Pessoa Jurídica de Direito Público: Uma Análise Jurisprudencial sobre a Responsabilidade Penal

LEGAL ENTITY OF PUBLIC LAW: A JURISPRUDENTIAL ANALYSIS OF CRIMINAL LIABILITY

Caroline Andreska Targanski[1]

Elizângela Treméa Fell[2]

Resumo: O presente estudo adentra a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público no Brasil. A temática é atual e um tanto quanto controvertida, uma vez que há a previsão constitucional de responsabilização penal da pessoa jurídica, no entanto, sem distinções acerca da natureza jurídica do ente julgado. Procurou-se nesse trabalho, por meio de uma pesquisa bibliográfica, perquirir o histórico do direito penal, bem como os fundamentos constitucionais que motivaram sua vigência ser de caráter subjetivo, sinalizando que somente a pessoa humana é capaz de condutas ilícitas. Outrossim, partindo da compreensão das antinomias concernentes ao tema, estudou-se o posicionamento jurisprudencial acerca do assunto frente a uma sociedade que está em constante transformação. Conclui-se que parcela da doutrina ainda questiona a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica por vir de encontro ao princípio clássico “societatis delinquere non potest” e aos princípios da pessoalidade e culpabilidade. Todavia a jurisprudência nacional assinala – de maneira diversa – para esta responsabilização penal da pessoa jurídica, e, no caso de crimes ambientais, dispensa a necessidade de dupla imputação. Em relação à pessoa jurídica de direito público, observa-se que não há obstáculos para tal responsabilização, pois a Lei 9.605/1998 não exclui o ente político, sendo perfeitamente admissível que este cometa fato tipificado como crime no desenvolvimento de suas atividades.

Palavras-chave: Pessoa jurídica. Entes públicos. Responsabilidade penal.

Abstract: The present study enters the possibility of criminal liability of legal entities of public law in Brazil. The issue is new and somewhat controversial, since there is the constitutional provision of criminal liability of legal entities. However, there is no distinction on the legal nature of the judged entity. Through literature research, this study seeks to demonstrate the history of criminal law as well as the philosophical and constitutional foundations that motivated its validity to be of subjective character, indicating that only the human person is capable of unlawful conduct. Furthermore, starting from the understanding of the antinomies concerning this topic, the jurisprudential position on the subject in a society that is in constant transformation was studied.It was concluded that part of the doctrine still questions the possibility of accountability of the legal entity since it concurs with the classic principle “societatis delinquere non potest” and the principles of personhood and guilt. However, the national law indicates – in a different way – for this criminal liability of the legal entity, and in the case of environmental crimes, eliminates the need for double charging. Regarding the legal entity of public law, it is observed that there are no obstacles for such accountability, as the Law No. 9605 does not exclude political entity. Hence, it is perfectly conceivable that this entity commits criminalized fact in the development of its activities.

Keywords: Legal entity. Public entities públicos. Criminal liability.

1 INTRODUÇÃO

O arranjo humano no formato de entidades empresariais adquiriu grande relevância nas sociedades pós-industriais, estas que como núcleos suscetíveis de gerar ou facilitar a prática de ilícitos penais tem gerado a necessidade de um debruçar analítico acerca das possíveis penalizações. A importância de tais atores e a extensão do problema traz à tona a necessidade do debate de responsabilização.

A responsabilização penal da pessoa jurídica tem adquirido grande destaque no plano nacional e internacional, tanto para políticas públicas de prevenção e repressão dos ilícitos praticados, quanto do ponto de vista do debate jurídico-dogmático.

Os pontos de partida de tal discussão referem-se ao crescimento das demandas por regulação e a solução de problemas vinculados a criminalidade econômica, a corrupção, a lavagem de dinheiro, a lesão ao meio ambiente, dentre outras, bem como, a função central desempenhada pelas organizações empresariais nessas práticas, que são agravadas pelos obstáculos do sistema penal, esculpido para imputar somente responsabilidade individual.

Partindo de uma metodologia pautada na garimpagem bibliográfica e jurisprudencial o presente trabalho, visa apresentar os contornos que limitam a responsabilidade penal desses entes empresariais, em especial os de direito público.

A atribuição de personalidade às pessoas jurídicas foi um mecanismo para facilitar a sua atuação na esfera civil, e, a capacidade transferida às pessoas jurídicas surte efeito de modo a facilitar os negócios desempenhados nas organizações empresariais. No entanto, na esfera penal, de acordo com o direito penal vigente, a pessoa jurídica não pode ser entendida como possuidora das mesmas capacidades que um ser humano possui, gerando assim, dificuldade para sua responsabilização.

Partindo da análise antropológica do homem, estudando suas características essenciais, vê-se que o Direito Penal foi criado justamente a partir destas características e visa cumprir determinada função social. A pena aplicada aos infratores deve servir a eles, bem como aos outros integrantes da sociedade, como meio de conscientização de que a conduta praticada vai contra os anseios sociais e que a adaptação à sociedade é necessária devendo a lei ser respeitada. Assim, coerção penal infringe também uma coerção moral, porém quando aplicado às pessoas jurídicas, por estas não possuírem tal característica, torna quase sem efeito o instituto, no entanto reflete a aversão social ao crime praticado e o questionamento de como podem ser responsabilizadas quando pratiquem atos tipificados como crime. De tal modo, realiza-se um estudo profícuo sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, partindo da conjectura do Direito Penal atual e dos posicionamentos jurisprudenciais acerca do assunto.

Para a referida análise, os instrumentos utilizados são as pesquisas bibliográfica e legislativa, e ainda, artigos de revista e internet, além de vários outros meios e técnicas de pesquisa direta e indireta pautados sob o prisma dialético.

2 A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO ATIVO DE CRIMES

No cenário atual, de ampla atuação empresarial se discute a responsabilidade penal[3] da Pessoa Jurídica[4], isto é, a possibilidade dela ser sujeito ativo de fato tipificado como crime e de sofrer sanções penais pela realização do mesmo. Para solucionar esse impasse, observa-se que a doutrina traz algumas teorias sobre possibilidade ou não de tal responsabilização, mas ainda diverge quanto à solução a ser adotada.

Para teoria de ficção jurídica – criada por Friedrich Carl von Savigny – a Pessoa Jurídica é entendida como criação artificial do homem, existe somente no plano da abstração, sendo impossível responsabilizá-las na esfera penal, pois a imputabilidade penal é qualidade inerente aos seres humanos.

Essa aferição de culpa sobre o prisma da subjetividade é aplicada ainda na atualidade e encontra-se presente tanto na doutrina[5] quanto em julgados, nos dizeres de Dotti (1995), leva-se em conta o enfoque volitivo do administrador da entidade que atua em nome e em proveito desta, acarretando na sua responsabilização. Dessa forma, não se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica, visto que,

[…] as pessoas jurídicas tem existência fictícia, irreal ou de pura abstração devido a um privilégio lícito da autoridade soberana – sendo, portanto, incapazes de delinquir (carecem de vontade e de ação). O direito penal considera o homem natural, quer dizer, um ser livre, inteligente e sensível: a pessoa jurídica, ao contrário encontra-se despojada dessas características, sendo só um ser abstrato. A realidade de sua existência se funda sobre as decisões de certo número de representantes que, em virtude de uma ficção, são consideradas como suas; e uma representação semelhante, que exclui a vontade propriamente dita, pode ter efeito em matéria civil, mas nunca em relação à ordem penal. Os delitos que podem ser imputados à pessoa jurídica são praticados sempre por seus membros ou diretores, isto é, por pessoas naturais, e pouco importa que o interesse da corporação tenha servido de motivo ou fim para o delito. (PRADO, 2012, p. 125)

De tal modo, a pessoa jurídica é incapaz de delinquir devido a sua existência fictícia, uma criação abstrata manipulada pelos seus representantes. Só seria cabível uma responsabilização na esfera civil.

Os adeptos a essa teoria, sob o fundamento que a responsabilidade penal só pode atingir os autores das infrações, não podendo abranger pessoas que não os praticantes da conduta criminosa, fundamentam na inadmissibilidade da responsabilização calcados aos princípios norteadores do direito penal: “princípio da personalidade das penas”, o “princípio da inadmissibilidade da pena e da culpa” e o “princípio da individualidade da responsabilidade criminal”.

Na seara da critica, destaca-se os apontamentos de Diniz (2015), ao relatar que o maior empecilho na aplicação desta teoria consiste na sua aplicação quanto ao Estado, pessoa jurídica por excelência, que o consideraria uma ficção legal ou doutrinária, e, como consequência, o direito por ele emanado também o seria.

Em oposição a essa teoria, Otto Friedrich von Gierke desenvolveu a teoria da realidade objetiva ou orgânica[6], que prenota a capacidade de atuação volitiva da pessoa jurídica. Sanctis (1999) relata que essa vontade independe da pretensão se seus agentes, sendo decorrência da atividade orgânica da empresa, de forma que a pessoa jurídica pode transgredir, de maneira consciente, visando à satisfação de seus interesses. De acordo com Prado:

A pessoa moral não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem. Do mesmo modo que uma pessoa física, “atua como o indivíduo, ainda que mediante procedimentos diferentes, e pode, por conseguinte, atuar mal, delinquir e ser punida”. A pessoa coletiva tem uma personalidade real, dotada de vontade própria; com capacidade de agir e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma realidade social. É sujeito de direitos e deveres; em consequência, é capaz de dupla responsabilidade: civil e penal. (2012, p. 225)

Desta feita, essa corrente doutrinária considera a Pessoa Jurídica como titular de personalidade real ou orgânica, mesmo sendo formada por várias pessoas ou capaz de uma vontade real. Considera-a um ente independente, possuidor de vontades e capacidades podendo assim, sofrer responsabilização tanto na esfera civil quanto na esfera penal.

No entanto, Diniz (2015) ao tecer comentário sobre a perspectiva da personalidade orgânica, destaca a dificuldade de sua aplicação, visto que, a pessoa jurídica não pode ser tida como sujeito possuidor de vontade própria, já que tal fenômeno volitivo é inerente ao homem, recaindo esta segunda teoria em uma ficção.

Uma terceira via, que segundo Tartuce (2016, p. 232), seria uma mescla das concepções acima, é a teoria da realidade técnica ou como nomeia Diniz (2015) teoria da realidade das instituições jurídicas, defendida por Maurice Hauriou, e que situa a pessoa jurídica nos dois polos – tanto no da realidade quanto no da ficção[7]. Pode se entender que:

A pessoa tem, assim, realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal, a realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas. (MONTEIRO; PINTO, 2016, p. 216)

Essa vertente doutrinária, parte do pressuposto que sendo a personalidade jurídica uma investidura outorgada pela ordem jurídica aos entes que a merecem, e sendo a pessoa jurídica possuidora deste atributo, esta se encontra na esfera dos direitos e deveres igualmente a pessoas naturais. Dessa forma, a pessoa jurídica tem existência real, porém a sua personalidade é conferida pelo direito.

Diante das teorias apresentadas, nota-se um equilíbrio de posicionamento acerca da responsabilização penal da pessoa jurídica. Há uma consonância de entendimento de inadmissibilidade de responsabilização penal, haja vista a base do direito penal e os seus princípios predominantes, bem como quanto à admissibilidade da penalização das pessoas jurídica, em virtude da função desempenhada pela pena perante a sociedade.

2.1 Aplicação da Responsabilidade Penal à Pessoa Jurídica

Devido aos crescentes números de casos de auxílio de diretores ou sócios na prática de ilícitos penais, o Direito Penal moderno tem caminhado rumo à responsabilização da pessoa jurídica como sujeito ativo de crime (MIRABETE, 2002).

Nessa diretriz, verifica-se verdadeira disputa doutrinária no âmbito penal que prevalece acerca da responsabilidade penal da Pessoa Jurídica. Há posicionamentos que concordam com a responsabilização, outros que discordam e ainda aqueles que defendem a penalização da Pessoa Jurídica juntamente com os seus administradores.

Alguns princípios constitucionais fundamentam a impossibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime. O art. 5º, inciso LXV da Constituição Federal, estabelece que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, fixando os pilares do princípio da pessoalidade na aplicação da pena.

Conforme Kelsen (1979), a punição da pessoa jurídica por meio de prisão parece um absurdo jurídico, pois caso a pessoa jurídica seja imputada em crime penal, a pena restritiva de liberdade não poderá ser executada.

As penas aplicadas à pessoa jurídica não podem ser fundamentadas como são as penas aplicadas aos seres humanos pela própria natureza de cada um. A impossibilidade de penalização também é fundamentada na incapacidade de conduta da pessoa jurídica, como afirma Tourinho Filho (2013, p. 224) ao tecer comentários sobre a teoria da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, expressa pelo princípio societas delinquere non potest, isto é, a sociedade não pode delinquir: “Se o crime pressupõe uma conduta (nullum crimen sine conducta – não há crime sem conduta), cabe afirmar, com segurança, que a pessoa jurídica não pode delinquir – falta-lhe a capacidade de conduta”.

De tal modo, devido ao fato de a pessoa jurídica não possuir a capacidade de conduta própria, é formulado o entendimento de que não pode ser sujeito passivo de pretensão punitiva do Estado. Parte-se do pressuposto de que, “[…] a responsabilidade criminal é uma consequência da conduta do indivíduo, considerado como entidade natural ou física. Por isso mesmo não se pode admitir que as Pessoas Jurídicas possam ser sujeitos passivo da pretensão punitiva” (TOURINHO FILHO, 2013, p. 420).

A pessoa jurídica, não poderia ser responsabilizada penalmente em decorrência da sua própria natureza, uma ficção jurídica. Além disso:

A capacidade da pessoa jurídica não ultrapassa o fim para o qual foi instituída, qual seja, o de fazê-la capaz de ter direitos. Se as pessoas jurídicas tivessem a capacidade absoluta de direito e vontade, seriam igualmente capazes de relações de família. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 421)

A capacidade jurídica delegada à pessoa jurídica – sob essa perspectiva – é relativa, possuindo limites que se estendem na medida dos direitos concedidos, e não angaria obrigações. Fato que consolida a fundamentação de impossibilidade do ente questionado praticar algum tipo de conduta. Por não possuir vontade as possibilidades de imputação criminosa são excluídas. Assim, têm-se o entendimento que a pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque não possui capacidade de conduta. Sob este prisma, pode-se dizer que as infrações penais cometidas pela pessoa jurídica atingirão única e exclusivamente pessoas físicas, isto é, serão imputados criminalmente os sócios, gerentes, funcionários, dentre outros.

Ao debater esse assunto Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 412) afirmam que:

Os argumentos políticos penais para sustentar a responsabilidade das pessoas jurídicas também não passam de argumentos de efeito e fundos falsos. Afirmar que a pessoa jurídica não pode ser autora de delito não implica negar a possibilidade de punir seus diretores, administradores, nem que a pessoa jurídica possa ser objeto de sanções administrativas que, em substância, não podem ser diferentes das que pretendem legislar em sede penal (multa, suspensão da personalidade intervenção, dissolução). Tampouco prejudica nossa posição o fato de que as sanções administrativas poderiam ser aplicadas pelo próprio juiz penal, pois trata-se de uma mera questão de competência jurisdicional.

A responsabilização penal aparentemente é infundada, porém a possibilidade de responsabilização administrativa deve ser levada em consideração, visto que os únicos conflitos gerados seriam na órbita da competência jurisdicional.

Por outro lado, levanta-se a possibilidade de penalização da pessoa jurídica baseando-se na interpretação gramatical do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, que deixa o entendimento de possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, pois determina que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais”. Existe a possibilidade de sujeição às sanções da esfera penal, porém como afirma Tourinho Filho (2013, p. 224) “falta capacidade de culpabilidade, somente por arte mágica poder-se-á imputar-lhe a prática de crime”.

A Lei 9.605, de 1998, baseada no dispositivo retromencionado, traz em seu gume a previsão da possibilidade de responsabilização penal das entidades empresariais, dispondo acerca das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Este diploma legislativo autoriza a responsabilização penal da pessoa jurídica conforme nota-se no disposto em seu art. 3º:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas, administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas, não exclui a das pessoas físicas autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

A questão que surge para o debate se refere ao fato de que aparentemente o legislador não admitiu a responsabilidade da pessoa jurídica de forma direta. No art. 3º da Lei 9.605/1998 outorgou a responsabilidade da Pessoa Jurídica pelos atos típicos praticados pelos representantes ou empregados, após decisão de seus representantes legais ou contratuais, ou de órgão colegiado, visando interesses da entidade. Conforme acentua Tourinho Filho (2013, p. 224):

Procurou-se punir as pessoas jurídicas por via oblíqua, utilizando-se um artifício. Nullum crimem sine conducta. E como a conduta deve ser voluntária, não se concebe vontade na pessoa jurídica, e sim na pessoa do seu representante legal ou contratual, ou seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade […] Logo, se a infração for cometida por um empregado, ou se o ato infracional for fruto de ordem de um funcionário graduado, à revelia do representante legal, a pessoa jurídica estará a salvo de ser penalmente punida.

De acordo com a previsão legal, a atribuição de responsabilidade penal às pessoas jurídicas deve ser condicionada às decisões de seus representantes. A penalização não se justifica no caso de condutas de funcionários que não passem pelo crivo das decisões dos representantes da entidade.

Nesse sentido, vislumbra-se que a responsabilização penal da pessoa jurídica se justifica pelo argumento político-social do auge da delinquência econômica e que o Direito Penal tem como função a tutela de bens jurídicos, além de simbolizar aversão à prática de determinada conduta.

Na dogmática Penal a responsabilidade se fundamenta em ações atribuídas às pessoas físicas. Destarte, a prática de uma infração penal pressupõe necessariamente uma conduta humana. Partindo do pressuposto de que as decisões tomadas no ente coletivo partiram de seus representantes, a responsabilização dela como um todo se justifica, posto que, se for atribuída pena pecuniária, por exemplo, será de forma indiretamente direcionada aos responsáveis.

A concepção jurídico-causal do direito, conforme assevera Tavares (2002, p. 09), conduz à eliminação do sujeito, esta que:

[…] se processa, gradativamente, no próprio interior da estrutura das normas jurídicas, que se veem impregnadas da noção de impulso causal, que tanto pode corresponder a um dado real quanto a um mero pressuposto lógico, construído sob o prisma da reversibilidade, em pelo menos dois campos essenciais do direito.

Pensando nesses elementos especulativos, lembra-se que o conceito de conduta, não importa se causal, final, social ou funcional “não faz ressaltar a questão do sujeito, justamente porque o toma como mero elemento lógico de uma cadeia de imputação, sem consideração às suas reais condições políticas do sujeito deliberativo” (TAVARES, 2002, p. 10).

Pode-se caracterizar a penalização da Pessoa Jurídica como paradigma da linguagem forense. Assim, a solução da hermenêutica se dá quando:

A questão da redefinição indireta das palavras da lei, que implica por seu turno, uma reformulação de seu conteúdo e, portanto, uma alteração dos métodos interpretativos tradicionais, vai proporcionar, por meio do aperfeiçoamento da investigação da linguagem, o aparecimento de uma hermenêutica filosófica, que não se limita a traçar técnicas de interpretação da linguagem para alcançar os conceitos, senão de técnicas de compreensão. (TAVARES, 2002, p. 33)

A linguagem de interpretação não pode deixar espaço para dubiedade, é preciso um posicionamento jurídico para garantir a segurança jurídica. Falta solidez nas decisões proferidas acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas.

2.2 Decisões Acerca da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

A Lei 9.605/1998 trouxe expressamente a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica. Contudo, tratando do assunto e trazendo de forma expressa em texto, a abordagem não foi o suficiente para pacificar o entendimento quanto a sua responsabilização, permanecendo o dissenso.

Observa-se que ainda a corrente majoritária é a que se posiciona contra a responsabilização penal da pessoa jurídica, pautando-se na perspectiva de que a pessoa jurídica é considerada mera ficção legal, uma abstração jurídica, e devido a isto não possui condições de ser sujeito ativo de crime.

Notável defensor dessa tese, Dotti (2001) afirma que somente a pessoa humana tem capacidade de fato, de entender e querer, sendo a potencial compreensão de ilicitude, ou seja, a culpabilidade em si, atributo exclusivo da pessoa física e inexequível por ente jurídico. Assim, uma pessoa jurídica não seria capaz de praticar determinada conduta infratora, por não possuir capacidade de ação, logo, não poderia ter culpabilidade, que é peculiarmente atribuída à pessoa natural.

Conforme os fundamentos dessa corrente, a pessoa jurídica não pratica conduta criminosa, porque não apresenta consciência e escopo, puni-la configuraria responsabilidade penal objetiva, na qual, não se exige a comprovação da prática da conduta a título de dolo ou de forma culposa, em sentido estrito. A configuração da responsabilidade não dependeria da existência de vontade humana, mas sim, da ocorrência de um nexo causal entre o fato e o eventual dano material causado ao meio ambiente, nem se questionaria as intenções da pessoa jurídica.

Os argumentos aplicados por essa corrente estão em consonância com o que é estudado em direito penal, especialmente no que tange imputação. Posto que a culpabilidade não seja considerada atributo da pessoa jurídica, sendo impossível a aplicação de uma pena, que se diga ainda não seria eficaz, se consideramos que pessoa jurídica nunca compreenderá a finalidade da pena.

Contudo, em análise as decisões proferidas pelos tribunais superiores brasileiros, observa-se que estes vêm apresentando entendimento diverso da maior parte da doutrina, se posicionando a favor da responsabilização penal da pessoa jurídica, reconhecendo a possibilidade de legitimidade para figurar no polo passivo de uma ação penal.

De acordo com a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em decisão proferida no ano de 2009 já havia concordância com a responsabilização penal da pessoa jurídica, no entanto ela poderia ser denunciada desde que juntamente com a pessoa física. Segue a ementa:

Penal. Apelação criminal. Questão de ordem. Crime ambiental praticado por pessoa jurídica. Legitimidade passiva da pessoa jurídica reconhecida pela 4ª T. Insurgência do MM. Juízo Federal a quo.

1. A questão acerca da legitimidade passiva da empresa apelada já restou superada quando da fase de recebimento da denúncia, ocasião em que esta 4ª Turma, dando provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Parquet Federal, reformou a decisão do MM. Juízo Federal a quo para reconhecer a legitimidade passiva da empresa acusada.

2. Naquela oportunidade, reconheceu-se a legitimidade da empresa acusada para figurar no polo passivo da presente ação penal, em vista da imputação simultânea contida na denúncia ofertada em desfavor tanto da pessoa jurídica quanto de seus responsáveis, consoante jurisprudência do e. STJ (REsp 847476/SC, Relator Ministro Paulo Gallotti, 6ª Turma, DJ 05.05.2008, p. 1).

3. Assim, não merece ser mantida a sentença do MM. Juízo Federal a quo que, insistindo em sua tese, insurgiu-se contra o decidido por esta Corte Regional Federal para julgar improcedente a pretensão punitiva em razão da ilegitimidade passiva da pessoa jurídica.

4. Sentença que deve ser anulada.

5. Questão de ordem acolhida. (TRF-1 – ACR: 4409 RO 2006.41.00. 004409-1 – 4ª T. – Rel. Des. Federal I’Talo Fioravanti Sabo Mendes – j. em 27.01.2009 – e-DJF1 27.02.2009, p. 261)

Aqui se observa que o encaminhamento das decisões era de somente responsabilizar a pessoa jurídica se ela fosse denunciada em coautoria com pessoa física, que tenha agido com elemento subjetivo próprio. Ou seja, aplicava-se a teoria da dupla imputação necessária, e assim a responsabilização da pessoa jurídica ficava na dependência da responsabilização da pessoa física.

Esse era o entendimento majoritário dos tribunais que teve uma reviravolta em meados de 2013 com o julgado do Recurso Extraordinário (RE) 548181 interposto pelo Ministério Público Federal frente a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em processo contra a Petrobras. Conforme a Relatora Ministra Rosa Weber, a Constituição não estabelece nenhum condicionante que exija o processamento simultâneo da pessoa jurídica e da pessoa física, afastando assim o entendimento do STJ sobre a dupla imputação necessária como quesito de processamento da ação, entendendo que o processo penal poderia prosseguir exclusivamente contra pessoa jurídica.

Recurso extraordinário. Direito penal. Crime ambiental. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Condicionamento da ação penal à identificação e à persecução concomitante da pessoa física que não encontra amparo na Constituição da República. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, § 3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico <http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/> sob o número 7066890. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão – Página 1 de 64 Ementa e Acórdão RE 548181/PR reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. (STF – (RE) 548181 – Relª. Minª. Rosa Weber) – DJ 06.08.2013)

Conforme se vislumbra na decisão do Supremo Tribunal Federal a interpretação do art. 225, § 3º, da Constituição Federal possibilita a responsabilização penal da pessoa jurídica independente da responsabilização da pessoa física.

Nota-se que o ordenamento jurídico está ultrapassando os limites impostos pelo Direito Penal para abraçar situações que ocorrem na sociedade atual, cumprir a função de manter a ordem social. A responsabilização penal da pessoa jurídica está sendo plenamente admitida independentemente da dupla imputação, na qual o responsável pela empresa também é penalizado.

No referido acórdão, considerou-se a atual conjectura das empresas, que são geralmente de amplitude que dificulta a identificação dos agentes causadores de eventuais delitos, sendo quase inaplicável em virtude das dificuldades a imputação da conduta ilícita a uma pessoa física.

Seguindo na mesma perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça, reforçou a possibilidade de condenação da pessoa jurídica, e independentemente da responsabilidade da pessoa física, que a administre. Conforme a ementa:

Agravo em Recurso Especial 608.388 – SC (2014/0294764-7) Relator: Ministro Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP) Agravante: Mako Pesca Indústria e Comércio de Pescados Ltda Advogado: Eli Oliveira Ramos e outro(s) Agravado: Ministério Público Federal Decisão. Agrava-se de decisão que não admitiu recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado: Penal e Processo Penal. Artigo 34, Parágrafo único, II, da Lei 9.605/98. Materialidade, autoria e culpabilidade comprovadas. Condenação da pessoa jurídica. Pena de multa mantida.

1. A materialidade do delito da pesca de arrasto restou demonstrada pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão. 2. A autoria por parte da empresa restou comprovada. A pesca realizada em desrespeito à legislação ambiental não se deu à revelia dos administradores da empresa, mas sim com a conivência destes em benefício da pessoa jurídica, o que evidencia a responsabilidade criminal da entidade empresarial pela prática do crime cuja tipicidade encontra previsão no art. 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98, na forma dos arts. 3º e 21 do mesmo diploma legal. 3. Verifica-se razoabilidade na fixação da pena de multa fixada em 10 dias-multa, que é o mínimo legal, a teor do art. 49 do CP, no valor de 10 salários mínimos cada dia-multa, considerado o porte econômico da ré (Código Penal, artigo 49, § 1º; Lei 9.605/98, artigo 18). (fl. 218) Sustenta a defesa violação do art. 3º da Lei n. 9.605/98 alegando, em síntese, que inexistem provas de sua participação no evento criminoso, e dissídio jurisprudencial. Contrarrazões às fls. 328-335. Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso à fl. 377. É o relatório. Decido. A irresignação não prospera. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao apelo interposto pela empresa recorrente e manteve sua condenação pela prática do delito previsto no art. 34, parágrafo único, II, da Lei 9.605/98. Alega a defesa que inexistem nos autos provas suficientes da participação da empresa recorrente na prática delitiva, que, ressalta, se deu por decisão exclusiva de seu representante legal. Sobre a questão o Tribunal de origem assim se pronunciou: Delimitados tais aspectos, resta claro que a pesca realizada em desrespeito à legislação ambiental não se deu à revelia dos administradores da empresa, mas sim com a conivência destes em benefício da pessoa jurídica, o que evidencia a responsabilidade criminal da entidade empresarial pela prática do crime cuja tipicidade encontra previsão no art. 34, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/98, na forma dos arts. 3º e 21 do mesmo diploma legal. Vê-se que a pretensão da defesa, ao alegar que inexistem provas suficientes de sua participação na prática do delito, encontra óbice no Enunciado n. 7 da Súmula do STJ, por demandar minucioso revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, já examinado na origem. […] Quanto à alegada divergência jurisprudencial, anoto que os arestos trazidos a confronto não guardam a devida similitude fática com a hipótese dos autos, sendo certo que para a caracterização do dissídio é necessário que os acórdãos ostentadores de díspares conclusões hajam sido proferidos em situações fáticas semelhantes. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. (STJ – AREsp. 608388/SC 2014/0294764-7 – Rel. Min. Ericson Maranho – DJ 20.11.2014)

Em agosto de 2015, o STJ por meio do Informativo 566, deixando claro, mais uma vez, que os tribunais vêm dispensando a necessidade de aplicação da teoria da dupla imputação para fins de responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais:

Direito Penal e Processual Penal. Desnecessidade de dupla imputação em crimes ambientais. É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Conforme orientação da Primeira Turma do STF, “O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação”. (RE 548.181 – 1ª T. – DJe 29.10.2014)

Diante dessa interpretação, o STJ modificou sua anterior orientação, de modo a entender que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes citados: RHC 53.208-SP, Sexta Turma, DJe 01.06.2015; HC 248.073-MT, Quinta Turma, DJe 10.04.2014; e RHC 40.317-SP, Quinta Turma, DJe 29.10.2013. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 06.08.2015, DJe 13.08.2015.

O posicionamento dos Tribunais revela a intenção do legislador de ampliar o alcance das sanções penais e evitar as impunidades existentes devido às dificuldades de individualização dos responsáveis nas corporações, além de salientar a tutela aos bens jurídicos.

O referido dispositivo constitucional não apresentou distinção em sua redação sobre da natureza jurídica da pessoa jurídica mencionada. Esta que pode ser de natureza privada ou pública. Diante disso, surge o debate acerca da possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público interno.

3 RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

O ordenamento jurídico está consolidando o entendido acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas como plenamente possível passível de gerar efeitos, bem como eficácia. Apesar do posicionamento favorável a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito privado, não há consentimento consolidado sobre a criminalização de entes públicos. Conforme será demonstrado, ainda há tribunais que são contra e decidem de acordo com a interpretação normativa subjetiva.

As pessoas jurídicas de direito público compreendem os entes estatais, sendo eles estados, municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações. Conforme esclarecem Scheila Oliveira (2013, p. 132) “o que caracteriza a pessoa jurídica de direito público é a supremacia do interesse público sobre o privado, […] elas estão sob a tutela do Direito Administrativo, suas regras e princípios”.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas é um assunto polêmico que tem gerado inquietações nos últimos anos. A polêmica e as divergências são mais notórias quando se trata de pessoas jurídicas de direito público. Da mesma forma que a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito privado não está com as suas bases consolidadas na teoria do crime e nos fundamentos do direito penal a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público movimenta todo o ordenamento jurídico a uma mudança de posicionamento.

O art. 225 da Constituição Federal impõe a aplicação de medidas coativas aos transgressores de leis ambientais, independentemente de ser pessoa física ou jurídica. No mesmo sentido o art. 3º da Lei 9.605, de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, apresenta um posicionamento autorizando a responsabilização penal das pessoas jurídicas. No entanto, não expõem a natureza jurídica das pessoas jurídicas que pode ser responsabilizada.

Tais dispositivos, apesar de apresentarem uma previsão da responsabilização penal das pessoas jurídicas, não definiram a limitação da expressão “pessoas jurídicas”, portanto, aparentemente faz alusão a todas as pessoas jurídicas. Tal expressão é utilizada no direito, mas possui as suas espécies, podendo ser definidas como pessoas jurídicas de direito privado e pessoas jurídicas de direito público.

Dessa forma a questão que se atribui à dogmática penal vai além da possibilidade ou não de penalização das pessoas jurídicas, mas acena aos seus limites e efeitos. Conforme acentua Weber (2011), acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público em crimes ambientais,

[…] a divergência doutrinária e jurisprudencial é bastante instigadora quanto à responsabilização criminal das pessoas jurídicas de direito público, haja vista ter a Constituição Federal conferido ao Poder Público o dever de garantir aos cidadãos um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).

O debate se salienta quando se verifica os contrastes que ele acarreta. São levantados diversos argumentos sobre a possibilidade ou não da responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público e seus efeitos. Esse debate fica mais acirrado quando entram nas questões de direito ambiental, haja vista ser ele inserido como um bem coletivo.

As degradações ao meio ambiente também podem ser ocasionadas pelos entes públicos, tanto em ações quanto em omissões. Assim como as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público tem um amplo campo de atuação. Portanto,

[…] há certa dificuldade de ordem prática que trata da aplicação da pena para o ente coletivo de direito público, pois as penas elencadas na lei como a proibição de contratar com o poder público, as penas restritivas de direito e a pena de multa, traria certo prejuízo para a sociedade em geral, pois aí estaria punindo não só o Estado, mas também a si própria. (OLIVEIRA, 2013, p. 134)

O maior impasse da responsabilização penal dos entes públicos é a repercussão na sociedade. A aplicação de penas pecuniárias acarreta danos aos cidadãos, visto que os valores destinados a eventual pagamento de multa representa um valor menor nos cofres públicos para as obras e prestação de serviços públicos. Assim, a punição não se limitaria ao condenado, mas se estenderia a toda a sociedade, visto que os valores administrados pela administração pública, são fruto de arrecadação de tributos.

3.1 Argumentos Relativos à Impossibilidade de Responsabilização Penal das Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno

Para um segmento doutrinário há fundadas dúvidas acerca da possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas de direito público interno.

A defesa da irresponsabilidade das pessoas jurídicas de direito público, parte da distinção existente entre estas e as de direito privado. Os questionamentos de distinção frisam a natureza jurídica dos entes em tela, bem como objeto e à forma organizacional impõe que um tratamento diferenciado, sobretudo porque, como as pessoas jurídicas de direito público possuem a finalidade de auferir lucro, e por assim ser, a eventual prática de crimes, em tese, não traria qualquer benefício ou proveito para estas, o que afastaria a imputação, na forma do art. 3º, caput, da Lei 9.605/1998.

A responsabilização desses entes públicos confrontaria diversos princípios do direito administrativo. O art. 37, § 6°, da Constituição Federal, traz em seu bojo que, os princípios da administração pública de modo que a administração pública deve reger-se por tais pressupostos. Além disso, há a possibilidade de responsabilização por eventuais danos, bem como o regresso contra os responsáveis nos casos de dolo ou culpa. A regra relacionada ao direito civil e ao direito administrativo está totalmente clara, no entanto, a questão da responsabilização penal não está clara.

Para fundamentar a impossibilidade de responsabilização penal dos entes públicos alguns autores utilizam como embasamento o princípio da legalidade, este que fundamenta a atuação ao Poder Público, sendo um dos primeiros a ser confrontado quando este debate é colocado em pauta.

[…] o legislador constituinte, ao prever no art. 37, § 6°, da CF, a responsabilidade do Poder Público pelos atos lesivos praticados por seus agentes ou prepostos, embora tenha adotado a Teoria do Risco Administrativo, não fez qualquer menção à responsabilização criminal da pessoa jurídica de direito público, de modo que o princípio da legalidade representa óbice intransponível à aplicação de sanções penais ao Estado. (QUEIROZ; GURGEL; COSTA, 2013, p. 310)

O princípio da legalidade é cogitado como sendo a razão primordial de impossibilidade de penalização das pessoas jurídicas de direito público. Seguindo este fundamento, o princípio da pessoalidade das penas, retromencionado, é utilizado para rebater a responsabilização.

De acordo com o princípio da pessoalidade da pena, esta não poderia passar da pessoa do condenado. Quando se pune um ente público, indiretamente causa um dano a toda a sociedade, nesse sentido afirma Oliveira (2013, p. 133):

A maioria da doutrina diz que essa responsabilização representaria uma evidente violação ao princípio da pessoalidade das penas, insculpidos no art. 5º, XLV, da Carta Magna, pelo qual só se pune o autor material do ato criminoso, sendo inviável a aplicação de sanções penais ao ente coletivo, pois quem sairia prejudicado seria a coletividade, que tem como seu representante o próprio Estado.

O Estado como instituição de representação do povo ao praticar condutas lesivas, por exemplo, contra o meio ambiente acabaria prejudicando os seus representados.

A aplicação da pena traz contradições diante do fato de que o Estado é que aplicaria a pena e ele mesmo seria o réu. Conforme salienta Cerqueira (2002, p. 136), “seria punir o próprio Estado, detentor do jus puniendi, o que caracteriza verdadeira autofagia”.

Há a exaltação do argumento de que a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público é um risco de desconstrução dos princípios basilares do direito administrativo, bem como, doa valores do Estado Democrático de Direito, visto que uma eventual infração penal jamais beneficiaria o ente público. Além disso, as penas não surtiriam efeitos almejados e acabariam por prejudicar uma grande gama de beneficiários dos serviços prestados pelo poder público (CERQUEIRA, 2002).

Aparentemente o próprio ordenamento jurídico parece impor limitações à responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, visto o confronto com os princípios da administração pública. Nesse sentido, o Tribunal do Rio Grande do Sul se manifestou em decisão de relevo acerca do assunto:

Apelação. Crimes ambientais. Lei 9.605/1998. Pessoa jurídica de direito público não figura como autora de crime ambiental. Pessoa física. Art. 54. Ausência de perícia para atestar os níveis de poluição. Art. 60. Réu não concorreu para a infração penal. Absolvição mantida.

I – Somente cabe a responsabilização da pessoa jurídica de direito privado em delitos ambientais, pois a pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e federações públicas) não pode cometer ilícito penal no seu interesse ou benefício. Elas, ao contrário das pessoas de natureza privada, só podem perseguir fins que alcancem o interesse público. Completude do requisito elencado no art. 3º, da Lei 9.605/98, não alcançado. Absolvição para ambos os crimes denunciados.

II – No tocante à pessoa física, ausência de perícia para atestar os níveis de poluição à caracterização do crime do art. 54, da Lei 9.605/98. Não comprovada a elementar típica, mantida a absolvição. Pertinente ao delito inserto no art. 60, da mesma Lei, ou seja, fazer funcionar serviço potencialmente poluidor, não há indicação de qualquer ato praticado pelo Secretário Municipal de Meio Ambiente e em que circunstâncias teria contribuído para o ato ilícito flagrado. Ao revés, as provas demonstram não ter concorrido para a infração penal, em face da data da sua assunção no cargo comissionado e a data da fiscalização. Apelação Ministerial desprovida, por maioria, vencido o relator, que dava parcial provimento. (Apelação Crime 70057449340, Quarta Câmara Criminal – TJRS – Rel. Rogerio Gesta Leal – j. em 29.05.2014)

Conforme a decisão somente as pessoas jurídicas de direito privado podem ser responsabilizadas penalmente pela prática de crimes ambientais. A responsabilização no âmbito penal das pessoas jurídicas de direito público, não poderia ocorrer, devido ao fato de almejarem o interesse público e não o individual, como ocorre nas pessoas jurídicas de direito privado.

3.2 Argumentos Atinentes a Possibilidade de Responsabilização Penal da Pessoa Jurídica de Direito Público Interno

A controvérsia acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público parte da previsão expressa em lei. Fato que tem gerando grandes debates, além de um desentendimento jurisprudencial.

Esse tema é conflituoso porque prevalece no direito penal, o princípio da culpabilidade, que como apresentado, representa um juízo de reprovabilidade. A punição é pautada na culpa do agente, a consciência da conduta ilícita e exigibilidade de conduta diferente (SIRVINSKAS, 2013).

Os paradigmas do direito penal não estão em consonância com as atualizações sociais. A sociedade está organizada em uma estrutura que ultrapassa os limites traçados pelo constituinte portanto,

[…] apesar das controvérsias doutrinárias a respeito da responsabilização da pessoa jurídica de direito público, esta é uma medida que se faz necessária no contexto social em que se encontra a sociedade atualmente. Busca-se a proteção de valores sociais, tentando impedir a criminalização e degradação do meio ambiente… (OLIVEIRA, 2013, p. 136)

Até o momento, está certo que a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito privado é possível, principalmente em crimes contra o meio ambiente, no entanto, a penalização das pessoas jurídicas de direito público, por alguns autores não pode partir do direito penal tradicional, fundamentado na culpa, na responsabilização individual e subjetiva. A responsabilização desses entes públicos teria que ser entenda a partir de uma responsabilidade social (CERQUEIRA, 2002).

Em recente decisão o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu:

Crime ambiental. Art. 48 da Lei 9.605/98. Responsabilização de pessoa jurídica desvinculada da pessoa física. Possibilidade. Responsabilização de ente público. Viabilidade. Princípio da legalidade. Hermenêutica jurídica. Princípio da isonomia. Princípio da eficiência. Município de Florianópolis. Factibilidade de figurar como réu. Impedir/dificultar regeneração de vegetação. Desígnio autônomo. Materialidade, autoria e dolo demonstrados. Condenação. Culpabilidade e motivos. Afastamento da valoração negativa. Redução da multa. 1. De acordo com recentes entendimentos dos Tribunais Superiores, a teoria da dupla imputação, segundo a qual a responsabilidade penal da pessoa jurídica não poderia ser dissociada da pessoa física atuante em seu benefício, não encontra suporte jurídico, já que não há tal exigência no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Logo, é possível a responsabilização, em isolado, da pessoa jurídica envolvida na prática de crime ambiental.

2. A responsabilização criminal de pessoa jurídica de direito público encontra farto suporte jurídico, decorrente:

2.1) do princípio da legalidade, na medida em que, ao atribuir a responsabilidade criminal de pessoas jurídicas pela prática de ilícito ambiental, o art. 225, § 3º da CF e o art. 3º da Lei 9.605/98 não fizeram distinção alguma entre as pessoas de direito público e as de direito privado;

2.2) das regras de hermenêutica jurídica, tendo em vista a orientação de que não compete ao intérprete distinguir o texto legal quando, podendo, o legislador não o fez;

2.3) do princípio da isonomia, porquanto não se justifica tal isenção em detrimento das pessoas jurídicas de direito privado, precipuamente levando em conta que é obrigação constitucional dos entes públicos a garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado;

2.4) do princípio da eficiência, eis que o meio ambiente será melhor salvaguardado se os entes públicos puderem, também, ser responsabilizados criminalmente, mormente porque não é incomum que tais entidades atuem como sujeitos ativos de delitos ambientais;

2.5) do fato de que, embora tenham sido criadas para defender o interesse público, as entidades em tela muitas vezes cometem arbitrariedades, devendo existir instrumento apto a coibir agressões a direitos que deveriam ser, por aqueles mesmos, garantidos;

2.6) da possibilidade de aplicação de pena, em simetria ao que ocorre na esfera cível, isto é, imposição de pagamento em pecúnia ao ente público, assegurada ação regressiva contra a pessoa física que causou o dano. […] (TRF-4 – ACR 5749020094047200/SC 0000574-90.2009.404.7200 – 7ª T. – j. em 01.07.2014 – D.E. 17.07.2014)

Tal decisão se posicionou acerca da dupla imputação, sustentado a sua desnecessidade em virtude de análise literal do texto legal, não há previsão expressa da aplicação desse princípio.

O referido tribunal decidiu em favor da aplicação da responsabilização penal da pessoa jurídica, mostrando um amadurecimento ao modo de enfrentar a prática de crimes contra o meio ambiente. A decisão é estruturada em um farto rol de argumento que coaduna todas as teses apresentadas que admitem a responsabilização penal dos entes públicos.

O princípio da legalidade é colocado em pauta e conclui-se que ele deve ser aplicado estritamente, seguindo o que está previsto em lei e como não houve distinções de espécies de pessoas jurídicas no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, a responsabilização dos entes públicos, se fundamenta. A interpretação da expressão “pessoa jurídica” deve ser analisada por meio de uma hermenêutica jurídica limitada ao texto legal.

Como não houve distinção entre a espécie do ente mencionado, nota-se que deve haver a prevalência do princípio da isonomia, sem distinções entre as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado, em casos em que há a prevalência de amplo interesse público, como é o caso da preservação do meio ambiente.

Para fundamentar a responsabilização, também é utilizado o princípio da eficiência, responsabilizando todos aqueles que causarem danos ao meio ambiente, independente de natureza jurídica. Assim, visa impedir a arbitrariedades dos entes públicos, haja vista que deveriam ter uma conduta voltada a demonstrar exemplos de comportamento.

A responsabilização penal se torna palpável na medida em que é possível a aplicação de pena pecuniária, bem como a ação regressiva contra quem o agente que causou o dano. A pena influi de modo a representar uma repressão aos administradores públicos, bem como, desencadear um raciocínio pelos integrantes da sociedade sobre o modo que o poder público está sendo gerido e como cada indivíduo que compõe a coletividade tem uma parte de responsabilidade por não fiscalizar os governantes e os atos da administração pública.

Os atos de quem deveria proteger o interesse público, quando não coadunam com esse desígnio, confronta as bases instituídas pelo Constituinte. Conforme proclama o preâmbulo da Constituição Federal vigente, tem-se instituído no país um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar os valores supremos de uma sociedade fraterna. Portanto, quando algum ente público, mesmo que conduzido por indivíduos responsáveis pela administração, tem atos que confrontam esses princípios básicos da República Federativa do Brasil, a criminalização se mostra um meio de controle que visa assegurar a essência do almejado pelo Constituinte.

Além disso, o dolo, principalmente em crimes ambientais é notável, pois os entes públicos possuem o dever de preservar o interesse público e são detentores de todas as técnicas e meios de conhecimento de eventuais falhas.

Assim, fica evidente a necessidade da admissibilidade da responsabilização penal de entes públicos, em casos em que transgridam regras de interesse público, agindo contra o seu dever de atuação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O homem, como discorre Rousseau, se diferencia do animal por ser perfectível e, no dizeres de Kant é dotado de vontade, ou seja, possui capacidade de agir de acordo com a razão. Além disso, é detentor de liberdade e de consciência, por assim ser, o Direito confere a capacidade de imputabilidade, ou seja, de ser responsabilizado por suas condutas. Uma interpretação leva a crer que a pena foi feita para humanos e não para animais, coisas, ou pessoas jurídicas.

O ser humano possui características próprias, é racional sobre sua conduta social. Consequentemente sofre influência dos conjuntos de valores consubstanciados na sociedade em que vive, tendo a liberdade de agir de acordo com suas determinações, porém influenciado pela moral.

O Direito penal se estruturou a fim de garantir controle social do homem e, não para organizações empresariais. Baseado na Constituição Federal, tem seus parâmetros basilares orientados pelos princípios ali consubstanciados. A teoria do crime define-o como sendo uma conduta típica, ilícita e culpável.

O crime, quando cometido e aceito pelo Estado, sem forma de punição, transpassa uma complacência e isso pode acarretar em novas condutas semelhantes. A pena possui determinadas funções, não sendo apenas forma de punição aos infratores.

O delito traz como dano à sociedade a desordem e a incitação às nocivas práticas semelhantes, por isso a pena cumpre função mais ampla do que a simples punição pelo delito. Simboliza o repúdio da sociedade a conduta praticada. Por assim ser, deixa marca na sociedade, influencia de modo a inibir condutas semelhantes.

Crime é entendido como um fato humano que se contrapõe aos valores da sociedade. As dificuldades dogmáticas habituais para acolher a responsabilização penal da pessoa jurídica residem na base do Direito Penal, que é intimamente relacionado ao comportamento humano. Porém, admitir a responsabilização penal dessas entidades constitui-se apenas no fato de acolher no Direito a valoração que a realidade social já faz.

No contexto atual vislumbra-se que a responsabilização penal da pessoa jurídica está sendo admitida pelos Tribunais, cujas decisões estão baseadas no art. 225, § 3º, da Constituição Federal e no art. 3º da Lei 9.605/1998. Os limites do sistema penal posto estão sendo ultrapassados, o que vem possibilitando a criação de uma responsabilização social, baseada no fato das infrações penais serem decorrentes de deliberação do ente coletivo e, visando interesses de modo que a ação do autor material é amparada pela pessoa jurídica.

A responsabilização penal da pessoa jurídica, por emanar de alternativa eminentemente política, depende da modificação da dogmática penal para que sua implementação e aplicação ocorra de modo coerente e que promova mais segurança nas relações jurídicas. A teoria do delito tradicional é incabível à pessoa jurídica, portanto, deve sofrer adequações ao contexto social atual para que a tutela aos bens jurídicos possa se consolidar em vias práticas e sem incongruências.

A linguagem de interpretação não pode deixar espaço para dubiedade, é preciso um posicionamento jurídico para garantir a segurança jurídica. Falta solidez nas decisões proferidas acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas.

O posicionamento dos Tribunais revela a intenção do legislador de ampliar o alcance das sanções penais e evitar as impunidades existentes devido às dificuldades de individualização dos responsáveis nas corporações, além de salientar a tutela aos bens jurídicos.

Diante da admissibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito privado a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público se mostra aceitável diante do princípio da isonomia, bem como, os da legalidade e eficiência. A previsão constitucional de responsabilização penal da pessoa jurídica não traz distinções acerca da natureza jurídica do ente criminalizado.

Assim, apesar de ir contra a maior parte dos fundamentos do direito penal, a responsabilização penal da pessoa jurídica, independente da natureza jurídica, se mostra de suma importância para a sociedade contemporânea.

Pelos contornos apresentados, a responsabilização penal dos entes públicos, se fundamenta na medida em que quando o Estado, detentor do dever de preservar o interesse público passa a agir contra os preceitos do Estado Democrático de Direito, sem visar os preceitos estabelecidos na Constituição, trazendo malefícios a toda a sociedade.

A imposição de pena exerce uma função social de representar simbolicamente o repúdio da sociedade a infração praticada, de modo que coíba eventuais condutas semelhantes. Além disso, traz de modo saliente, que o poder público dever cuidar dos interesses da coletividade, este que é um desígnio Constitucional.

5 REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 maio 2016.

_____. Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 11 maio 2016.

_____. Tribunal Regional Federal. ACR 4409 RO 2006.41.00.004409-1 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. I’talo Fioravanti Sabo Mendes – j. em 27.01.2009 – DE 27.02.2009. Disponível em: <http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2382455/apelacao–criminal-acr-4409-ro-20064100004409-1>. Acesso em: 30 mar. 2016.

_____. Tribunal Regional Federal. ACR: 5749020094047200 SC 0000574-90.2009.404.7200 – 7ª T. – Rel.: Relatora– j. em 01.07.2014 – DE 17.07.2014. Disponível em: <http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128109078/apelacao-criminal-acr-5749020094047200-sc-0000574-9020094047200>. Acesso em: 10 mar. 2016.

_____. Superior Tribunal de Justiça. RE 608388. Plenário. Rel. Min. Ericson Maranho. Sessão de 18.11.2014. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20.11.2014. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153201652/agravo-em-recurso-especial-aresp-6 08388-sc-2014-0294764-7>. Acesso em: 30 dez. 2015.

_____. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudências 0566 de 8 a 20.08.2015. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre= @COD=%270566%27>. Acesso em: 20 jan. 2016.

_____. Supremo Tribunal Federal. RE 548181. Plenário – 1ª T. – Relª. Minª. Rosa Weber – Sessão de 06.08.2013 – Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30.10.2014. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23421649/agreg-no-recurso-extraordinario-re-548181-pr-stf>. Acesso em: 15 abr. 2016.

_____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AP 70057449340 – Rel. Rogerio Gesta Leal – j. em 29.05.2014. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128019393/apelacao-crime-acr-70057449340-rs>. Acesso em: 30 maio 2016.

CERQUEIRA, Antônio. A incapacidade penal da pessoa jurídica de direito público. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1.

DOTTI, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica: uma perspectiva do Direito brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 11, jul./set. 1995.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade penal de pessoa jurídica e medidas provisórias e deireito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 5. ed. Coimbra: Ceira, 1979.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MONTEIRO, Washington de Barros; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1.

OLIVEIRA, Scheila Pinno. Responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público por crimes ambientais. Cadernos de Direito. Piracicaba, v. 13: 123-124, jan./jun. 2013. ISSN Impresso: 1376-529-X. ISSN Eletrônico: 2238-1228.

QUEIROZ, Cláudia carvalho; GURGEL, Yara Maria Pereira; COSTA, Rafaela Romana Carvalho. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público nos crimes ambientais: necessidade de adequação das sanções penais da Lei de 9.605/98. Veredas do Direito. Belo Horizontes, v. 10, n. 19, p. 301-324. jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_responsabilidade_penal_das_pessoas_juridicas_de_direito_publico_nos_crimes_ambientais.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2015.

REALE JÚNIOR, Miguel. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: RT, 2001. p. 137-139.

SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

_____. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único. 6. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 16. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

WEBER, Aline Machado. Sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 61, p. 109-163, jan./mar. 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Notas de Rodapé

[1] Advogada, Bacharela em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Especializanda em Direito Processual Tributário pela Anhanguera e Participações S.A. E-mail: caroline.targanski@yahoo.com.br.

[2] Advogada, Professora do Curso de Direito da Unioeste – MCR, Mestra em Ciências Sociais Aplicadas – Sociedade, Direito e Cidadania pela UEPG/PR, Doutora em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP. Coordenadora do Núcleo de Estudos dos Direitos e Defesa da Infância de Juventude – Neddij/Unioeste.

E-mail: elizangelatremea@hotmail.com.

[3] O objeto da responsabilidade penal está relacionado com a lesão a algum dos bens jurídicos elencados, estes que estão expressos em lei em um rol taxativo, de modo que só pode ser considerado crime o estabelecido em uma norma. Como assevera Gonçalves (2014, p. 52) “no caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é o da sociedade”.

[4]Denominadas pessoas coletivas, morais, fictícias ou abstratas, podem ser conceituadas como sendo conjuntos de pessoas ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma ficção legal” (TARTUCE, 2016, p. 231).

[5] De acordo com Bitencourt (2015) os maiores expoentes nacionais são: René Ariel Dotti, Muñoz Conde, Reinhart Maurach, para o qual “a incapacidade penal de ação da pessoa jurídica decorre da essência da associação e da ação”.

[6] Teve como principais seguidores Von Tuhr e Zitelmann (MONTEIRO; PINTO, 2016).

[7] Esta teoria é a adotada pelo Código Civil de 2002, como bem destaca Tartuce (2016, p. 231), todavia na esfera penal ainda não há pacificação.