Economia e Direito: Marx e Luhmann entre Crise do Capitalismo e Autopoiesis do Direito
ECONOMICS AND LAW: MARX AND LUHMANN FROM THE CRISIS OF CAPITALISM AND AUTOPOIESIS
Luciano do Nascimento Silva[1]
Ana Clara Montenegro Fonseca[2]
Herleide Herculano Delgado[3]
Resumo: O presente estudo apresenta uma análise crítica sobre economia e direito nos pensamentos de Marx e Luhmann dentro de uma perspectiva cíclica estrutural e sistêmica na observação da crise do capitalismo. A análise propõe corroborar com o entendimento do comportamento do sistema frente as crises econômicas e a disputa dual entre economia e política. Traz como objetivo expandir a discussão nesta temática traduzindo os pensamentos dos autores citados, numa construção lógica, dentro de um contexto mundial real e contundente. Contrapondo os governos técnicos, o caráter cíclico estrutural apresentado por Marx e a explicação do que é direito numa observação autopoiética de Luhmann, a crise do capitalismo, ou mesmo econômica, se traduz numa leitura persuasiva de interesses de poder impregnados no sistema econômico que direciona e conduz as decisões políticas mundiais.
Palavras-chaves: Economia. Direito. Governo. Pensamento. Observar. Crise. Estrutura. Autopoiesis.
Abstract: This study presents a critical analysis of economics and law in the thoughts of Marx and Luhmann within a structural and systemic cyclical perspective in observing the crisis of capitalism. The analysis proposes corroborate the understanding of system behavior across the economic crisis and the dual dispute between economics and politics. The objective is expand the discussion on this topic translating the thoughts of the authors cited in a logical construct within a real world context and forceful. Opposed technical governments, structural cyclicality presented by Marx and the explanation of what’s right in autopoietic observation of Luhmann, the crisis of capitalism, or even economic, translates into a persuasive reading impregnated power interests in the economic system that directs and leads global political decisions.
Keywords: Economy. Right. Government. Thought. Observe. Crisis. Structure. Autopoiesis.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O texto produzido, na sua moldura metodológica de ensaio, deve ser interpretado à luz da temática que intitulamos de Crítica, traduzida numa forma dual: crítica à economia política no espaço dos sistemas de Governo (paradigma da era moderna) que se carecterizam como processos cíclicos estruturais das crises do capitalismo, da pena de Marx. E a crítica à teoria do direito e da sociedade como sistemas de comunicação autoreprodutivos, autoreferenciais e reflexivos, nas letras de Luhmann. Ambas as críticas conceptivas informam as respectivas insustentabilidades na forma de paradoxos ocultados das formulações conceituais (economia e direito). Os discursos econômico-político e jurídico que se traduzem como objetos da teoria dos sistemas, na proposta provocativa do texto ora apresentado.
Nas primeiras linhas, os casos recentes intitulados “governos técnicos” surgidos na realidade da economia política europeia (Grécia e Itália). A tese é de que a novidade é antiga. No ano de 1853 o filósofo alemão Karl Marx já formulara letras de ridicularidade sobre o caso do gabinete de especialistas instaurado na Inglaterra, o que explica o caráter cíclico e estrutural das crises do capitalismo. O resurgimento da ideia de um “governo técnico” provocou a “arqueologia” de um texto do filosófo alemão. Como articulista do New York Daily Tribune, Marx analisa os acontecimentos político-institucionais que fundamentaram a instauração do gabinete Aberdeen (dezembro/1852 a janeiro/1855), nas terras da Rainha.
O texto de Marx, publicado em 1853, surge nas letras de contrariedade a todas as análises em curso à epoca. A análise de legitimidade na consideração do que surgiu como moderno e articulado, publicada pela imprensa em geral, era colocado pelo filósofo como tradução de uma metodologia de farsa e ilusionista. O moderno não seria exatamente moderno, a áurea de credibilidade não seria exatamente credível e o aparecimento de uma nova fase da história era protagonizada por personagens conhecidos e desacreditados que a mínima análise reflexiva deslegitimaria a argumentação do caráter moderno. O que era apresentado (Estado/Governo) como iniciativa de resolução para os problemas do capitalismo não ofertava a mínima credibilidade como processo de equação para a economia política.
Nas segundas linhas, a análise de Luhmann acerca do Direito que faz emergir um conceito único na definição jurídica. A concepção do Direito formulada por Luhmann expressa o fenômeno jurídico como produto comunicativo elaborado pelas relações sociais, o que significa dizer que não existe Direito pré-sociedade, o Direito é um produto histórico dos sistemas sociais. As implicações são grandiosas, pois sepulta todas as concepções jusnaturalistas (grega, teológica e racionalista). Por um lado, aplica o elemento complexidade que traduz o modelo de sociedade moderna. Para explicar a complexidade dos sistemas sociais o Direito somente pode se apresentar como fenômeno complexo; por outro, efetiva o elemento contingência que representa o ponto do processo de seleção impresso pelo Direito, ponto este que representa sempre um risco, pois a efetividade da seleção pelo Direito sempre espelha um risco de desapontamento em função da complexa rede de alternativas de escolhas, isto é, o processo de seleção do Direito não pode controlar toda a cadeia de alternativas.
A formulação do Direito desenhada por Luhmann fez surgir no universo jurídico os apontamentos de expectativas cognitivas e expectativas normativas. Ambos os apontamentos estão ligados ao processo de seleção impresso pelo Direito no âmbito do surgimento do desapontamento à luz das alternativas em escolha. Primeiramente, explicita que numa sociedade existe sempre uma criação de expectativas nas relações sociais, daí sempre presente a ideia de programação certificada no presente de forma a garantir o futuro. O desapontamento surge quando as expectativas são frustradas, de forma a não aparecer o resultado constituído hipoteticamente no processo de comunicação. Então, inevitavelmente, surgirá o desapontamento pela não efetividade da expectativa cognitiva, no entanto, é sempre possível a readaptação de forma a dar andamento diferenciado ao processo comunicativo. Enquanto, o desapontamento referente à expectativa normativa não reforma a estrutura normativa positivada que é a expressão legal do processo de comunicação, pelo contrário, faz surgir a força do Direito traduzida na reafirmação do comando normativo.
No campo da análise do Direito positivo (expectativa normativa), para determinar a ordenação das expectativas de forma congruente, o Estado como titular do processo regimental, institui a Norma como validade para toda à sociedade. Esta norma é a expressão de um sistema jurídico comunicativo, ela representa a produção de comunicação nas relações sociais. A Norma é a comunicação traduzida como Direito. Daí Luhmann ter formulado o Direito como sistema operacionalmente (normativo) fechado e cognitivamente (comunicação) aberto. O que fez surgir a premissa fundamental de que o Direito opera na base de um código binário lícito/ilícito, a traduzir o que é direito e o que não é direito, para a funcionalidade do sistema jurídico.
A iniciativa de renovação da ideia sobre o Direito impressa por Luhmann, encontra no espaço (formulações) da biologia a origem e os parâmetros para o exigido e necessitado desenvolvimento teórico. A interpretação é de que o Direito é um sistema da Autopoiesis (do greco: autós/“por si próprio”; poiesis/“produção”/“criação”/“poesia”). O Direito como teoria da autopoiesis se autoconstrói nas bases de uma teoria sistêmica autoreferencial e reflexiva, que espelharia o seguinte teorema: autopoiesis + organização + estrutura + meio = sistema. Por sua vez o corpo sistêmico apresentar-se-ia da seguinte forma: relações + elementos + ambiente = operacionalidade fechada e funcionalidade aberta. Toda esta construção é elaborada a partir do mecanismo “genético” denominado de autorreprodução. O que qualificaria o Direito como um fim em si mesmo.
1 MARX: OS GOVERNOS TÉCNICOS E O CARÁTER CÍCLICO E ESTRUTURAL DAS CRISES DO CAPITALISMO
Os recentes, mas não novos casos de Grécia e Itália, com a instauração de “governos técnicos” – e depois com eleição para Premier e Referendum sobre as finanças do Estado, o que não muda em nada –, fizeram com que o jornalismo trouxesse para o debate da economia política o tema do caráter cíclico e estrutural das crises do capitalismo, porém não exatamente com esta afirmação. Quando ocupava a função de articulista do New York Daily Tribune “Marx observou os acontecimentos político-institucionais que levaram ao nascimento de um dos primeiros ‘governos técnicos’ da história, em 1852, na Inglaterra: o gabinete Aberdeen (dezembro de 1852/janeiro de 1855)” (Musto, 2011, p. 1). A interpretação do filosófo alemão, recheada de ironia e sarcasmo criticava diretamente as letras do Times que traduzia o acontecimento como rompimento paradigmático em direção a novos tempos na política.
A publicação do Times enfatizava o novo momento como renovados ares para a economia, a política e os partidos. “[…] No milênio político, em uma época na qual o espírito de partido está destinado a desaparecer e no qual somente o gênio, a experiência, o trabalho e o patriotismo darão direito a acesso aos cargos públicos”, letras que ainda legitimavam o caso Aberdeen com a ideia de que tais princípios requisitavam dois elementos fundamentais: o consenso e o apoio universais. A pena de “Marx ridicularizava a situação inglesa no artigo ‘Um governo decrépito. Perspectivas do gabinete de coalizão’, publicado em janeiro de 1853” (MUSTO, 2011, p.1).
Enquanto o Times utilizava as expressões: moderno e bem articulado, a escritura de Marx afirmava a existência de uma farsa. Por um lado, o jornalismo londrino anunciava a nomeação de um ministério composto por homens novos, a declaração de Marx era a de que:
o mundo ficará um tanto estupefato ao saber que a nova era da história está a ponto de ser inaugurada por cansados e decrépitos octogenários (…), burocratas que participaram de praticamente todos os governos desde o final do século passado, frequentadores assíduos de gabinetes duplamente mortos, por idade e por usura, e só mantidos vivos por artifício (…). Quando nos promete a desaparição total das lutas entre os partidos, inclusive o desaparecimento dos próprios partidos, o que o Times quer dizer? (MUSTO, 2011, p. 2)
A indagação é de maior pertinência. Mais ainda, atualíssima em virtude do momento de crise pelo qual atravessa o modelo europeu. Como bem escreve Musto “a interrogação é, infelizmente, de estrita atualidade no mundo de hoje, no qual o domínio do capital sobre o trabalho voltou a tornar-se tão selvagem como era em meados do século XIX” (2011, p. 2). Nota-se, na separação entre economia e política, um domínio inquestionável da primeira sobre a segunda. A economia não apenas constrói o imaterial do que será a regra a ser confeccionada pela política, ela formula planos e moldura as decisões, bem como assumiu espaços que eram de competência da política. As implicações podem ser identificadas no déficit do controle democrático das estratégias de política econômica e social por parte do governo.
A velocidade e a reiteração dos acontecimentos podem explicar a minimização do espaço do poder de decisão política e a maximização da esfera econômica. Tem-se em curso um planejamento de transformação de decisões políticas em competências econômicas incontestáveis, mediante uma argumentação que constrói o termo apolítico de forma a realizar uma ocultação de método político-ideológico.
O deslocamento de uma parte da esfera política para a economia, como âmbito separável e inalterável, a passagem do poder dos parlamentos (já suficientemente esvaziados de valor representativo pelos sistemas eleitorais e majoritários e pela revisão autoritária da relação entre Poder Executivo e Poder Legislativo) para os mercados e suas instituições e oligarquias constitui, em nossa época, o maior e mais grave obstáculo interposto no caminho da democracia. As avaliações de Standard & Poor’s, os sinais vindos de Wall Street – esses enormes fetiches da sociedade contemporânea – valem muito mais do que a vontade popular. (MUSTO, 2011, p. 2)
Os casos de Grécia e Itália exemplificam o momento cíclico e estrutural da crise do sistema capitalista, a publicização de um “Governo Técnico”, traduz a farsa denunciada por Marx em 1853. O que ocorre, ocultamente, é a ação de suspender a política nas suas competências como, p. ex., afastar do campo das possíveis soluções o uso de instrumentos político-jurídicos como o referendo ou processos eleitorais que possam reconstruir o ambiente, pois o pensamento econômico simplesmente veta a utilização das referidas medidas democráticas. Identifica-se uma inversão na direção dos assuntos de Estado, os governos não mais formulam as diretrizes econômicas, mas sim os planejamentos econômicos é que ditam o papel dos governos.
As estratégicas ocultas da economia ou poder econômicos (credores internacionais) são complexas e antidemocráticas. Fala-se em recuperação da confiança dos mercados mediante a adoção de reformas estruturais que devem significar a supressão do Estado de bem-estar social. Especificamente no caso da Italia as recomendações foram centradas em “redução de salários, revisão de direitos trabalhistas em matéria de contratações e demissões, aumento de idade de aposentadoria e privatizações em grande escala” (MUSTO, 2011, p. 1). No entanto, como alerta Musto, os denominados “governos técnicos” são encabeçados por homens que por longas décadas foram integrantes das instituições financeiras que provocaram a crise (Papademos; Monti).
O caso da Grécia traduz o cenário de devastação que se inicia no contexto europeu, o adeus que a Europa começa a dar ao Estado de bem-estar social.
[…] Os gastos sociais foram cortados em 180 bilhões de euros. No mesmo espaço de tempo, a economia encolheu fabulosos 20%. Graças à cartilha de austeridade imposta pela União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, os trabalhadores, a classe média, os aposentados e os estudantes gregos são cada dia mais pobres e 22% dos gregos carecem oficialmente de trabalho. Para os menores de 25 anos o nível de desemprego é de 55%, mais alto que na Espanha. (KRÄTKE, 2012, p. 1)
A argumentação crítica, no caso grego, não desconsidera a exigência e a necessitade de medidas reformistas que possam reconduzir o Estado a uma estabilidade política e econômica, no entanto, como lembra Krätke “não as falsas reformas que foram decretadas pela troika, composta pela Comissão Européia, o BCE e o FMI” (2012, p. 2). A estratégia de domínio das referidas instituições é não assumir que o cenário que se constrói tem seu primeiro desenho como tradução consequente da política econômica neoliberal imposta e praticada por uma série de governos submissos que se comportaram como seus “estagiários”. No campo das resoluções “nenhum destes problemas pode ser remediado com o tratamento de choque que foi receitado. Através da chamada desvalorização interna – o corte de salários, aposentadorias e serviçoes sociais – a economia grega foi puxada para uma depressão ainda mais profunda” (KRÄTKE, 2012, p. 2).
O contexto europeu, com o processo iniciado por Grécia e Itália, traduz o gene autoreprodutor do sistema capitalista que expressa uma capacidade initerrupta de reinvenção. No que se refere à realidade da Itália, identifica-se um movimento operacional que culminará com o aniquilamento de toda e qualquer ideia social que deve ser defendida pela política, com a consequente condução para um momento de profunda recessão da economia, que não esboça poder algum contra a incontralável especulação financeira.
Trata-se infelizmente do adeus ao Estado do bem-estar social e à ideia de sistema político democrático. O sentido do atual momento pode ser traduzido com as seguintes letras:
Nos países anglo-saxões são chamados “revolving doors”. São as portas giratórias que os administradores dos grandes bancos e grupos econômicos atravessam para ocupar postos-chave da economia nos governos de seu país. É assim na Europa, onde na direção do Banco Central Europeu (BCE) e nos governos da Itália e da Grécia se encontram homens da Comissão Trilateral e da Goldman Sachs (Draghi, Monti, Papademos), enquanto na Espanha a chefia da economia está nas mãos de um homem da Lehman Brothers (Luis de Guindos) (…). São raposas tomando conta do galinheiro, os “magos das finanças criativas”, quase todos com sérias responsabilidades anteriores em mascarar as contas da economia com uma maquiagem que só piorou a crise atual. Defini-los como “governos técnicos” é um eufemismo cínico para os tecnocratas nacionais que agem movidos pelo interesse dos conquistadores financeiros contra a própria população – e cujo objetivo é socializar as perdas e privatizar os lucros. Dessa forma, na União Europeia (UE) o poder político foi transferido, pouco a pouco, para uma oligarquia financeira que, sem rodeios, tomou o lugar dos governos eleitos, suspendendo processos legislativos normais. As decisões políticas foram impostas pelos organismos financeiros supragovernamentais, daquele 1% da população que está se apropriando deslavada e rapidamente do patrimônio e do poder. (CONSOLO, 2012, p. 2)
O que se nota, sobre o contexto europeu, nos capítulos que se desenvolve é uma iniquívoca “escassez dos projetos políticos tradicionais do velho continente e para um novo perfil encontrado para superar a crise” (SCHROEDER FRANKE, 2011, p. 1). Os países centrais (Alemanha e França) não se interessam efetivamente por soluções de conteúdo político para os problemas apresentados pelos membros da união (Grécia e Itália) que são considerados a periféria do projeto comunitário. O comando do projeto europeu parece não ter dúvidas, a metodologia é a substituição dos líderes políticos eleitos por burocratas a serviço de instituições e organismos financeiros com a missão de imprimir uma praxe dos planos de austeridade impostos pelo mercado.
O que já foi apontado como “tendências bonapartistas”, nas letras que se seguem:
Tanto a ascensão de Monti na Itália, como a de Lucas Papademos na Grécia substituindo o ex primeiro ministro Y. Papandreu começam a marcar uma tendência para a formação de governos de “unidade nacional” ou de “técnicos” impostos pelos banqueiros, a grande patronal e os líderes da UE, Merkel e Sarkozy (que junto com o FMI e o Banco Central Europeu formam o chamado “Grupo de Frankfurt”), para responder à crise política burguesa e lidar com o movimento de massas e levar adiante os planos de austeridade. (CINATTI, 2011, p. 1)
Não se faz necessário aguardar os próximos estágios da crise cíclica e estrutural do sistema capitalista, no momento que atingir outras periferias (Espanha e Portugal) europeias, para se reconhecer a atualidade do pensamento de Marx sobre os “governos técnicos” que ora são repetidos na sua metodologia original de formação por cansados e decrépitos octogenários burocratas representantes do mercado.
2 LUHMANN: O DIREITO COMO SISTEMA DA AUTOPOIESIS
O discurso científico da autopiesis aparece no espaço dos debates acadêmicos no início dos anos 70 do século XX. A elaboração de uma concepção científica no campo da biologia que procura elucidar o fenômeno da vida é introduzida por pesquisadores (biológo e filósofo) chilenos (MATURANA/VARELA, 1973). Os referidos pesquisadores fizeram uso da terminologia autopoiesis para explicitar a célula como fenômeno biológico com capacidade de autocriação. A terminologia tem origem no campo da biologia, porém passou a ser usada em diversas outras áreas científicas como, p. ex., neurobiologia, neuropsicologia, sociologia e filosofia. A terminologia surge, portanto, para apontar os elementos característicos de um sistema vivo, bem como identificar sua estrutura.
A preocupação fundamental sempre foi a procura por uma definição científica do ser vivo. Os pesquisadores chilenos procuraram explicar que o teorema do fenômeno da vida pode ser desvendado pela autonomia existente nas relações produzidas pelos diversos elementos de um sistema. Especificamente no caso da biologia, o que pode ser identificado é um corpo sistêmico no qual a produção das relações imprime um desenvolvimento que apresenta uma irrefutável organização oriunda da sua estrutura construída pelos seus elementos. E a característica fundamental desse sistema biológico é que ele é fechado, as relações são desenvolvidas num ambiente próprio que é caracterizador do processo de produção e autorreprodução de seus elementos, o que faz ocorrer toda uma organização ou ordenação, independentemente do estado de conservação da estrutura.
A partir desta explicação científica a concepção ou matriz da autopoiesis conquistou expansividade e atingiu diversos campos como, p. ex., a Sociologia e o Direito. A ideia de Luhmann foi exatamente esta, aplicar o conhecimento sobre a Autopoiesis nos campos sociológico e jurídico. Na sua construção da Teoria dos Sistemas Sociais, enfatiza-se a multiplicidade de novas problemáticas e complexidades da sociedade moderna, que para os novos desafios se faz necessária a reformulação dos métodos aplicados. Para enfrentar a complexidade somente é possível mediante uma teoria complexa, métodos complexos. Sua proposição foi, portanto, a aplicação da matriz da Autopoiesis por representar uma construção científica que designa os sistemas como autoreprodutores, autorreferenciais, reflexivos e de operacionalidade fechada.
A construção elucidada informa acerca das características dos denominados Sistemas Autopoiéticos. Trata-se de sistemas de auto-reprodução, autorreferência, reflexivos e possuidores de capacidades para produzir sua própria constituição, isto é, sua própria estrutura, uma estrutura autônoma e independente. No campo dos sistemas autopoiéticos diversificou a construção numa divisão por três categorias:
a) sistemas psíquicos – aqueles que conduzem o monopólio da consciência;
b) sistemas vivos – aqueles que monopolizam as operações vitais;
c) sistemas sociais – aqueles que se autoconstroem unicamente pela comunicação.
Concedeu prioridade, primeiramente, à elaboração da Teoria dos Sistemas Sociais, com a afirmação de ruptura epistemológica de que os sistemas sociais são sistemas de comunicação, essencialmente sistemas comunicativos, que se autoconstroem pela autoreprodução, imprimindo uma interação comunicativa que parte do incalculável para o calculável, de forma a realizar o processo ininterrupto de ligação de comunicação à comunicação.
E a afirmação contundente, de ruptura total com o pensamento clássico europeu central, a lição de que o sistema social não é constituído por pessoas (homem/indivíduo), mas sim por comunicações. A sociedade é um sistema de comunicações, o Homem faz parte do sistema psíquico, não do sistema social, não da Sociedade. As pessoas representam o ambiente da sociedade, não compõem a sociedade. A relação do Homem com a Sociedade se materializa por meio da relação sistema/ambiente. Os sistemas sociais – fundamentalmente o mais expansivo e mais abrangente de todos eles, a Sociedade –, são constituídos de subsistemas. Os subsistemas são: a) Direito; b) Política; c) Economia; d) Religião; e) Arte. Os subsistemas como, p. ex., o Direito, têm a capacidade de autoconstrução, autoreprodução, autoreferência e reflexividade, apresentam uma funcionalidade independente com base numa praxe materializada por suas próprias regras.
Para o item em comento importa, portanto, passar à compreensão do que é o Direito para o pensamento luhmanniano. A construção do Direito como subsistema do sistema social, a formulação do Direito como sistema da Autopoiesis. Dois elementos que compõem a sociedade moderna se apresentam fundamentais na construção autopoiética do Direito, quais sejam, a complexidade e a contingência, o que dificultam e desordenam todo o processo de decisão no sistema jurídico. A ideia foi formular uma matriz epistemológica da Praxe–Sistêmica no espaço das decisões jurídicas de forma a explicar sua auto-observação e o paradoxo da autoreferência que são simplesmente ocultados pelo sistema jurídico para viabilizar sua operacionalidade jurídica e esta, por sua vez, é uma operacionalidade normativamente (lei e decisão judicial) fechada. E desta forma o sistema jurídico orienta sua funcionalidade stricta, porém esta se dá de forma cognitiva (ideia legislativa e formação do juízo) aberta ao ambiente do sistema social ou da sociedade.
A reconstrução do pensamento teórico acerca do Direito vai enfocar a exigência e a necessidade de uma virada epistemológica – que pode ser interpretada como negação epistemológica ou de negação com toda uma construção epistemológica clássica e moderna do direito continental europeu – que possibilite a ruptura total com as matrizes filosóficas do Direito, principalmente com as ideias construídas pela filosofia dos valores. A iniciativa é capacitar o Direito para uma decisão jurídica de caráter da praxe à luz de ambientes caracterizados pela complexidade e contingência. Esta decisão jurídica passa a receber a nomeclatura de o próprio sentido do Direito. A ideia de Direito perde a política de finalidade e assume o elemento função, todo o instrumental construído levanta a estrutura do Direito para proporcionar uma minimização das complexidades surgidas no ambiente da sociedade. Os aportes pensados (TEUBNER, 1988) para as possibilidades de tomadas de decisões surgem para suprir as insuficiências do paradigma da racionalidade prevalente na ideia de Estado moderno, pois a razão não mais se apresenta possuidora de capacidades para efetivar a minimização da complexidade.
O pensamento teórico, portanto, traduz a vida do Homem (existência) no ambiente de uma sociedade que é constituída por uma multiplicidade de possibilidades de experiências sociais compreendidas na ideia de ação, que o Homem não apresenta capacidade cognitiva (perceptividade) para ordenar as informações de maneira a controlar as ações pela consciência. Uma experiência comunicativa implica no direcionamento a novas possibilidades de outras relações comunicativas, todas elas de conteúdo da complexidade e contingência. Explicação: complexidade é uma terminologia que surge para elucidar o espaço das possibilidades de realizações comunicativas; enquanto contingência traduz o risco/perigo de desapontamento nas relações comunicativas. No entanto, no caso das relações comunicativas o que ocorre é uma dupla contingência e não apenas uma contingência simples. A ideia de contingência é referida às expectativas nas relações comunicativas (expectativas cognitivas). A dupla contingência significa o desapontamento em expectativas das expectativas.
Por outras expressões, o processo de seleção das possibilidades das relações comunicativas tem uma dependência coletiva e não individual (o eu e o outro), o que provoca um aumento do risco de desapontamento e frustração, questão que deve ser resolvida pela estrutura do Direito na sua formação de expectativas e pela sua funcionalidade comprometida em minimizar a complexidade sociológica, função desenvolvida no ambiente do sistema do Direito. O pensamento teórico do Direito como subsistema de segundo grau – o sistema social e a sociedade são sistemas de primeiro grau –, que se baseia em construções de expectativas cognitivas e expectativas normativas, assume a função de ordenar as expectativas comportamentais por três planos: a) a ideia de dimensão temporal – a estrutura normativa do Direito conduz à estabilidade das expectativas em contraponto ao desapontamento e à frustração; b) a ideia de dimensão social – a participação de terceiros corrobora na institucionalização das estruturas de expectativas, com a possibilidade do consenso; c) a ideia de dimensão prática – as referidas expectativas podem vir a sofrer determinadas modificações pelo externo do ambiente, pelo elemento sentido que fará a composição da interrelação das recíprocas confirmações e limitações.
O Direito como sistema da autopoiesis apresenta uma série de características. Primeiro, a constatação de que o Direito traduz uma interdependência em relação ao sistema social ou à sociedade, isto em função da sua capacidade de autoreprodução, autoreferência e reflexividade, que ordena o processo interativo dos elementos do sistema jurídico de forma a cumprir a função de fechamento operacional. Segundo, a matriz da autopoiesis é uma referência qualitativa dos sistemas que possuem a capacidade de produção dos seus elementos fundamentais, esta no campo do Direito se refere à capacidade de produção de comunicação e todo o seu tratamento de seleção que vai resultar na autoafirmação do sistema, tudo isto em relação ao externo do ambiente do sistema. Terceiro, do ponto de vista interno do sistema identifica-se uma série de “subsistemas parciais” que são apontados pela figura do observador sistêmico (aplicador do Direito), que atuam com base numa estrutura normativa de caráter fechado interativa com as articulações determinadas pelo sistema anterior.
Portanto, a ideia da matriz da autopoiesis constrói o Direito como subsistema autoreferente, o que significa dizer que seus elementos, processos e estruturas são compreendidos como unidades para todo o sistema. O mecanismo de reprodução, p. ex., demonstra-se necessário à eleição de elementos que permanecem como unidade. A partir desta elucidação surge um paradoxo, qual seja, imprimir a distinção entre o que é Direito e o que não é Direito, paradoxo que é solucionado pela codificação sistemática. Explicação: o que é a codificação? Trata-se da admissibilidade de um sistema operacionalizado por um código binário, que é recepcionado mediante asserções que reconheçam a manutenção do código binário, p. ex., direito/não direito, lícito/ilícito. O processo de validade do código binário deve reconhecer as asserções por meio da codificação, assim se tem efetivado o processo de negação a outras possibilidades (seleção) de tomada de decisões que podem representar contradições no sistema, função esta que deve ser cumprida pelo observador sistêmico.
O Direito, como sistema autopoiético, ainda apresenta como características sistêmicas a autorreferência, a imprevisibilidade, a circularidade e os próprios paradoxos do sistema. As construções da autopoiesis (LUHMANN, 1984; TEUBNER, 1988) compreendem a autoreferência como característica inegável do Direito moderno. Explicação: o elemento autorreferência quer significar que a operacionalização do sistema é voltada para si próprio, trata-se de um processo circulatório (operações externa e interna). É o que se chama de “equivalência tautológica” (LUHMANN, 1984), que as operações sistêmicas devem determinar a destautoligização destas operações a ponto de delinear sua presença limitada no ambiente do sistema.
Há, portanto, uma constituição determinada pelo processo interativo entre sistema jurídico que é parcial e sistema social que é geral, de forma a aumentar a capacidade especializada da sociedade em ordenar e minimizar a complexidade social que é sempre ininterrupta. O que na verdade é a gestão de um paradoxo, pois é o sistema (sistema jurídico parcial) a dizer o que é direito e o que não é direito. A aplicação de uma distinção operativa fechada (processo de tomada de decisão), que pode resultar num processo de trancamento do decisium, porém com a admissibilidade do código binário o sistema vincula a si mesmo e monopoliza o reconhecimento das operações selecionadas.
Toda a composição do ambiente gera uma imprevisibilidade para o processo de operação do sistema, daí que o sistema necessita imprimir um método de circularidade sistêmica; por um lado, para não comprometer o sistema parcial (jurídico) na sua funcionalidade; por outro, para não desorganizar e promover o aumento da complexidade no sistema geral (sistema social). Para tanto, o sistema jurídico tem como elementos de sua composição as ações judiciais, as normas jurídicas, a decisão judicial, a jurisprudência, o sistema de recurso etc., que passam a constituir o metabolismo da própria circularidade do sistema e, mais ainda, o processo de circularidade que vincula internamente um elemento ao outro. O que ocasiona numa autoorganização e numa autoreprodução da rede de elementos, fazendo com que haja uma independência em relação ao ambiente (meio envolvente), proporcionando assim o processo de sua própria evolução.
Toda esta armadura funcional-estrutural, operativa e radical para ser traduzida na gestão dos paradoxos representados no elemento da autorreferência. A estrutura de recurso e circular que se traduz numa reação autorreferencial ao fator externo do sistema, proporcionada pelo processo específico de codificação do Direito, que visa “puramente” minimizar a complexidade produzida no ambiente da sociedade. Identifica-se, portanto, o paradoxo autorreferencial, pois toda esta armadura é a condição de possibilidade do Direito iniciar sua operacionalização – em função das relações comunicativas que enervam o ambiente sistema social geral – de forma fechada, já os pontos nervosos serão apenas admissíveis do ponto de vista da abertura cognitiva. O que provoca (internamente) o Direito a transparecer sua funcionalidade que exercita a redução ou minimização da complexidade pelo condicionamento das expectativas de comportamento, usando para tal função toda a sua estrutura normativa. O paradoxo nada mais é do que um mecanismo necessário “superando a lógica clássica como referencial para as autorreflexões da sociedade” (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2014, p. 94-95). A autora conta em sua obra como Luhmann descreve essa necessariedade na famosa estória dos camelos, de origem talmúdica, para pensar “as grandes questões jurídicas a partir de casos concretos”.
Na estória, três homens estão diante da situação de dividir sua herança (alguns camelos) de acordo com a vontade de seu pai, que dispunha que o filho mais velho deveria receber metade dos camelos, o do meio deveria receber um quarto e o mais novo, um sexto destes. Ocorre que, quando o velho beduíno morreu estavam apenas onze camelos, total do qual não se podia efetuar a divisão na forma de apenas onze camelos, total do qual não se poderia efetuar a divisão na forma de sua vontade. O problema foi levado a um juiz, que juntou ao complexo dos camelos o seu próprio camelo, fazendo então a divisão da forma estabelecida: de um total de doze camelos, o filho mais velho ficou com seis, o do meio com três e o menor com dois. A soma da parte de cada um perfazia onde camelos, de modo que o juiz, realizada a tarefa, tomou de volta o décimo segundo camelo. (2014, p. 99)
Como dito pela autora, Luhmann apresenta o décimo segundo camelo como uma ambivalência, pois o sistema utiliza-se dele sem o possuir, “esta ambivalência aponta, exatamente, para o caráter paradoxal do Direito. O camelo é, e não é, necessário, diz Luhmann, porque ele é paradoxalmente constitutivo ou, melhor, ele é uma forma de operacionalização do paradoxo constitutivo do Direito” (2014, p. 99).
Explicação: com este arcabouço de instrumentos teóricos passa a ser possível a gestão dos paradoxos do sistema do Direito, pois desaparece a possibilidade de trancamento do processo de tomada de decisão e ocorre a estabilidade do sistema.
E, finalmente, para conclusão pode-se dizer que aquilo que se chama de acomplamento estrutural (LUHMANN, 1984), na inter-relação do sistema com o ambiente encontra na estrutura do sistema do Direito (nas suas três dimensões: temporal, social e prática) o ponto de efetividade do processo de seleção para materializar a sua funcionalidade, pois na inter-relação de expectativas cognitivas e expectativas normativas, o processo operacional (normativamente fechado) não reconhece as possibilidades de desapontamento. O processo operacional representado nas expectativas normativas, informa que a validade da normatividade está vinculada ao processo do decisium que a efetiva (aplicação) materialmente por via do instituto da interpretação (LUHMANN, 1993, p. 241). Este processo interativo quer significar um ponto de acoplamento na relação entre sistema do Direito (sistema jurídico parcial) e sistema legislativo (mundo político), sendo que o momento do decisium é o nascimento do Direito, enquanto o momento da produção legislativa é a concepção do Direito.
Por meio da teoria dos sistemas sociais as crises, refletindo os desapontamentos, que surgem eventualmente provocam os subsistemas, em suas estruturas, a reagirem e se transformar de acordo com a exigência temporal.
[…]o conceito de crise (tomado com toda seriedade, e não simplesmente como a manifestação vaga de um jogo verbal do destino permanente da humanidade) adquire a característica de uma forma de gradação do sistema por níveis: uma crise econômica que repara a estabilidade do sistema, ou uma desordem enorme que obriga à criação de uma lei, que estabelece como se adequar. (LUHMANN, 2011, p. 180-181)
A opção diante destes empasses cognitivos é a utilização da seletividade, que traduz a possibilidade de separar as complexidades, os transtornos, por meio da observação, separando-os do todo para explicar os acontecimentos. Expandindo o acoplamento estrito como forma de tratar a irritações emanadas do sistema, porporcionando seu funcionamento ideal, conferindo estabilidade. Luhmann (2005, p, 14) ainda diz que “se puede caracterizar un sistema como complejo cuando es tan grande, es decir, cuando incluye tantos elementos, que ya no puede ser combinado cada elemento con cada uno de los otros, sino que las relaciones deben producirsen selectivamente”.
O símbolo do poder surge como fator determinante diante desta seletividade, dando o norte sistêmico, tornando-se possível operar o planejamento de uma organização. Em termos econômicos políticos, os interesses econômicos vão nortear a política segundo a teoria da racionalidade limitada; para Luhmann, essa teoria surgiu justamente das frustações das expectativas dos subsistemas.
A teoria da racionalidade limitada surgiu da experiência negativa legada pela construção do pensamento econômico, que partiu do pressuposto, totalmente fictício, de concorrência em um mercado perfeito. O mercado – pensava-se – é que estabelece os preços e, nesse sentido, deixa pouca margem de operação ao investidor. A construção da racionalidade limitada foi mais além, ao entender que a organização não dependia da decisão de um só homem, mas do jogo de regras entre contradições de mercado (macroeconomia) e condições inerentes à organização (microeconomia). (LUHMANN, 2011, p. 183)
E é nessa linha de racionalidade que a sociedade burguesa controla a complexidade, através do Direito, mantendo a desagregação que, segundo De Giorgi (2006, p. 16), apresenta-se na sociedade moderna como forma de manter o processo de exclusão, se contrapondo a racionalidade da razão iluminista até então estabelecida no mundo ocidental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As expressões conclusivas abertas quanto ao momento histórico que reedita a crise cíclica e estrutural do capitalismo, especificamente sobre os casos grego e italiano, apontam para uma reedição metodológica acusada já na segunda metade do século XIX. As soluções vislumbradas deixam de fora da equação os contributos que a política pode perfeitamente ofertar, como espaço de construção democrática para os problemas que atingem o modelo de convivência civil e comunitária construído pelo pensamento europeu nos últimos dois séculos e meio. Os personagens da política – submetidos ao sufrágio popular para o exercício de uma função representativa do poder – são descartados sumariamente por não gozarem da confiança das instituições ou organismos financeiros e do poder central do modelo comunitário.
As soluções construídas são centralizadas na reedição dos denominados “governos técnicos”, que devem imprimir uma “nova” engenharia econômico-financeira para restabelecer o equilíbrio nas relações entre Estado e mercado. A resolução do teorema deve irrenunciavelmente recuperar a confiança do mercado, tendo como primeira medida declaratória de sua finalidade inquestionável as intituladas reformas estruturais. A expressão última pode ser traduzida como adeus ao Estado europeu de bem-estar social. O que significa, por outras palavras, uma minimização drástica da implementação dos direitos sociais. Mais ainda, a iniciativa de liquidação do patrimônio do Estado como metodologia de racionalização dos custos.
No que se refere à segunda parte, o pensamento teórico luhmanniano sobre o Direito como sistema da autopiesis, os pronunciamentos conclusivos abertos são direcionados para o reconhecimento da mudança paradigmática que realiza com a introdução da ideia científica construída pela terminologia autopoiesis, que passa a explicar o processo dinâmico e evolutivo não linear dos elementos e estrutura dos sistemas. A proposta traduz o pensamento de que os elementos de composição do sistema não possuem duração imutável, pelo contrário, apresentam característica de decomposição associada ao processo ininterrupto de reprodução. O posicionamento científico é de que se ocorresse o contrário o sistema atingiria sua morte, portanto, o sistema necessita capacitar os elementos com qualidade de conexão com os demais (elementos internos da estrutura) num processo de mutação constante de forma a criar sentido e efetivar sua reprodução ininterrupta.
A expressão autopoiesis surge como terminologia cientifica. Ela vai fornecer cientificidade ao Direito. Significa característica fundamental do sistema jurídico, totalmente blindada, sem possibilidade de que algo de fora do sistema possa atingi-la. A terminologia autopoiesis aparece para informar o aspecto unitário de elemento, processo e sistema, como imagem para si próprio (auto/autos). O que significa dizer que observações e interpretações alheias não causam impacto no sistema ou no ambiente. A autopoiesis proporciona ao sistema do Direito a capacidade de constituir seus elementos em células funcionais, isto é, o processo de integração entre elementos é a representação de uma autoconstituição, esta tem a qualidade de uma reprodução ininterrupta.
No entanto, há um implicador fundamental no teorema – que pode/deve ser interpretado no campo da positividade –, que é identificado na negação de um controle unilateral, isto é, não há a possibilidade de controle de uma parte em relação a outra (legislador, magistrado, promotor, advogado, delegado etc.) sem haver um controle entre todos, sem haver um controle que seja circular. A autopoiesis é terminologia expansiva, significa autorreprodução, autorreferência e reflexividade. No que se refere a sistema e ambiente, significa relação consigo próprio e poder de adaptação estrutural.
REFERÊNCIAS
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TEUBNER, Gunter. Autopoietic law: a new approach to law and society. Berlim/Nova York: Walter de Gruyter, 1988.
Notas de Rodapé
[1] Pós-doutor em Teoria e Sociologia do Direito pelo Centro di Studi sul Rischio della Facoltà di Giurisprudenza dell`Universitá del Salento, Lecce, Italia. Professor Adjunto de Direito da Universidade Estadual da Paraíba. Professor Colaborador no PPGCJ/UFPB. Líder do Grupo NUPOD – Núcleo para Pesquisa dos Observadores do Direito (DGP/CCJ/UEPB). Pesquisador do CNPq e do PROCAD/CAPES.
[2] Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Professora Assistente II e Pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba. Membro do Grupo NUPOD – Núcleo para Pesquisa dos Observadores do Direito (DGP/CCJ/UEPB).
[3] Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera. Professora e Pesquisadora da Fesp Faculdades. Membro do Grupo NUPOD – Núcleo para Pesquisa dos Observadores do Direito (DGP/CCJ/UEPB). Membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB-PB.