Licença maternidade parental

Parental maternity pay

DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.27

Recebido/Received 11/08/2023 – Aprovado/Approved 15/03/2024

Ivani Contini Bramante[1] – https://orcid.org/0000-0002-6508-2516

Resumo

A proteção à maternidade e à criança constitui matéria de especial importância, tutelada pela Constituição Federal e por normas internacionais. A licença maternidade no Brasil evoluiu quanto aos destinatários, pois abrange a mãe biológica e a mãe adotiva, mesmo nas relações homoafetivas e se estende a mãe solo e ao pai solo, em fertilização natural ou artificial. A proteção é repassada ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, no caso de morte da mãe da criança. Diante da realidade social e cultural que ensancham as novas espécies de famílias parentais, monoparentais, recompostas e homoafetivas e à luz do princípio da igualdade das famílias e de proteção da criança, considerando as finalidades da licença maternidade, mister se faz assegurar a licença maternidade parental para aquele que assume a relação socioafetiva e poder familiar de cuidar da criança, independente de grau de parentesco, diante da ausência ou morte da mãe. Assim, será analisada a evolução da proteção à maternidade e à criança, tanto normativa quanto jurisprudencial, sempre de acordo com o princípio constitucional da isonomia, para se alcançar amplitude necessária da tutela à entidade familiar.

Palavras-chave: Proteção a maternidade. Proteção a família. Equidade de gênero.

Abstract

The protection of motherhood and children is a matter of special importance, protected by the Federal Constitution and international standards. Maternity leave in Brazil has evolved in terms of recipients, since it covers the biological mother and the adoptive mother, even in homosexual relationships, and extends to the solo mother and the solo father, in natural or artificial fertilization. Protection is passed on to the surviving spouse or partner in the event of the death of the child's mother. Faced with the social and cultural reality of new types of parental, single-parent, recomposed and homoaffective families and in light of the principle of equality between families and child protection, considering the purposes of maternity leave, it is essential to ensure parental maternity leave for those who assume the socio-affective relationship and family power to care for the child, regardless of the degree of kinship, in the absence or death of the mother. Thus, the evolution of maternity and child protection will be analyzed, both normatively and in jurisprudence, always in accordance with the constitutional principle of isonomy, in order to achieve the necessary breadth of protection for the family entity.

Keywords: Maternity protection. Protecting the family. Child protection. Gender equity.

Sumário: 1. Introdução. 2. Normas internacionais de proteção à maternidade. 3. Licença maternidade no Brasil. Destinatários. Finalidades. Licença maternidade a cargo do Estado. Vedação de quaisquer formas de discriminação  4. Novo referencial no conceito de família. Espécies de famílias: Famílias parentais, monoparentais, heteroafetivas, homoafetivas. Famílias recompostas. Famílias homoafetivas. 5. Destinatários da proteção a maternidade. Novos referenciais e paradigmas: aquele que ostenta o encargo do poder familiar e cuidados com a criança. 5.1 Destinatários da proteção a maternidade. 5.2 Temporalidade da licença maternidade. 6. Licença maternidade para ambos os sexos e equidade de gênero. Mãe solo e Pai solo. Fertilização in vitro. Barriga de aluguel. Princípio da proteção integral da criança. Princípio da igualdade das famílias heteroafetiva e homoafetiva. Licença maternidade parental. 7. Conclusão. 8. Referências.

1  Introdução

A análise do tema licença maternidade parental é feita no seu aspecto subjetivo, do destinatário e finalístico, à luz da proteção da maternidade e da criança, por membro da família, célula mater da Sociedade. Assim, enfoca o direito a uma renda à pessoa que, no exercício da relação socioafetiva e do poder familiar, adotar o encargo de cuidar da criança diante da ausência ou morte da mãe biológica ou adotiva. Trata-se do direito à dignidade e manutenção de condição para a vida, no desiderato de proteção à maternidade e da família, considerada em todas as suas formas, como meio de dar eficácia ao mandamento constitucional e dos tratados sobre direitos humanos de proteção às pessoas.

A licença maternidade no Brasil evoluiu quanto aos destinatários, pois abrange a mãe biológica e adotiva, mesmo nas relações homoafetivas e se estende às uniões monoparentais em fertilização natural ou artificial. A proteção é repassada, ainda, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, no caso de morte da mãe da criança.

Diante da realidade social e cultural que ensancham as novas espécies de famílias parentais, monoparentais, recompostas e homoafetivas e à luz do princípio da igualdade das famílias e de proteção da criança, considerando as finalidades da licença maternidade, mister se faz assegurar a licença maternidade parental para aquele que assume a relação socioafetiva e poder familiar de cuidar da criança, independente de grau de parentesco, diante da ausência ou morte da mãe.

Assim, será analisada a evolução da proteção à maternidade e à criança, tanto normativa quanto jurisprudencial, sempre de acordo com o princípio constitucional da isonomia, para se alcançar amplitude necessária da tutela à entidade familiar.

2  Normas internacionais de proteção à maternidade

Várias são as normas internacionais destinadas à proteção da mulher.

a) Declaração Universal dos Direitos do Homem – ONU – 1948.  A convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Onu/Cedaw/1979;

b) Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação racial, xenofobia e outras manifestações de intolerância. ONU/1966 (decreto legislativo n. 65.810, de 8 de dezembro de 1969);

c) Convenção nº 3 de 1919. Ratificada em 26/04/1934. Promulgada pelo Decreto n. 423, de 12.11.1935, que prevê:

1) Licença maternidade – “a) não será autorizada a trabalhar durante um período de seis semanas, depois do parto; b) terá o direito de deixar o seu trabalho, mediante a exibição de um atestado médico que declare esperar-se o parto, provavelmente dentro em seis semanas

2) Assistência financeira  – “c) receberá, durante todo o período em que permanecer ausente, em virtude dos parágrafos (a) e (b), uma indenização suficiente para a sua manutenção e a do filho, em boas condições de higiene; a referida indenização, cujo total exato será fixado pela autoridade competente em cada país, terá dotada pelos fundos públicos ou satisfeita por meio de um sistema de seguros. Terá direito, ainda, aos cuidados gratuitos de um médico ou de uma parteira. Nenhum erro, da parte do médico ou da parteira, no cálculo da data do parto, poderá impedir uma mulher de receber a indenização, á qual tem direito a contar da data do atestado médico até àquela em que se produzir o parto

3) Amamentação – “d) terá direito em todos os casos, si amamenta o filho, duas folgas de meia hora que lhe permitam o aleitamento.”

d) Convenção nº 103 de 1952, aprovada pelo Decreto Legislativo 20, de 30/4/65 e promulgada pelo Decreto 58.820, de 14/7/66, que tutela:

1) Licença maternidade

“Art. III — 1. Toda mulher a qual se aplica a presente convenção tem o direito, mediante exibição de um atestado médico que indica a data provável de seu parto, a uma licença de maternidade.

2. A duração dessa licença será de doze semanas, no mínimo; uma parte dessa licença será tirada obrigatoriamente depois do parto.”

2) Prestação em espécie e assistência médica

“Art. IV — 1. Quando uma mulher se ausentar de seu trabalho em virtude dos dispositivos do art. 3 acima, ela tem direito a prestações em espécie e a assistência médica.”

3) Amamentação 

“Art. V — 1. Se a mulher amamentar seu filho, será autorizada a interromper seu trabalho com esta finalidade durante um ou vários períodos cuja duração será fixada pela legislação nacional.

2. As interrupções do trabalho para fins de aleitamento devem ser computadas na duração do trabalho e remuneradas como tais nos casos em que a questão seja regulamentada pela legislação nacional ou de acordo com esta; nos casos em que a questão seja regulamentada por convenções coletivas, as condições serão estipuladas de acordo com a convenção coletiva pertinente.”

4) Estabilidade

“Art. VI — Quando uma mulher se ausentar de seu trabalho em virtude dos dispositivos do art. 3 da presente convenção, é ilegal para seu empregador despedi-la durante a referida ausência ou data tal que o prazo do aviso prévio termine enquanto durar a ausência acima mencionada.”

e) Convenção 111/1958 da OIT – discriminação em matéria de emprego e profissão – decreto legislativo n. 62.150/68. 

“Art. 1 — 1. Para os fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende:

a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação.

3. Para os fins da presente convenção as palavras ‘emprego’ e ‘profissão’ incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como às condições de emprego”.

f) Convenção nº 183, de 2000 – Não ratificada pelo Brasil

i) Proteção da mulher – Os empregadores deverão adotar as medidas necessárias para garantir que a gestante ou lactante não preste serviços em condições prejudiciais pra sua saúde e de seu filho.

ii) Licença maternidade – Direito a licença de pelo menos 14 semanas.

iii) Prestação em espécie – Recebimento de prestação pecuniária que garanta a mulher seu filho condições de saúde e nível de vida adequado.

iv) Estabilidade e proteção contra discriminação – Proibição de dispensa durante a licença e pelo período posterior à volta ao labor, na forma prevista na legislação nacional. Ao empregador incumbe provar que a dispensa não se deu em razão da gravidez ou lactação.  Os Estados devem cuidar para que não haja discriminação em razão da gravidez, inclusive com proibição de pedido de exame de gravidez, salvo quando o trabalho possa causar risco à gestante ou ao filho ou for proibido, na forma da legislação local, às mulheres em tal condição.

v) Amamentação – Direito a uma ou várias interrupções diárias do trabalho para amamentação.

3  Licença maternidade no Brasil. Destinatários. Finalidades. Licença maternidade a cargo do Estado. Vedação de quaisquer formas de discriminação

Várias são as normativas internacionais que vedam a discriminação entre homens e mulheres: A Declaração Universal dos Direitos do Homem – ONU (1948) e a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra A Mulher (Onu/Cedaw/1979); Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Xenofobia e Outras Manifestações de Intolerância (Onu/1966  e Decreto Legislativo N. 65.810/1969); Convenção OIT 100/1951, Sobre a Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres por Trabalho de Igual Valor (Decreto Legislativo 41.721/1957); Convenção OIT 111/1958  sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão (Decreto Legislativo N. 62.150/68).

O Brasil ratificou em 26/04/1934, a Convenção nº 3, de 1919, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto n. 423/1935, que trata da proteção de emprego das mulheres antes ou depois do parto assim estabelece que o auxílio-maternidade deve ser uma obrigação estatal. para evitar a discriminação contra as mulheres no mercado de trabalho.

A Carta Federal veda a discriminação (artigo 3º, IV) e traz a missão de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O princípio da isonomia, vem no art. 5º, CF/88 segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e assim homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição.

Assim, assegura a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (art. 7º, XX, CF/88), incluída a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XX e XXX CF/1988) e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CF/1988).

Ainda, a proteção da mulher é considerada normas de ordem pública (art. 377, CLT) e não se justifica em hipótese alguma, a redução de salário.  Enfim, toda distinção, exclusão ou preferência, assédios moral ou sexual, gênero, da raça, da origem, da idade, da pessoa portadora de deficiência, da saúde do trabalhador, acidente do trabalho, matrimonio e gravidez são matérias que ensancham a atração do princípio da igualdade. Quanto à questão referente fertilidade e gravidez, constitui conduta discriminatória do empregador, punida nos âmbitos criminal e trabalhista (Lei 9029/95).

Atualmente, a proteção a gestante possui nicho constitucional, reconhecida como Direito Social previdenciário com impactos no Direito do Trabalho à vista da relação de interdependência. A maternidade é um risco social da trabalhadora que a impede, temporariamente, de exercer o trabalho remunerado. 

Desde o advento da Lei 6.136/74 o salário-maternidade deixou de ser um encargo trabalhista para o empregador e passou a ser uma prestação previdenciária a cargo estatal da Previdência Social. Em 25/05/2021 a Corte (STF/RE 576.967 Tema 72) julgou pela isenção da contribuição previdenciária incidente sobre o valor da licença maternidade, cota patronal, sob o fundamento de que o encargo protetivo deve ficar para o Estado para evitar discriminação da mulher no mercado de trabalho.

4  Novo referencial no conceito de família. Espécies de famílias: Famílias multiparentais, monoparentais, heteroafetivas, homoafetivas. Famílias recompostas. Famílias homoafetivas

A família constitui objeto de proteção do Estado desde priscas eras. O Código de Hamurabi, do século XVII A.C. destinava o capítulo X à proteção do “matrimônio e família, delitos contra a ordem da família. contribuições e doações nupciais”. Da mesma forma, a Lei das XII Tábuas destinava o de número IV ao pátrio poder e dever de cuidado dos filhos. O livro terceiro do Código de Manu traçava as regras sobre o matrimônio e os deveres do chefe da família.

Deste modo, a sociedade sempre destacou importância à família, tanto que, hodiernamente, mereceu tutela do direito internacional, tendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu preâmbulo, estatuído que:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Não é por outro motivo, que a Constituição Federal brasileira dedicou o Capítulo VII, do Título VIII, à família, criança, adolescente, jovem e idoso e prevê em seu artigo 226 que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Diante destas premissas relativas á evolução da proteção destinada à família surgem a licença maternidade e o respectivo salário maternidade.

A família constitui a base do Estado, ou seja, é a celula mater social e segundo Carlos Roberto Gonçalves é:

...o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia.”[2] (...) “Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins[3].

Muito se questiona a natureza jurídica da família. Antigamente, acredita-se ser a família uma pessoa jurídica de caráter patrimonial, como titular de direitos e obrigações, conceito recusado na cultura ocidental porque destaca a essência dos laços afetivos do núcleo familiar de onde decorrem os direitos e obrigações dos seus membros enquanto pessoas naturais.

Maurice Hauriou atribuiu à família a natureza de instituição, assim entendida como uma coletividade que se subordina à autoridade e às condutas sociais. A família é, portanto, uma associação de pessoas para regular os vínculos afetivos e de parentesco entre as pessoas que se unem para sua formação. Como instituição, a família detém de grande importância para meio social e para formação do próprio Estado-Sociedade.  

O Direito de Família é um dos ramos do Direito que apresenta mudanças em razão da grande evolução social e cultural. Muitas relações familiares, abertas e livres, são mantidas à margem da sociedade, por preconceitos ou outros motivos que impedem a sua aceitação social,

Desta feita, as regras de direito entram em cena na tutela da família, cujo conceito vem sendo ampliado em virtude das mudanças sociais, inclusive com a passagem do instituto do pátrio poder para o moderno poder familiar. Registre-se a gradativa ampliação do conceito de família nos ordenamentos jurídicos em cotejo com as mesclas e mudanças sociais-ambientais-culturais: família oriunda do casamento; união estável entre homem e mulher; família monoparental, família recomposta, família homoafetiva de união entre pessoas do mesmo sexo. Assim, temos:

a) Família Oriunda do Casamento: No passado brasileiro a família clássica se constituía primordialmente pelo casamento, entendido como a união indissolúvel entre homem e mulher.

b) Família Originária da União Estável: A seguir, passou-se a aceitação da dissolução do casamento, bem como a proteção da mera a união estável, entre homem e mulher, como se observa no artigo 226, §3º da CF/88, que se reconhece os efeitos jurídicos oriundos da vida em comum entre homem e mulher.

c) Família Monoparental: Quanto à família monoparental, a própria Constituição Federal, em seu artigo 226, §4º, estatui que: “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”  Em vista disto, considera-se entidade familiar monoparental, a simplesmente união estável de um homem ou uma mulher e seus filhos, à qual é devida todos os direitos inatos à celula mater da sociedade.

d) Família Recomposta: E muito comum as pessoas com filhos, oriundas de casamentos ou uniões anteriores, constituírem novas famílias. Família recomposta ou família reconstruída é aquela em que um dos parceiros ou ambos possuem filhos de relacionamentos anteriores. Ela não possui codificação civil, mas reflete a pluralidade dos novos arranjos familiares. Deve ser incluída no conceito de família recomposta aquela relação em que uma pessoa assume a relação socioafetiva e o poder familiar de filhos que não são seus, como cuidadora ou guardiã, tendo em conta  a ausência ou morte da mãe da criança, biológica ou adotiva.

e) Família Homoafetiva: Trata-se da união de pessoas do mesmo sexo reconhecida como entidade familiar para todos os efeitos.  Diante das mudanças sociais culturais, nova interpretação jurisprudencial sobre as normativas de Direito de Família, há a aceitação da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Em decisão de profunda relevância e senso de justiça, na data de 04 de maio de 2011, a Suprema Corte brasileira STF/ADIn 4.277 e ST/ADPF 132, reconhece  como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo, com os direitos respectivos destinados a toda e qualquer família. Merece destaque parte do voto do MM. Ministro Relator Carlos Ayres de Brito, ao afirmar que: 

...dar conta, ora do enlace por amor, por afeto, por intenso carinho entre pessoas do mesmo sexo, ora da união erótica ou por atração física entre esses mesmos pares de seres humanos. Aclare-se união com perdurabilidade o bastante para a constituição de um novo núcleo doméstico tão socialmente ostensivo na sua existência quanto vocacionado para a expansão de suas fronteiras temporais. Logo, vínculo de caráter privado, mas sem o viés do proposito empresarial, econômico, ou por qualquer forma, patrimonial, pois não se trata de uma mera sociedade de fato ou interesseira parceria mercantil. Trata-se, isto sim, de uma união essencialmente afetiva ou amorosa, a implicar um voluntário navegar emparceirado por um rio sem margens fixas e sem outra embocadura que não seja a conflitante entrega de um coração aberto a outro” (...) “..a terminologia entidade familiar não significa algo diferente de família, pois não há hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição deum novo núcleo domestico. Estou a dizer: a expressão entidade familiar não foi usada para designar um tipo inferior de unidade doméstica, porque apenas a meio caminho da família que se forma casamento civil. Não foi e não é isso, pois inexiste essa figura da subfamília, família de segunda classe ou família mais ou menos.

Em suma, por família entende-se não apenas a união de casal heterossexual, mas sua a união de pessoas, independente do sexo, ligadas pelo laço da afinidade, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo, de sexos diversos, ou entre pai e seus filhos, ou entre mães e seus filhos. 

Assim, pode-se concluir que família é a união de pessoas por laços afetivos e indispensável à sociedade. Isto porque, é no seio da família que iniciam os primeiros passos da educação e socialização da pessoa. Por isso, a família merece toda a proteção e preservação da ordem jurídica para que alcance seus fins. Segundo célebre lição de Georges Ripert, “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito.” O direito como instrumento de regulação coercitiva das relações sociais, deve evoluir na mesma velocidade das mudanças sociais e culturais na sociedade na qual é aplicada, sob pena de ser ignorado e tornar-se letra morta, e não garantir a sua função de controle do meio social para o qual foi instituído. 

5  Destinatários da proteção a maternidade. Novos referenciais e paradigmas: aquele que ostenta o encargo do poder familiar e cuidados com a criança

O artigo 227, da Carta Federal, traça que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O direito a proteção especial da criança inclui a garantia de direitos previdenciários, acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O artigo 6° a proteção a previdência social, à maternidade e à infância. O artigo 201, inciso II, estatui que a previdência social atenderá, nos termos da lei, à proteção à maternidade, especialmente à gestante. O artigo 203, inciso I, enuncia que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice.

5.1  Destinatárias da Licença Maternidade

O salário maternidade só é devido a segurado da Previdência Social. Assim, temos:

a) Segurada empregada, avulsa, doméstica: quanto as destinatárias, a Lei 8.213/91 (arts. 71 a 73) tutela o salário maternidade, sendo que no início, determinava ser devido apenas às seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica, sem a exigência de carência. Com a criação do Programa Empresa Cidadã (11.770/2008), por meio da concessão de incentivos às empresas contratantes, a empresa pode prorrogar a licença maternidade das empregadas por mais 60 dias.

b) Segurada especial: A Lei 8.861/94 estendeu o direito à segurada especial, no valor de um salário mínimo, quando comprovado o exercício de atividade rural nos últimos 12 meses, ainda que de modo descontínuo.

c) Segurada individual e facultativa: A Lei 9.876/1999 estendeu o salário maternidade, da mãe biológicas, pelo prazo de 120 dias, a todas as seguradas da Previdência Social, ampliou o rol das beneficiárias do salário maternidade para o conceder à contribuinte individual e facultativa.

Quanto as destinatários, temos:

a) Licença maternidade para mãe biológica e mãe adotiva: a Lei 10.421/02 estendeu o direito à mulheres quando adotarem filho ou obtiverem guarda judicial para fins de adoção.  O artigo 392-A à CLT assegurou a empregada, em caso de adoção ou guarda judicial de criança, a licença maternidade, mas limitada a apenas um dos adotantes e, caso venha a falecer o titular do benefício, estender-se-á pelo período restante da licença ao cônjuge ou companheiro empregado, salvo no caso de falecimento do filho ou de seu abandono.  A lei assegura ao adotante e ao guardião para fins de adoção, o direito a licença-maternidade de 120 dias, em igualdade como a mãe biológica. A empregada, que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção, de criança ou adolescente, será concedida licença-maternidade (Art. 392-A,CLT), mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã (art. 392, § 4°, da CLT). A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença-maternidade a apenas um dos adotantes, empregado ou empregada (art. 392, § 5º, CLT).

A Lei 12.873/13 institui nova evolução do benefício, ao prever no artigo 71-A da Lei 8.213/91 que ressalvado o pagamento do salário-maternidade à mãe biológica  e adotiva, não poderá ser concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime Próprio de Previdência Social. No julgado STF/RE 778889 (10/03/2016) a Corte reconhece a equiparação do prazo da licença adotante ao prazo de licença-gestante.

b) Licença maternidade as mulheres em geral e as indígenas da etnia Macuxi, menores de 16 anos: atenta a realidade brasileira a autarquia previdenciária regulou administrativamente o salário maternidade para mãe menor de  16 anos idade  (PORTARIA DIRBEN/INSS Nº 1132 (15/03/ 2023), desde que preenchidos os demais requisitos, por força do cumprimento da Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100.

c) Licença maternidade relação homoafetiva: Ainda, a licença maternidade foi estendida ao adotante, de qualquer sexo e também na relação homoafetiva. 

Em caso de licença parental de casais homoafetivos femininos, ainda não há regulamentação específica. O julgado STF/RE 1.211.446, Tema 1072 (08/11/2019) concedeu a licença maternidade a mãe não gestante, servidora pública, de relação homoafetiva, criança gestada em inseminação artificial, sob o fundamento da igualdade entre a famílias homoparental e heteroparentais.

A união homoafetiva passa a ser reconhecida, para fins de proteção a maternidade, pela aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade.  Some-se que a homossexualidade e as respectivas relações afetivas são consideradas fatos sociais, que se perpetuam através dos séculos, os quais o Direito não pode ignorar A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver e a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos, por ser forma de privação do direito à vida, a dignidade da pessoa humana e da igualdade.

O Código Civil brasileiro alterou a denominação do vetusto pátrio poder para o instituto do poder familiar, conforme artigo 1631: “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro exercerá com exclusividade.” Em suma, a entidade familiar é detentora do poder sobre os filhos, porque  ambos os pais possuem o mesmo poder sobre o destino da família, sem que se possa dizer em sobrepujamento de um sobre o outro.

d) Licença maternidade ao cônjuge e companheiro, inclusive na relação homoafetiva, no caso de morte da segurada.

O artigo 201, II da CF/88 determina a proteção à maternidade, especialmente à gestante, sinalizando que outras pessoas gozam de direitos no exercício substitutivo da maternidade, na ausência da mãe biológica. Há previsão no caso de falecimento da segurada ou segurado que receba salário-maternidade, o benefício deve ser pago pelo período restante aquele que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que tenha a qualidade de segurado, salvo se falecido o filho ou abandonado (art. 392-B da CLT, com redação dada pela Lei nº 12.873/2013)

No caso de morte da mãe biológica ou do adotante, o salário maternidade que sobejar é pago ao cônjuge ou companheiro sobrevivo. A jurisprudência, á vista das novas formas de família, inclusive monoparental, acabou por incluir a licença maternidade ao pai adotivo e ou na relação homoafetiva.  Resta evidente que a ampliação das beneficiárias se deu, primordialmente, pela necessidade de tutela da família, especialmente da criança, constitucionalmente protegida. Assim, embora tais direitos se destinem aparentemente à mulher, visam a tutelar não sua pessoa, mas sim a criança, bem como, a entidade familiar que se constitui em torno da criança. Ressalte-se que ampliação do benefício atende os princípios do artigo 4º do Estatuto da Criança e Adolescente, ao tutelar o interesse do menor e o convívio com seus pais, biológicos ou adotivos, para a sua criação e formação.

5.2  Temporalidade da Licença Maternidade

a) Licença-maternidade de 120 dias sem prejuízo dos salários. Mae biológica e mãe adotiva : O artigo 7º, XVIII, da Constituição Federal estabelece que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.

b) Prorrogação da licença maternidade de 60 dias a cargo da empresa. Empresa Cidadã: Ainda, é facultativo à empresa conceder um período de mais 60 dias de licença maternidade, totalizando 180 dias. A Lei nº 11.770/2008 instituiu o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 dias a duração da licença-maternidade, período em que a mãe não poderá exercer qualquer atividade remunerada e no qual a criança não poderá ser mantida em creche. A empresa que aderir ao programa poderá deduzir o total da remuneração paga à empregada nesses 60 dias, do imposto devido sobre seu lucro real. Essa mesma lei também autorizou a Administração Pública a instituir programa que garanta a prorrogação da licença-maternidade às suas servidoras.

c) Prorrogação da licença maternidade até alta médica da criança ou da mãe: A Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 392, § 2º,  primeiro instrumento legal a garantir o descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, por um período total de 2 (duas) semanas, sem prejuízo do salário e do emprego, a cargo do empregador, mediante atestado médico. Porém, para que ocorra esse aumento, o art. 343, § 8º, da Instrução Normativa nº 128/2022 do INSS, exige que haja risco para a vida do feto ou da criança ou da mãe, a ser certificado pelo médico que atestar a necessidade da prorrogação da licença-maternidade. Quando o pagamento do salário-maternidade for feito diretamente pela Previdência Social e não pelo empregador, esse aumento da licença-maternidade dependerá, ainda, da confirmação do risco pela perícia médica do INSS.

Considerando as hipóteses de complicação pós-parto e ou doença do recém-nascido, que impede o desiderato de fruição do gozo da licença gestante em contato com a criança, decorrente da internação hospitalar, a Suprema Corte (STF/ADI 6327) reconheceu a extensão do prazo da licença maternidade, a partir da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONVERTIDA EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. POSSIBILIDADE. CONTAGEM DE TERMO INICIAL DE LICENÇA-MATERNIDADE E DE SALÁRIO-MATERNIDADE A PARTIR DA ALTA HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE, O QUE OCORRER POR ÚLTIMO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO DO §1º DO ART. 392, DA CLT, E DO ART. 71 DA LEI 8.213/1991. NECESSÁRIA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE E À INFÂNCIA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Cumpridos os requisitos da Lei nº. 9.882/99, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) entende possível a fungibilidade entre ADI e ADPF. 2. A fim de que seja protegida a maternidade e a infância e ampliada a convivência entre mães e bebês, em caso de internação hospitalar que supere o prazo de duas semanas, previsto no art. 392, §2º, da CLT, e no art. 93, §3º, do Decreto nº. 3.048/99, o termo inicial aplicável à fruição da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade deve ser o da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se ambos os benefícios por igual período ao da internação. 3. O direito da criança à convivência familiar deve ser colocado a salvo de toda a forma de negligência e omissão estatal, consoante preconizam os arts. 6º, caput, 201, II, 203, I, e 227, caput, da Constituição da República, impondo-se a interpretação conforme à Constituição do §1º do art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do art. 71 da Lei nº. 8.213/1991 4. Não se verifica critério racional e constitucional para que o período de licença à gestante e salário-maternidade sejam encurtados durante a fase em que a mãe ou o bebê estão alijados do convívio da família, em ambiente hospitalar, nas hipóteses de nascimentos com prematuridade e complicações de saúde após o parto. 5. A jurisprudência do STF tem se posicionado no sentido de que a ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença-maternidade, conforme precedente do RE nº. 778889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016. A prorrogação de benefício existente, em decorrência de interpretação constitucional do seu alcance, não vulnera a norma do art. 195, §5º, da Constituição Federal. 6. Arguição julgada procedente para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, §1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período os benefícios, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, §2º, da CLT, e no art. 93, §3º, do Decreto n.º 3.048/99.” (STF, ADI 6327, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222  DIVULG 04-11-2022  PUBLIC 07-11-2022)

d) Licença maternidade risco ambiental durante a gestação de 9 meses: Registre-se que a reforma trabalhista assegurou a licença maternidade risco ambiental para a gestante que trabalha em atividade insalubre ou perigosa, cujo período vai desde a concepção até o parto, nove meses, acrescidos do período de amamentação de seis meses, totalizando quinze meses (art. 394-A, CLT c/c art. 396 e § único, CLT).  A Corte (STF/ADIN 5938) julgou que o salário maternidade risco ambiental, a cargo da Previdência Social – (art. 394-A CLT) não exige atestado médico indicativo do afastamento da gestante do local de trabalho em atividade insalubre. Deste modo, quando não for possível a empregada gestante ou lactante exercer suas atividades em local salubre na empresa, tal hipótese será́ considerada gravidez de risco ambiental, o que lhe confere o direito a receber o salário-maternidade, durante o período de gestação e lactação. O empregador deve paga diretamente a empregada o salário maternidade e tem o direito de se compensar ou deduzir os valores perante a autarquia previdenciária, pois a proteção fica a cargo do Estado.

6  Licença maternidade para ambos os sexos e equidade de gênero. Mãe solo e Pai solo. Fertilização in vitro. Barriga de aluguel. Princípio da proteção integral da criança. Princípio da igualdade das famílias heteroafetiva e homoafetiva. Licença maternidade parental

De partida, a licença maternidade tem o foco na mulher. Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista LAZZARI, no Manual de Direito Previdenciário, citam interessante lição de Chantal Paòli que afirma, sobre a proteção da mulher, que:

Trata-se de preservar sua função fisiológica no processo da criação, facilitar o cuidado dos filhos e a atenção à família, garantindo seus interesses profissionais e sua renda no mercado de trabalho, sem diminuir nem deteriorar sua condição feminina[4].

Atualmente, o novo paradigma foca a licença maternidade à vista do poder familiar. É imprescindível destacar que a despeito de a licença maternidade ser um direito da mulher ele é dotado de uma função social. Nesse sentido:

É importante reforçar que a licença-maternidade se trata da garantia de um direito das mulheres: o direito ao exercício pleno da maternidade. Um direito que não diz respeito apenas à população feminina, mas a toda a sociedade. Ao dedicarem-se ao cuidado dos filhos em seus primeiros meses de vida, as mulheres estão não apenas exercendo esse direito, como também cumprindo com uma função social que beneficia toda a população. É, portanto, responsabilidade do Estado assegurar-lhes esse direito. (PINHEIRO, GALIZA, FONTOURA, 2009, p.857).

A Corte, no julgado STF/RE 1348.854 – TEMA 1.182 (12.5.2022.) – reconheceu o salário maternidade ao pai solo com base na igualdade e no poder familiar, conforme  Tese:

À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental.

Assim, o servidor público que seja pai solo, mesmo que na família não há a presença materna, faz jus à licença maternidade e ao salário maternidade pelo prazo de 180 dias, da mesma forma em que garantidos à mulher pela legislação de regência. Ainda que ausente a figura da mãe genitora, sendo a criança gerada por meio de fertilização in vitro e barriga de aluguel o direito a licença maternidade é assegurado.

Diante do princípio da igualdade, não há que ser feita qualquer distinção de gênero, e tampouco entre o cônjuge ou companheiro, ou em relação à família recomposta ou demais membros da família, pois desde que a pessoa detenha o poder familiar, atrai o direito ao salário maternidade, para propiciar os cuidados à criança.

Com efeito, o sistema jurídico se funda na igualdade, sendo certo que a isonomia não pode ser vista apenas em relação ao homem e mulher e suas relações sociais, profissionais ou familiares, mas também quanto às entidades fundantes decorrentes das relações socioafetivas de todo o Direito. Assim, efetivamente, as famílias devem ser tratadas de forma igual, sejam oriundas de um casal heterossexual, homossexual, monoparental ou de família recomposta. No entanto, a isonomia não se resume à identidade de direitos entre tais entidades familiares, nem entre seus membros e suas relações na família moderna, em que homens e mulheres não possuem mais funções estanques e absolutamente distintas, mas sim devem se integrar para o desenvolvimento da celula mater da Sociedade.

Portanto, a análise dos institutos deve ser realizada de acordo com os conceitos atuais de família e da importância e atribuições de seus membros, fundadas na isonomia do conceito de família e na igualdade de seus membros dentro da relação jurídica. Se a ordem jurídica assegura o direito ao cônjuge ou companheiro, ainda que originário de família recomposta, em caso de morte da genitora, ao gozo de licença, por todo o período da licença-maternidade; ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe, exceto no caso de falecimento do filho ou de seu abandono, nos termos do art. 392-B da CLT, com redação dada pela Lei nº 12.873/13, tal benefício pode e deve ser assegurado em reversão a outros membros da família que, no poder familiar, tenham a incumbência de cuidar da criança (ex: avó, tia, prima, etc.).

A OIT (Organização Internacional para o Trabalho) informa que 185 países possuem leis que protegem a licença parental.  Na Espanha, até 2020, a lei determinava que os pais tinham direito a 12 semanas de licença paternidade, em 2021, pelo Real Decreto-ley 6/2019, de 1 de marzo, de medidas urgentes para garantía de la igualdad de trato y de oportunidades entre mujeres y hombres en el empleo y la ocupación, foi feita a equiparação entre os gêneros e passou para 16 semanas. Na Suécia, pais e mães têm direito a 480 dias (16 meses) de licença remunerada após o nascimento da criança. Cada um deles pode se ausentar do trabalho por 90 dias, e o restante do tempo, dividir como quiser.

Na Perspectiva internacional, a exemplos de alguns países muitos Estados desenvolvidos asseguram a licença-maternidade ou parental, quando ambos os pais podem se afastar do trabalho, definido por lei, remunerado e em escala nacional e equidade de períodos de licença entre os responsáveis pela criança: Reino Unido (12 meses), Noruega (11 meses), Alemanha (dois anos), Espanha (quatro meses). Na Ásia a licença-maternidade no Japão e  China (98 dias) Coreia do Sul (90 dias) do benefício.

Não há fundamento para a concessão de licença maternidade apenas para a genitora ou adotante, o qual deve ser estendido para o cônjuge, companheiro ou adotante, que deve cooperar em regime de igualdade para o desenvolvimento familiar seja de modo financeiro ou afetivo. E, em caso de morte da parturiente, a proteção deve se estender ao cônjuge ou companheiro, ou membro da família que fica com o encargo de cuidar da criança.

Destarte, é possível, pela isonomia interna e externa das famílias e entre elas, ser estendido o benefício da licença-maternidade ao outro membro da família, sendo que de lege ferenda será a melhor opção para adequar e satisfazer a ratio da Constituição Federal.

Assim, entendemos que se trata de efetiva licença-natalidade-infância que pode se dividir em licença-natalidade e licença-adoção, devidas não apenas à genitora ou adotante, mas também ao genitor ou adotante, seja em família heteroafetiva, homoafetiva, monoparental, família recomposta ou outro membro da família que cuidar da criança, em hipótese de ausência ou falecimento da gestante.

7  Conclusão

No momento atual gozam da proteção previdenciária, com direito a licença maternidade: a segurada empregado, avulsa, doméstica, rural segurada especial, contribuinte individual e facultativa. a mãe biológica e mãe adotiva, mesmo na relação homoafetiva, o pai adotivo; a mãe solo ou pai solo, decorrente de fertilização natural, artificial in vitro ou barriga de aluguel; o cônjuge ou companheiro sobrevivente no caso de morte da mãe.

E atualmente fala-se em extensão para abarcar a licença maternidade parental, no caso de ausência ou morte da mãe (biológica ou adotiva) destinada ao parente que fica com o encargo de cuidar do recém nascido, ou aquele que tem o dever de cuidar da criança, por assumir o poder familiar.

Há por assim dizer uma evolução principiológica que agrega a proteção á maternidade conectada com a proteção integral da criança Trata-se de um novo marco normativo principiológico de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos (CF, art. 227). A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados por quaisquer obstáculos de efetividade.

Conforme previsão constitucional e legal, a licença ou salário-maternidade será pago para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa, empregada doméstica, contribuinte individual, facultativa, especial e as seguradas em prazo de manutenção da qualidade de segurada, por ocasião do parto, inclusive o natimorto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Ainda, por conta do princípio da igualdade deve ser pago, ao cônjuge ou companheiro, ainda que oriundo de família recomposta ou membro da família, bem como a pessoa que ostente os laços socioafetivos e no exercício do poder familiar tenha a incumbência de cuidar da criança, no caso de ausência ou morte da mãe ou pai biológico ou adotivo. Há quem defende a equiparação do salário paternidade de cinco dias, previsto em nossa ordem jurídica ao salário maternidade de 120 dias, que não resolve na omissão normativa da proteção da criança no caso de morte da mãe e ou do pai.

Corre projeto de Lei 1974/21 e uma das medidas propostas é a alteração da nomenclatura “Da Proteção da Maternidade” para “Da Proteção à Parentalidade” e

a concessão de licença parental remunerada de 180 dias a partir do nascimento, da adoção ou do fato gerador do direito à licença parental para cada pessoa de referência da criança ou do adolescente, limitada ao máximo de duas pessoas.

Em suma, tendo em conta a prioridade da proteção da criança o direito à licença maternidade deve ser estendido aos demais membros da família ou, família recomposta em caso de morte ou abandono da criança pela mãe. Da mesma forma, o salário-maternidade não deve se restringir à mulher, impondo-se a amplitude concessão aos titulares do poder familiar, sob a denominação de salário-maternidade-parental.

8  Referências

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BRAMANTE. Ivani Contini. Proteção à gestante e pandemia: salário-maternidade. Risco ambiental. COVID-19. p. 61, in Direito Previdenciário das mulheres. Coordenadoras: Adriane Bramante e Priscilla Simonato. Editora Juruá. 2021.

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Notas de Rodapé

[1]     Ivani Contini Bramante. Doutora pela PUC/SP. Professora da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, São Paulo, ivanibramante@hotmail.com. https://orcid.org/0000-0002-6508-2516

[2]     GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. 6, Direito de Família, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2014, p. 23.

[3]     Op. cit. p. 23/24.

[4]     RUPRECHT, Alfredo J. Direito da seguridade social, São Paulo, LTr, 1996, p. 259, apud CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista, Manual de Direito Previdenciário, São Paulo, Forense, 16ª ed, 2014, p. 1753.