CHALLENGES OF CRIMINAL LAW IN THE 21ST CENTURY: POSITIVE RIGHT AND CULTURAL DIVERSITY THE STANDARD, THE VALUE AND THE FACT AS ETHICAL-SOCIAL-LEGAL DIMENSIONS-POLICIES OF THE HUMAN BEING
CHALLENGES OF CRIMINAL LAW IN THE 21ST CENTURY: POSITIVE RIGHT AND CULTURAL DIVERSITY THE STANDARD, THE VALUE AND THE FACT AS ETHICAL-SOCIAL-LEGAL DIMENSIONS-POLICIES OF THE HUMAN BEING
DOI: 10.19135/revista.consinter.00009.18
Mário Luiz Ramidoff[1] – https://orcid.org/0000-0002-0777-4944
Nicola Frascati Junior[2] – https://orcid.org/0000-0002-7608-1770
Resumo: O presente texto tem por objetividade a explicitação da atual fase existencial em que se encontra o conhecimento jurídico (Direito); senão, que, notadamente o Direito Penal, o qual não pode tergiversar entre conceitos e valores que possam colocar em xeque qualquer uma das condições humanas da pessoa, enquanto elemento primeiro de sua gênese. Por isso mesmo, propõe-se aqui como hipótese possível a construção de argumentos que possam suscitar a concordância prática entre o direito posto e a diversidade cultural. Isto é, o desafio teórico-pragmático é o da conformação da norma jurídico, do valor e do facto, os quais, de per si, podem ser compreendidos como dimensão ética, social, jurídica e política do ser humano. A pesquisa é bibliográfica e se utiliza, no questionamento das práticas, dos conceitos jurídicos e da relação do Direito com a realidade social, do pensamento reflexivo e crítico como ferramentas epistemológicas. Até porque, a metodologia empregada é caracteristicamente variável, uma vez que o presente estudo contempla as importantes contribuições multidisciplinares, então, oferecidas pelas outras áreas do conhecimento que se apresentam como pertinentes para a melhor compreensão tanto do fenômeno delitivo, quanto da intervenção estatal que lhe serve de resposta.
Palavras-chave: Criminologia crítica. Dignidade da pessoa humana. Direito penal. Garantismo penal. Realidade social.
Abstract: The present text has the objective of explaining the current existential phase in which legal knowledge (Law) is found; if not, that, especially the Criminal Law, which can not misrepresent between concepts and values that can put in check any of the human conditions of the person, as the first element of its genesis. For this reason, it is proposed here as a possible hypothesis the construction of arguments that can elicit the practical agreement between the right put and the cultural diversity. That is, the theoretical-pragmatic challenge is that of the conformation of the legal norm, value and fact, which, per se, can be understood as an ethical, social, legal and political dimension of the human being. The research is bibliographical and is used, in the questioning of practices, of legal concepts and the relation of Law to social reality, of reflexive and critical thinking as epistemological tools. Even because the methodology used is characteristically variable, since the present study contemplates the important multidisciplinary contributions offered by the other areas of knowledge that are relevant to a better understanding of both the phenomenon of delivery and the state intervention that serves as the answer.
Keywords: Criminology critical. Dignity of human person. Criminal law. Criminal guaranty. Social reality.
INTRODUÇÃO
O Direito partilha de todas as incertezas que permeiam e demarcam a realidade – seja ela (re)construída, ou, mesmo, simplesmente, constatável –, a vida vivida, e também do desconforto de um mundo que, na contemporaneidade, já não sabe, ao certo, o que poderia ser feito para melhorar as condições existenciais.
Ao se falar em pós-modernidade, tem-se a nítida impressão de que se quer também expressar os sentimentos de insegurança, de incerteza e de incompreensão, vivenciados em uma época em que já não existem mais consensos ou verdades absolutas resistentes aos questionamentos, os quais se ampliam e se acumulam, diariamente.
E porque se está na passagem, no curso do caminho – da modernidade para a pós-modernidade –, é ainda mais difícil compreender este momento em que se vivenciam dois tempos tão distintos, com diferentes explicações quanto aos preceitos, os princípios, as instituições, os valores, os costumes, tudo, enfim, que transpassa a vida.
No presente estudo, de uma maneira geral, sob a ótica dos desafios enfrentados pelo Direito Penal no século XXI, é abordada a concordância prática na relação entre o direito positivo e a diversidade cultural de um povo: a norma, o valor e o facto como dimensões ético-sociais-jurídicas-políticas do ser humano.
Essa análise é realizada tendo como ponto de partida, justamente, a crise vivenciada pela ciência do Direito, de uma forma geral, reflexo que é da sociedade que o circunda, a qual acaba por, paradoxalmente, sofrer os efeitos de sua intervenção.
Em um segundo momento, mais especificamente quanto ao Direito Penal, parte-se para sua análise, tendo como base os trabalhos desenvolvidos pelos juristas Miguel Reale, conhecido como um dos maiores filósofos do culturalismo do século XX, e Luigi Ferrajoli, reconhecidamente, um dos mais importantes penalistas da atualidade.
Assim, examina-se o quanto a questão cultural pode influenciar na adoção de uma política criminal, a qual deve se atentar para a realidade fática subjacente que deve lhe servir de base, para uma melhor compreensão do fenômeno criminal que visa combater.
Já na parte final desta empreitada, será objetivo de análise a ideia de um Direito Penal garantidor preventivo, como alternativa à concepção repressiva, justamente por se acreditar que a visão desse ramo tão importante do Direito deve partir, antes de mais nada, da figura que visa proteger, ou seja, da própria pessoa, entendida como detentora de dignidade humana, característica esta que é a base das Constituições dos países que se autodenominam como Democráticos e de Direito, à exemplo do Brasil e de Portugal.
Importa esclarecer, neste ponto, que a análise realizada não é aprofundada (como se gostaria) e exauriente. De qualquer forma, entende-se imprescindível realizá-la, ainda que perfunctoriamente, no bojo da presente investigação, diante da hipótese levantada acima.
A pesquisa é essencialmente bibliográfica. Foram consultados textos de autores brasileiros, portugueses, italianos, alemães, ingleses, americanos, dentre outros, pertinentes, principalmente, à Filosofia do Direito, ao Direito Constitucional, ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, dada a sua reconhecida contribuição para o tema, no que se refere, em especial, aos direitos humanos e a atuação dos atores incumbidos da persecução criminal.
Para o exame de tal material bibliográfico, como ferramentas metodológicas, lançou-se mão do método dedutivo e do pensamento reflexivo, este último, em especial, no questionamento das práticas e dos conceitos jurídicos e no questionamento da relação do direito penal com os seus demais ramos, além de outras ciências correlatas.
Não há a pretensão, como mencionado acima, de se esgotar o tema em análise, mas, essencialmente, propiciar, a partir das discussões colacionadas, o desnudamento de uma realidade que não vem respeitando os direitos básicos do ser humano, um debate que renove a esperança no sentido de se acreditar que o presente, longe de ser o ideal, não é a única realidade possível, razão pela qual é preciso pensar em soluções, em transformações.
1 Crise do Direito
A sensação de crise (ruptura), de esgotamento dos paradigmas – no sentido de que a modernidade já não é capaz de responder a todos os questionamentos e nos encaminhar a tão sonhada e prometida evolução civilizatória – traz consigo a necessidade de reflexão, de se pensar, por exemplo, a sociedade a partir de suas mazelas, a fim de que seja possível enveredar possíveis soluções, transformações. Se é certo que a modernidade trouxe progressos inegáveis em vários estamentos do conhecimento humano e na tecnologia daí derivada, por outro lado, converteu, a partir da razão instrumental, a natureza e o homem em produto, trazendo consigo, também, um alto custo social, cultural, ambiental, enfim, humano. É preciso questioná-la, portanto, a respeito das suas verdades, daquilo que nela havia sido prometido e não se conseguiu realizar[3].
Daí porque se faz necessário desmistificar a ideia do progresso, a ideia de que o homem está em uma curva sempre ascendente de crescimento, o que geralmente se conclui a partir da apresentação de índices meramente econômicos.
Como se sabe, esses índices, geralmente, não guardam relação com os índices de desenvolvimento humano, com a dura realidade vivenciada diariamente por milhões de pessoas (basta ver os exemplos dos migrantes/refugiados que são diuturnamente despejados em Calais-França, ou dos presos que são depositados nos presídios brasileiros), que é repleta de violência, intolerância, fome, e, como não poderia deixar de ser, de degradação de sua própria dignidade, daquilo que a identifica como um ser humano[4].
No que diz respeito especificamente ao Direito, a multiplicidade de teorias e modos de abordá-lo, que se apresentaram a partir da modernidade, também não convergiram para um único modelo ou compreensão estável. Certo é que o positivismo jurídico, com seu projeto de conferir autonomia ao Direito em relação à moral (o purismo metodológico de Kelsen), não se mostrou suficiente para responder aos problemas que se apresentaram no século XX, especialmente o fato do Holocausto.
A partir deste modelo, ficou claro que a dignidade do homem, reconhecida pela lei, também poderia dele ser retirada com o auxílio da mesma lei.
Daí porque, na atualidade, há aqueles que, em razão das ambiguidades, das confusões e incertezas da condição atual, apenas enxergam no Direito um veículo do poder ou um instrumento à serviço do modo de produção capitalista. Já os que se mantiveram otimistas, no sentido de acreditar na capacidade do Direito de contribuir com o aprimoramento ou aperfeiçoamento humano, ainda buscam exprimir um orgulho por ele, esperando, pacientemente, o dia da transformação humana chegar.
Seja qual for o sentimento – de pessimismo ou otimismo – quer parecer que o Direito não pode mais ser estudado e analisado apenas a partir de um modelo abstrato, desvencilhado de todo o contexto social, cultural e econômico que lhe é subjacente, tampouco desconectado de um objetivo social comum.
Dessa forma, se se quiser ser otimista e acreditar que ele desempenha um papel importante na sociedade (que não é o da alienação), como o papel de orientação para o alcance de um objetivo social comum ou para o aperfeiçoamento do homem, entende-se que ele deve ser não apenas teorizado enquanto tal, mas também colocado em prática, inicialmente, por aqueles que lhe são mais próximos, ou seja, os operadores do Direito[5].
Imbuído deste desiderato, é que se acredita ser importante colacionar ao presente estudo as ideias divulgadas pelos juristas Miguel Reale e Luigi Ferrajoli, justamente pela temática por eles desenvolvidas, calcada que é na relação umbilical existente entre o Direito, em especial o Direito Penal (ramo este que trabalha com o bem jurídico mais importante de todos – a liberdade humana), e a realidade socio-cultural que lhe é subjacente, relação esta que não é (ou não deveria ser) automática ou simplista, mas sim, transpassada por uma axiologia forte o bastante para a erigir à condição de norma jurídica (em sentido amplo).
É o que se passa a analisar/realizar no seguinte tópico desta pesquisa.
2 Direito Penal e Realidade social
O progresso ocorrido na seara das ciências exatas, mais especificamente no tocante à informática/tecnologia, é inquestionável. Hoje, sem dúvida, em virtude deste avanço, comunica-se com uma velocidade jamais vivenciada, sendo comum que se conheçam detalhes de um determinado fato, instantes, ou mesmo segundos após seu acontecimento. De fato, não se questiona que esse avanço tecnológico trouxe melhorias em certos estamentos da realidade hoje presenciada, podendo-se citar como exemplo mais marcante, o avanço nos diagnósticos médicos, notadamente pelo incremento dos exames de imagens hoje disponibilizados pela medicina (ressonância magnética, tomografia computadorizada etc.).
Contudo, também é inegável que esse mesmo progresso tecnológico acabou por acarretar mazelas profundas na atual sociedade, como, por exemplo, a dependência tecnológica que assola, sobretudo, a atual juventude, que não consegue mais viver sem estar diuturnamente conectada a um aparelho eletrônico, como telefones celulares, denominados de “smartphones”, “tabletes” e computadores portáteis[6].
Na verdade, esses “dispositivos”, principalmente o “smartphone”, acabaram por concretizar a tese que ficou conhecida em Michel Foucault, no sentido de que eles nada mais são, na realidade atual, do que o “Panóptico” desenvolvido por Jeremy Bentham, por intermédio do qual as pessoas são constantemente vigiadas pelos detentores do poder, nunca podendo deles se esconder, mesmo não sabendo, ao certo, se naquele exato momento estão ou não sendo observadas, dado o aspecto arquitetônico do “Panóptico”, seguindo, destarte, o modelo da “sociedade disciplinar”, como sugerido pelo alinhavado filósofo francês[7].
Nessa aporia fática social apresentada, o avanço tecnológico acabou por acentuar, ainda mais, a desigualdade nas sociedades hodiernas, fazendo com que o poder econômico, que já era importante na definição das relações intersubjetivas, agora se transformasse no seu elemento primordial, potencializando, portanto, esse fator em detrimento de diversos outros, como a ética por exemplo.
O que importa hoje, ou melhor dizendo, “quem” mais importa hoje, é quem detém o poder econômico, esse sim, o maior de todos os poderes nas comunidades atuais[8]. Diante destas constatações, chega-se a inexorável indagação no sentido de se saber por qual motivo esse fenômeno vem acometendo o estilo de vida em todo o mundo pós-moderno.
A resposta pode variar. Pode-se atribuir tal acontecimento ao modelo econômico pelo qual se pautam determinados países (capitalista na grande maioria deles), bem como, à influência religiosa ainda existente em outro grupo de nações (onde esse fenômeno é sentido com menor intensidade, como no caso de alguns países em que a laicidade não é realidade), ou ainda, pelo regime político/estatal dominante (como nos casos antagônicos dos Estados Unidos da América e Coreia do Norte).
Na verdade, independentemente de qual destes fatores seja o escolhido pelo estudioso desse fenômeno, o que se pode afirmar é que todos eles podem ser sintetizados em uma única palavra, qual seja, “ideologia”, aqui utilizada no sentido de dissimular a realidade fática, promovendo e mantendo inalterada a desigualdade social e econômica, além de perpetuar a dominação do grupo político que se encontra no poder[9]. Imbuído deste último pensamento, entende-se importante questionar qual o atual papel do Direito Penal no cenário retro apresentado.
Com efeito, deve ser questionada se de fato existe uma aproximação do atual estágio vivenciado pelo Direito Penal no Brasil e em Portugal, com a proteção máxima conferida ao preceito fundamental da dignidade humana[10], inserto nas Constituições da República dos referidos países[11].
Assim é que, dentre as várias discussões que se inserem no âmbito do estudo da efetividade do Direito Penal, entende-se ser relevante aquela que questiona, especialmente sob o enfoque ético e da dignidade humana, o comportamento do Estado na busca do fim proposto por esse ramo do Direito.
É que se parte do pressuposto de que as garantias individuais consagradas nas Cartas Magnas das Repúblicas mencionadas estão sendo desrespeitadas (com maior ênfase no Brasil) pelos próprios Estados que as erigiu como pedras angulares de todo os seus sistemas jurídicos[12].
É certo que os ordenamentos jurídicos, brasileiro e português, regulamentam a conduta dos atores primários da persecução penal (Ministério Público e Polícia) e, nesse sentido, uma análise pode ser realizada. Mas, aventa-se como possível questionar o comportamento desses sujeitos a partir da própria concepção do Direito, que envolve um determinado conteúdo ético, levantando-se a hipótese de que o comportamento daqueles atores a quem foi delegada a persecução criminal, quando dissociado desses valores supremos, deve ser repelida e não aceita como verdadeira atuação estatal, indigna, destarte, de sua tutela, uma vez que lhes faltará validade e legitimação para tanto[13].
Com efeito, a sociedade “líquida”, como afirmado por Zygmunt Bauman, divorciada que se encontra dos valores básicos que poderiam ensejar uma melhor persecução criminal, deve ser protegida do poder político que a oprime, bem como, dela própria, o que somente se torna possível através da promulgação de uma constituição democrática, bem assim, de seu respeito pelos citados atores da persecução criminal[14].
A existência de uma constituição democrática, como foi visto, aliado a uma política criminal erigida através de uma epistemologia, de uma axiologia e de uma teleologia robustas, tornam-se o limitador da atuação dos atores estatais detentores do poder de punir de que se arvorou o Estado, razão pela qual todo o sistema jurídico deve se pautar por esses mesmos valores, perpassados de um conteúdo mínimo ético, para que atrocidades como as já vivenciadas no século passado (o Holocausto, por exemplo), não voltem a ocorrer. Faz-se mister que tenhamos consciência histórica, como proclamado por Hegel[15].
Eis o cerne do problema vivenciado pelo Direito Penal contemporâneo: ceder ao pseudo conclamo da sociedade “líquida” que clama por uma maior segurança, através de uma atuação cada vez mais belicosa do Estado, ou então, alcançar o fim segurança por intermédio de uma política criminal e política social, pautadas nos ditames constitucionais apresentados?
Enfim, um Direito Penal do inimigo ou um Direito Penal garantistahumanista? Direito como sinônimo de violência ou como sinônimo de pessoa e respeito à sua dignidade humana[16]?
A questão não é nova. De fato, de longa data ela vem demandando estudo detido dos operadores do Direito. Se partirmos da visão esposada por Giorgio Agamben, chegaríamos à conclusão de que o Direito, hoje, nada mais é do que a mais crua e nua expressão do Estado belicista/securitista, em detrimento dos mais básicos direitos e garantias individuais.
Suas ideias, que são um contraponto aos ideais de Carl Schimitt, podem ser tidas como inspiradas nos ensinamentos de Walter Benjamin, na sua ideia de “Violência Divina”, as quais também são defendidas por vários doutrinadores contemporâneos, tais como Slavoj Zizek, para quem a polícia atual nada mais é do que uma força de ocupação, como sói acontecer nos Estados Unidos da América[17].
Dessa forma, é que o presente estudo, tendo por fim abordar os desafios enfrentados pelo Direito Penal no século XXI, parte do princípio de que apenas a concordância prática na relação entre o direito positivo e a diversidade cultural de um povo (por intermédio da norma, do valor e do facto como dimensões ético-sociais-jurídicas-políticas do ser humano), pode ser aceita como forma legítima de intervenção estatal no bem jurídico mais importante do ser humano, sua liberdade.
Essa resposta, que se acredita ser a mais consentânea com os comandos constitucionais alhures descritos, é encontrada no trabalho desenvolvido pelo jurista brasileiro Miguel Reale, conhecido como um dos maiores filósofos do culturalismo do século XX.
De fato, em sua obra, percebe-se o quanto a questão cultural pode influenciar na adoção de uma política criminal, a qual deve se atentar para a realidade fática subjacente que deve lhe servir de base, para uma melhor compreensão do fenômeno criminal que visa combater[18].
O fato advindo do contexto histórico-cultural, uma vez que se apresente dotado de uma qualificação, pode ser considerado apto a ensejar uma norma (em sentido amplo) que virá a regular o convívio social.
Essa qualidade pode ser entendida, no seu trabalho, como sendo o “valor” que já se encontrava no fato, mesmo antes de sua tipificação enquanto “norma” reguladora das condutas humanas, sendo esta, acredita-se, a maior diferença existente entre sua obra e a de Hans Kelsen, para quem o fato só poderia ser entendido como “dotado de sentido”, apenas e tão somente quando transmutado em norma jurídica[19].
Apenas para não deixar passar a oportunidade, cabe destacar que essa prática não é novidade na humanidade. De fato, o mais longevo império de que se tem notícia (Império Romano), quando de suas conquistas, tinha como praxe o respeito aos hábitos e costumes do povo conquistado. Era a chamada “Pax Romana”, a qual é reconhecida como fator primordial do longo lapso temporal pelo qual perdurou o referido império.
Nesse toar, a abordagem referente à adoção de uma política criminal, que se considere condizente com os valores mais basilares esperados de um Estado Democrático de Direito, como se autodenominam Brasil e Portugal, somente pode ser concebida com foco na relação prática entre o Direito e a cultura, tendo como fundamento a teoria tridimensional (que teve origem em Emil Lask, Gustav Radbruch e Roscoe Pound) adotada por Miguel Reale, como acima foi pontuado, a partir da qual se busca a validade da norma (em sentido amplo).
É oportuno mencionar que desse cotejo é que ela nasce, tendo a norma, portanto, requisitos formais e sociais para sua validade, que devem sempre ser observados, bem assim, como seu fundamento, o objetivo de realização da Justiça, com aptidão de fornecer ao homem a liberdade necessária para o exercício de um juízo de valor dentro da história de sua existência.
Nada mais do que um Garantismo Democrático[20].
Dentro deste mesmo contexto, de grande valia são as contribuições do jurista italiano Luigi Ferrajoli (quanto a denominada tetralogia do Direito, ou seja, sua legitimidade, validade, vigência e efetividade), para quem o Direito deve ter sempre como seu norte, sua vinculação à constituição democrática e aos direitos humanos aos quais está sempre subordinado. Interessante se observar que, atualmente, corroborando a tendência de opção ao Direito Penal belicista pelos Estados, nesse quarteto legitimador do Direito proposto por Luigi Ferrajoli, apenas os dois últimos substantivos (vigência e efetividade) é que vem sendo observados e considerados pelos atores da persecução criminal.
Esquece-se, mas não de forma propositada, que, na verdade, os principais fatores a se observar são a legitimidade e a validade, justamente para que o “dever ser” da deontologia jurídica seja um reflexo do “ser”, da ontologia social, sob pena de, em tal não ocorrendo, anular-se o “dever ser”, principalmente numa realidade onde o multiculturalismo é preponderante, numa concepção multidimensional do Direito[21].
Especificamente quanto a este ponto, os aspectos constitutivos do garantismo penal, dado sua importância, assume especial relevância sobre os aspectos da vigência e validade da norma (em sentido amplo), tendo como ponto central o confronto das ideias apresentadas por Luigi Ferrajoli e Hans Kelsen sobre tema. De fato, desse choque de pensamentos, surge uma nova forma de se pensar o Direito, tendo como ponto de partida os ensinamentos apreendidos dos citados autores. Com efeito, para Kelsen, a partir do século XIX, com o triunfo da visão positivista sobre o Direito, em detrimento do pensamento jusnaturalista, sedimenta-se a concepção formal da validade da norma.
Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, no fundo, buscou dissociar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe seriam estranhos, concentrando o objeto do seu estudo apenas em seu aspecto formal, sem aprofundar o aspecto valorativo.
Na concepção positivista de Kelsen, para que o Direito fosse considerado como ciência, sua análise deveria ser baseada apenas na forma de elaboração, e não em aspectos axiológicos. Para Kelsen, o Direito é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo “norma” se quer significar que algo “deve” ser ou acontecer, especialmente que um homem se “deve” conduzir de determinada maneira. A norma é um dever ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser[22].
Em sentido diametralmente oposto, conforme aduzido acima, a visão de Luigi Ferrajoli, bem assim de Miguel Real, sobre a forma de concepção da norma jurídica, notadamente referente ao Direito Penal, pode e deve ser perpassada de um aspecto axiológico forte, robusto, partindo-se de um conteúdo mínimo ético, sem o qual não há que se cogitar em sua legitimidade e validade, desconectada que estará do seu substrato fático-social que é a razão de sua gênese[23].
Continuando, outro aspecto referente à atuação do Estado, por intermédio de seus atores (Ministério Público e Polícia), mostra-se de suma relevância. Realmente, também adotando, uma vez mais, os elementos constitutivos da teoria de Luigi Ferrajoli, tendo como enfoque a aplicação prática do conceito de validade, chega-se à conclusão, acertada, espera-se, por meio do qual o Direito Penal deve ser utilizado como ultima et extrema ratio, priorizando-se a liberdade humana, evitando-se, destarte, a visão do delinquente como sendo uma coisa ou um inimigo da sociedade.
Nesse diapasão, fica evidenciado que devem ser criminalizadas apenas aquelas condutas que não possam ser reguladas pelas demais searas do Direito. Isto se deve, justamente, por sua característica primordial, que é sua subsidiariedade, encontrando seus limites nos direitos humanos, individuais e coletivos, consagrados nas mais diversas constituições de todo o mundo, como sói acontecer com Brasil e Portugal, conforme retro alinhavado.
Assim, para o Direito Penal intervir, devem se fazer presentes, necessariamente, três requisitos: dignidade, ofensividade e necessidade da pena, com observância a uma epistemologia axiológica e teleológica robustas, que lhes sirva de base.
Apenas dessa forma e, se outros ramos do Direito não tutelarem o bem jurídico que se almeja defender ou forem insuficientes para tanto, é que o Direito Penal poderá intervir, sob pena de lhe faltar validade e legitimidade, razão pela qual sua concepção, calcada no belicismo, justicionismo e na consideração do delinquente como sendo uma coisa ou um inimigo do Estado, deve ser de plano rechaçada[24].
Avançando um pouco mais na presente pesquisa, outro aspecto pode ser analisado. Destarte, o Direito, enquanto ciência, deve ser compreendido como uma manifestação da Justiça e garante “não violento” dos direitos humanos, num aspecto de (re)humanização, no qual deve se inserir o Direito Penal. Com efeito, o agir estatal, quando busca implementar a política criminal escolhida para reprimir a conduta delitiva dos seus cidadãos, deve se pautar por essa axiologia e teleologia calcadas, justamente, nesses estandartes normativos, que são, em ultima ratio, a garantia dos cidadãos contra os detentores do poder político e econômico, bem assim, do próprio povo. Esse estudo aponta para uma visão mais humana do Direito Penal, visando resguardar o bem jurídico tutelado (liberdade) da forma mais ampla possível, uma vez que ele é o valor supremo, a essência do ser humano, expressão máxima de sua dignidade[25].
Com efeito, a constituição penal deve ser encarada como repositório nuclear do bem jurídico por ela tutelada, ou seja, a dimensão inabalável e inalterável da tutela da dignidade da pessoa humana. De fato, a implementação do Direito Penal deve se dar por intermédio da adoção de uma política criminal voltada para o fim primordial do Estado, motivo pelo qual seus atores primários (Ministério Público e Polícia) não podem se descurar que seu agir é legitimado e limitado pelas Constituições das Repúblicas brasileira e portuguesa (no caso em estudo), que têm, como base primeira, a dignidade da pessoa humana, conforme aqui já sedimentado.
Diante deste fato, busca-se evidenciar que a política criminal a ser implementada pelo Estado e seguida pelo Ministério Público e pela Polícia, deve sempre primar pela preservação da dignidade humana do sujeito que se encontra sob o jugo da persecução criminal estatal, balizada, repita-se uma vez mais, pelos princípios da legalidade (numa concepção mais larga), culpabilidade, humanidade e ressocialização do apenado[26].
Diante de tal fato, a atuação do Estado, através de seus agentes (Ministério Público e Polícia), deve pautar-se em uma política criminal voltada para uma ação ativa preventiva, ao invés de uma exceção repressiva, com a substituição do Estado de violência, pelo Estado de não violência, bem assim, com a implementação de uma política social adequada para referido desiderato[27].
Faz-se necessário distinguir entre a forma correta de se punir e (re)socializar o sujeito passivo da persecução criminal, não por meio de um Direito Penal do inimigo, como está a ocorrer atualmente, em grande parte das nações, tudo justificado pelo terrorismo. Sabe-se, ou se deveria saber, que terrorismo, muito além de uma questão do Direito Penal, é, acima de tudo, uma questão política, motivo pelo qual, apenas com decisões tomadas dentro desta esfera de poder, é que tal mazela pode ser enfrentada[28].
Isto posto, acredita-se que outra opção deve ser pensada para tão importante seara do Direito, que não a vergastada atuação repressiva do Estado, quando se encontra em confronto com o fenômeno da criminalidade. É o que se buscará realizar no próximo ponto.
3 Direito Penal Garantidor
Em contraposição ao problema acima ventilado, encontra-se a adoção, pelos Estados, de uma política criminal de cunho social, pautada no respeito aos direitos básicos de todo ser humano, para que ele possa, então, ser ressocializado, ou, na maioria das vezes, de fato socializado, com políticas públicas que possam alcançar tal escopo. Ou seja, nada mais do que cumprir as Constituições das Repúblicas do Brasil e Portugal.
Calcado nessa premissa, fica fácil perceber que a solução mais acertada para se reduzir a criminalidade à patamares toleráveis, notadamente em países em desenvolvimento como o Brasil, é a mudança de paradigma do Direito Penal, o qual deve ser concebido como ferramenta a ser utilizada de forma garantista e, principalmente, preventiva ao ato criminoso, isto, repita-se, por intermédio da adoção de políticas públicas aptas a trazer incremento sociocultural substancial à população do mesmo Estado que visa, ou deveria visar, o efetivo combate a tão devastadora mazela social.
Neste ponto, cabe asseverar que a crença na emancipação do homem por intermédio da reflexão, advinda do seu convívio qualificado (axiologicamente) com os demais integrantes do corpo social, não é recente. Muito pelo contrário, uma vez que tal pensamento pode ser atribuído, ao menos no sentido de sua maior divulgação, aos filósofos gregos da antiguidade, em especial à Sócrates, Platão e Aristóteles.
Realmente, a preocupação com a conduta humana, tendo como núcleo básico o elemento ético, começa na Idade Antiga, no chamado período Socrático, momento em que vários filósofos irão direcionar seu pensamento ao homem na tentativa de conhecê-lo melhor, assim como aquilo que ele realiza no mundo.
Primeiro, tem-se que os filósofos em referência viveram nos séculos V e IV a.C. Neste período, importa destacar que os gregos (em especial, em Atenas, onde a filosofia tem maior desenvolvimento) vivenciaram a fundação da polis, sua transformação em polis democrática e a sua crise (transformações que se realizaram do século VIII ao século V a.C). Neste contexto, a ética é pensada em conjunto com a política e o direito. Não é um reduto do indivíduo (o que não quer dizer que não haja o reconhecimento do homem) e não é um instrumento de resistência. Ser grego é pertencer a um mundo comum, é ser em uma comunidade, motivo pelo qual a conduta do homem é pensada em conjunto com os saberes que pensam a comunidade.
Em outras palavras, a ideia da reflexão e do governo de si não é estabelecida em contramão a política e ao direito, uma vez que para os gregos a política e o direito estão direcionados ao bem comum. O ideal de um bem comum (ainda que sejam distintas as ideias a respeito do que seja o bem comum) unifica, portanto, a ética, a política e o direito[29]. Enfim, uma vez que o homem não é compreendido de forma isolada, mas enquanto pertencente a uma comunidade (a sua natureza está relacionada com o convívio, com o laço social), sua conduta deve ser pensada no âmbito de sua participação na vida em comum. Dessa forma, para que o homem possa alcançar a eudaimonia (ou felicidade) e, assim, se aperfeiçoar enquanto pessoa, necessariamente o homem deve viver e se comprometer com a sociedade em que está inserido.
Assim, fica difícil defender a ideia ou a concepção do Direito Penal do inimigo, ou belicista, que visa, antes de mais nada, a prisão do indivíduo como resposta a todos os males que assolam essa mesma sociedade. Realmente, como a pessoa irá exercer sua capacidade de reflexão e pensamento, para então se aperfeiçoar, tolhida do convívio com os seus semelhantes?
Essa compreensão inicial se mostra importante porque, para os gregos, o agir ético, ainda que resultante da reflexão, também se realiza por meio da obediência às leis (que orientam a conduta para o bem, para o cultivo do bom caráter, das virtudes) e na prática diária do exercício da cidadania, quando o grego se envolve no destino da comunidade. O sentido das leis e da política, portanto, é o de cultivar a virtude do cidadão, levá-lo a seu aperfeiçoamento, a ser mais do que é, torná-lo ético. Daí a tríade ética, política e direito[30].
O outro ponto comum a ser mencionado é o fato de que a reflexão realizada por estes filósofos tem por base o Cosmos – ou seja, a totalidade do mundo, a natureza – que possui uma ordem e com base no qual tudo pode ser pensado. Ainda, o ser é o fundamento do mundo e do pensar, o que significa que, na relação sujeito e objeto do conhecimento, o que importa é o objeto, que possui características que são próprias dele, independentemente do sujeito que irá analisá-lo.
Entende-se que a razão está nas coisas.
Cada filósofo, em todo caso, irá apresentar a sua compreensão acerca da “natureza” e do caminho que conduzirá o homem até o objeto a ser conhecido[31].
Um último ponto a ser apresentado diz respeito a finalidade do agir ético para os três filósofos. Os ensinamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles demonstram a defesa de uma concepção teleológica, no sentido geral de que o agir ético, que implica o descobrimento e a prática do bem, está voltado ao alcance da felicidade. Daí porque o homem age eticamente para ser feliz. Não se trata de uma felicidade mundana, nem de aceitar todo e qualquer meio que seja capaz de levar o homem a felicidade. Trata-se mais de uma felicidade que se traduz em um estado de espírito, alcançada por meio de ações que estão relacionadas à ideia do bem, do certo e do justo (a já mencionada eudaimonia)[32].
Avançando um pouco na linha histórica, encontram-se os ensinamentos de outro renomado filósofo, Immanuel Kant, o qual em sua obra, Resposta à pergunta: O que é iluminismo, apresenta uma nova visão de como o homem, por meio da razão (e não mais da religião) tem a capacidade de decidir, por si só, qual caminho traçar, bem assim, de como proceder, isso, numa acepção ética[33].
Trata-se da possibilidade de o homem sair de sua menoridade, ou seja, emancipar-se no sentido de não ser governado por outrem que não ele próprio, sempre por intermédio de uma reflexão calcada na ética. Para determinados filósofos (como FOUCAULT), o texto de Kant representa um marco na história da filosofia, posto que se trata de uma análise acerca da capacidade crítica do homem enxergar o mundo, de se servir de seu próprio entendimento[34].
Realmente, embora a noção do imperativo categórico por ele desenvolvida seja de difícil aplicação, ante sua difícil efetivação no mundo prático, o conceito de emancipação através da reflexão, nos termos acima delineados, é tido, ainda hoje, como atual e digno de nota.
Outro ponto a merecer destaque na obra de Kant, é o contraste por ele desenvolvido entre as noções de preço e de dignidade, o qual conduz à ideia de que o homem sempre deve ser tratado como um fim em si mesmo. Com efeito, asseverava o referido filósofo que “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”[35].
Como se pode observar, há muito tempo já se percebeu que o homem é dotado de dignidade, razão pela qual inconcebível se mostra toda e qualquer tentativa de lhe retirar essa qualidade que o diferencia, aliás, dos demais seres vivos, mesmo daqueles que, por ventura, tenham atentado contra o ordenamento jurídico de um determinado país.
Nesse sentido, políticas criminais desenvolvidas e adotadas pelos Estados contemporâneos não podem se descurar de tão importante conquista da humanidade, sob pena do homem ser tratado e considerado como um mero objeto, utilizado como massa de manobra para os detentores do poder político/econômico.
Continuando no sentido acima alinhavado, cabe acentuar que as dimensões e os alcances da norma penal, devem ser observados tendo como destaque seus aspectos material e processual. Impende destacar que o Direito Penal, por resguardar o bem jurídico mais precioso do homem (sua liberdade), deve, antes de tudo, ser pautado, tanto no aspecto substancial, como também, no adjetivo, pelos valores retro descritos.
Isso se mostra mais plausível, através de uma interlocução da seara criminal com os demais ramos do Direito, bem assim, com as demais ciências correlatas.
Exemplo dessa forma de pensar, em que pese não se concordar com sua tese, é a teoria do crime desenvolvida por Gunther Jakobs, a qual foi desenvolvida a partir do direito das obrigações, ramo este pertencente ao Direito Civil[36].
O que se deveria praticar, com maior ênfase, seria, nos dizeres de Tercio Sampaio Ferraz Junior, a institucionalização de uma compreensão zetética do Direito Penal, ou seja, um recurso cognitivo pelo qual as normas jurídicas se integram dentro de um sistema axiológico, antropológico, sociológico, histórico e político. Com efeito, apenas em se partindo dessa forma de se pensar o referido ramo do Direito, que foi originalmente formulada por Theodor Viehweg, mas introduzida no Brasil pelo alinhavado autor, é que os ditames constitucionais balizadores das sociedades brasileira e portuguesa poderão ser respeitados[37].
Diante de tal quadro, acredita-se estar mais latente e compreensível a necessidade de uma integração das ciências sociais para a plena formação do operador do Direito Penal, escopo este que somente será alcançado, acredita-se, por intermédio de um ensino interdisciplinar e transdisciplinar, moldando os atores estatais incumbidos da persecução penal de capacidade reflexiva, permeada de noções axiológicas que o mero ensino dogmático positivista não consegue propiciar, ao menos no Brasil, sendo a realidade um pouco diversa em Portugal[38].
Chega-se à conclusão, portanto, de que o direito penal deve ser a ultima et extrema ratio, como aqui já foi mencionado, devendo ser criminalizadas apenas aquelas condutas que não possam ser tuteladas pelos demais ramos do Direito, tudo isto para que o cidadão e os operados da referida ciência possam ter o mínimo de segurança jurídica em suas relações sociais intersubjetivas, devendo, destarte, o poder de punir estatal (e não “direito de punir”) ser utilizado dentro das normas (em sentido amplo) balizadoras de sua atuação (direitos humanos atuando como seu limitador), por intermédio de seus atores (Ministério Público e Polícia)[39].
Assim, levando-se em consideração tudo o quanto foi alinhavado, acredita-se não pairarem dúvidas, no sentido de que a defesa de um Direito Penal integrador e garantidor/democrático, nos moldes como proposto por Luigi Ferrajoli, mostra-se a opção mais madura e equilibrada, uma vez que, em assim sendo, referida seara do Direito, que tutela o bem jurídico mais precioso da pessoa (sua liberdade), permanecerá afastado dos clamores populares infundados e midiáticos, não se tolerando, dessa forma, a criação das chamadas legislações de luta ou de combate (Direito Penal do Inimigo ou Belicista)[40].
Cabe destacar, ainda, que a adoção ou a concepção do Direito Penal da maneira como acima proposta, ou seja, numa visão calcada em um garantismo axiológico, não pode ser tachado de um modelo em que sempre o único beneficiado seria o criminoso.
De fato, o que se propõe é que, tão somente, o Estado que erigiu os direitos humanos como sua base de criação e existência, conforme previsão expressa contida nas suas constituições, sejam observados e respeitados pelo mesmo Estado, quando este estiver atuando na persecução criminal, por intermédio de seus atores primários (Ministério Público e Polícia).
Como não poderia deixar de ser, longe de se almejar um exaurimento cognitivo sobre o tema analisado, o pretendido com sua análise foi, essencialmente, propiciar, a partir das discussões apresentadas, o desnudamento de uma realidade que não respeita, principalmente no Brasil, quando em comparação com Portugal, os direitos básicos do ser humano, um debate que renove a esperança no sentido de se acreditar que o presente, longe de ser o ideal, não é a única realidade possível, razão pela qual é preciso pensar em soluções, em transformações.
Considerações Finais
Diante de tudo que aqui fora exposto, reporta-se, agora, aos objetivos desta investigação, os quais foram analisados ao longo deste trabalho, para, assim, ser possível oferecer algumas respostas provisórias, certamente, delimitadas, no presente tempo e espaço.
Desta maneira, é possível dizer que o atual estágio da sociedade brasileira é marcado pelo avanço tecnológico, o qual, a par de aspectos positivos, trouxe também inúmeros pontos negativos acerca das relações intersubjetivas, o que paradoxalmente tem determinado o predomínio da perspectiva individual (individualismo) sobre a desejada perspectiva coletiva (comunitarismo) acerca de assuntos que interessam a todos.
Nesse cenário, constatou-se que o Direito Penal acaba por se tornar fruto dessa ideologia, sucumbindo aos interesses emanados dos detentores do poder econômico/político.
Essa situação é fruto da ideologia dominante no atual cenário mundial, onde os detentores do poder de produção social – as hegemonias políticas e econômicas –, como forma de controle social, direta e indiretamente, reduzem quando não acabam por tolher a possibilidade do cidadão de refletir e de discutir sobre a forma por intermédio da qual pode e deve o Estado atuar na persecução criminal.
Os conceitos e compreensões possíveis sobre política criminal, aqui, apresentados, na verdade, têm a objetividade de evidenciar as concepções teórico-pragmáticas que, dentre outras, também possam ser adequadamente conformadas com os comandos políticos insertos nas Constituições do Brasil e de Portugal, alinhados às opções civilizatório-humanitárias que têm a pessoa como centro de suas preocupações, ainda, que, em razão de suas condutas, encontrem-se em confronto com os interesses e/ou as funções do próprio Estado, conforme os ensinamentos de Miguel Reale e Luigi Ferrajoli.
Diante destas constatações, colacionou-se o resultado nefasto que a adoção de uma política criminal baseada no Direito Penal do Inimigo, ou Belicista, pode ocasionar, justamente por não serem respeitados as liberdades públicas – como, por exemplo, os direitos individuais e as garantias fundamentais – que todo cidadão tem por opção político-social constitucionalmente consignada, e, correlatamente, a serem respeitadas como dever legal, sim, do Estado.
Na sequência, por se acreditar ser de suma importância para a perfeita compreensão do debate proposto, foi observado que o comportamento desses sujeitos estatais (agentes públicos), a partir da própria concepção do Direito, que envolve um determinado conteúdo ético, quando dissociado desses valores supremos, deve ser repelido e não aceito como verdadeira atuação estatal, indigna, destarte, de sua tutela, uma vez que lhes faltará validade formal e material – consoante a teoria do garantismo penal – e mesmo legitimação para tanto.
Nesse toar, concluiu-se que a abordagem referente à adoção de uma política criminal, que se considere condizente com os valores mais basilares esperados de um Estado Democrático de Direito, como se autodenominam Brasil e Portugal, somente pode ser concebida com foco na relação prática entre o Direito e a diversidade cultural de cada uma daquelas sociedades em que se (com)vive com as respectivas estruturas estatais (Poderes Públicos), com fundamento na teoria tridimensional (que teve origem em Emil Lask, Gustav Radbruch e Roscoe Pound), então, adotada por Miguel Reale; bem como na Tetralogia do Direito proposta por Luigi Ferrajoli.
Continuando, chegou-se também à conclusão, de que a atuação do Estado, por intermédio de seus atores (Ministério Público e Polícia), mostra-se de suma importância, pois, a partir da análise dos elementos constitutivos da teoria de Luigi Ferrajoli, constata-se que o Direito Penal deve ser utilizado como ultima et extrema ratio, para, assim, alcançar o entendimento de que a liberdade humana é a regra a ser prioritariamente assegurada, e, a sua privação, portanto, a exceção. Pois, somente, assim, será possível evitar tanto teórica, quanto pragmaticamente, a concepção pós-moderna de que o delinquente é uma coisa ou mesmo um inimigo da sociedade.
Nesse diapasão, ficou evidenciado que devem ser criminalizadas apenas aquelas condutas que não possam ser adequadamente tuteladas pelas demais searas do Direito, enquanto medida proposição hermenêutica que se funda não só nas diretrizes jurídico-penais que orientam a aplicação do direito – princípio da intervenção mínima (ultima et extrema ratio), mas, também, caracteristicamente, às humanitárias.
Ainda, em relação ao objetivo de explicitar a relevância do pensamento jurídico, então, compatibilizado com as diversidades culturais, para fins de formulação de uma política criminal que deva ser adequadamente implementada em uma determinada sociedade, através de suas instituições públicas (estatais), entendeu-se que a reflexão deve levar em conta as dimensões ética, política, social e econômica, para além do âmbito meramente jurídico-legal, enquanto pressuposto teórico-pragmático par se alcançar referido desiderato.
Nesse sentido, buscou-se nos filósofos gregos – destacadamente, em Sócrates, Platão e Aristóteles; ainda que referenciados a um determinado contexto e expectadores de uma realidade não ideal –, que apenas em se admitindo o entendimento, então, atrelado à natureza política da pessoa, enquanto ser humano, no sentido geral de que a sua pertença a uma comunidade e a sua responsabilidade individual e coletiva perante aquela, é que será determinante para a sua evolução ética, política, econômica, social e também jurídica.
Por isso mesmo, entendeu-se que a irrestrita privação de liberdade do ser humano, como preconizado pelos defensores do Direito Penal do Inimigo, ou Belicista, acaba por inviabilizar tal desiderato; isto é, a possibilidade de subjetivamente se emancipar, através da convivência social, enquanto expressão da sua dimensão humanitária a ser experimentada através do exercício da liberdade, de forma responsável, e, assim, a justificar a excepcionalidade da sua privação.
Na sequência, foi obtemperado que para se alcançar os fins esperados do Direito Penal, na contemporaneidade, deve ele se relacionar com o contexto fático social que lhe é subjacente, bem assim, com as demais ciências que também buscam estudar e entender o complexo fenômeno da vida em sociedade, razão pela qual se concluiu que apenas em se adotando uma visão zetética do Direito Penal, tal escopo poderá ser atendido.
Assim, levando-se em consideração tudo o quanto foi alinhavado, concluiu-se que a defesa de um Direito Penal integrador e garantidor/democrático, nos moldes como proposto por Luigi Ferrajoli, mostra-se, dentre outras, uma possível opção teórico-pragmática para o oferecimento de (re)soluções jurídicas, cada vez mais adequadas, tanto para Brasil quanto para Portugal, desde que sejam respeitadas as respectivas dimensões culturais da formação social de cada um desses países.
A proposição téorico-pragmática de um Direito Penal integrador/garantidor, de outro lado, tem a possibilidade, sim, de oferecer fundamentos mais legítimos para a concessão de tutela jurisdicional que seja ética, social e politicamente adequada a um dos bens jurídicos mais preciosos da pessoa (ao lado da vida, a liberdade), permanecendo, assim, afastada tanto dos infundados clamores populares quanto daqueles midiaticamente projetados em interesses nem sempre são publicamente confessáveis.
Desta maneira, entendeu-se que é possível superar a lógica jurídico-legal de viés puramente silogístico (classicismo) que apenas demandaria formulação legislativa para o recrudescimento de sanções penais, quando não para a simples criminalização de grupos de pessoas como forma de controle social violento.
Senão, é o que tem sido denominado de legislações de luta, enfrentamento ou de combate (Direito Penal do Inimigo ou Belicista), vale dizer, a formulação legislativa do direito penal do terror, confirmando-se, destarte, a hipótese levantada no início do presente trabalho.
Portanto, é possível dizer que no século XXI, para além de todos os demais desafios funcional-utilitaristas que se possam demandar ao Direito Penal – como, por exemplo, a proteção de bens jurídicos –, verifica-se que, na contemporaneidade, a compatibilização teórico-pragmática da legislação penal (direito positivo) com a diversidade cultural (mundo da vida vivida), perpassa, sim, pela (re)construção hermenêutica que possa superar o silogismo clássico (classicismo), para, assim, inscrever, na aplicação da lei, uma interpretação – seja da norma, do valor e/ou do facto – que também se vincule às dimensões éticas, sociais, econômicas e políticas do ser humano.
Eis, pois, um dos mais importantes desafios do Direito Penal, no século XXI, vale dizer, a conformação teórico-pragmática entre o direito positivo e a diversidade cultural, através do redimensionamento ético, social, jurídico e político das normas, dos valores, e da compreensão dos fatos como tais, para a melhoria das condições existenciais do ser humano, enfim, para a sua emancipação subjetiva, vale dizer, a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva.
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Notas de Rodapé
[1] Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; Mestre (PPGD-UFSC) e Doutor em Direito (PPGD-UFPR); Professor Universitário (PPGD-UNINTER e UNICURITIBA).
[2] Juiz de Direito no Poder Judiciário do Estado do Paraná; Especialista em Direito pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP); Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR); Doutorando em Direito no Pós-Graduação em Direito da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); Diretor-Tesoureiro da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); Diretor Executivo da Associação dos Magistrados do Paraná (AMAPAR); Professor da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP).
[3] BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 5 e ss.
[4] BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 78 e ss.; MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 1-18 e 615-618.
[5] BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 69 e ss.
[6] DEFINIÇÕES: o que é dependência de tecnologia? Dependência de Tecnologia, 05.06.2012. Disponível em: <http://dependenciadetecnologia.org/dependencia-de-tecnologia/definicoes/>. Acesso em: 05 mar. 2018.
[7] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 131 e ss.; FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2002. p. 103 e ss.
[8] BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 38.
[9] CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 7.
[10] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 26 e ss.
[11] Art. 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil e arts. 1º e 2º da Constituição da República de Portugal. (in BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acessado em 26/04/2018; PORTUGAL. Parlamento. Constituição Portuguesa. Disponível em: <http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em: 26 abr. 2018).
[12] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 72 e ss.
[13] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 208-239; FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27 e ss.
[14] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 20 e ss.; VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 21 e ss.; VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal do inimigo e o terrorismo. O Progresso ao Retrocesso. Coimbra: Almedina, 2017. p. 17 e ss.
[15] REIS, José Carlos. História da “consciência histórica” ocidental contemporânea. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 21 e ss.
[16] TOCQUEVILLE, Alexis de. Da democracia na América. São João do Estoril: Principia, 2002. p. 180 e ss.
[17] AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010. v. 1, p. 9 e ss.; ZIZEK, Slavoj: Violência policial e violência divina. Blog da Boitempo, em 07.08.2015. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2015/08/07/zizek-violencia-policial-e-violencia-divina/>. Acesso em: 23 maio 2018.
[18] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 208 e ss.
[19] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A Teoria do Direito de Miguel Reale. In: Cidadania e Cultura Brasileira. Homenagem aos 90 Anos do Professor Miguel Reale. São Paulo: Edusp, 2001. p. 53-57.
[20] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 175 e ss; VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 72 e ss.
[21] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27 e ss.; MONTE, Mário Ferreira et al. Multiculturalismo e tutela penal: uma proposta de justiça restaurativa. Multiculturalismo e direito penal. I Encontro Nova-Direito Lisboa 2012. Coimbra: Almedina, 2012. p. 97-113; RUIZ, José. Derecho internacional del medio ambiente. Madrid: MacGraw-Hill, 1999. p. 47.
[22] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 5 e ss.
[23] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2007. t. I, p. 33 e ss.; FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27 e ss.; ZIPPELIUS, Reinhold. Teria Geral do Estado. Trad. Karin Praefke-Aires Coutinho e coordenação de Gomes Canotilho. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 388 e ss.
[24] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O inimigo no Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 129 e ss.; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral.. Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2007. t. I, p. 33 e ss.
[25] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 76 e ss.; ZAFFARONI, Eugenio R.; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 100 e ss.
[26] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 23 e ss.
[27] TOCQUEVILLE, Alexis de. Da democracia na América. São João do Estoril: Principia, 2002. p. 180 e ss.
[28] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal do inimigo e o terrorismo. O Progresso ao Retrocesso. Coimbra: Almedina, 2017. p. 17 e ss.
[29] BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Lisboa: Piaget, 2001. p. 18-85.
[30] SANDEL, Michel. Justiça: o que é fazer a coisa certa. 15. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 231-256, 305-330; BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Lisboa: Piaget, 2001. p. 18-85.
[31] BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Lisboa: Piaget, 2001. p. 18-85; MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2012. p. 28-89; LUDWIG, Celso. Para uma filosofia jurídica da libertação: paradigmas da filosofia, filosofia da libertação e direito alternativo. Florianópolis: Conceito, 2006. p. 34.
[32] PEGORARO, Olinto. Ética dos maiores mestres através da história. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 19-58.
[33] KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é o iluminismo? Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016, p. 3-12.
[34] FOUCAULT, Michel. O que é a crítica? Disponível em: <http://michel-foucault.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/critica.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016, p. 1-29.
[35] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2007. p. 77 (destaque no original).
[36] MONTE, Mário Ferreira et al. Multiculturalismo e tutela penal: uma proposta de justiça restaurativa. Multiculturalismo e direito penal. I Encontro Nova-Direito Lisboa 2012. Coimbra: Almedina, 2012. p. 97-113; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. A doutrina geral do crime. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2007. t. I, p. 33 e ss.; ZIPPELIUS, Reinhold.Teria Geral do Estado. Tradução de Karin Praefke-Aires Coutinho e coordenação de Gomes Canotilho. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 388 e ss.
[37] Cabe colacionar o que se entende por uma visão zetética do Direito Penal: “Zetética são, por exemplo, as investigações que tem como objeto o Direito no âmbito da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, da História, da Filosofia, da Ciência Política etc. […] Nessa perspectiva, o investigar preocupa-se em ampliar as dimensões do fenômeno, estudando-o em profundidade, sem limitar-se aos problemas relativos à decisão dos conflitos sociais, políticos, econômicos. Ou seja, pode encaminhar sua investigação para os fatores reais do poder que regem uma comunidade, para as bases econômicas e sua repercussão na vida sociopolítica, para um levantamento dos valores que informam a ordem constitucional, para uma crítica ideológica” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 44).
[38] Nesse sentido: “A educação jurídica manteve-se, pois, lamentavelmente, num pensamento estritamente dogmático, engessado pelo reducionismo lógico-formalista que delineou o desenvolvimento do paradigma positivista no Brasil. Se no constitucionalismo são reconhecidas bases jusnaturalistas para se ter uma ideia do que é justiça, não há mais como a Educação Jurídica se valer da dogmática e do positivismo-normativista como paradigma epistemológico. Não há mais o educador do Direito desvendar os ‘mistérios da lei’ mediante operações de análise e síntese, de dedução e induções, mediante as quais se lograria uma ‘clara’ interpretação das regras legais integrantes do Direito Positivo. Este não pode ser reconhecido como o único método possível para o estudo da ciência jurídica”. (HERRERA, Luiz Henrique Martim. Raízes da educação jurídica do Brasil: formação de uma cultura jurídica dogmática e a construção do saber jurídico no constitucionalismo contemporâneo. Porto Alegre: Safe, 2015. p. 157).
[39] Para não se perder a oportunidade, tendo em vista que as expressões normas, regras e princípios foram utilizadas durante todo este estudo, impende deixar sedimentado o que por elas se entende. Partindo-se da ideia (teoria dos princípios) de Robert Alexy de que as normas jurídicas, como gênero, podem ser subdivididas em regras e princípios (como espécies), não apenas levando-se em consideração, como critério de diferenciação, a questão da gradação entre elas, mas, sobretudo, o aspecto qualitativo, pode-se asseverar que estes últimos (os princípios), assumem papel de acentuado relevo no cenário jurídico, notadamente após a segunda grande Guerra Mundial (in ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90 e ss.). Diferentemente, para Ronald Dworkin: “a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. (…) São dois conjuntos de padrões que apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, distinguindo-se quanto à natureza da orientação que oferecem. (…) As regras são aplicáveis à maneira do ‘tudo-ou-nada’, ou seja, diante de determinado fato, sendo a regra válida, a resposta por ela fornecida deve ser aceita; em não sendo válida, ou não sendo aplicável, em nada contribui para a decisão. Os princípios contêm conteúdo com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39 e ss.).
[40] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal: fundamentos político-criminais. Lisboa: Manuel Monteiro Guedes Valente, 2017. p. 72.