ENVIRONMENTAL LEGISLATIVE COMPETENCE IN BRAZIL WITH REFLECTIONS ON BASIC SANITATION

ENVIRONMENTAL LEGISLATIVE COMPETENCE IN BRAZIL WITH REFLECTIONS ON BASIC SANITATION

DOI: 10.19135/revista.consinter.00009.02

Fernando Massardo[1] – https://orcid.org/0000-0002-8074-6421

Josiane Becker[2] – https://orcid.org/0000-0002-6873-062X

Andrei de Oliveira Rech[3] – https://orcid.org/0000-0003-2487-2850

Resumo: A Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu que os serviços de saneamento básico são de competência municipal, contudo, fixou a atribuição comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para promover programas visando a melhoria das condições de saneamento básico no território nacional. A realidade demonstra que, apesar da Constituição conceder aos municípios a responsabilidade pela prestação dos serviços, são as companhias estaduais que operam a maioria dos sistemas de água e esgoto no País, bem como, que a União é o principal agente financiador do setor. A Constituição fixou a competência comum também para legislar sobre meio ambiente. Este quadro implica na necessária distribuição de atribuições e competências legislativas e administrativas entre os entes federados nas áreas interdependentes de saneamento básico e proteção ambiental. Este artigo pretende identificar as consequências da competência legislativa ambiental comum que atinge o saneamento básico no Brasil.

Palavras-chave: Saneamento básico. Atribuições dos entes federados. Fiscalização ambiental. Competências.

Abstract: The 1988 Brazilian Constitution established that the basic sanitation services are municipal competence, however, it established the common attribution of the Union, the States, the Federal District and the Municipalities to promote programs aimed to improving the conditions of basic sanitation in Brazilian territory. The reality is that although the Constitution grants municipalities the responsibility for providing services, the state companies operate most of water and sewage systems, as well as, that Union is the main sectorial financing agent. The Constitution also established common competence to legislate about environment. This framework implies the necessary distribution of legislative and administrative powers and responsibilities among federated entities in the interdependent areas of basic sanitation and environmental protection. This article intends to identify the consequences of the common environmental legislative competence that reaches basic sanitation in Brazil.

Keywords: Basic sanitation. Federated Units attributions. Environmental control. Competence.

INTRODUÇÃO

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana impõe a oferta de condições mínimas de vida aos brasileiros e estrangeiros residentes no País. Contudo, o atendimento das moradias com os serviços públicos de saneamento básico prestados com qualidade, regularidade, segurança e universalidade, aliados à cortesia e modicidade de tarifas, ligado ao conceito de “mínimo existencial”, ainda não foi integralmente atingido no Brasil.

A definição de atribuições, competências e responsabilidades administrativas demanda do Poder Público a edição de complexo conjunto de leis, normas e regulamentos que nem sempre exprimem com clareza as obrigações de cada ente da Federação.

No Capítulo VI, dedicado ao meio ambiente, a Constituição destacou que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado pelo legislador como essencial à sadia qualidade de vida, conforme redação do art. 225, que também impôs ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Este preceito constitucional foi reverenciado na legislação ordinária, com destaque para o Estatuto da Cidade, Lei de Crimes Ambientais e Lei do Saneamento Básico.

A questão da ausência de clareza na definição de competências dos entes federados é interpretada por Cavalcanti (2009, p. 258-277) como sendo “motivo para omissões e intromissões, além de discussões entre os entes federativos, retardando a eficácia desta autonomia”.

Diferentemente de outros países nos quais o saneamento básico é tratado pela legislação ambiental como atividade despoluidora, o Brasil optou por classificar os serviços como atividade potencialmente poluidora, para cujo exercício é necessária a obtenção de licenças ambientais a exemplo de qualquer outro empreendimento que gera resíduos. Esta condição gerou a edição de arcabouço normativo legal e infralegal por meio do qual o Poder Público fiscaliza a atividade com ferramentas de comando e controle que são editadas pelos três entes federados, gerando muitas vezes sobreposições e conflito de normas.

Por meio da metodologia de pesquisa teórico-bibliográfica, documental, analítica, descritiva e crítica, pretende-se neste estudo informar a origem jurídica do atual sistema legislativo sobre o qual se assenta o regime de distribuição de competência legislativa ambiental que reflete nas atividades de saneamento básico, apontando entraves e oportunidade de evolução normativa.

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA AMBIENTAL COM REFLEXOS NO SANEAMENTO BÁSICO

A competência comum para legislar sobre saneamento básico somente poderá ser exercida pelos Estados caso não exista norma federal a regular o tema. De outro lado, os Estados possuem a atribuição para legislar sobre saneamento básico desde que o objeto tenha relação direta com a proteção ao meio ambiente, cuja competência legislativa é definida pela Constituição Federal como sendo comum a todos os entes federados. Diante desta circunstância, a competência legislativa ambiental pode ser utilizada para regulamentar os serviços de saneamento básico.

No dizer de Silva (2013, p. 101), competência: “é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções”.

A distribuição de competência entre os entes integrantes da Federação é tratada pela Constituição da República em duas vertentes: (i) competência legislativa, que é a capacidade de editar leis que irão regular a prestação dos serviços, que pode ser privativa (art. 22), concorrente (art. 24) ou suplementar (art. 22, § 2º e 30, II); e (ii) competência executiva, que é a prestação material dos serviços, podendo ser privativa (art. 21) ou comum (art. 23).

Coelho (1992) indicou que no Direito Constitucional a competência concorrente é a “faculdade atribuída por lei, para realizar uma ação comum”. Diverge da competência comum, que é a “faculdade que a lei concede a um ou vários funcionários, juiz ou tribunal, para apreciar e julgar certos pleitos ou questões”. O seguinte excerto elucidativo merece ser transcrito: “Tanto a comum quanto a concorrente tratam de ações conjuntas, mas a primeira ocorre na atividade propriamente administrativa do Estado e na judicante, e a segunda se dá em relação à atividade legiferante, ou normativa no mais amplo sentido”.

Machado (1996) informou que a proteção ao meio ambiente está prevista na Constituição como sendo de competência comum dos três entes federados. Porém, a atividade normativa concorrente possui limites temporal e qualitativo. O exercício da atividade legislativa plena pelos Estados em matéria ambiental somente irá ocorrer quando não houver lei federal que estabeleça normas gerais. Nas palavras do autor: “a norma estadual não pode exorbitar da peculiaridade ou do interesse próprio do Estado e terá de se ajustar ao disposto em norma federal ambiental superveniente”.

O autor ponderou que a Constituição não define norma geral, sendo que o conceito doutrinário indica que esta estabelece a mesma regra em um determinado espaço territorial, que pode ser o País como um todo, determinada região, bioma, ecossistema, bacia hidrográfica, ou ainda, somente uma espécie animal ou vegetal.

Esclareceu Machado (1996) que na Alemanha a União somente poderá editar normas de cunho ambiental diante da necessidade de atuação federal, caso ocorra alguma das seguintes situações:

1. porque uma questão não pode ser regulamentada eficazmente pela legislação nos diferentes Estados (Länder);

2. porque a regulamentação de uma questão por uma lei de um Estado (Land) poderia afetar os interesses de outros Estados (Länder) ou da coletividade;

3. porque a proteção da unidade jurídica ou econômica e especialmente a manutenção da homogeneidade das condições de vida além das fronteiras de um Estado (Land) exige tal medida.

O autor prosseguiu esclarecendo que a competência suplementar dos Estados e Municípios somente poderá ser exercida diante da existência de norma federal, eis que “não se suplementa uma regra jurídica simplesmente pela vontade de os Estados inovarem diante da legislação federal”. Concluiu assim que a atividade legislativa suplementar está condicionada “à necessidade de aperfeiçoar a legislação federal”, reportando ao conteúdo do art. 5º, § 3º da Constituição de 1934 que fazia referência à possibilidade dos Estados editarem leis para suprir lacunas e deficiências da legislação federal, sem dispensar a exigência desta.

Antunes (2014, p. 1151 e p. 99) defendeu que apesar do inc. IV do art. 22 da Constituição estabelecer a competência legislativa privativa da União para legislar sobre águas, o inc. VI do art. 23 determinou a competência comum dos três entes da Federação na proteção do meio ambiente e combate à poluição como competência administrativa. Entendeu ser evidente que para cumprir tal função cabe aos Estados, Municípios e Distrito Federal a competência legislativa “desde que voltada para o combate à poluição e para a proteção do meio ambiente”.

O doutrinador criticou a amplitude das competências privativas da União entabuladas no art. 22 da Constituição. Em suas palavras, “tal quantidade de competências privativas, quando mesclada com as concorrentes, gera uma teia que muito pouco, ou quase nada, resta para os demais entes federativos”.

O autor prosseguiu referindo que a competência material comum é uma verdadeira “armadilha”, eis que o legislador não indicou a origem dos recursos necessários para sua implementação, trazendo como consequência a dependência de Estados e Municípios junto à União. Concluiu a crítica face o desprezo constitucional ao princípio da subsidiariedade, referindo que o critério atual não é claro ou minimamente compreensível, que deveria fundamentar a prestação do serviço público da maneira mais adequada ou com maior proteção ambiental.

O constitucionalista Canotilho (2003, p. 546), baseado na classificação tradicional da tripartição de poderes, indicou que as competências do poder político são reveladas pelos vieses legislativo, executivo e judicial. Informou que as competências podem ter como origem a constituição, a lei ou os atos administrativos.

Interessa para o presente estudo a separação de competências legislativa e executiva (ou administrativa) entre os entes da Federação referidas por Canotilho (2003, p. 546), de forma que serão aqui consideradas as competências fixadas na constituição e contempladas na Lei 11.445/2007.

Meirelles (2012, p. 386-388) tratou a divisão de competência material de forma não conclusiva, justificando na ausência de critério técnico e na constante alteração dos serviços que são considerados públicos, bem como, em função do prestador, que ora está a cargo dos Estados e ora dos Municípios. Buscou fixar como parâmetro para a repartição de competência material com base na premissa de que os serviços da União e dos Municípios são enumerados, sendo os remanescentes de atribuição dos Estados.

Contudo, prosseguiu o autor ressaltando que a categorização igualmente padece de objetividade absoluta eis que são atribuídos aos Municípios os serviços de interesse local, que é conceito relativo na medida em que o interesse local sempre guarda reflexo no interesse regional e nacional, bem como, o de interesse regional ou nacional refletem localmente, podendo restar dúvidas acerca do titular, mormente no caso do saneamento que possui viés ambiental e de saúde pública, cuja atribuição é dos três entes da federação.

Entretanto, o autor concluiu que prevalece o conceito fundado na “preponderância” do interesse local sobre os demais interesses para que a Constituição tenha fixado a competência municipal, afastando a estadual ou federal.

A doutrina de Moraes (2007, p. 284) indica que a repartição de competência entre as entidades que compõe o Estado Federal no Brasil é a predominância do interesse, destacando que este princípio define que à União cabe tratar das matérias com predominância do interesse geral; aos Estados competem as matérias de interesse regional predominantemente; e aos Municípios são destinados os assuntos com predominância do interesse local. A seu turno, cabem ao Distrito Federal as competências estaduais e municipais.

A teoria da prevalência do interesse tende a levar à conclusão de que o saneamento básico poderia apresentar característica de interesse imediato dos Estados, dado o caráter ambiental, que engloba a proteção de mananciais e proteção dos corpos receptores do esgoto, e de saúde pública. Galvão Junior (2009, p. 548) destacou os impactos importantes dos serviços de água e esgoto sobre a saúde, o ambiente e a cidadania. Entretanto, não é esta a interpretação dominante, que tem caracterizado a atividade como item da infraestrutura urbana para considera-lo como sendo de interesse local e ao mesmo tempo motivar a legislação que trata os serviços como atividade potencialmente poluidora.

Beltrão (2003) criticou a aplicabilidade prática do preceito constitucional que concedeu atribuição legislativa aos Estados em matéria ambiental. Sob sua ótica, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, na condição de integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA com funções consultiva e deliberativa, se mantém atuando como o principal editor de normas ambientais, o que acaba por anular a atuação dos seus congêneres estaduais. Ressaltou que os órgãos estaduais vêm exercendo no SISNAMA apenas funções de seccionais responsáveis pela execução de programas e projetos, bem como de controle da fiscalização.

Ao tratar da competência concorrente entre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, Moraes (2007, p. 295) ensinou que a doutrina tradicionalmente classifica-a em (i) cumulativa ou horizontal, quando não há limites prévios para seu exercício por parte de um ente e (ii) não cumulativa, também chamada de repartição vertical, onde se reserva a cada ente parcela definida de competência legislativa para tratar da matéria.

O autor esclareceu que a Constituição brasileira foi formatada com base no sistema da distribuição de competência concorrente não cumulativa, conforme regra do art. 24 e seus parágrafos, cabendo à União o estabelecimento de normas gerais e aos Estados e ao Distrito Federal sua complementação e especificação mediante leis próprias.

Textualmente os parágrafos do art. 24 da Constituição estabelecem que no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a fixar normas gerais; a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades; e por fim, a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Moraes (2007, p. 295) ressaltou que esta forma vertical de dividir a competência legislativa entre a União e os Estados é derivada da Constituição de Weimar, que permite ao governo federal fixar normas gerais sem regular detalhes ou peculiaridades regionais, as quais devem ser tratadas por cada Estado-membro mediante adequação da legislação ao local de sua aplicação.

Mohn (2010, p. 218) indicou que as Constituições de Weimar (1919) e da Áustria (1920) relacionavam as competências legislativas exclusivas da União (Reich), podendo ainda editar normas gerais sobre determinadas matérias, delegando aos Estados o detalhamento. Neste momento foi estabelecido que a lei federal se sobrepunha às leis estaduais, desde que a matéria fosse de competência da União. Entretanto, foi a Constituição Austríaca de 1920 que trouxe a conformação atualmente também adotada pela Alemanha, na qual compete à União desempenhar a produção legislativa, inclusive sobre princípios, ficando com os Estados (Länder) a execução, cabendo a estes também a competência legislativa remanescente. Tal metodologia inaugurou o sistema de comunicação entre a legislação federal e execução estadual.

Horbach (2012) ensinou que a Reforma Federativa havida na Alemanha em 2006 introduziu o conceito de “direito de divergência” no texto constitucional. A competência legislativa de divergência concede maior autonomia aos Estados, que poderão efetivar de forma mais efetiva as peculiaridades regionais, eis que a lei estadual divergente passará a ter prioridade na aplicação face à lei federal, permitindo a concretização do princípio da subsidiariedade. No mesmo sentido foi fortalecido o princípio da fidelidade federal, por meio do qual os Estados devem guiar suas escolhas legislativas de modo a privilegiar a integração nacional com base no preceito de que para um estado federal ter êxito todas as esferas devem colaborar para a unidade da federação.

A atual Constituição Alemã definiu os limites da distribuição de competência legislativa concorrente ou vertical no art. 70, com o seguinte teor:

Divisão de competências entre a Federação e os Estados (1) Aos Estados cabe o direito da legislação, desde que esta Lei Fundamental não atribua à Federação a competência da legislação. (2) A delimitação de competência entre a Federação e os Estados rege-se pelas disposições da presente Lei Fundamental sobre a legislação exclusiva e a legislação concorrente.

O art. 71 estabeleceu os parâmetros da competência legislativa exclusiva e o item 1 do art. 72 faz o mesmo com relação à legislação concorrente, com o seguinte texto: “No domínio da legislação concorrente, cabe aos Estados a faculdade de legislar, enquanto e na medida em que a Federação não faça uso, através de lei, da sua competência legislativa”. O item 3 do art. 72 indicou o rol de matérias que os Estados alemães podem editar “regulamentos distintos”, após fixadas as normas gerais pela Federação. Na sequência, o art. 73 estabeleceu as matérias de legislação exclusiva da Federação e o art. 74 elencou as matérias de legislação concorrente.

O item 3 do art. 72, que trata da legislação concorrente, indicou que os Estados podem adotar, por lei, regulamentos distintos sobre o regime hidráulico, sem regulamentos referentes a substâncias ou instalações, entre outras matérias descritas em seus incisos. No mesmo sentido, o art. 74 relacionou as matérias sujeitas à legislação concorrente, referindo no item 32 o “regime hidráulico”, que engloba os serviços de água, esgoto e drenagem urbana.

No Brasil, no âmbito da legislação infraconstitucional, o art. 3º da Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, em consonância com a Constituição, indicou no art. 3º que compete à União legislar acerca da política urbana e atribuições dos entes federados. Nos itens III e IV estabeleceu que tal competência deve ser exercida por iniciativa própria da União e em conjunto com Estados, Municípios e Distrito Federal, bem como, instituir diretrizes para o saneamento básico, entre outros itens de infraestrutura urbana.

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM SANEAMENTO BÁSICO

A distribuição de competência legislativa em matéria de saneamento básico se encontra fixada na Constituição da República de 1988, em cujo art. 21, XX estabelece que compete à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”.

A questão é fundamental, eis que, conforme lecionou Antunes (2014, p. 97), a atual distribuição constitucional de competências gera insegurança jurídica com consequente fragilização ambiental. Considera que “a definição das competências é importante para saber quais são as entidades responsáveis pela fiscalização da atividade”, eis que:

o poder de polícia sobre determinada atividade integra as atribuições da pessoa de direito público interno dotada de competência legislativa no assunto, visto que o poder de polícia é uma decorrência da competência. O sistema federativo adotado por nosso País, contudo, cria situações que não são juridicamente claras. Aliás, esse é um tema recorrente em todos os países que adotam o chamado modelo do federalismo cooperativo.

Além da crítica tecida contra a aparente falta de clareza da Constituição, o autor igualmente critica a postura do STF, que vem decidindo que as “competências privativas se sobrepõe às competências concorrentes, o que significa na prática um regime muito centralizado e centralizador”.

O autor prossegue ponderando que o regime de repartição de competências legislativas da Constituição Brasileira, embora aparentemente descentralizador, acaba por se revelar “um sistema complexo e que, nem sempre, funciona de modo integrado, como seria de se esperar e que tende a operar como uma força centrípeta”. Revela que tais dificuldades possuem como possíveis causas os conflitos entre interesses locais, interburocráticos e dificuldades inerentes ao regime federativo tripartite. Concluiu o raciocínio alertando para o resultado prejudicial da referida indefinição, tanto para o meio ambiente quanto para a atividade produtiva.

A preocupação do citado autor é acompanhada por Freitas e Freitas (2014, p. 65) com relação às águas subterrâneas, que conforme estabelecido pela Constituição no art. 26, I, pertencem aos Estados, contudo, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente interpreta que são de domínio federal quando vierem a ultrapassar os limites de um Estado, com desrespeito frontal ao texto constitucional.

Moraes (2007, p. 285) esquematizou a distribuição constitucional de competência legislativa e administrativa em função da reserva de campos específicos, com o seguinte resultado: (i) União: poderes enumerados pelos arts. 21 e 22; (ii) Estados: poderes remanescentes conforme art. 25, § 1º; e (iii) Municípios: poderes enumerados no art. 30. Ao Distrito Federal o § 1º do art. 32 destinou os poderes conferidos aos Estados e Municípios.

O autor ressaltou que o inc. II do art. 30 concedeu aos Municípios a atribuição de suplementar a legislação federal ou estadual para o fim de suprir omissões e lacunas, sendo vedada a contradição à legislação dos citados entes. A chamada competência suplementar com base neste dispositivo constitucional apenas pode ser exercida pelos Municípios para ajustar a execução de leis estaduais ou federais às peculiaridades locais e desde que presente o requisito do interesse local.

A distribuição de competência legislativa traz consequências à fiscalização e ao licenciamento. Antunes (2014, p. 97) destacou que as duas maiores dificuldades para as atividades econômicas (incluindo-se as quatro atividades integrantes do saneamento básico conforme a Lei 11.445/2007) são a definição do órgão responsável pelo licenciamento e pela fiscalização. Referiu o autor que tais dificuldades são verificadas tanto em conflitos havidos entre esferas administrativas diversas como também entre órgãos e institutos integrantes de uma mesma unidade da Federação.

As áreas comuns de atuação administrativa paralela foram enumeradas no art. 23 da Constituição, bem como, as áreas de atuação legislativa concorrente se encontram definidas no art. 24.

O parágrafo único do art. 22 estabeleceu que lei complementar federal poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias de competência privativa da União.

De acordo com o entendimento de Granziera (2006, p. 674) é da União a competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo o saneamento básico, conforme leitura do art. 21, XX da Constituição. Contudo, a autora aponta que o art. 24 estabelece competência comum aos três entes federados para legislar sobre “temas correlatos ao saneamento, como a proteção da saúde e do meio ambiente”.

Barroso (2014, p. 7) sintetizou ressaltando que em matéria legislativa a Constituição de 1988 concentrou na União a maioria absoluta das competências para regular as águas e o saneamento, com previsões nos arts. 22, IV, 21, XIX (gerenciamento de recursos hídricos e outorga de uso da água), 24, I (proteção ambiental e controle da poluição), e por fim, o art. 21, XX com atribuições específicas acerca da fixação das diretrizes para o saneamento básico.

Este autor prosseguiu reconhecendo que aos Estados a Constituição, no art. 24, concedeu competência concorrente para legislar sobre saneamento quando relacionado ao controle da poluição. Considerou o autor que apesar de não haver previsão expressa acerca da competência legislativa dos Municípios para legislar sobre saneamento básico, permanece a competência geral prevista no inc. II do art. 30 para suplementar a legislação federal e estadual, eis que afeta ao conceito de interesse local.

Contudo, ao refletir acerca da hierarquia das normas emitidas pelos entes federados em matéria ambiental, Coelho (1992, p. 72) concluiu que a atividade legiferante derivada da competência comum é relativa, pois, a menos que venha a ser editada lei stricto sensu distribuindo competência aos demais entes, a norma federal sempre irá prevalecer sobre a estadual e municipal. Entendeu o autor que “somente a lei ordinária pode definir o que seja interesse local ou regional”. O autor leciona que:

Primeiramente, em caso da ocorrência de leis federal e estadual disciplinando a mesma matéria, o diploma legal a ser aplicado será o federal, a menos que se refira a mateira inequivocamente definida na Constituição ou na lei ordinária federal como pertencente à alçada estadual. (…) somente a lei ordinária federal poderá dispor sobre o que seja matéria específica, ou de interesse local, regional ou estadual; na ausência dessa legislação, as normas federais deverão prevalecer, sejam elas de natureza ordinária ou regulamentar;

A competência legislativa dos Estados em saneamento básico foi objeto Ação Direta de Inconstitucionalidade 2340/SC interposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina contra ato da Assembleia Legislativa, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual 11.560/2000, que estabelecia que o Poder Executivo Estadual, por intermédio da sociedade de economia mista, a “obrigatoriedade de suprir a falta de fornecimento normal de água mediante caminhões-pipa, sob pena de cancelamento automático da conta do mês em que ocorrida a interrupção”.

Por meio de acórdão publicado em 09.05.2013 o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no seguinte sentido:

Os Estados-membros não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente local e a empresa concessionária, ainda que esta esteja sob o controle acionário daquele. II – Impossibilidade de alteração, por lei estadual, das condições que se acham formalmente estipuladas em contrato de concessão de distribuição de água. III – Ofensa aos arts. 30, I, e 175, parágrafo único, da Constituição Federal. IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Assim, a conclusão é no sentido de que todos os entes da federação possuem competência para legislar sobre saneamento básico, entretanto, a competência da União se restringe a fixar normas gerais, aos Estados cabe igualmente estabelecer normas gerais no que não for conflitante com a legislação federal e legislar sobre controle da poluição, podendo, por esta via, tratar de saneamento, e aos Municípios cabe legislar sobre a prestação dos serviços em si, além da competência comum em matéria ambiental.

No que tange às competências da União, cabe ressaltar que a teoria do federalismo informa que o núcleo do conceito de Estado Federal está na repartição de poderes autônomos, conforme ensinamento de Silva (2013, p. 498). O autor destacou que a Constituição dotou a União com parcela significativa de poderes, logicamente em detrimento dos Estados, eis que os Municípios sequer eram entes federados no ordenamento constitucional anterior.

COMPETÊNCIA MATERIAL OU ADMINISTRATIVA

Um Estado Federal somente pode existir a partir da delimitação e distribuição de competências federativas. No ensinamento de Silva (2013, p. 481), a distribuição de competências federativas depende do movimento histórico que levou à criação da federação. Nos Estados Unidos a descentralização é maior e, portanto, os Estados possuem maior autonomia. Já no Brasil a autonomia dos Estados é historicamente menor em razão da centralização mais acentuada. Além disso, a previsão constitucional de competência exclusiva dos Municípios torna ainda menor o remanescente de competências dos Estados.

Conforme já tratado, bem como com base no ensinamento de Silva (2013, p. 479), a Constituição adotou como princípio geral a repartição de competências com base na predominância do interesse. Assim, fixou competências para a União, quando há predominante interesse geral, nacional; competências para os Estados, quando se tratar de predominante interesse regional; e competências dos Municípios, no caso de assuntos de interesse local.

A crítica formulada por Silva (2013, p. 491) reside na dificuldade cada vez maior de se definir e por consequência distinguir onde há interesse geral, nacional, local e regional. Claramente o tema atinente ao saneamento básico enfrenta o referido problema na medida em que o art. 30, V da Constituição atribui sua prestação aos Municípios, mas no art. 23, IX trata como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A regra adotada pela Constituição de 1988 para fixar a separação de competências inclui a enumeração dos poderes da União nos arts. 21 e 22, o estabelecimento da competência remanescente dos Estados no § 1º do art. 25 e define os poderes que competem aos Municípios no art. 30.

Contudo, Silva (2013, p. 491) ressalta que esta repartição clássica de poderes não é absoluta, pois nem sempre os poderes de tais artigos são exclusivos, mas algumas vezes apenas privativos. Ademais, a repartição é combinada com a possibilidade de delegação de poderes prevista no parágrafo único do art. 22, definindo inclusive atuações paralelas de todos os entes da administração, conforme estabeleceu o art. 23, onde compete à União a atribuição de definir políticas, diretrizes e normas gerais, cabendo aos Estados e Municípios a competência suplementar.

Cabe neste tópico apontamento relativo às funções de licenciamento e fiscalização já que a atividade é considerada como potencialmente poluidora pelo nosso ordenamento. Conforme definido no caput do art. 17 da Lei Complementar 140/2011, compete ao licenciador promover a fiscalização da atividade potencialmente poluidora. Esta fiscalização derivada do poder de polícia deverá ser promovida pelo órgão licenciador, porém, o § 3º do mesmo artigo não veda a fiscalização desempenhada pelos demais órgãos ambientais, contudo, ressalta que no caso de duplicidade de intervenções fiscalizatórias do poder de polícia, prevalecerá aquela exercida pelo órgão licenciador.

Em que pese o autor do presente trabalho entender que, por questões jurídicas e técnicas, o art. 17 da Lei Complementar 140/2011 tenha limitado a atuação fiscalizatória dos órgãos ambientais aos empreendimentos de suas respectivas competências para licenciamento, não é esse o entendimento majoritário na jurisprudência atual, que mantém a interpretação de que todos os órgãos ambientais podem fiscalizar e autuar todos os empreendimentos, independentemente da capacidade técnica de suas equipes.

Entretanto, a fiscalização ambiental do saneamento básico é por demais extensa, complexa, polêmica e extrapola os limites de investigação do presente texto, merecendo estudo aprofundado tanto para legislar quanto para exercer o poder de polícia fiscalizatória.

REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Ao desenvolver sua atividade típica o Poder Público presta diversos serviços e utilidades públicas aos cidadãos. Silva (2013, p. 484) identificou três sistemas de execução dos serviços públicos, que são: (a) sistema imediato, com funcionalismo próprio de cada ente da federação; (b) sistema mediato, no qual os funcionários são precipuamente dos Estados, mantendo a União um corpo reduzido de servidores com atribuições de vigilância e fiscalização; e (c) sistema misto, onde parte dos serviços é executada por servidores federais e parte por servidores estaduais. No Brasil vige o sistema de execução imediata, sendo que cada ente da Federação possui e mantém quadro próprio de servidores.

Meirelles (2012, p. 141) indicou que o poder de polícia administrativa possui limites na Constituição da República. Asseverou que os princípios da liberdade e solidariedade humanas são as fontes ideológicas dos Estados Democráticos, do que decorre o que chamou de “relativismo social”, implicando na constante busca pelo equilíbrio entre os direitos de cada indivíduo e os interesses da coletividade, visando o bem comum. Concluiu que desta conjuntura advém a ideia dominante da relatividade dos direitos, pois, caso os direitos individuais fossem absolutos estar-se-ia diante de uma hipotética soberania do indivíduo.

Assim, os interesses individuais são subsumidos aos interesses coletivos quando a Lei prevê que o bem-estar social constitui premissa para a organização da sociedade brasileira.

Tal premissa foi adotada no Brasil pela Constituição de 1946, que no art. 147 estabeleceu que “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”, e possui destaque na Constituição de 1988, com presença no preâmbulo. Também fundamentou os conceitos contidos no parágrafo único do art. 23, cujo inc. IX trata do tema relativo ao saneamento básico, no art. 186, que estabeleceu da função social da propriedade, art. 219 que tratou da ciência e tecnologia, no art. 230 que trata da família, no art. 231, que trata dos índios e, principalmente, no art. 193, que sozinho constitui o Capítulo I do Título VIII que trata da ordem social com a seguinte redação: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

À guisa de exemplo acerca da inviabilidade técnica de se reconhecer a titularidade apenas aos Municípios em regiões metropolitanas, conurbações e microrregiões, pode-se utilizar a Região Metropolitana de Curitiba, que conta com sistema integrado de abastecimento de água e coleta de esgoto, por meio do qual 12 municípios são abastecidos por cinco grandes estações de tratamento de água, cuja água bruta provém de quatro grandes reservatórios artificiais situados em parte destes municípios. Com relação ao esgoto a situação não difere da água. A quase totalidade do esgoto gerado em tais municípios é transportado para Curitiba, onde é tratado em quatro grandes estações, sendo o efluente lançado na bacia do Rio Iguaçu, ocasionando inclusive transposição de microbacias neste processo.

Canotilho (2003, p. 548) apresentou três distinções acerca do modo pelo qual a competência administrativa é distribuída entre os órgãos do Poder Público: (i) competências constitucionais escritas expressas; (ii) competências constitucionais escritas implícitas; e (iii) competências não escritas.

Diante desta classificação tem-se que a titularidade dos serviços de saneamento básico constitui forma de competência constitucional escrita implícita, eis que a Constituição não definiu expressamente que o Município seria o detentor de tal atribuição, porém, a conclusão acerca da titularidade está baseada nos dispositivos constitucionais aqui referidos, notadamente o art. 30, V.

O mesmo raciocínio cabe para classificar o saneamento básico como “serviço público”. Não há texto constitucional que descreva objetivamente que se trata de serviço público, porém, tal conclusão pode ser obtida por meio da análise do comando contido no inc. IX do art. 23 e do inc. IV do art. 200, que tratam da competência dos entes federados na formulação de políticas públicas, com menção ao saneamento básico como atividade de interesse imediato do Poder Público nas três esferas administrativas.

O constitucionalista Barroso (2014, p. 3) classificou as competências materiais em político-administrativas, legislativas e tributárias, que podem ser exercidas de forma exclusiva ou em comum entre os três entes federados. Referido autor esposou entendimento de que as competências tributárias (em regra exclusivas) não são relevantes para a questão do saneamento básico. Porém, não há competência exclusiva em matéria de saneamento básico, sendo tal atribuição de caráter comum (art. 23 da Constituição) ou de caráter concorrente (art. 24 da Constituição).

Segundo o autor o comando contido no inc. IX do art. 23 da Constituição trouxe a competência comum dos entes da federação para a promoção da melhoria das condições de saneamento básico. Ponderou que a norma não estabelece a titularidade do serviço, mas franqueia a possibilidade de qualquer dos entes federados agir visando o melhor resultado na prestação dos serviços, sendo esta a finalidade constitucional da cooperação produtiva.

Todavia, o parágrafo único do art. 23, em redação dada pela Emenda Constitucional 53, de 2006, informou que “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

Por sua vez, a titularidade estatal da prestação do serviço público está descrita expressamente no art. 175, que estabeleceu: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”, servindo como exemplo de competência constitucional expressa.

Granziera (2006, p. 674), com fundamento do art. 23, IX da Constituição, defendeu que a competência administrativa para a promoção de programas de saneamento é comum aos três entes federados. Tal posição estaria reforçada pelo inc. IV do art. 200 que estabeleceu a participação do Sistema Único de Saúde – SUS na formulação e execução das ações de saneamento básico. Porém, a autora não mencionou a questão da titularidade, que, conforme acima referido, pertence ao poder público local, devendo ser compartilhada no caso de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.

O “INTERESSE LOCAL”

Durante seminário a respeito do tema “Federalismo e o fortalecimento do Poder Local”, o político André Franco Montoro proferiu definição acerca do chamado princípio da subsidiariedade, que orienta a noção de federalismo participativo. Referido pronunciamento foi transcrito por Cavalcanti (2009, p. 258-277) nos seguintes termos:

é um princípio de bom senso, tudo o que puder ser feito no Município deve ser feito por ele, o que ele não puder, o Estado vem em auxílio, o que o Estado não puder a União subsidia. Parto do princípio de que, tudo o que puder ser feito por uma entidade menor, não deve ser feito por um organismo maior, é o Governo mais próximo da população, e eu menciono alguns princípios: primeiro, tudo aquilo que puder ser feito pela própria sociedade deve ser feito por ela, quando ela não puder fazer, o Estado interfere, mas não se trata de um Estado mínimo ou máximo, mas sim do Estado necessário. (…) A União deve ficar com os poderes que nem o Estado, nem o Município e nem a sociedade podem fazer de forma adequada ao interesse público. Diretrizes gerais, segurança pública, relações internacionais mas, principalmente, diretrizes. A execução, excepcionalmente, só quando ela realmente não puder ser realizada por instâncias menores. Esta é uma boa síntese do que se poderia chamar de princípio da subsidiariedade.

A autora informou que o princípio da subsidiariedade foi contemplado na formulação das bases da União Europeia, relatando que o Tratado de Maastricht, de 07.02.1992, indicou no art. 3b que a entidade superior (União Europeia) atuará de forma suplementar aos Estados soberanos. O artigo possui a seguinte redação: “A Comunidade intervirá segundo o princípio da subsidiariedade, somente e na medida em que os objetivos de ação previstos não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros”.

A autora prosseguiu informando que as Constituições da Itália e Portugal prestigiaram o mesmo conceito, o qual foi aperfeiçoado pela doutrina italiana em subsidiariedade vertical, quando trata das relações entre os entes federados (União, Estado, Região, cidades) e horizontal, dirigido às relações entre Poder Público, empresas, associações e pessoa.

A lógica do princípio da subsidiariedade na sua forma vertical foi seguida pela Constituição Brasileira de 1988, que no art. 30 estatuiu que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.

Extrapolando a matéria exclusivamente formal indicada no caput do art. 30, o inc. V do mesmo artigo estabeleceu que compete aos Municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

Conforme rapidamente discorrido acima, o conceito jurídico de interesse local é de difícil definição. Este é também o entendimento de Moraes (2007, p. 299) que refere o interesse local como sendo aquele que diz respeito “mais diretamente às necessidades imediatas do Município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)”, devendo as hipóteses ser analisadas caso a caso para se aferir a “predominância do interesse” destinada a verificar se se trata de competência do Município.

Barroso (2014, p. 10) defendeu que o denominado princípio da subsidiariedade impõe que os serviços de interesse tipicamente local, assim considerados aqueles que podem ser prestados adequadamente pelos Municípios e se relacionem especificamente com sua realidade, podendo ser enquadrados na regra do citado inc. V do art. 30. O autor ressaltou que a existência de três níveis de poder sobre o mesmo território naturalmente irá acarretar sobreposição de interesses locais, regionais e nacionais. Porém, este fato não afasta a possibilidade da aplicação do critério da predominância do interesse. Por se tratar o saneamento básico de serviço público de interesse local, sua prestação é atribuição dos Municípios, ressalvados os casos de compartilhamento.

Contudo, como atribuição material, a Constituição indicou no art. 23 como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Tal competência material também recebeu a atenção do legislador constituinte no capítulo que trata da saúde (Seção II do Capítulo II do Título VIII).

O inc. IV do art. 200 determinou que ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, a de participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico.

Tomando por base o parágrafo único do art. 23 da Emenda Constitucional 53/2006, Moraes (2007, p. 289) classificou os serviços públicos de saneamento básico como competência administrativa comum.

Barroso (2014, p. 20) propôs como sugestão para pacificar a questão que a União, utilizando sua competência legislativa para instituir diretrizes sobre saneamento básico (art. 21, XX), sobre águas (art. 22, IV) e a respeito da cooperação entre os entes da federação acerca do saneamento básico (art. 23, parágrafo único e art. 241), edite lei nacional fixando critérios técnicos destinados a identificar e distinguir o interesse comum do interesse local.

A proposição é justificada com argumentos pragmáticos, apresentando o que considera vantagens da segurança jurídica acerca do exercício da titularidade dos serviços de saneamento em conurbações: (i) grau de certeza jurídica, evitando flutuações doutrinárias; (ii) evitar disputas decorrentes das referidas interpretações; (iii) balizar a ação dos Estados na definição dos serviços de interesse comum; (iv) evitar situações teratológicas de estabelecimento de regiões metropolitanas sem corresponder com a situação real de conurbação; e (v) segurança jurídica para viabilizar investimentos no setor.

O autor ressaltou que a lógica constitucional para a distribuição de competências seguiu o preceito da eficiência na prestação do serviço, indicando a participação do Estado como indutor da cooperação federativa em aglomerações urbanas, o que traz como consequência, na opinião do autor, melhores condições para se obter a universalização, qualidade e modicidade das tarifas. No viés oposto, no caso de Municípios isolados, este teria melhores condições para decidir acerca da prestação dos serviços, não havendo necessidade ou utilidade na interferência do Estado.

Neste contexto, diante da competência constitucional legislativa da União para instituir diretrizes para o saneamento básico e da competência material para promover a melhoria das condições de saneamento básico, bem como da atribuição material de participar da formulação da política e da execução das ações do setor, foi editada pela União a Lei 11.445/2007, que estabeleceu as diretrizes nacionais e a política federal de saneamento básico.

Contudo, entendeu Barroso (2014, p. 20) que a União se privou da oportunidade de enfrentar a questão do interesse local, que poderia pacificar a divergência acerca da titularidade para legislar e prestar os serviços nas regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. A seu turno, o STF analisou a questão e fixou critério jurídico para determinar a competência comum em conurbações instituídas por meio de lei complementar estadual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O arcabouço normativo advindo da competência constitucional comum para legislar sobre proteção ambiental tem resultado em centralização da edição de leis e normas infralegais por parte da União, que frequentemente edita normas que extrapolam os limites teóricos que definem ser atribuição da União tratar das matérias com predominância do interesse geral; aos Estados matérias de interesse regional; e aos municípios os assuntos de interesse local.

Esta invasão de competência legislativa ambiental retira dos entes federados a iniciativa da produção legislativa regional e local, sendo a principal causa da sobreposição de normas ambientais que regulam a atividade de saneamento básico, como é o caso da Lei 11.445/2007 que além de princípios e regras gerais estabelece regras específicas de gestão e operação de sistemas que deveriam ser editadas pelos Estados e eventualmente municípios, com aparente afronta ao princípio republicano.

A existência de órgãos ambientais fiscalizadores nas três esferas administrativas (União, Estados e Municípios), cada qual com conjunto de normas distinto, específicos e por vezes conflitantes é responsável pelo clima de “terror institucional” junto aos operadores, que podem vir a seguir determinado conjunto de normas e desatender outro conjunto, estando sujeitos a sanções por parte de até três órgãos fiscalizadores na mesma base territorial.

A Lei Complementar 140/2011 foi editada para sanar a sobreposição de licenças ambientais mas o legislador deixou escapar a oportunidade de estabelecer critério objetivo para a fiscalização ambiental, que forneceria maior segurança jurídica ao setor. Referida lei prevê que o órgão licenciador é responsável pela fiscalização mas reconhece a competência fiscalizatória comum.

A principal falha hermenêutica da referida lei é a ausência de procedimento para evitar a multiplicidade de autuações por parte dos diversos órgãos ambientais. A lógica jurídica em todo o regime de fiscalização por comando e controle é a de que o órgão licenciador é o fiscalizador, entretanto, no caso de norma ambiental que atinge o saneamento básico tal premissa não foi adotada pelo legislador nacional que preferiu permitir que todos os órgãos ambientais fiscalizem a atividade, independentemente de qual foi o agente licenciador.

O princípio norteador de toda a atividade de saneamento básico é o da universalização do acesso, o qual deve ser conjugado com os princípios constitucionais da eficiência, segurança, proteção ambiental e modicidade de tarifa. Todos estes princípios devem ser implementados em ambiente regulado. As agências reguladoras podem ser municipais, estaduais ou federal, o que contribui para a insegurança do setor com a multiplicidade de órgãos reguladores, cada qual com conjunto distinto de normas, critérios e condições.

Conclui-se desta forma que, mantendo o regime de comando e controle, o atual sistema normativo pode avançar no sentido de estabelecer regras claras de licenciamento, fiscalização, controle e regulação de modo a fornecer segurança jurídica aos operadores, o que terá reflexos diretos e imediatos na alocação de recursos por parte dos atores sociais envolvidos no processo para, então, se atingir a sonhada universalização do acesso.

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Notas de Rodapé

[1] Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento na Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestre em Meio Ambiente Urbano e Industrial pela UFPR em parceria com a Stuttgart Universität e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Advogado.

[2] Doutora e Mestra em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professora, Advogada e Consultora.

[3] Especialista em Direito do Saneamento pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Especialista em Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Advogado.