Responsabilidade Criminal por Dinheiros Públicos, Branqueamento de Capitais/Lavagem de Dinheiro e Direitos Sociais
Gonçalo S. de Melo Bandeira[1]
Zulmar Fachin[2]
Resumo: Em termos de dinheiros públicos, devemos ter em consideração a necessidade de ter que existir uma boa governança. É importante a participação. Também a transparência. E se os direitos e deveres sociais fundamentais estão interligados, não é menos verdade que é preciso a apresentação de boas contas à população. E aqui temos que falar também em plena responsabilidade pública. Num sentido lato, podemos falar num princípio geral de anticorrupção. O mau uso dos dinheiros públicos pode conduzir à responsabilidade de índole criminal. O crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode ter por origem ilícitos e/ou crimes que se relacionam com a utilização indevida de dinheiros públicos. A responsabilidade financeira e criminal pode aliás constituir um incremento na boa gestão dos dinheiros públicos. Deste modo – não tendo o direito penal finalidades de promoção ou de “combate”, mas ainda assim retributivos, preventivos gerais e especiais positivos e restaurativos[3] –, podemos estar a caminhar para uma melhor concretização dos direitos, e dos deveres, que são garantidos do ponto de vista constitucional-constitucional[4]. Afinal, todas as áreas do direito, são peças do mesmo jogo de xadrez. O Tribunal Constitucional em Portugal, o Supremo Tribunal Federal no Brasil, o Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, o Superior Tribunal de Justiça no Brasil, os Tribunais de Contas em ambos os países.
Palavras-chave: responsabilidade criminal; branqueamento (de capitais); lavagem (de dinheiro); recuperação de activos/ativos; responsabilidade financeira; dinheiros públicos; direitos e deveres constitucionais fundamentais sociais.
Abstract: In terms of public money, we should take into account the need to have to be good governance. It is important to participate. Also transparency. And if fundamental rights and social duties are interrelated, it is also true that we need to present good accounts to the population. And here we must also speak in full public accountability. In a broad sense, we can speak of a general principle of anti-corruption. The misuse of public funds can lead to criminal nature of responsibility. The crime of money laundering, a secondary crime, may have as illicit origin and / or crimes that relate to the misuse of public funds. The financial and criminal liability may in fact be an increase in the sound management of public funds. Thus – not having the criminal law purposes of promotion or “combat”, but still remunerative, general and special preventive and restorative positive[5] – we may be heading for a better realization of the rights, and duties, which are guaranteed the constitutional-constitutional[6] point of view. After all, all areas of the law are parts of the same game of chess. The Constitutional Court in Portugal, the Supreme Court in Brazil, the Supreme Court in Portugal, the Superior Court of Justice in Brazil, the Audit Courts in both countries.
Keywords: criminal responsibility; bleaching (capital); (Money) laundering; asset recovery / assets; financial responsibility; public money; social rights and fundamental constitutional duties.
1 Objectivos, metodologia e pré-introdução:
Os objectivos estão no estabelecimento da conexão inegável entre, por um lado, uma honesta, transparente e constitucional (constitucional) gestão dos dinheiros públicos, o crime de branqueamento – v.g. de capitais e/ou lavagem v.g. de dinheiros públicos (e privados ou semi-públicos ou semi-privados) – neste concreto estudo; e, por outro lado, a concretização dos direitos e deveres constitucionais fundamentais sociais. E, como diz uma velha frase: “não há nada mais prático do que uma boa teoria”. A metodologia a ser seguida prende-se com a investigação comparativa sobretudo dogmática e doutrinal[7], legal[8], mas também, ainda que brevitatis causa, jurisprudencial[9], que existe sobre a matéria, como por exemplo, em países como Portugal ou Brasil.
2 Introdução
Não há direitos e deveres constitucionais sociais fundamentais concretizados sem uma correcta utilização dos dinheiros públicos. Por outro lado, já existe uma preocupação pela recepção das receitas tributárias, por parte do Estado, ao nível da tutela das sanções jurídicas, incluindo, as sanções jurídico-contraordenacionais em Portugal e administrativas noutros países e mesmo jurídico-criminais. Mas, no nosso entendimento – tendo por base os resultados que estão à vista de todos e que são bem pragmáticos –, não existe uma tutela necessária, adequada e proporcional, no que concerne à utilização constitucional (constitucional) dos dinheiros públicos[10]. Verifica-se uma discrepância entre o tratamento estatal da recepção das receitas por parte do Estado e a utilização dessas mesmas receitas, ou seja desses dinheiros públicos, de acordo com os fins constitucionais. Fala-se muito no dever fundamental constitucional em pagar os impostos, em pagar os tributos. E essa ideia está correcta. Deve-se ter em atenção, contudo, que também existe um dever fundamental constitucional em gastar do modo mais justo possível as receitas provenientes desses impostos, desses tributos, dessas cobranças. A distribuição constitucional (constitucional) dos dinheiros públicos. E, por vezes, de volumes pecuniários muito avultados. Isto é, deverá haver uma preocupação ética ambivalente. Uma ética que deve ser encarada dum modo bilateral. Portugal, país-membro da União Europeia – esta o maior bloco económico do mundo com mais de 507 milhões de habitantes –, será encarado aqui como ponto de partida. Existem, ainda assim, uma série de crimes no seio do ordenamento jurídico português que procuram tutelar a utilização dos dinheiros públicos de acordo com o interesse público constitucional fundamental. O problema é que essa tutela é muito lacunosa. Está longe de ser uma tutela completa e coordenada, harmoniosa. Já vamos ver os principais. E desde já se pode colocar uma pergunta: podem os crimes que tutelam a utilização constitucional (constitucional) dos dinheiros públicos dar origem ao crime de branqueamento/lavagem nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro? Vamos ver em termos mais precisos.
3 O crime de branqueamento, p.e., de capitais, no ordenamento jurídico português e o crime de lavagem, p.e., de dinheiro, no ordenamento jurídico brasileiro
Do ponto de vista doutrinal, e dogmático, vamos analisar sobretudo a legislação portuguesa, pois nos encontramos, ao nível profissional e no presente momento, sob a égide, mais directa, do ordenamento jurídico português. A referência à respectiva legislação brasileira vai ser por confrontação posterior. Aí sim, se podem fazer algumas comparações a partir duma perspectiva doutrinal e dogmática.
A actual redacção do crime de branqueamento, no seio do ordenamento jurídico português, está consagrada no Código Penal[11]. A sua redacção é a seguinte:
… Branqueamento
§ 1º Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no nº 1 do artigo 1º da Lei nº 36/94, de 29 de Setembro[12], e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
§ 2º Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.
§ 3º Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.
§ 4º A punição pelos crimes previstos nos nºs 2 e 3 tem lugar ainda que os factos que integram a infracção subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores.
§ 5º O facto não é punível quando o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e a queixa não tenha sido tempestivamente apresentada. § 6 – A pena prevista nos nºs 2 e 3 é agravada de um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual.
§ 7º Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1ª instância, a pena é especialmente atenuada.
§ 8º Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial.
§ 9º A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.
§ 10 A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.
A actual redacção do crime de lavagem, no seio do ordenamento jurídico brasileiro, está consagrada na Lei 9.613, de 3 de Março de 1998[13]. A sua redacção é a seguinte:
Dos Crimes de “Lavagem” ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores:
Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012) § Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012)
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012)
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012)
§ I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012)
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
§ 4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012)
§ 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012).
Vamos então começar pelo ordenamento jurídico português: em termos de autoria e comparticipação, é um crime que se pauta pelas regras gerais, pois, como se viu, estamos perante um crime comum. O mesmo sucede no ordenamento jurídico brasileiro.
De acordo com as finalidades do direito penal português está aqui em causa a tutela dum bem jurídico, o qual consideramos ser um bem jurídico complexo[14]. O crime de branqueamento está, como vimos, dentro do ordenamento jurídico português, previsto e punido no Código Penal[15]. Ora, este tipo de ilícito está localizado num presente capítulo que tem por título “Dos crimes contra a realização da justiça”[16]. Não cremos, contudo, que seja este “apenas” o bem jurídico tutelado[17]. É que a “realização da justiça” é afinal tutelada, de modo directo ou indirecto, por todos os ilícitos constitucionais. Além de que actividades ainda que lícitas podem colocar em causa “uma determinada realização da justiça”[18]. Como já afirmamos em outras publicações,[19] está igualmente em causa, na criminalização do branqueamento, a tutela da “origem lícita de determinados factos – rectius, tutela da origem lícita de certas vantagens/bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação de determinados factos -”, melhor descritos no próprio tipo de ilícito, com vista à tutela da “paz pública” também. Tutela que, como é natural, é imposta pelo Estado português, em congruência, neste caso, com a legislação da União Europeia. Ou não fosse Portugal, ainda, um país-membro da União Europeia.
Já no caso da incriminação jurídica brasileira, temos em consideração a tutela da “não ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”. Na nossa opinião, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB)[20], o direito penal brasileiro tem por finalidade a tutela dos direitos, deveres e garantias fundamentais, individuais e colectivos, nos termos supra e infraconstitucionais.
Dentro do ordenamento jurídico português, não temos dúvidas em afirmar que, em princípio, o agente do crime de branqueamento deve ser punido, em concurso real, com o respectivo crime e/ou ilícito típico precedente. Caso o crime de branqueamento, como é lógico, corresponda a uma acção, ou omissão, típica, ilícita, culposa e punível. Estamos a nos referir a uma situação, claro, em que seja o mesmo autor e/ou autores. Desde logo, porque é normal que estejam em causa bens jurídicos diversos. Já a acção ou omissão precedentes, como referido, podem ser apenas factos ilícitos típicos. Não é necessário que sejam culposos e puníveis. Mas também o podem ser. Não desfazendo, portanto, a ideia que cada caso concreto é um caso concreto. No qual, por vezes inclusive, a conduta é, cada vez mais, praticada em parte por máquinas computadorizadas e/ou por “inteligência artificial”[21]. Poderão existir realidades que, por consequência e em concreto – não é impossível –, sejam alvo de uma consumpção concreta em termos de regras jurídico-penais quanto ao concurso[22]. Na nossa opinião, grande parte da solução do problema de aplicação jurídico-criminal estará em provar quantas resoluções tem o agente em mente no exercício das suas condutas de acção ou omissão, típicas, ilícitas e, no caso do “secundário” crime de branqueamento – de modo necessário no Estado de Direito –, culposas e puníveis[23]. E isto pode ser aplicado a um potencial concurso entre, p.e., os crimes de corrupção[24], peculato[25] e branqueamento. Como já referido antes e mais do que uma vez, não prejudicando a ideia de que, em caso algum, as condutas correspondentes aos factos precedentes, sob qualquer forma de comparticipação, podem ser apenas ilícitas e típicas[26]. Não precisam de ser culposas e puníveis. Aliás, cremos que esta é mais uma prova de que o crime de branqueamento é autónomo e separável do eventual crime precedente e/ou acção ou omissão ilícita e típica antecedente.
Na situação da incriminação do branqueamento no ordenamento jurídico brasileiro também podemos adaptar, mutatis mutandis, aquilo que afirmámos antes. Todavia, se lermos com especial pormenor doutrinal e dogmático, reparamos que a referência ao facto precedente é descrita como “infração penal”. Ou seja, enquanto na incriminação portuguesa se indica, ao que parece, um facto típico e ilícito precedente[27], na incriminação brasileira aponta-se uma “infracção penal”. Logo, uma infracção penal deverá ser, em princípio, uma acção ou omissão, não apenas típica, ilícita, mas também culposa e punível. O que, claro está, exigiria a prova da culpabilidade e punibilidade do facto anterior. Ou, neste último pressuposto, pelo menos a susceptibilidade de punibilidade? Ou seja, seria uma prova mais difícil de alcançar que no ordenamento jurídico português. Pois teria que se provar que estávamos no caso do facto precedente perante uma “infracção penal”. Terá havido algum lapso do legislador na utilização da terminologia jurídica? Certo é que a melhor forma de encarar a hermenêutica é ter em consideração o elemento literal, o histórico e o teleológico, sem nunca esquecer contudo a mínima referencialidade da concreção do primeiro, o elemento literal[28]. Além de que o legislador brasileiro menciona, recordemos aqui também: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. Directa ou indirectamente, recorde-se. Mas é certo que temos que identificar uma ou mais “infracções penais”.
A opção que defendemos, no ordenamento jurídico português, sobre o bem jurídico não coloca em causa a afirmação de que, quanto a este, se trata dum crime de perigo abstracto. Uma vez que não é necessário existir um dano concreto sobre, designadamente, a paz pública e/ou, mesmo antes, a “origem lícita de determinados factos – rectius, tutela da origem lícita de certas vantagens/bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação de determinados factos”. Basta a colocação em perigo abstracto. Embora, sendo o crime de branqueamento um crime secundário, temos que considerar a necessidade de identificar um crime precedente. Ou, pelo menos, no caso português, um facto típico e ilícito. Já no caso do ordenamento jurídico brasileiro tem que haver mesmo uma “‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”. E tem que ser identificada uma “infracção penal” precedente, até porque, como refere aliás a CRFB, art. 5º, LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Quanto às formas de conduta, no caso do ordenamento jurídico português, estamos perante crimes de resultado: conversão, transferência, ocultação e dissimulação; e em face também de crimes de mera actividade: operações de facilitação ou auxílio. O crime de branqueamento pode aliás ser executado por omissão, não apenas por acção. Deste modo, o tipo objectivo aparece bem identificado nas suas quatro modalidades[29]. De resto trata-se dum crime comum que pode ser cometido por um “qualquer quem” imputável. O objecto da acção ou omissão, de acordo com o próprio tipo de ilícito do crime de branqueamento, são as “vantagens”. O legislador português define as “vantagens” como “os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação”, de determinados “factos ilícitos típicos”.
No ordenamento jurídico brasileiro, temos também formas de conduta que nos levam a crimes de resultado e crimes de mera actividade. Também aqui o crime pode ser executado por acção ou omissão. O objecto da acção ou omissão, no contexto brasileiro, parecem ser os “bens, direitos ou valores”. Deve ser um qualquer “quem” imputável. Embora, em Portugal e no Brasil, como se sabe, se discute se deve ser aos 16 ou 18 anos. Ou até aos 14 anos[30]. Neste momento, a CRFB refere o seguinte: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. E o Código Penal Brasileiro[31]: “Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Já no ordenamento jurídico português, temos que recorrer também ao Código Penal: “Artigo 19º § Inimputabilidade em razão de idade: Os menores de 16 anos são inimputáveis”[32].
E, no ordenamento jurídico português, quais são os factos típicos e ilícitos dos quais podem decorrer as vantagens? Trata-se duma plasmação poliédrica: a) são todos os factos típicos, ilícitos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos; b) o catálogo de crimes referidos[33]; e c) a remissão para uma lei extravagante e que inclusive, como já se referiu, apresenta problemas de constitucionalidade[34]. Ou seja, podemos dizer que o ordenamento jurídico português se encontra numa segunda fase evolutiva. O crime que pode dar origem ao crime de branqueamento, já não é apenas o crime de tráfico ilícito de estupefacientes e/ou outras substâncias psicotrópicas, vulgo drogas, como chegou a ser no passado, mas também não são ainda todos os crimes como acontece já noutros ordenamentos jurídicos estrangeiros.
Já o ordenamento jurídico brasileiro é, neste aspecto, mais evoluído, estando como que numa fase de terceira geração: pode ser qualquer “infracção penal”.
No caso português, e como tudo indica ser tautológico, se o facto precedente – que dá origem à vantagem – não é típico e/ou ilícito, em um dado ordenamento jurídico, o branqueamento fica impune. Diga-se também que a punição criminal do branqueamento não depende da punição do eventual crime anterior. Basta, como já se disse, estarmos perante um facto típico e ilícito precedente. De acordo aliás com o próprio tipo de ilícito do branqueamento em Portugal.
No caso brasileiro, como já referimos antes, tudo depende também de como vamos interpretar a “infracção penal” que se refere ao facto precedente. No nosso entendimento hermenêutico – porque o juiz não pode interpretar de forma disparatada “conforme a sua consciência” –, e no entendimento dogmático que sufraga a doutrina maioritária, uma “infracção penal” é uma acção, ou omissão, típica, ilícita, culposa e punível. Ou susceptível de ser punida antes de ser punida. Se faltar algum destes elementos não estamos perante uma infracção penal. Logo, por aqui, e mesmo que haja jurisprudência brasileira com outro entendimento, se falhar um destes pressupostos da teoria e prática geral da infracção criminal, em relação ao facto precedente, que é uma infracção penal, o branqueamento terá, de modo necessário, adequado e proporcional, que ficar impune. Resumindo: em termos dogmáticos é mais fácil obter a prova de que se praticou um crime de branqueamento no contexto do ordenamento jurídico português, do que no presente ordenamento jurídico brasileiro. Se no caso português não restam dúvidas que a punição criminal do branqueamento não depende da punição do eventual crime anterior – apenas da tipicidade e ilicitude –, já na situação brasileira nos parece que tem que haver uma “infracção penal”. E ainda que não tenha sido punida, recordemos, tem que ser susceptível de punibilidade em abstracto. Outra solução ainda mais escorreita, era que para haver punição do crime de branqueamento, teria que haver também uma concreta punição da “infracção penal” precedente. Cremos contudo que basta que se prove que estamos perante uma “infracção penal”, com os seus elementos, ainda que não se consiga provar quem foi o seu autor[35].
Recorde-se aliás que, conforme já se referiu, dentro do ordenamento jurídico português, este tipo de crime pode envolver auxílio e facilitação, pelo que podem ser punidos advogados, solicitadores, consultores de várias espécies ou empregados de seguradoras e bancários. De resto, a ocultação ou dissimulação pode passar por formas muito subtis de acção ou omissão.
No caso brasileiro a solução não é diferente do ponto de vista dogmático, como aliás espelha a legislação em vigor.
Tanto no ordenamento jurídico português, como no ordenamento jurídico brasileiro, é importante não confundir, nem na teoria, nem na prática, o crime de receptação[36], com o crime de branqueamento.
Como já se referiu antes, de modo mais ou menos directo, é também importante prever, na teoria e na prática, um potencial concurso entre, p.e., os crimes de corrupção[37], peculato[38] e branqueamento. Como também já se mencionou importa fazer lembrar aqui que teremos que ter em consideração quantas resoluções foram (afinal) tomadas pelo agente em cada caso concreto, de modo a alcançarmos a resposta de que perante que tipo de concurso estamos?[39] Por outro lado, importa ter em vista que estamos perante bens jurídicos diferentes. Desde logo, na corrupção[40] – no seio do ordenamento jurídico português –, está em causa a autonomia essencial do Estado, não desconsiderando uma dada manutenção da pureza da função pública[41]. Falamos, afinal, nos crimes de corrupção, numa “tutela da legalidade no exercício das funções públicas”. E isto, no essencial, no sentido da tutela da integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário. É que a definição de funcionário, dentro do ordenamento jurídico português, tem vindo a alargar o seu conceito com o avançar do tempo[42]. Se estamos em face de funções públicas, não estamos, por conseguinte, a contextualizar apenas funcionários do Estado ou servidores públicos em Portugal. Mas antes, e também, trabalhadores e gestores de empresas concessionárias de serviços públicos que não se enquadram no Estado[43]. Também no seio do ordenamento jurídico brasileiro a definição de funcionário público já não é a original[44]. Sendo que o crime de corrupção surge no Código Penal Brasileiro como um crime “de corrupção ativa em transacção comercial internacional praticado por particular contra a Administração Pública estrangeira”[45], mas também de “corrupção passiva” praticada por funcionário público contra a administração pública e contra a administração em geral[46]. E ainda de “corrupção activa” praticada por particular contra a administração em geral[47]. Não esquecendo que está em discussão a aprovação dum novo Código Penal brasileiro.
No que concerne ao crime de peculato, no âmbito do ordenamento jurídico português, não estão em causa apenas duas vertentes, se bem que essenciais, como por exemplo: (1) protecção de bens jurídicos patrimoniais, pois criminaliza a oneração ou apropriação ilegítima de bens alheios; e (2) protecção da fidelidade e probidade dos funcionários – definição cada vez mais larga – para se assegurar o bom andamento e imparcialidade da administração[48].
Já no que diz respeito ao crime de peculato, peculato culposo e peculato mediante erro de outrem, no cerne do ordenamento jurídico brasileiro, é importante lembrar que estamos perante crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral[49].
Nesta tipicidade e ilicitude – no contexto do ordenamento jurídico português –, existe congruência entre o tipo subjectivo e o tipo objectivo quando a incriminação do branqueamento refere o seguinte: “3 – Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos”[50]. Nesta tipicidade e ilicitude, não existe congruência entre o tipo subjectivo e o tipo objectivo quando a incriminação do branqueamento refere o seguinte: “2 – Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos”[51]. É que, neste último caso, se lermos e interpretarmos com atenção, podemos discernir um chamado elemento subjectivo suplementar: a intenção/objectivo/fim, de evitar que o autor ou participante das infracções previstas no nº 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal ou o fim/objectivo/intenção, de dissimular a origem ilícita da vantagem. Pelo que, o dolo de esconder ou dissimular a origem da vantagem é incompatível com o dolo eventual[52].
Mutatis mutandis, os mesmos princípios são potencialmente aplicáveis ao ordenamento jurídico brasileiro[53].
Importa também realçar que, dentro do ordenamento jurídico português, a tentativa de realização de operações de conversão, transferência, ocultação e dissimulação é punível. A título exemplificativo: a passagem bancária de capitais recepcionados de modo ilícito para contas de paraísos tributários ou até para contas bancárias sedeadas apenas em países estrangeiros é um acto capaz de prejudicar o bem jurídico protegido pela incriminação do branqueamento. Trata-se, por conseguinte, de colocar obstáculos à apreensão ou à dissimulação da respectiva proveniência ou origem ilícita de determinados factos – rectius, origem ilícita de certas vantagens/bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação de determinados factos –, melhor descritos no próprio tipo de ilícito, com vista à tutela da “paz pública” também.
No que diz respeito ao ordenamento jurídico brasileiro, § 3º da Lei, da “lavagem de dinheiro”, n. 9.613, de 3 de Março de 1998[54], “A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal”[55].
É também importante referir que, na dimensão do ordenamento jurídico português, a reparação integral do dano provocado ao ofendido pelo facto ilícito típico de que são provenientes as vantagens, destituído de dano ilegítimo de terceiro, é motivo para atenuação especial obrigatória da pena, até ao começar da audiência do julgamento em primeira instância. Já a atenuação é facultativa se a reparação for em parte. A guarda das provas que permite melhor chegar aos autores dos factos típicos e ilícitos precedentes é também motivo para uma atenuação facultativa especial. Além do mais, podem haver perdas das vantagens a favor do Estado. É também significativo lembrar e afirmar que se o crime e/ou ilícito típico precedente for semipúblico – e não tendo sido exercida a correspondente queixa – o branqueamento, por lógica persecutória constitucional, não vai ser objecto de perseguição investigatória e processual por parte das autoridades.
Vejamos agora o ordenamento jurídico brasileiro:
§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime[56].
Podemos dizer ainda que, para o ordenamento jurídico português, o “autobranqueamento” não é punível, assim como também não se aplicava a isenção de pena ao branqueamento.
4 O crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode ter por origem ilícitos e/ou crimes que se relacionam com a utilização indevida de dinheiros públicos?
No ordenamento jurídico lusitano, desde logo podemos responder que sim, claro que sim. Foi aliás um dos pontos essenciais que procuramos abordar no nosso trabalho “Responsabilidade Financeira e Criminal. Direitos Constitucionais Sociais, Dinheiros Públicos e Recuperação de Activos”, com prefácio e orientação de Jónatas E. M. Machado[57].
Uma ideia que para nós é fundamental é a necessidade, adequação e proporcionalidade[58] – que respeitam a intervenção mínima do direito penal – que têm que ser ambivalentes, da ética no direito tributário e no direito financeiro público. Ou seja, o direito penal tributário não pode constituir um instrumento de eticização parcial ou unilateral. Se existem crimes que tutelam a recepção de receitas tributárias, têm que existir crimes, de modo necessário, adequado e proporcional, para tutelar a distribuição constitucional-constitucional dos dinheiros públicos. Salvo se vingar a teoria da descriminalização que é decorrente do fundamento constitucional do direito e processo penal como ultima ratio. Nesse caso, todos os crimes tributários teriam que ser descriminalizados. É necessária, adequada e proporcional – e respeitadora da intervenção mínima do direito penal –, a tutela penal-constitucional da legalidade constitucional dos dinheiros públicos, que se pretende que seja também da transparência e honestidade.
No ordenamento jurídico português já sabemos que os ilícitos típicos que podem dar origem ao crime de branqueamento são os seguintes: a) todos os factos típicos, ilícitos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos; b) o catálogo de crimes referidos[59]; e c) a remissão para uma lei extravagante e que inclusive apresenta alguns problemas de constitucionalidade como já se viu[60]. Ora, este último diploma legislativo – RMCCCRF – refere o seguinte no seu art. 1º (“Acções de prevenção”): “…a) Corrupção, peculato e participação económica em negócio; b) Administração danosa em unidade económica do sector público; c) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; d) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática; e) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional. …”[61].
Assim, ainda no ordenamento jurídico português, o crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode mesmo ter por origem ilícitos e/ou crimes que se relacionam com a utilização indevida de dinheiros públicos. Podemos pensar, de modo directo ou indirecto, no crime de tráfico de influência[62], nos crimes de corrupção activa e passiva[63], no crime de peculato[64], no crime de participação económica em negócio[65], nos crimes de corrupção passiva[66], corrupção activa,[67] peculato[68] e participação económica em negócio,[69] desta vez todos do Regime dos Crimes da Responsabilidade dos Titulares dos Cargos Políticos[70]. E ainda a título de exemplo, no crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção[71] e no crime de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado[72] do RJIAECSP. Ou ainda no crime de fraude tributária[73]. Com base no art. 1º do RMCCCRF – “Regime das Medidas de Combate à Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira”, também se podem apontar as “infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática” e “infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional”[74].
Já no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, e como já se viu, a origem do crime de lavagem de v.g. dinheiro – “ ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, pode ser uma qualquer infracção penal, pelo que estão abrangidas todas as incriminações que tutelam a utilização/distribuição constitucional (constitucional) dos dinheiros públicos.
4.1 A Prevenção do Branqueamento/Lavagem de v.g. Capitais/Dinheiro
Como sabe a dogmática do Estado de Direito democrático, livre e verdadeiro, o direito penal/criminal é uma ultima ratio do ponto de vista constitucional. É um direito que deve intervir em último lugar depois da intervenção de outros direitos. O direito penal, embora vise também a retribuição, tem que visar sobretudo finalidades preventivas de carácter geral e especial, desde que positivas. A ressocialização deve ser sempre algo a considerar, no centro dum Estado de Direito, democrático, social, livre e verdadeiro. E tentado até às últimas hipóteses. Também a justiça restaurativa surge agora como um factor essencial a ter em perspectiva. No ordenamento jurídico português, por influência directa perante obrigações legais decorrentes da União Europeia, temos uma lei que é apelidada de, por grosso equívoco, e falta de cientificidade, “Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais”[75]. Primeiro porque o direito penal, se pretende ser uma ciência, não é um instrumento de “combate”. Sobretudo em ordenamentos jurídicos que proíbem a prisão perpétua e a pena de morte, como é o caso do ordenamento jurídico português e o caso do ordenamento jurídico brasileiro. Segundo porque o branqueamento não é apenas possível em relação a capitais, como já se referiu antes. Estão em causa as “vantagens” como “os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos…”, melhor referidos na própria legislação[76]. No caso do ordenamento jurídico brasileiro, a legislação mais importante já está referida. Trata-se do regime jurídico que “Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências”[77].
5 Conclusões
Como já temos afirmado em outras publicações, os crimes tributários e a responsabilidade por ilícitos tributários protegem no essencial a recepção constitucional (constitucional) das receitas públicas. Os crimes financeiros e a responsabilidade por ilícitos financeiros protegem a utilização/distribuição constitucional (constitucional) dessas mesmas receitas públicas. Só com esta dupla visão – que é uma visão complexa –, com fundamento numa ética multilateral, é que se poderão pragmatizar com maior eficácia os direitos fundamentais sociais de modo mais profundo e amplo. Do contrário, a evasão aos impostos pode se tornar, ela própria, uma questão de ética, em face da corrupção no Estado na utilização constitucional (constitucional) dos dinheiros públicos.
É essencial a boa governança, quer nos dinheiros privados, quer nos dinheiros públicos. E uns influenciam os outros. Participação e transparência na gestão dos dinheiros, que não apenas os dinheiros públicos, são valores de ressonância, directa ou indirecta, constitucional. E se os direitos e deveres sociais fundamentais estão interligados, não é menos verdade que é preciso a apresentação de boas contas em face de todos os cidadãos. Há, de facto, uma plena responsabilidade pública. Todas as constituições pertencentes a Estados de Direito, democráticos, livres e verdadeiros, têm dentro de si um princípio geral de anticorrupção. O uso contra a Constituição dos dinheiros públicos pode conduzir à responsabilidade de índole criminal, por meio da legislação ordinária. Legislação ordinária que, também, consagra princípios fundamentais sociais constitucionais. O crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode ter por origem ilícitos e/ou crimes que se relacionam com a utilização indevida, dolosa ou negligente, de dinheiros públicos. A responsabilidade financeira e criminal, do ponto de vista que também é preventivo, pode aliás constituir um incremento na boa gestão dos dinheiros públicos. Desta forma – não tendo o direito penal finalidades de promoção ou de “combate”, mas ainda assim retributivos, preventivos gerais e especiais positivos e restaurativos –, podemos estar a caminhar para uma melhor concretização dos direitos, e dos deveres, que são garantidos do ponto de vista constitucional. Dos direitos e dos deveres fundamentais sociais. Afinal, como já se referiu, todas as áreas do direito, são peças do mesmo jogo de xadrez. O Tribunal Constitucional em Portugal, o Supremo Tribunal Federal no Brasil, o Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, o Superior Tribunal de Justiça no Brasil, os Tribunais de Contas em ambos os países e todos os Estados. Todos os tribunais podem, dizíamos, contribuir, de modo articulado em termos jurisprudenciais, sem perder a respectiva autonomia, para uma aplicação constitucional-constitucional dos dinheiros públicos. A tudo isto, como se viu e agora se conclui, não é indiferente o crime de branqueamento/lavagem e a recuperação de activos. Rectius: o crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode mesmo ter por origem ilícitos e/ou crimes que se relacionam com a utilização indevida de dinheiros públicos.
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Notas de Rodapé
[1] Professor-Adjunto e Coord. das Ciências Jurídico-Fundamentais na Escola Superior de Gestão do IPCA (Minho, Portugal). Prof.-C. no Mestrado na Universidade do Minho. Investigador do CEDU–Centro de Estudos em Direito da União Europeia. Doutor e Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Presidente da C.F.D. do Sindicato Nacional do Ensino Superior. E-mail: gsopasdemelobandeira@hotmail.com – Twitter@gsdmelobandeira
[2] Professor na Universidade Estadual de Londrina e do Centro Universitário de Maringá (Brasil). Presidente do IDCC – Instituto de Direito Constitucional e Cidadania e Membro eleito da Academia Paranaense de Letras Jurídicas (Brasil). Doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal do Paraná, Brasil. E-mail: zulmarfachin@uol.com.br
[3] Cfr. art. 40º do Código Penal português.
[4] A repetição “constitucional-constitucional” é propositada pois, como se sabe, uma constituição positiva pode ser anticonstitucional. Não é por uma norma estar no texto literal da Constituição que passa a ser constitucional. Ou, no invés, não é por um princípio fundamental deixar de estar na Constituição escrita que deixa de ser constitucional.
[5] Cfr. Art. 40 of the Portuguese Penal Code.
[6] The “constitutional and constitutional” repetition is deliberate because, as you know, a positive constitution can be anti-constitutional. It is not a rule be in the literal text of the Constitution which happens to be constitutional. Or, in contrast, it is not by a fundamental principle no longer written in the Constitution that no longer constitutional.
[7] BANDEIRA, G. S. de Melo. O Crime de “Branqueamento” e a Criminalidade Organizada no Ordenamento Jurídico Português no contexto da União Europeia: novos desenvolvimentos e novas conclusões. In: AA.VV., Coordenação de NASCIMENTO SILVA, Luciano; BANDEIRA, Gonçalo N.C. Sopas de Melo. Lavagem de Dinheiro e Injusto Penal – Análise Dogmática e Doutrina Comparada Luso-Brasileira. Curitiba: Juruá. Disponível em: , 2009; bem como, versão porutuesa, O Crime de “Branqueamento” e a Criminalidade Organizada no Ordenamento Jurídico Português no contexto da União Europeia: novos desenvolvimentos e novas conclusões. In: AA.VV., Coordenação de NASCIMENTO SILVA, Luciano; BANDEIRA, Gonçalo N.C. Sopas de Melo. Branqueamento de Capitais e Injusto Penal – Análise Dogmática e Doutrina Comparada Luso-Brasileira. Lisboa: Juruá, Disponível em: , 2010, passim.
[8] No caso português, cfr. o art. 11º do Código Penal, bem como a Lei nº 25/2008, de 5 de Junho, com alterações até à Lei 62/2015, de 24 de Junho – com início de vigência a 29 de Junho de 2015. Esta legislação é conhecida, por equívoco, como “Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais”. Equívoco, porque o direito penal não visa em Portugal o “combate”, mas sim as prevenções geral e especial positivas, a retribuição e a justiça restaurativa. No Brasil, temos que ter em consideração sobretudo a Lei 9.613, de 3 de Março de 1998, “para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”, com as alterações da Lei nº 12.683, de 9 de Julho de 2012. No caso do Brasil, também não podemos desconsiderar a Lei Complementar 105, de 10 de Janeiro de 2001, a qual “Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências”.
[9] Em Portugal, é inevitável a referência ao Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência 13/2007, de 22 de Março de 2007, publicado no Diário da República, Série II, de 13 de Dezembro de 2007 e cujo sumário é o seguinte: ‘Na vigência do artigo 23º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, o agente do crime previsto e punido pelo artigo 21º, n. 1, do mesmo diploma, cuja conduta posterior preenchesse o tipo de ilícito da alínea a) do seu n. 1, cometeria os dois crimes, em concurso real’. No Brasil, com relação directa ou indirecta com o “branqueamento de capitais” ou “lavagem de dinheiro”, podemos dar as seguintes indicações a título exemplificativo: Supremo Tribunal Federal-Recurso Ordinário em Habeas Corpus RHC 124082 DF (STF), de 5 de Fevereiro de 2015; Tribunal Regional Federal-Apelação Criminal ACR 37609820064014100, de 24 de Novembro de 2014. No presente momento a “operação lava jato”, mas já antes o “mensalão” também adquiriram uma importância fundamental nestas matérias.
[10] Cfr. art. 18º da CRP.
[11] Com maior exactidão no art. 368º/A do Código Penal, com a redacção outorgada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro. A última redacção do Código Penal Português é a seguinte: Lei 83/2015, de 5 de Agosto – com entrada em vigor a 4 de Setembro de 2015.
[12] A Lei 36/94, de 29 de Setembro, já sofreu alterações até à Lei 32/2010, de 2 de Setembro. De acordo com o princípio da legalidade criminal, podem se colocar legítimas dúvidas quanto à aplicação da remissão: aplica-se à legislação original ou também às alterações? A jurisprudência portuguesa tem aplicado à legislação já com as alterações. Mas, supondo o exercício teórico-prático de que as alterações eram tantas que o diploma original praticamente já era inexistente – mas a remissão do art. 368º/A para o a Lei 36/94, de 29 de Setembro, permanecia! –, o que fazer nestes casos? Bem, como aplicar o art. 9º do Código Civil sobre as questões de hermenêutica jurídica, sem violar o princípio da legalidade criminal que está consagrado no art. 1º do Código Penal, bem como no art. 29º da Constituição da República Portuguesa (CRP)? Há aliás vários autores que consideram serem os crimes referidos na Lei 36/94, de 29 de Setembro, bastante imprecisos (v.g.: “d) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática; e) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional”), pelo que sofreriam de problemas de inconstitucionalidade: GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes. Do crime de “Branqueamento” de Capitais, Introdução e Tipicidade. Coimbra: Almedina, 2001; ANDRADE, Manuel da Costa et. al (Org.). Sobre a punibilidade do autor de um crime pelo branqueamento das vantagens dele resultantes. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra, v. III, p. 363-400; e ainda CAEIRO, Pedro. A Decisão-quadro do Conselho de 26 de Junho de 2001, e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa. In: ANDRADE, Costa et. al Liber Discipulorum para Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra, p. 1.067-1.132.
[13] “Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Tendo sido entretanto, e em parte, alterada pela Lei 12.683, de 9 de Julho de 2012”.
[14] Cfr. art. 40º do Código Penal português.
[15] Cfr. art. 368º/A do Código Penal.
[16] Cfr. Capítulo III do Código Penal português, art.s 356º e ss..
[17] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código Penal § à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 2. ed. actualizada. Lisboa: Universidade Católica, 2010. p. 950 e ss. 4. ed. Reimpressão, 2011. O bem jurídico não é somente a “administração da justiça, o da perseguição e confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa”.
[18] Os exemplos poderiam ser inúmeros: uma greve (da sua constitucionalidade específica no que concerne aos assuntos da Justiça, seria necessário fazermos um outro estudo), o uso de expedientes processuais que afinal são dilatórios, mas legais, lícitos. etc. etc..
[19] BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo. O Crime de “Branqueamento” e a Criminalidade Organizada no Ordenamento Jurídico Português no contexto da União Europeia: novos desenvolvimentos e novas conclusões. In: AA.VV., Coordenação de NASCIMENTO SILVA, Luciano; BANDEIRA, Gonçalo N.C. Sopas de Melo. Lavagem de Dinheiro e Injusto Penal – Análise Dogmática e Doutrina Comparada Luso-Brasileira. Curitiba: Juruá. Disponível em: , 2009. p. 563 e ss. e 574; O Crime de “Branqueamento” e a Criminalidade Organizada no Ordenamento Jurídico Português no contexto da União Europeia: novos desenvolvimentos e novas conclusões. In: AA.VV., Coordenação de NASCIMENTO SILVA, Luciano; BANDEIRA, Gonçalo N.C. Sopas de Melo. Branqueamento de Capitais e Injusto Penal – Análise Dogmática e Doutrina Comparada Luso-Brasileira. Lisboa: Juruá, Disponível em: , 2010.
[20] Cfr. o art. 5º e ss. da CRFB, com a última Emenda Constitucional 88, de 27 de Maio de 2015.
[21] ZOLFAGHARIFARD, ELLIE, FOR DAILYMAIL.COM. In: Don’t let AI take our jobs (or kill us): Stephen Hawking and Elon Musk sign open letter warning of a robot uprising Read more: <http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2907069/Don-t-let-AI-jobs-kill-Stephen-Haw king-Elon-Musk-sign-open-letter-warning-robot-uprising.html#ixzz3hefxNx5y>, 12 January 2015. “Professores de Harvard, Oxford, Cambridge, do MIT, fundador da Apple e muitas outras personalidades fizeram um baixo assinado para alertar para os perigos da inteligência artificial”, “Os robots estão a um passo para a ameaça da humanidade. Não é um filme”, Diário Económico, Lisboa, 28.07.2015.
[22] Em um encobrimento duma vantagem originária num crime contra o património (p.e. roubo) praticado por outra pessoa, pode se verificar uma consumpção entre um crime de branqueamento e um crime de receptação. COSTA, J. Faria. O branqueamento de Capitais, Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. Boletim da Faculdade de Direito, a. LXVIII, p. 59-86. O crime de auxílio material também é consumido pelo crime de branqueamento.
[23] CORREIA, Eduardo H. da S. Unidade e pluralidade de infracções: a teoria do concurso em direito criminal. Coimbra: Atlântida, 1945, passim.
[24] Cfr. artigos 372º e ss. do Código Penal Português; e ainda, cfr. Lei 20/2008 de 21 de Abril, a qual criou o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado (NRPCCISP), dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de Julho, Assembleia da República, S.I, DR 78, p. 2289-2291, com as alterações da Lei 30/2015, de 22 de Abril.
[25] Cfr. artigos 375º e 376º do Código Penal Português na redacção da Lei 83/2015, de 5 de Agosto – com entrada em vigor a 4 de Setembro de 2015. Assim como cfr. artigos 20º, 21º e 22º do Regime dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos (RCRTCP), Lei 34/87, de 16 de Julho, com as últimas alterações até à Lei nº 30/2015, de 22 de Abril.
[26] Cfr. art. 368º/A, n. 1, do Código Penal Português.
[27] Ainda que no n. 2 do art. 368º/A do Código Penal Português, se fale em “…o autor ou participante dessas infracções…”.
[28] Cfr. art. 9º do Código Civil Português.
[29] Que surgem expostas no art. 368º/A, nº 2 e 3 do Código Penal Português.
[30] <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1645922-nove-em-cada-dez-apoiam-maioridade-penal-aos-16-aponta-datafolha.shtml>. “Nove em cada dez apoiam maioridade penal aos 16”, aponta Datafolha, Folha de S. Paulo, 26 de junho de 2015, acedido em 5 de agosto de 2015.
[31] Neste momento está em discussão no Brasil a entrada em vigor de um novo Código Penal.
[32] Sendo que o art. 9º do Código Penal refere o seguinte, “Disposições especiais para jovens”: “Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.
[33] Cfr. art. 368º/A do Código Penal Português.
[34] A Lei 36/94, de 29 de setembro, já sofreu alterações até à Lei 32/2010, de 2 de setembro. E cfr. de novo o art. 368º/A, n. 2 e 3 do Código Penal Português.
[35] Por exemplo, um crime de homicídio que fica provado, tendo dado origem a bens, direitos ou vantagens comprovadas que aproveitou alguém, não se tendo apurado contudo quem é o autor.
[36] Cfr. o art. 231º do Código Penal Português e art. 180º do, ainda em vigor, Código Penal Brasileiro.
[37] Cfr. artigos 372º e ss. do Código Penal Português; e Lei 20/2008 de 21 de abril, a qual criou o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado (NRPCCISP), dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de julho, Assembleia da República, S.I, DR 78, p. 2289-2291, com as alterações da Lei 30/2015, de 22 de abril, entre outros regimes especiais.
[38] Cfr. artigos 375º e 376º do Código Penal Português na redacção da Lei 83/2015, de 5 de Agosto – com entrada em vigor a 4 de setembro de 2015. Assim como cfr. artigos 20º, 21º e 22º do Regime dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos (RCRTCP), Lei 34/87, de 16 de julho, com as últimas alterações até à Lei 30/2015, de 22 de abril.
[39] CORREIA, Eduardo H. da S. Unidade e pluralidade de infracções: a teoria do concurso em direito criminal. Coimbra: Atlântida, 1945, passim. Sobre a possibilidade de existirem eventuais concursos de crimes, no presente ou no futuro, perante nova legislação neste campo, a obra de MOUTINHO, José Lobo. Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português. Lisboa: Universidade Católica, passim.
[40] Vamos abordar sobretudo a corrupção no sector público e ainda, cfr. Lei 20/2008 de 21 de abril, a qual criou o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado (NRPCCISP), dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de julho, Assembleia da República, S.I, DR 78, p. 2289-2291, com as alterações da Lei 30/2015, de 22 de abril.
[41] COSTA, A. M. Almeida. Anotação aos arts. 372º e ss. do C. P. ‘Comentário Conimbricense do Código Penal’. ‘Parte Especial, t. III, arts. 308º A 386º’. Dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra: Coimbra, 2001, p. 654 e ss. (no momento em que escrevemos está no prelo uma nova edição do comentário conimbricense).
[42] Cfr. art. 386º do Código Penal Português na redacção da Lei 83/2015, de 5 de Agosto – com entrada em vigor a 4 de setembro de 2015.
[43] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa: Universidade Católica, 2010. 4. ed. Reimpressão, 2011, em anotação ao art. 372º.
[44] No presente Código Penal Brasileiro a definição de Funcionário público é a seguinte: “Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000); § 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980)”.
[45] Cfr. art. 337º/B do Código Penal Brasileiro.
[46] Cfr. art. 317º/B do Código Penal Brasileiro.
[47] Cfr. art. 333º do Código Penal Brasileiro.
[48] BANDEIRA, Gonçalo S. de Melo. Responsabilidade Financeira e Criminal. Direitos Constitucionais Sociais, Dinheiros Públicos e Recuperação de Activos. Prefácio de Jonatas E. M. Machado. Lisboa: Juruá, 2015. p. 62 e ss.: “Parece também ser evidente que estão aqui em causa questões que, por um lado, se prendem ao bom andamento e legalidade da administração no que concerne à fidelidade dos seus funcionários. Bem como, por outro lado, ao próprio interesse patrimonial do Estado. Também podemos apontar – duma forma mais generalista –, uma integridade no exercício das funções públicas pelo funcionário e, de modo acessório, no património alheio, seja o mesmo público ou privado. (…) Já no crime de peculato da LCRTCP, (…) o bem jurídico seria a probidade no exercício de funções de titulares de cargos políticos, assim que esse exercício esteja directamente relacionado com ‘direitos patrimoniais do Estado’ – propriedade de bens públicos e posse legítima de bens privados. Sendo que também se poderá falar em exercício conexionado com o direito de propriedade de privados, se os bens estão na posse legítima do Estado”.
[49] Cfr. art. 312º e ss. do Código Penal Brasileiro. Quanto à definição de “funcionário público”, a já assinalada definição do art. 327º do Código Penal Brasileiro.
[50] Cfr. art. 368º/A, n. 3 do Código Penal Português.
[51] Cfr. art. 368º/A, n. 2 do Código Penal Português.
[52] No Código Penal Português refere o seguinte o art. 14º “Dolo”: “1 Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar. § 2º Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. § 3º Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização”. E refere o art. 15º “Negligência”: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”. E refere ainda o art. 13º “Dolo e negligência”: “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”. Sobre o dolo, cfr. ainda JAKOBS, Günther. Strafrecht Allgemeiner Teil. Die Grundlagen und die Zurechnungslehre, Studienausgabe, 2. Auflage, Walter de Gruyter . Berlin . New York, 1993. p. 256, p. 301 e ss.; JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Lehrbuch des Strafrechts. Allgemeiner Teil. Funfte Auflage. Berlin: Duncker & Humblot, 1996. p. 261, p. 292, p. 294, p. 297.
[53] Embora com algumas adaptações jurídico-técnicas importantes… Refere o presente Código Penal Brasileiro: “Art. 18. Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Crime doloso (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Crime culposo (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984)”. Entretanto refere o art. 14º do Projecto de Código Penal Brasileiro liderado por Pedro TAQUES: “O fato criminoso. Art. 14. A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza lesão ou risco de lesão a determinado bem jurídico. Parágrafo único. O resultado exigido somente é imputável a quem lhe der causa e se decorrer da criação ou aumento de risco juridicamente relevante”. E refere o art. 16. o seguinte (“Dolo e Culpa”): “I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu com indiferença o risco de produzi-lo; II – culposo, quando o agente, em razão da inobservância dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias, não previu o resultado ou considerou que ele não ocorreria. Culpa gravíssima. Parágrafo único. Há culpa gravíssima quando, na hipótese do inciso II, ficar demonstrado que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade”.
[54] “Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Tendo sido entretanto, e em parte, alterada pela Lei 12.683, de 9 de Julho de 2012”.
[55] “Art. 14. Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Crime consumado (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Tentativa (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Pena de tentativa (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. (Incluído pela Lei 7.209, de 11.7.1984)”.
[56] Cfr. art. 1º/5 da Lei 9.613, de 3 de Março de 1998 que “Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Tendo sido entretanto, e em parte, alterada pela Lei 12.683, de 9 de Julho de 2012”. Refere o § 4º da mesma legislação que “A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei 12.683, de 2012)”.
[57] Editora Juruá, Lisboa, 2015.
[58] Cfr. art. 18º da CRP, bem como ANDRADE, M. da Costa, Andrade, Manuel Da Costa. ‘A “dignidade penal” e a carência de tutela penal como referência de uma doutrina teleológica-racional do crime’, RPCC, a. 2, fascículo 2, 1992, passim.
[59] Cfr. art. 368º/A do Código Penal Português.
[60] A Lei 36/94, de 29 de Setembro – Regime das Medidas de Combate à Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (RMCCCRF) –, já sofreu alterações até à Lei 32/2010, de 2 de Setembro. Cfr. o art. 368º/A, n. 2 e 3 do Código Penal Português.
[61] E prossegue o mesmo art. 1º: “…2 – A Polícia Judiciária realiza as acções previstas no número anterior por iniciativa própria ou do Ministério Público. 3 – As acções de prevenção previstas no n.º 1 compreendem, designadamente: a) A recolha de informação relativamente a notícias de factos susceptíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime; b) A solicitação de inquéritos, sindicâncias, inspecções e outras diligências que se revelem necessárias e adequadas à averiguação da conformidade de determinados actos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas; c) A proposta de medidas susceptíveis de conduzirem à diminuição da corrupção e da criminalidade económica e financeira”.
[62] Cfr. art. 335º do Código Penal Português.
[63] Cfr. artigos 373º e 374º do Código Penal Português. Não está incluído pois o crime de recebimento de indevido de vantagem, p. e p. no art. 372º.
[64] Cfr. art. 375º do Código Penal Português.
[65] Cfr. art. 377º do Código Penal Português.
[66] Cfr. art. 17º do RCRTCP, Lei 34/87, de 16 de julho, com alterações até à Lei 30/2015, de 22 de abril.
[67] Cfr. art. 18º do RCRTCP, Lei 34/87, de 16 de julho, com alterações até à Lei 30/2015, de 22 de abril.
[68] Cfr. art. 20º do RCRTCP, Lei 34/87, de 16 de julho, com alterações até à Lei 30/2015, de 22 de abril.
[69] Cfr. art. 23º do RCRTCP, Lei 34/87, de 16 de julho, com alterações até à Lei 30/2015, de 22 de abril.
[70] RCRTCP, Lei 34/87, de 16 de julho, com alterações até à Lei 30/2015, de 22 de abril.
[71] Cfr. art. 36º do RJIAECSP, Decreto-Lei 28/84, de 20 de janeiro, com as alterações até à Lei 20/2008, de 21 de abril.
[72] Cfr. art. 37º do RJIAECSP.
[73] Cfr. art. 103º do RGIT-Regime Geral das Infracções Tributárias, Lei 15/2001, de 5 de junho, com alterações até à Lei 82-E/2014, de 31 de dezembro.
[74] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa: Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010. 4. ed. Reimpressão, 2011, em anotação ao art. 368º/A, interpreta da seguinte forma: “estão incluídos apenas os crimes constantes do Decreto-Lei 28/84 que prevê as incriminações das infracções contra a economia, desde que eles sejam cometidos por meio informático e através de uma associação criminosa, bem como as incriminações das infracções contra a economia, com um elemento transnacional”.
[75] Cfr. Lei 25/2008 de 5 de Junho: “Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.os 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à segunda alteração à Lei 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei 11/2004, de 27 de Março”. As últimas alterações foram introduzidas pela Lei 62/2015, de 24 de junho – com início de vigência a 29 de junho de 2015.
[76] Cfr. art. 368º/A do Código Penal Português.
[77] Lei 9.613, de 3 de março de 1998, tendo sido entretanto, e em parte, alterada pela Lei 12.683, de 9 de julho de 2012.