaram documentos com metas, estratégias e prioridades no que concerne às florestas. Em 24.02.1997 foi adotada pelo Parlamento a “Resolução sobre a estratégia da União Europeia para o setor florestal” (UE, 1997b), cujo objetivo era solicitar à Comissão que elaborasse no prazo de 2 anos uma norma sobre o assunto.
Após a Comunicação da Comissão de 18 de novembro, adotou o Conselho a Resolução de 15.12.1998. Reconhecendo não haver previsão específica no então Tratado que instituía a Comunidade Europeia sobre a política florestal, este ato reconheceu, de acordo com o princípio da subsidiariedade, o papel principal dos Estados-membros, cabendo à União auxiliar e ajudar tais políticas no bloco (1998b). Dentre outros pontos, o documento preconiza que os Estados-membros participem do Fórum de Ministros para as Florestas e sublinha a importância de um sistema de informações florestais (Idem).
No ano de 2006, após a avaliação da estratégia pela Comissão (UE, 2005), foi adotada por meio da Resolução do Parlamento Europeu de 16.02.2006 uma série de recomendações e elementos estratégicos, dentre os quais medidas para diminuir o desmatamento das florestas tropicais, combater as alterações no clima, cumprir com os compromissos internacionais, evitar incêndios florestais. Entre os elementos gerais, destaca-se novamente a ausência de uma base jurídica para uma política florestal comum e a existência de diversos conceitos de floresta, o que dificulta avaliações e articulações institucionais. O documento solicita que a abordagem adotada pelo Forest Europe seja adotada pelos Estados-membros e “insta a União Europeia a promover a utilização da madeira como fonte de energia renovável, bem como a utilização de produtos da silvicultura compatíveis com o respeito do ambiente” (UE, 2006).
Em seguida, a Comissão elaborou a Comunicação ao Conselho e Parlamento Europeus sobre um plano de ação da União Europeia para as florestas entre 2007 e 2011. De acordo com o documento, que inclui como premissa o importante papel da silvicultura multifuncional, são os quatro principais objetivos do plano de ação: a melhoria da competitividade da silvicultura no bloco em longo prazo; a melhoria e proteção do ambiente; contribuir para uma melhor qualidade de vida e promover a coordenação e a comunicação entre os diversos setores com interface florestal (UE, 2006b).
Ao emitir um parecer sobre este plano (UE, 2006c), o Comitê Econômico e Social sugeriu que fosse adotado um quinto objetivo: “Promoção da floresta como local de trabalho”, de forma a favorecer a geração de empregos no campo e a capacitação de proprietários e trabalhadores rurais no setor florestal. Nesse, sentido, propôs as seguintes ações-chave: “promoção da formação contínua; investigação da ligação entre a gestão florestal sustentável e a formação profissional” (Idem). Sobre a geração de energia a partir da biomassa florestal, o Comitê então recomendou que a utilização dos resíduos não prejudique os solos e a biodiversidade florestal e, no caso de madeiras tratadas quimicamente, que os resíduos perigosos não sejam liberados no ambiente. Sugere-se que a adoção desta fonte de energia seja feita de forma cautelosa e em longo prazo (Idem).
Em razão dos debates relativos aos desafios climáticos, expostos no chamado Livro Branco sobre este tema, a Comissão elaborou o documento “Livro Verde sobre a proteção das florestas e a informação florestal na UE: preparar as florestas para as alterações climáticas”, identificando os possíveis impactos de tais alterações nas florestas do continente e apontando possíveis contribuições desses mesmos ecossistemas para enfrentar os citados desafios (UE, 2010). Servindo como ponto de partida para debates e contribuições, após descrever as várias funções desempenadas pelas florestas na Europa, explora cinco questões envolvendo as alterações no clima.
Aqui também se manifestou o Comitê Econômico e Social Europeu, através do parecer elaborado em agosto de 2010 e publicado no início de 2011 (UE, 2011b). Segundo este parecer, haveria sim uma “base jurídica sólida” e instrumentos suficientes nacionais regionais para a proteção das florestas (Idem. Ibidem), contudo, “o problema do sector florestal é que os regulamentos e os instrumentos existentes estão fragmentados, o que provoca duplicações e possíveis incongruências” (Idem).
Já em 2011 o Parlamento Europeu adotou a Resolução de 11 de maio sobre livro verde, aprovando tal documento e sugerindo o reforço da estratégia europeia para as florestas. Tanto a estratégia quanto o plano de ação deveriam ser atualizados com vistas a incorporar aspectos relativos às mudanças no clima, dentre outros (UE, 2011c). O Parlamento também:
Congratula-se com a ideia da Comissão de que se deve considerar que as florestas dão um contributo fundamental para a resolução da crise climática; salienta que a gestão florestal sustentável é essencial para a UE atingir os seus objetivos em matéria de alterações climáticas e prestar os serviços necessários ligados ao ecossistema, como a biodiversidade, a proteção contra as catástrofes naturais e a absorção de CO2 da atmosfera (UE, 2011c);
Vale lembrar que com o Tratado de Lisboa (UE, 2007) a questão climática passa a integrar os objetivos do bloco e que, ao reconhecer a fundamental contribuição das florestas no enfrentamento de tais alterações, o Parlamento sinalizara a possibilidade de edição de regulamentos e medidas florestais com base neste objetivo expressamente consagrado. Outro trecho importante da Resolução adotada pelo Parlamento diz respeito ao Foreste Europe, aos parâmetros estabelecidos para a Gestão Florestal Sustentável (GFS) e aos debates sobre um instrumento vinculativo:
exorta a Comissão e os Estados Membros a demonstrarem o seu apoio ao processo “Forest Europe” tornando obrigatória a execução da GFS na UE; considera, além disso, que esse compromisso contribuiria para integrar os princípios da sustentabilidade na silvicultura e constituiria o melhor apoio possível ao processo “Forest Europe” e às convenções juridicamente vinculativas que estão a ser examinadas no âmbito do “Forest Europe” e do fórum das Nações Unidas sobre as florestas (UE, 2011c);
Ainda, a aludida resolução reconhece a importância das florestas na geração de empregos no campo e reconhece o papel fundamental dos agricultores na gestão sustentável dos recursos florestais e na prevenção de incêndios (UE, 2011c).
Atento à sugestão da Resolução do Parlamento de maio de 2011, que sugeria a atualização da estratégia e do plano de ação para as florestas na Europa, iniciou-se outro debate institucional em 2013. A Comunicação da Comissão com o titulo “Uma nova estratégia da UE para as florestas e o setor florestal” (UE, 2013) propõe um novo quadro político, capaz de superar os desafios atuais e fragmentação das políticas florestais, inclusive, reconhecendo que o bloco “não depende só da sua própria produção e que o seu consumo tem implicações para as florestas a nível mundial” (Idem). São apresentados 3 princípios para a nova estratégia:
– Gestão florestal sustentável e uso múltiplo das florestas, fornecimento equilibrado de bens e serviços diversificados e garantia da proteção das florestas.
– Utilização eficiente dos recursos, otimização da contribuição das florestas e do setor florestal para o desenvolvimento rural, crescimento e criação de emprego.
– Responsabilidade global pelas florestas, promoção da produção e consumo sustentáveis de produtos florestais. (UE, 2013)
Igualmente, são apresentados os seguintes objetivos para o período até 2020: assegurar e demonstrar a efetividade dos princípios da gestão florestal sustentável (definidos pelo Forest Europe) garantindo o reforço na contribuição europeia para as questões globais; “contribuir para equilibrar as diversas funções das florestas, satisfazer a procura e prestar os serviços ecossistêmicos vitais” e proporcionar uma base para a competitividade da silvicultura e de toda a cadeia de valor florestal. Em seguida, traz a Comunicação oito domínios prioritários e, em cada um deles, ações consideradas estratégicas (UE, 2013).
Manifestou-se o Comitê das Regiões no início de 2014, sublinhando “a importância de a UE respeitar o fato de que a política florestal é uma competência nacional”, respeitando as diferentes condições de cada um dos Estados-membros. Em outras passagens, solicita que a Comissão esclareça as obrigações decorrentes dos tratados internacionais e aquelas oriundas de acordos europeus, esclarecendo o papel dos órgãos especializados já existentes e evitando a criação de outras estruturas; sugere uma ampla campanha de sensibilização para reverter as tendências atuais e “lamenta que a Comissão Europeia não faça qualquer referência ao papel dos órgãos de poder local e regional” (UE, 2014a).
No mesmo ano de 2014 opinou o Comitê Econômico e Social Europeu. Recordando não haver previsão específica de uma política florestal comunal e cabendo, por isso, aos Estados exercer esta atribuição, o Comitê se manifesta “contrário a quaisquer regras juridicamente vinculativas e apoia uma abordagem baseada no mercado aberto, bem como a liberdade dos intervenientes no mercado” (UE, 2014b). Mais adiante, o documento afirma que “a imposição de regras juridicamente vinculativas quanto à hierarquia de utilização da biomassa florestal, definindo prioridades em matéria de utilizações da madeira, seria claramente contrária a uma economia de mercado aberto e à liberdade dos intervenientes no mercado” (Idem).
Fechando este ciclo, editou o Parlamento Europeu a Resolução de abril de 2015, publicada no ano seguinte. Dentre os pontos, sublinha o Parlamento “que se deve travar qualquer tentativa de fazer da silvicultura uma questão de política da UE e que devem respeitar-se as dimensões local e regional do setor e a competência dos Estados-Membros nesta matéria, procurando ao mesmo tempo garantir a coerência entre as competências respectivas da UE e dos Estados-Membros” (UE, 2016b). Em outro trecho, manifesta-se o Parlamento claramente contrário às normas jurídicas vinculativas “para a definição de prioridades na utilização da madeira, que não só limitariam o mercado da energia e o desenvolvimento de novas utilizações inovadoras da biomassa como seriam impossíveis de aplicar em muitas zonas periféricas e rurais” (Idem).
De outro lado, reconhece positivamente os avanços da Conferência de Ministros para as Florestas da Europa na negociação de uma “Convenção Florestal Europeia enquanto quadro vinculativo para a gestão sustentável da floresta e para melhorar o equilíbrio de interesses na política florestal” e solicita esforços no sentido de concluir este processo (UE, 2016b).
Destaca-se, negativamente, o fato das condições laborais não serem referência na proposta e se ressalta que o setor da silvicultura emprega mais de 3 milhões de pessoas: que 60% das florestas do bloco são privadas e pertencem a cerca de 16 milhões de proprietários. Sobre a produção de energia à partir da biomassa florestal, ressalta a necessidade de esclarecer os impactos climáticos e práticas mais benéficas (UE, 2016b).
CONCLUSÕES
Este artigo teve como objetivo avaliar a proteção das florestas no continente europeu e suas possibilidades a partir das negociações e processos capazes de produzir um acordo vinculante para o bloco. Foi conferida atenção especial ao tema da geração de energia a partir da biomassa florestal. Ao que tudo indica, desta primeira análise, parece haver um subaproveitamento dos debates conduzidos pela Conferência de Ministros para as Florestas na Europa (Forest Europe), tímido perto do possível e até necessário.
De forma semelhante ao que ocorre na esfera internacional, o regime europeu é marcado por uma série de instrumentos e iniciativas não vinculantes sobre florestas e por um conjunto de atos específicos (que não foi possível examinar neste momento) com repercussões sobre a proteção desses ecossistemas.
No que tange à adoção de um tratado europeu vinculante sobre proteção das florestas, algumas posições foram identificadas nos documentos lidos: i) o posicionamento mais tradicional, no sentido de não haver previsão da tutela florestal nos tratados constitutivo e de funcionamento da União Europeia, cabendo a esta apenas auxiliar e coordenar os esforços dos Estados-membros, estes principais responsáveis pela gestão florestal; ii) o posicionamento de que a proteção das florestas estaria profundamente ligada ao combate das alterações do clima, insculpido nos objetivos do bloco, o que fortaleceria a adoção de regulamentos e diretivas; iii) a necessidade de se negociar um tratado florestal europeu vinculante. No primeiro caso, procura-se manter o papel da União Europeia como secundário em relação à ação dos Estados. Nos outros dois vislumbra-se a possibilidade de alteração deste quadro normativo tradicional.
Cabe destacar que tanto na Conferência de Ministros para as Florestas na Europa quanto no processo institucional de revisão e atualização da estratégia e do plano de ação do bloco para as florestas (do qual são instâncias participantes, sobretudo, o Conselho, o Parlamento e o Comitê Econômico e Social) a adoção de um marco jurídico vinculante parece estar parada, “travada”, em suspenso.
Apesar dos imperativos e riscos representados pelas alterações no clima e cristalinamente já identificados, ultimamente esses processos de negociação passaram a acentuar as diferenças entre os Estados-membros e a importância do setor da silvicultura, favorecido pela demanda progressiva de energia renovável a partir da biomassa florestal.
Ao que parece, contudo, a pluralidade de instituições setorialmente organizadas e ainda mal articuladas reclama a concretização das negociações rumo à adoção de um quadro jurídico vinculante, capaz de favorecer uma política florestal integradora das variáveis climáticas, energéticas, econômicas, ambientais e sociais.
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VARELLA, Marcelo Dias. A efetividade do Direito Internacional Ambiental: analise comparativa das convenções da CITES, CDB, Kyoto e Basiléia no Brasil. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flavia; VARELLA, Marcelo Dias (Orgs.). A efetividade do Direito Internacional Ambiental. Brasília: Uniceub, Unitar e UNb, 2009. p. 26-43.
____. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
Notas de Rodapé
[1] Doutor em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-Doutorando em Direito Ambiental pela Univesidade Paris I Pantheon Sorbonne, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/BRASIL). E-mail: pedroavzaradel@id.uff.br.
[2] Embora não tenha sido conceituado claramente, o conceito de economia verde aparece algumas vezes no documento “O Futuro que Queremos”, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio+20 (ONU, 2012). Ao que tudo indica, trata-se de um conceito mais restrito do que o de desenvolvimento sustentável (de espectro mais amplo, pois inclui, além dos aspectos econômicos, os sociais, os ambientais e os culturais). A Economia verde, em breve síntese, busca reduzir pobreza, gerar empregos voltados para a questão ambiental, criar e ampliar incentivos para as práticas econômicas sustentáveis (ex.: o pagamento por serviços ambientais) e eliminar mecanismos ambientalmente perversos (ex.: subsídios aos combustíveis fósseis).