INTEGRATION RIGHTS – DOMESTIC LAW: A TELEOLOGICAL / AXIOLOGICAL INTERPRETATION TOWARDS COMMUNITY LAW IN MERCOSUR
DOI: 10.19135/revista.consinter.0007.18
Ricardo Delgado Preti[1] – ORCCID: https://orcid.org/0000-0001-8724-3117
Resumo: O presente estudo tem como objetivo demonstrar os avanços do direito comunitário no Mercosul e apresentar um novo método de solução das antinomias do direito interno e internacional, baseado no diálogo de complementariedade entre as normas internas dos países membros do bloco regional Mercosul. Como parte de uma interpretação teleológica do direito, frente ao culturalismo jurídico e o novo fenômeno do internacionalismo que vivemos, buscamos também estudar como esta cooperação é possível. A dissertação do presente estudo está estruturada sobre uma hipótese normativa (numa visão do culturalismo jurídico), explicativa e interpretativa (teleológica e axiológica) dos tratados internacionais, com suporte nos ensinamentos dos doutrinadores Rodolfo Luis Vigo, Valerio Mazzuoli de Oliveira, Hildebrando Accioly, dentre outros, os quais defendem o status supraconstitucional dos tratados internacionais, especialmente os voltados para defesa da personalidade da pessoa, não sendo esta uma novidade no mundo da opinio doctorum, além da análise de casos julgados pela Corte Europeia e das Supremas Cortes dos países quem compõe o Mercosul. Destaca-se que a comunidade europeia é o bloco regional que teve melhor êxito neste aspecto de complementariedade entre normas internacionais com as normas internas. O Mercosul também passa a conviver com esta nova onda do direito, porém, pouco difundida ou estudada no mundo acadêmico. É necessário garantir o cumprimento dos tratados de integração frente ao dever de respeito ao princípio da boa-fé dos compromissos firmados no plano internacional, como exige a Convenção de Viena. O processo de cooperação da União Europeia deve-se, em larga medida, não só à existência do controle jurisdicional supranacional exercido pelo Tribunal de Justiça como também à compreensão dos tribunais internos à medida que passaram a compreender que as normas internas e internacionais devem dialogar. Ao final deste estudo, desmistificaremos que a integração necessariamente impõe uma reforma constitucional, quando a mutação constitucional já permite alcançá-lo, cabendo ao poder judiciário exercer valioso instrumento na construção do direito. Compreendemos, ainda, que as normas derivadas do Mercosul têm sua aplicabilidade, eficácia e plena vigência por aplicação teleológica das constituições de seus Estados-membros.
Palavras-chave: Mercosul; Direito comunitário; Normas internas e internacionais; Fontes jurídicas.
Abstract: This article demonstrates the advances of community law in Mercosur and presents a new method of solving the antinomies of domestic and international law, based on a dialogue of complementarity between the internal rules and regulations of the Member States of Mercosur. It also demystifies the fact that law integration necessarily imposes a constitutional reform, when the constitutional mutation already allows it to be achieved, and it is up to the judiciary to play an important role in the construction of law rights. The dissertation of the present study is structured on a normative hypothesis (in a view of legal culturalism), explanatory and interpretative (teleological and axiological) of international treaties, supported by the teachings of the doctrinators Rodolfo Luis Vigo, Valerio Mazzuoli de Oliveira, Hildebrando Accioly, among other authors, who defend the supra-constitutional status of international treaties, especially those aimed at defending the personality of the person, not being a novelty in the world of “opinio doctorum”. In addition to the analysis of cases judged by the European Court and the Supreme Courts of the countries that compose the Mercosul. This study will also demonstrate the possibilities of this cooperation between the Member States of Mercosur, as part of a teleological interpretation of law, considering the legal culturalism and the new phenomenon of internationalism that we currently face. The European Community is the regional bloc that has been most successful in this complementarity between international and internal rules and regulations. Mercosur also faces this new era of law integration, however, not widely disseminated or studied in the academic world. It is necessary to ensure compliance of the integration treaties with the obligation to respect the principle of good faith in the commitments signed on an international level, as required by the Vienna Convention. The EU’s cooperation process is largely based not only on the existence of supranational judicial control exercised by the Court of Justice, but also on the understanding of the domestic courts as they come to understand the importance of the integration of domestic and international rules. We also understand that the norms derived from Mercosur have their applicability, effectiveness and full validity by teleological application of the constitutions of their member states.
Keywords: Mercosul; Community law; Internal rules and regulations; Legal sources.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo analisar e propor uma solução concernente aos conflitos normativos existentes entre os países integrantes do MERCOSUL, através de uma leitura de suas cartas magnas. Para tanto, buscamos observar os avanços alcançados pela Comunidade Europeia, com vistas a almejar uma integração mais profunda no bloco sul-americano.
Para tanto, faz-se necessário responder as seguintes questionantes: é possível estabelecer uma ordem jurídica única que prevaleça sobre as normativas internas de cada País, ou seja, prevalecendo um ordenamento jurídico supranacional? Será possível, por meio de interpretação teleológica proveniente das supremas cortes dos Estados-membros, alcançar direcionamento mais profundo no bloco Mercosul?
Quanto à primeira indagação, resslatamos que na Europa ainda não se almejou tal desiderato. Neste ponto, salutar a lição propagada por Lupatelli & Martins (2004) ao asseverarem que “um dos maiores óbices para a efetivação do processo integracionista diz respeito à eliminação de diferenças legislativas”. Para o doutor Jorge Schijman (2006, p. 5):
En un mundo globalizado, el Mercosur camina por tiempos difíciles, inseguros, de escasa credibilidad, con Estados miembros con frágiles democracias, altos índices de corrupción, sumergidos en propuestas inciertas, y con segmentos de marginación social. La seguridad jurídica, en el marco del Mercosur, no solo debe ser un valor por lograr, sino un valor sostener. No es posible vivir en democracia sin la diversidad, tolerancia y respecto a la ley.
Alerta ainda o doutrinador Francisco Pedro Jucá (2002, p. 156) que:
outro aspecto a considerar é que as normas do Mercosul, ratificadas pelo Parlamento do Mercosul, ganhem eficácia e aplicabilidade direta e imediata em todos os países que o integram, como normas de Direito Interno, consagrando, ainda, a precedência do Direito Comunitário nas matérias e situações de interesse comunitário sobre o Direito Interno.
No caso da União Europeia, por meio de tratados, países soberanos compartilharam, ainda que em parte, de suas soberanias ao bloco econômico, dotando certos órgãos supranacionais da capacidade de legislar, harmonizar e aplicar as leis comunitárias. Funções básicas deste sistema é a solução de controvérsias na interpretação, controle do cumprimento e controle de legalidade dos atos produzidos em níveis integracionais ou comunitários.
Para se ter uma ideia, o art. 100º do Tratado de Roma (25.03.1957) estabelece que:
O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, adotará as diretivas para a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Esta dos-Membros que tenham incidência direta no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum.
Em sede de comunidade europeia denota-se uma forma de integração ou modelo vertical, vez que existe um comando supranacional que trabalha a harmonização das normas. Esse tem sido o fator propulsor do desenvolvimento na Comunidade Europia e que nos falta, por enquanto, mas que acreditamos superar através da evolução do Parlasul. Logo, embora a Comunidade Europeia não responda a uma ordem jurídica única, logrou êxito em harmonizar suas normativas internas com os compromissos assumidos na seara internacional, em busca de uma cooperação entre os Estados soberanos, cuja criação de um órgão supranacional (Tribunal de Justiça Europeu) teve destaque nesta construção.
A criação deste órgão supranacional, com o escopo de solucionar as antinomias entre as normas, deu-se com fundamento na necessidade de garantir estabilidade jurídica melhor possível, até porque se percebeu que quanto mais forte a integração, no sentido de aprofundamento (direito comunitário), os Estados passam a distribuir determinadas competências internas às mãos dos organismos dos Tratados.
O princípio geral da supremacia, e de sua aplicabilidade direta e imediata nos Estados europeus, é o que direcionou os avanços no bloco europeu.
Tais princípios somente foram estabelecidos pela Corte de Justiça europeia mediante interpretação teleológica, fruto da nova visão do direito (culturalismo jurídico), conforme demonstraremos no avanço do estudo.
A consequência foi um novo paradigma no direito em geral, qual seja, de que as disposições comunitárias podem produzir efeitos jurídicos por si mesmos, giza-se, tão logo firmado pelo Estado-parte, criando direitos e obrigações sem necessidade de normas nacionais para sua aplicação, podendo ainda os particulares fazer valer ante os poderes públicos nacionais os direitos que derivam das normas comunitárias, devendo esses assegurar e proteger os direitos individuais.
Por sua vez, o Mercosul, como bem assevera Krammes (1999, p. 5) e Lupatelli Jr. e Martins (2004), adota, por ora, o modelo horizontal, o que caracteriza o modelo intergovernamental. Tal modelo afasta os primados destacados em linhas anteriores – supremacia, aplicabilidade direta e imediata.
No entanto, da leitura das constituições dos países sul-americanos integrantes do bloco, permitem-nos avançar para o modelo vertical adotado pela Comunidade Europeia, o atendendo inclusive atendendo os ditames da Convenção de Viena, que propaga o respeito pelos países signatários aos tratados firmados (pasta sunt servanda e a boa-fé), conforme normatizado em seu art. 18.
Contudo, ainda se tem a falsa ideia de que o problema da integração das leis integrativas com o ordenamento jurídico local é um dos problemas mais tormentosos, cuja solução se faz necessária com alteração das constituições de alguns países (a exemplo de Brasil e Uruguai). Na verdade tais constituições já emanam silêncio eloquente a este respeito, com vistas à consolidação do bloco econômico MERCOSUL, como também o foi na Europa.
Destacamos que nas constituições da Argentina e do Paraguai suas cartas politicas prevêem de forma expressa a primazia dos tratados sobre o ordenamento jurídico interno, mas devemos compreender que isso decorreu de uma opção de política mais incisiva quanto aos seus compromissos internacionais, no cenário do bloco Mercosulino.
Neste ponto, salutar os ensimanemtos do doutrinador Fraga (2006, p. 27) que discursa no sentido de que:
a adoção pode ser automática ou não; a superioridade do tratado sobre a lei poder ser expressa, sendo verdadeira, também, a posição oposta: pode-se, ainda, nada estabelecer, competindo, nesse caso, aos Tribunais a tarefa de determinar qual delas deva ser aplicada; é certa, no entanto, a tendência de se procurar uma interpretação que permita a conciliação.
Justamente aqui reside nossa perspectiva e conclusão da viabilidade de uma integração mais profunda no Mercosul, reclamando por um poder judiciário (nacional) mais atento e efetivo frente às normas advindas do protocolo de Assunção e seus adjacentes, a exemplo da evolução ocorrida na Europa, através do diálogo das fontes, propagado pelo ilustre professor Mazzuoli (2013), do direito interno e internacional, efetivando-se o respeito aos compromissos firmados pelos Estados membros do bloco Mercosulino.
Para tanto, seguiremos uma linha de pensamento e de argumentações que se inicia abordando pela teoria geral dos conflitos de normas (superação do positivismo jurídico para o Estado de Direito Internacional) e, para finalmente, demonstrarmos que o MERCOSUL persegue um direito comunitário em face à onda internacionalista vivenciada, sendo este o objetivo principal do estudo.
2 DO SISTEMA JURÍDICO. INTERCONSTITUCIONALISMO
O sistema jurídico vem a ser um conjunto de normas destinadas a regular as relações jurídicas, seja no plano interno seja no plano internacional, formando o que se denomina ordenamento jurídico, hoje, estruturado sob premissas axiológicas ou teleológicas de princípios gerais e não apenas no plano da vigência da norma.
Assim, passa-se a compreender o sistema jurídico não só com base em regras, mas também em principios ou, nos dizeres de Alexy (2012, p. 90), em mandamentos de otimização. Para o autor a norma é composta por regras e princípios, “porque ambos dizem o que deve ser” (caráter deôntico). Quando o referendado autor denomina os princípios como mandamentos de otimização, assevera que “ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”.
Dowrkin (1984, p.72) passa a postular um sistema jurídico integrado por uma variedade de modelos “que não funcionam como regras, mas que operam de maniera diferente, como princípios, diretrizes políticas e outros tipos de pautas”. Embora o doutrinador não rejeite a exitência de normas, sua convicção fundamental é a de que os problemas jurídicos são, em seu cerne, problemas de princípios ou exigências morais e não fatos legais (positivismo). Daí que o papel destacado que tem o juiz na teoria jurídica dworkininana coloca em crise uma visão sistemática do direito, de onde se nota que as normas princípios têm uma fórmula e um lugar definitivo, o que possibilita obter, de maneira simples e previsível, a resposta para cada caso.
Canotilho (1995, p. 168), da mesma forma e na mesma linha seguida por Alexy, afirma que as regras contêm “fixações normativas” definitivas, tornando “insustentável a validade simultânea de regras contraditórias”, diferentemente dos princípios que podem ser objeto de “ponderação” ou de “harmonização”.
Passa-se, então, a compreender que o direito não atende apenas a uma visão normativa-legalista (unidimensional), cuja única fonte seria a lei.
Neste diapasão, Reale (2003) passa a entender o direito numa visão tridimensional com a conjugação de três elementos indissociáveis: fato (ligado aos acontecimentos sociais); valor (ligado aos principios) e norma (vigência das leis).
Neste aspecto, o sistema jurídico do direito contemporâneo busca dar unidade de sentido às várias normas que o compõem, estabelecendo diálogo (coerência) entre as várias normas existentes (internas e internacionais). Isso não significa dizer que não haveremos de ter antinomias, longe disso, mas por meio do diálogo entre elas, por meio da interpretação teleological/axiológica, almejaremos o ideal de justiça, de paz nos pactos firmados para conjugação de um direito comunitário.
Do século XV ao XIX as normas internacionais se preocupavam (precipuamente) com temas como a guerra, a neutralidade, a paz, só ganhando contornos maiores a partir do século XX, quando abarca uma gama de assuntos, inclusive acerca de temas que até então eram vistos como normas de jurisdição interna dos Estados-nação, como o direito da criança, o meio ambiente equilibrado e os direitos humanos.
Desta feita, com ampliação do rol de assuntos pactuados na seara internacional, a partir da vontade dos próprios Estados, as normas internas passaram a ter que conviver com as normas internacionais, fazendo com que tanto a doutrina quanto a jurisprudência se debruçassem (até hoje) acerca do status que tais normas internacionais ingressariam no sistema jurídico interno de seus Estados.
Sobrevém o interconstitucionalismo e faz emergir no sistema jurídico uma aproximação/complementariedade das normas internas com as normas internacionais. Assim, passamos a compreendê-las com caráter teleológico, com vistas a alcançar o ideal de justiça, para tanto se valendo de princípios norteadores, dentre eles a boa-fé, a dignidade da pessoa humana, a pacta sunt servanda. Não são normas que se repelem, mas que se harmonizam.
Reale faz uso da expressão “dialética de implicação”, que podemos considerar uma moderna teoria das fontes do direito no sistema jurídico, afastando pimeiramente aquela ideia de que o Estado é a única fonte de todo o direito – proposta por Hobbes e fortemente estabelecida por Kelsen (teoria pura do direito), sob o prisma do ideal dos contornos da objetividade e da exatidão – e, secundariamente, passando a compreendê-la (o direito) como normas que convivam de forma harmonica, em complementariedade.
Tanto o é assim que, para os tratados de direitos humanos, por exemplo, não se exige mais sua ratificação pelos Estados-nação, em clara evidência de que são normas que saem da velha máxima do “dominio reservado do Estado”, conforme estabelecido pelas cartas das Nações Unidas de 1945 e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, rompendo com a soberania absoluta dos Estados e das imunidades.
Aqui devemos alertar que nem por isso estamos próximos de harmonizarmos as antinomias entre as normas internas e internacionais, especialmente pensando no Mercosul, mas já passamos a propor uma via de otimização/principiológica, denominada pelo prof. Mazzuoli (2013) de “vasos comunicantes”, que os tribunais internos devem enfrentar para lograrmos êxito numa cooperação profunda, no sentido de direito comunitário, diante da inexistência hodierna de um tribunal nos moldes do modelo europeu exercendo função prejudicial.
É preciso garantir o cumprimento do direito de integração ante o dever de respeito ao principio da boa-fé dos compromissos assumidos no plano internacional, conforme estabelecido pela Convenção de Viena (art. 27), ao invés de permitir aos Estados-membros aplicação de medidas provisórias retaliativas a titulo de sanção.
O Mercosul responde a uma ideologia neoliberal e é fruto do surgimeneto de nova abordagem teórica de integração e intepretação de suas normas, num sentido comunitário, fundamentada em uma filosofia liberal igualitária com vistas ao equilíbrio entre os fatores político-democráticos e econômico-liberais. Isso pode ser percebido nas Constituições de seus países-membros.
3 DA NOVA CONCEPÇÃO DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA. CULTURALISMO JURÍDICO
Com a instalação do positivismo jurídico de Hans Kelsen, o direito, conceituado sob as bases da exatidão e da objetividade, era estritamente normativista-legalista, o que acabou por influenciar o modo de ser do poder judiciário como ser inanimado nos dizeres de Montesquieu.
Dentre os idealizadores da construção normativo-legalista, Savigny (2010) defendia que a interpretação jurídica consistia na “reconstrução do pensamento ínsito da lei” (teoria da vontade) e confiava na analogia para encontrar as respostas jurídicas para qualquer problema.
Nesta mesma direção Ihering (2010) denominava a interpretação jurídica como uma “jurisprudência inferior”, assinalando que “não cria nada novo, nem pode fazer mais do que esclarecer os elementos jurídicos substanciais já existentes” (teoria do interesse).
Assim, durante muito tempo, para os defensores da visão kelseniana o direito nada mais seria que um sistema de regras (sistema jurídico) e qualquer ingerência construititva por parte dos juízes seria arbitrário, violadora da segurança jurídica, pouco importando se se tratava de uma decisão justa.
No entanto, com a pulverização internacional de fontes normativas a par das normativas internas, um novo desafio teve que ser enfrentado, pelo fato de que as fontes internacionais (à exceção das normas de jus cogens) não guardam diferença hierárquica entre elas. Diversamente ocorre no plano interno, os quais se apresentam escalonadas em diferentes graus, sendo solucionadas eventuais antinomias mediante critérios hierárquicos, de especialidade e cronológicos. Ainda assim haverá zonas cinzentas de solução, conforme bem assinala Luis Vigo, em sua obra interpretação jurídica (2010).
De qualquer sorte, devemos fixar a premissa de que os conflitos normativos devem ser resolvidos com coerência, respeitados os princípios norteadores do direito internacional, advindos da convenção de Viena, da qual os países sul-americanos integrantes do bloco regional são signatários.
Os critérios clássicos de solução de conflitos normativos passam a não responder mais à conjuntura do direito contemporâneo quando adentramos na seara internacional e que influencia o direito interno dos Estados. Em casos tais, as antinomias devem ser solucionadas pelo diálogo das fontes mediante interpretação axiológica/teleológica.
Se adotássemos o sistema clássico de antinomias, fracassaremos em harmonizar as normas provenientes do bloco Mercosul, pois a insegurança jurídica permanecerá, pelo simples fato de que uma norma interna posterior aos pactos firmados terá o condão de revogar a norma internacional. O que não é admissível, de acordo com a Convenção de Viena de 1969 à qual os Estados-membros do Mercosul aderiram.
A doutrina constitucional tem apontado que os critérios tradicionais ou clássicos de solução de antinomia não são mais hábeis à resolução daqueles conflitos que envolvem “valores ou opções políticas decorrentes da própria constituição”, como bem assinala Mazzuoli (2010).
Como assinala o Ministro da suprema corte brasileira, Gilmar Mendes, em artigo denominado “Uma Carta de Direitos Humanos do Mercosul” (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/setimoEncontroConteudoTextual/anexo/Carta_de_Direitos_Humanos__Ministro_Gilmar_Mendes.port.pdf), o direito vive o “fenômeno da internacionalização intense nas relações multilaterais”, acarretando efeitos em todo o sistema constitucional. O exemplo que a doutrina aponta é a norma do art. 4º da Constituição Brasileira, assinalando como normas de direito internacional podem pautar o discurso constitucional.
A chamada internacionalização do direito constitucional, apontada pelo ministro em destaque, é uma via de mão dupla, pois o direito internacional passa também pela constitucionalização dos países membros. Neste sentido, ambos não são excludentes e se complementam.
Neste diapasão, importante lição nos é dada pelo constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva (2009) ao descrever que, nos casos de normas constitucionais de eficácia limitada, ou seja, aquelas que dependem de outra norma para irradiar seus efeitos, como apontam os doutrinadores e a própria corte suprema brasileira, no que tange ao art. 4, parágrafo único da Constituição, em que pese depender de outra norma para sua eficácia plena, por si só possui dois efeitos inerentes, o efeito paralisante e revogador.
O efeito revogador, nos dizeres de Silva, impõe ao legislador não emanar uma norma que viole o espirito do comando constitucional nele descrito e, se o fizer, terá por consequência sua revogação por inconstitucionalidade. Já o efeito paralisante descreve que havendo norma que viole o comando constitucional terá seus efeitos paralisados, ou seja, realiza-se um controle de convencionalidade.
Assim, resta cristalino de que forma a corte suprema brasileira declarou pela não permissão da prisão do depositário infiel, ainda que devidamente expressa em sua Constituição. A Suprema Corte aplicou o efeito paralisante, em decorrência de uma norma internacional que o Brasil firmou (Pacto de São José da Costa Rica).
Portanto, a superação dos obstáculos colocados pelo direito interno, quando se aplica uma norma internacional, deverá ser estudada por critérios de convencionalidade, em respeito ao art. 27 e 31 da Convenção de Viena. A norma interna não será extirpada do ordenamento jurídico, mas terá seus efeitos paralisados em razão do diálogo das fontes das leis internacionais e internas, pelo que a doutrina foi denominada de “onda do internacionalismo”.
Sem embargo, a ideia aqui implantada deve contar maior compreensão do Poder Judiciário na qualidade de longa manus do Estado, fazendo cumprir as normas internacionais ratificadas por esse mesmo Estado no plano internacional.
Nem se diga que, uma vez ratificado o tratado, ingressaria com qualidade de lei “inferior” e, portanto, haveria um problema de “ilegalidade” em aplicá-la em detrimento de outra hierarquicamente superior (normas constitucionais), pois é a própria norma superior é que determina o respeito aos pactos internacionais firmados, em verdadeiro diálogo com tais normas em seu plano interno.
Neste aspecto, podemos vislumbrar que o art. 4º, inc. V e parágrafo único, 5º, §2º, da Constituição Brasileira de 1988, bem como nas Constituições dos demais países integrantes do bloco Mercosul (Argentina – art. 27, 28, 75, inc. 22 a 24; Uruguai – art. 6º, 239, 1º; Paraguai – art. 137, 141 e 143; e Venezuela – art. 128 e 129), expressamente consagram o devido respeito e aplicação dos princípios internacionais (boa-fé e pacta sunt servanda) nos pactos em que livremente se comprometeram.
Resta nítida a crescente “internacionalização do direito”, consagrada nas normas constitucionais dos países sul-americanos. Aos poucos vêm compreendendo melhor não só a aparição de diferentes fontes supranacionais, mas a necessidade em estabelecer órgãos de caráter supranacional.
No caso Cafés La Virginia (1994), a Corte Suprema Argentina deixou bem consignado que, na interpretação dos tratados internacionais, o princípio da boa-fé não autoriza sustentar que um tratado cria tão somente obrigações éticas e não jurídicas, e que, por consequência, “a aplicação pelo governo argentino de uma lei interna que viole um tratado, viola o principio da supremacia dos tratados sobre leis internas”, além do fato de constituir “violação de uma obrigação internacional”.
Percebe-se, assim, que o conflito entre normas internacionais e internas não se resolvem mediante a velha máxima do estudo dos “conflitos de leis no tempo”, tampouco nos “conflitos de leis no espaço”. As antinomias, neste aspecto, devem ser compreendidas como conflito de fontes, ao que Mirkine-Guetzévitch (apud MELLO, 2000, p. 36) chamou de direito constitucional internacional. Propaga o referido autor, nos dizeres de Mello, que o direito constitucional internacional se constitui na “tentativa de adaptar a constituição à ordem jurídica internacional que se sobrepõe a ela”.
Com isso, rompe-se a ideia de que a constituição seria um mero programa político dirigido ao Poder Legislativo ou uma folha de papel, conforme destaca Pedro Lenza (2014) ao citar as palavras de Ferdinand Lassale e, tampouco devemos compará-la à lei, dada a sua supremacia (sobrenorma), sendo o direito visto como algo que se iniciava e terminava na lei. Portanto, a Constituição não estaria sujeita ao controle de constitucionalidade, muito menos ao controle de convencionalidade.
Ante a juridicização da constituição e a gama de tratados internacionais, passa aquela a operacionalizar as normas internacionais, num sistema de complementariedade (diálogo), respeitando-a e tornando inválidas as normas internas (constitucionais ou infraconstitucionais) com que ela passe a conflitar.
A aparição desta nova concepção – interconstitucionalismo – gera grandes inquietudes por parte dos juristas, pois, ao mesmo tempo em que amplia as faculdades interpretativas a jurisprudência passa a ter fundamental importância na construção do direito.
4 DAS FONTES E DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA. UMA NOVA CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
O Mercosul, como dito, formado sob parâmetros originariamente das teorias liberais de integração com objetivo estrito de abertura comercial visando ao livre-mercado, atualmente responde ao princípio da solidariedade e de integração mais profunda (direito comunitário).
Segundo Ginesta (1999, p. 38-39), a análise dos objetivos explícitos presentes no preâmbulo do Tratado de Assunção e a relação desses com a ideologia política e econômica do neoliberalismo revelam a presença de princípios explícitos e implícitos no ordenamento jurídico regional e que encontram respaldo nas constituições de seus países membros, embora algumas ainda de forma tímida.
Pautado pelos princípios neoliberais, o preâmbulo de Assunção (segundo parágrafo) aduz sobre as forma de se alcançarem os objetivos e menciona explicitamente os princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio.
Tais princípios são refletidos e se pautam nas negociações do Mercosul, inseridas na denominada “Agenda de Relançamento”, mediante um conjunto de decisões do Conselho do Mercado Comum, dentre elas podemos destacar a criação do Parlasul.
Para o jurista argentino Caldani (2000, p. 247-250), o objeto jurídico da integração deve ser construído nos moldes do modelo tridimensional (fato, valor e norma), como já assinalava o jurista brasileiro Reale, pois atenderá de forma ampla as dimensões da integração, nos moldes propagados pelo Tratado de Assunção.
Para o jurista argentino, a integração visada pelo bloco sul-americano é um processo de aproximação entre os povos. Assim, percebe-se que as constituições dos países membros se coadunam com a ideia propagada pelo jurista.
Retomando a ideia de aplicabilidade da teoria tridimensional no bloco Mercosul, a dimensão sociológica tem por condão vislumbrar a vida humana como a referência maior do Direito. É o aspecto sociológico da integração dos povos e, portanto, a integração deve corresponder algo sociologicamente vital para a região.
No que tange à dimensão normológica ou normativa esta deve ser entendida sob o aspecto de que as normas devam cumprir funções descritivas e integradoras da realidade social acima descrita, ou seja, para o jurista argentino os instrumentos jurídicos da integração devem destinar-se à flexibilidade mais do que à rigidez (validade formal), buscando a adaptação às mudanças da realidade social, o que nos leva ao terceiro elemento da teoria, a axiológica.
Este terceiro elemento, indissociável dos demais, segue uma dimensão de valoração mediante o desenvolvimento econômico, buscando abarcar outros valores da integração (sociais, politicos), alcançando o ideal de justiça. É a chamada mutação constitucional.
Neste aspecto, a doutrina salienta que:
O fenômeno é, em essência, o resultado da atuação de forças elementares, dificilmente explicáveis, que variam conforme exigências e situações sempre novas, em constante transformação. Logo, as mutações constitucionais não se produzem pelos meios convencionais ou em razão de um Direito Constitucional estático, acomodatício. As constituições – já o dissemos – são organismos vivos, submetendo-se a fatores sociais cambiantes. (BULOS, 2007, p. 321)
Ora, a sociedade é regida por uma comunhão mínima de valores e o direito deve retratar tais valores acordados, representados no ordenamento não só por regras, mas por meio de princípios que possuem valores de natureza deontológica e conduzem na maneira de ser das regras. Ademais, diversamente do que ocorre com as regras, podem vir expressamente ou implicitamente no ordenamento. Neste ultimo caso, advém da própria racionalidade do sistema em que se encontram inseridos, devendo ser elaborados ou formulados pelo intérprete para se alcançar o verdadeiro sentido da norma.
Aqui reside – no elemento axiológico – a segurança jurídica que se espera do Mercosul. Para tanto, a importância dos princípios no ordenamento jurídico, especialmente os elencados pela Convenção de Viena, devem ser analisados e efetivados mediante decisões judiciais pelos tribunais internos dos países do bloco até que se efetive a criação de um tribunal supranacional.
Não só as constituições dos países, mas os tratados devem ser compreendidos como marcos, pontos de partida de todas as normas que regulam direitos e deveres entre as partes e dos quais os magistrados não podem se afastar.
Como bem assinala Canotilho (1995, p. 227-228), os princípios constitucionais, in causu, da integração entre os povos, revelam ser “historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência, encontrando uma percepção expressa ou implícita no Texto Constitucional”. Os estatutos jurídicos de integração entre países encontram recepção expressa ou implícita de ideologias do tratado marco (de Assunção), instituidor da integração.
Ao procedermos desta forma, almejaremos extrair validamente o alcance das normas constitucionais descritas nas constituições dos Estados-membros.
Segundo Faria, o tratado de Assunção deve ser interpretado e aplicado pelos Estados-membros de acordo com as regras do direito internacional, descritas na Convenção de Viena (1993, p. XIX). Por conseguinte, deve se ter em mente a aplicabilidade dos princípios descritos nos arts. 27 e 31 da referida Convenção.
O princípio da boa-fé, na interpretação dos tratados, implica numa condução harmônica com a vontade espontaneamente firmada pelas partes, ao resultado esperado por tais vontades, não podendo servir de escusa ao seu cumprimento as normas internas.
A preocupação da sobreposição de sistemas jurídicos e a produção de tratados internacionais são realidade antiga apta a causar conflito de leis. No entanto, o problema não deve ser visto sob esta ótica, mas no convívio de tais normas, passando a compreendê-las dialogando com as fontes normativas, como o fez a União Europeia.
O Mercosul, embora não disponha de um órgão julgador supranacional com força vinculante quanto suas decisões, dispõe de normas que conduzem a uma integração profunda, se passarmos a conjugá-las com a vontade atribuída pelas normas constitucionais e pelas disposições do direito dos tratados.
Portanto, as assimetrias constitucionais entre os integrantes do bloco, não são obstáculos reais para o processo de integração, em que pese suas reformas poriam fim a tal discussão.
Mas, para almejarmos tal desiderato, o protagonismo das cortes nacionais é de suma importância ao receberem e processarem demandas que tenham por conflito uma norma do bloco e suas normas interna corporis.
Como bem assinala a pesquisadora americana Anne-Marie Slaughter (2004), o processo de globalização tem produzido o que denomina de “comunicação transjudicial”. Ou seja, juízes das mais diferentes nações têm dialogado uns com os outros nos intercâmbios judiciários e até mesmo negociando reciprocamente sobre casos específicos (p. 65).
Por conseguinte, esta integração jurídica do bloco regional, como ocorreu na Europa, foi gradativamente protagonizada pela atuação judiciária dos tribunais internos de seus Estados-membros que firmaram sua independência com os demais órgãos do poder (legislativo e executivo).
Frise-se que a ideia aqui proposta, em relação ao Mercosul, não tem por condão transportar o modelo da comunidade europeia, mas a experiência lá vivenciada se revela importante para avançarmos no bloco Mercosulino. A prática tem demonstrado que a evolução do processo de integração da União Europeia deve-se, em larga medida, não só à existência do controle jurisdicional supranacional exercido pelo Tribunal de Justiça, como também pela compreensão dos tribunais internos à medida que passaram a compreender que as normas internas e internacionais dialogam.
Com isso, passou-se a compreender melhor a primazia do direito comunitário sobre o direito interno dos Estados-membros, o que não decorreu explicitamente pelo Tratado originário de formação da comunidade europeia, nem por quaisquer de suas modificações subsequentes. Em verdade, foi o Tribunal de Justiça da União Europeia que, em 1964, em decisão proferida no caso Costa v ENEL, firmou jurisprudência a respeito (caso 6/64).
Já nos idos de 1977, no caso Simmenthal (caso 106/77), o Tribunal teve a oportunidade de novamente apreciar a questão, sob o aspecto dos tribunais internos, ao declarar que mesmo um juiz “a quo” é obrigado a aplicar a lei comunitária ainda que, para tanto, tenha de desconsiderar as disposições internas sobre conflitos da lei, seja ela constitucional ou infraconstitucional, seja anterior ou posterior.
Importante frisar que o tribunal apreciou a questão não à luz do conflito das leis no espaço ou no tempo, mas no diálogo entre as normas internas e os da comunidade.
Por fim, em 1991, passa o Tribunal a referir-se ao tratado da comunidade europeia como “A carta constitucional de uma Comunidade baseada no Estado de Direito”.
Na Alemanha, a questão da supremacia do direito comunitário, no que tange aos direitos fundamentais contidos em sua constituição, também foi motivo de análise e de evolução gradual. No caso Internationale Handelgesellschaft v Einfuhr (1974), a suprema corte posicionou-se no sentido de não renunciar a seu direito de aplicar os direitos fundamentais em face de um conflito com uma lei comunitária.
Outro país que enfrentou severamente a supremacia das normas comunitárias em relação a suas normas constitucionais foi a Itália. A corte constitucional refutou, inicialmente, a supremacia do direito comunitário sobre o direito interno. Mais tarde, passou a aceitá-la, mas condicionado sempre que o tribunal funcionasse como instrumento efetivamente adequado de proteção aos direitos fundamentais no âmbito da comunidade.
Portanto, percebe-se que tanto a Itália quanto a Alemanha não admitiam a supremacia das normas do direito comunitário e posteriormente passaram a condicionar sua aplicabilidade desde que fossem respeitados os direitos descritos em suas constituições.
Em outros Estados-membros também houve, em maior ou menor intensidade, contestações ao primado do direito comunitário por parte dos respectivos órgãos jurisdicionais.
Assim, as constituições dos Estados-membros da comunidade europeia, em que pese as revisões constitucionais realizadas em decorrência do tratado da União Europeia e que contêm dispositivos que aceitam a delegação do exercício de certas competências para um poder supranacional, através da interpretação judicial, atribuiu respeito às normas do direito comunitário em detrimento de suas normas internas, fossem elas constitutcionais ou infraconstitucionais, anteriores ou posteriores ao tratado.
Tal quadro evolutivo reafirma a importância no sentido de que os tribunais internos exercem função pacificadora na consolidação de uma integração profunda, em contexto comunitário.
O que estamos pretendendo estabelecer no presente estudo em relação ao Mercosul é que isso é perfeitamente possível, diante das normas descritas nas próprias constituições de seus Estados-membros.
Assinala o professor argentino Raúl Granillo Ocampo (2009) que países como a Argentina e Paraguai demonstram interesse maior no processo de integração (no sentido de direito comunitário) que o demonstado pelo Brasil e Uruguai.
Sem embargo, respeitosamente tal visão não pode mais ser defendida, primeiramente porque o Brasil vem cedendo parte de sua soberania ao permitir que seus concidadãos sejam submetidos a um tribunal internacional, como se depreende da leitura do art. 5º, §4º da Carta Política, sem olvidarmos que a Suprema Corte deu prevalência ao pacto de São José da Costa Rica em detrimento da própria norma constitucional que permite a prisão do depostitário infiel (art. 5º, LXVIII).
Portanto, o Brasil, a teor do que já fez a Argentina e Paraguai, demonstra sua capacidade e interesse em submeter determinadas questões a Tribunais supranacionais; o que só fortalece o que já foi descrito acerca do novo paradigma de soberania atribuída à onda constitucionalista e internacionalista, como ocorreu nos países europeus.
Diz a lei fundamental brasileira (art. 4º, parágrafo único) que “o Brasil reger-se-á em suas relações internacionais pela cooperação entre os povos e que buscará a integração dos povos da América Latina e a formação de uma comunidade de nações”.
Já em seu art. 5º, § 2º estabece que: “Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (grifo nosso).
As constituições da Argentina, Paraguai e Uruguai não escapam da regra acima, umas mais expressamente do que outras, nem por isso destoam do ideal de fortalecimento do bloco e respeito a suas normativas.
Pois bem, com a celebração do protocolo de Ouro Preto (1994) e de Olivos (2002), os Estados-membros do Mercosul resolveram efetuar modificações específicas no sistema de solução de controvérsias de maneira a consolidar a segurança jurídica, conforme se depreende da leitura dos art. 38 e 42 do protocolo de Ouro Preto.
Já na forma do art. 26 do protocolo de Olivos, os laudos emitidos não são passíveis de apelo e possuem caráter obrigatório para os Estados sucumbentes e, portanto, detêm força de coisa julgada. Trata-se de inovação importante que, nos limites traçados pelo modelo de integração adotado e em face dos objetivos a serem perseguidos, poderá, sem dúvida, contribuir com o avanço e consolidação do Mercosul.
Ademais, o art. 9º do Protocolo de Ouro preto dá dimensão supranacional ao Conselho do Mercado Comum, outorgando-lhe competência para pronunciar-se, decisões que serão obrigatórias aos Estados-Partes.
O art. 42 do Protocolo de Ouro Preto chega a ser enfático ao dispor: “As normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL previstos no art. 2º deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país”.
Da leitura do dispositivo ao norte, a questão que se cinge, da qual se debruça a doutrina é quanto à exigência ou não da incorporação prévia das normas emanadas pelos órgãos do bloco merocosulino, para que possam gerar direitos e obrigações na seara interna dos Estados-membros.
Primeiramente cumpre-nos classificar as normas Mercosulinas em duas vertentes: as que são emanadas dos órgãos do Mercosul, que compreendem o Direito Derivado; e as de Direito Originário, formadas pelos instrumentos jurídicos internacionais que criaram e continuam aperfeiçoando o Mercosul (Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto, Protocolo de Olivos, Protocolo de Montevideu etc.).
Quanto à vigência de tais normas é importante frisar a lição ministrada pelo doutrinador Trindade (2007, p. 112), no sentido de que quatro são as medidas que devem ser tomadas para aperfeiçoar o sistema de incorporação de normas Mercosul, sendo elas: identificação das normas que não precisam ser internalizadas; centralização do processo de internalização; estabelecimento de consultas prévias à adoção da norma para que a internalização ocorra de forma simultânea nos quatro Estados Partes; e reforço da participação da CPC na internalização das normas que requerem aprovação legislativa.
Logo, quanto à vigência das normas do Mercosul, podemos classificá-las em dois grandes grupos: a) aplicabilidade imediata; b) aplicabilidade condicionada à internalização nos Estados-membros.
As normas de aplicabilidade imediata, as que não necessitam passar pelo crivo do legislativo interno de cada Estado-membro, referem-se ao funcionamento do próprio Mercosul, bem como aquelas que já se encontram previstas nos ordenamentos de cada Estado-Parte.
Já em relação ao segundo grupo (internalização), as normas podem ser subdivididas em normas que necessitam ou não da análise do Poder Legislativo.
Quanto às normas que dependem da análise do Legislativo, a doutrina aponta como sendo aquelas que revisam o Direito Originário, as que acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, as que criam direitos e obrigações novos para os Estados-membros não previstos em tratados preexistentes aprovados pelo Legislativo; e as que versam sobre matéria normativa com natureza e hierarquia de lei federal ou de tratado internacional, exigindo atos do Legislativo e do Executivo para sua inserção no ordenamento jurídico pátrio.
Accioly (2012) aponta cinco exceções à regra geral de aprovação de atos internacionais pelo Legislativo: a) os acordos sobre assuntos que sejam da competência privativa do Poder Executivo; b) os concluídos por agentes ou funcionários que tenham competência para isso, sobre questões de interesse local ou de importância restrita; c) os que consignam simplesmente a interpretação de cláusulas de um tratado já vigente; d) os que decorrem, lógica e necessariamente, de algum tratado vigente e são como que o seu complemento; e) os de modus vivendi.
Retomando a discussão do art. 42 do Protocolo de Ouro Preto, há duas correntes doutrinárias. A primeira corrente sustenta que uma vez aprovada a norma, os Estados-membros adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional, que entrará em vigor apenas após a comunicação de sua incorporação.
Já para a segunda corrente, os artigos ao norte prescrevem que as normas emanadas dos órgãos do Mercosul, terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país.
Filiamo-nos a esta última. No entanto, sob outro aspecto, com bases numa interpretação teleológica dos dispositivos constitucionais dos países membros do bloco, que inclusive atinge a posição defendida pela Comissão Parlamentar Conjunta, em que emitiu a Recomendação/CPCM/004, de dezembro de 1995, proclamando a unicidade do ordenamento e sua aplicabilidade imediata, conforme se denota do art. 1º:
Promover a subscrição de um protocolo complementar ao de Ouro Preto, com o propósito de estabelecer com precisão as normas que podem entrar em vigência automaticamente e aquelas que requerem a internalização à luz do direito de cada país. Assim mesmo, buscar a forma de acelerar esta internalização e fazê-la verdadeiramente obrigatória, respeitando as normas constitucionais de cada Estado.
A Constituição Argentina (art. 31) é a que mais se aproxima do regramento europeu. Vejamos:
Esta Constitución, las leyes de la Nación que en su consecuencia se dicten por el Congreso y los tratados con las potencias extranjeras son la ley suprema de la Nación; y las autoridades de cada provincia están obligadas a conformase a ellas, no obstante cualquiera disposición en contrario que contengan las leyes o constituciones provinciales, salvo para la provincia de Buenos Aires, los tratados ratificados después del Pacto de 11 de noviembre de 1859.
A Jurisprudência da Suprema Corte argentina já teve a oportunidade de aplicar diretamente as normas de direito internacional consuetudinário e convencional, quando inexistia norma interna contrária, no caso “Martin y Cia. v. Administración General de Puertos” (1963). O conflito era entre o tratado de Comercio y Navegación, envolvendo Brasil e Argentina, de 1940, e o Decreto 6.575 de 1958, convertido Lei 14.469/1958.
Em outra oportunidade, em 1992, no caso Miguel A. Ekmekdjian v. Gerardo Sofovich e outros (1992), a corte abandonou a orientação dualista e reconheceu a aplicabilidade imediata de um acordo internacional (Pacto de San Jose da Costa Rica).
Em seu processo evolutivo, no ano de 1994, o constituinte argentino inseriu nos incs. 22 a 24 do art. 75 a hierarquia dos tratados e acordos internacionais à suas leis internas.
De acordo com Roberto Dromi e Julio C. Rivera (1996):
las normas que se dicten como consecuencia de los tratados de integración del inc. 24 tienen jerarquia superior a las leyes, es decir, al resto de las normas de ordenamento juridico, en cuanto que al delegar competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales puedem modificar alguna norma del ordenamento juridico interno. La supremacia de ellos con respecto a las leyes nacionales es para dar estabilidad y seguridad juridica a la integración.
O Brasil já teve a oportunidade de reconhecer o primado do direito internacional sobre o direito interno, conforme se depreende do apelo 9587 de 1951, no caso envolvendo “União Federal v. Cia. de Rádio Internacional do Brasil”, reconhecendo a primazia de um tratado internacional de que participou o país, em relação a uma lei interna, declarando que “o tratado revoga as leis que lhe são anteriores”.
Pouco antes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que uma lei interna posterior não possui o condão de revogar um tratado internacional aderido pelo país, neste sentido é de se observar a Apelação 7.874 de 1943.
Na apelação 8.332 de 1944, o Supremo Tribunal Federal, mediante sua 2ª Turma, o então Ministro Orosimbo Nonato asseverou que: “parece-me que o Estado, vinculado por tratado, não pode citar lei alguma que contrariasse esse tratado… Enquanto não fizer a denúncia não pode ser descumprido o tratado e a obrigatoriedade de sua observância”.
Todavia, com o decorrer dos anos o Supremo Tribunal Federal se afastou dos entendimentos acima e passou a consagrar a equiparação do tratado à lei federal e, portanto, passível de ser revogada por lei interna posterior, conforme se denota do Recurso Extraordinário 80.004 (1.6.1997), em razão, data venia, de uma interpretação equivocada da constituição vigente e a não adesão do Brasil à Convenção de Viena.
O relator do caso acima, o ministro Xavier de Albuquerque, voto vencido no julgado, asseverava que a tese monista, com primazia do direito internacional deveria ser mantida, defendendo que:
Os países signatários e aderentes se despiram do direito e da faculdade de cominarem a nulidade, pelas suas legislações nacionais, de titulos cambiários que não contiverem o tributo do selo, quando tal exigência neles existir. O governo brasileiro deve permanecer fiel ao espirito e a letra das convenções de Genebra. Os tratados devem ser intepretados…segundo a equidade, a boa-fé e o próprio sistema dos mesmos…a lei 427 de 1969, e seu decreto de regulamentação, como lei ordinária, não se podem sobrepor à Convenção de Genebra.
Doutrinadores na seara de direito internacional sempre defenderam a ideia de que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal era violadora da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, a qual não admite o término de um tratado em virtude de direito interno superveniente. Ocorre que na época de tais julgados o Brasil não havia ratificado a dita Conveção, só vindo a fazê-lo recentemente com o Decreto 7.030 de 17.07.2009.
Antes mesmo de o Decreto ser promulgado, o mais recente julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal retomou a análise quanto a hierarquia dos tratados internacionais, e, a par da melhor interpretação acerca dos tratados internacionais, passou a primar pelos pactos internacionais firmados pelo Brasil, desta vez não afastando uma norma em detrimento da outra, mas harmonizando o ordenamento interno em relação as normas internacionais pactuadas. Portanto, uma clara visão da teoria dualista moderada, porém, o fazendo de forma tripartite conforme proposta pelo relator Ministro Gilmar Mendes em voto emblemático acerca do Pacto de São José da Costa Rica.
No caso em testilha prevaleceu a norma inserida no art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Transcrevemos a nova percepção do Supremo Tribunal acerca da matéria:
Ementa: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. (grifo nosso)
Ademais, não podemos olvidar que, a partir de meados de 2009, o Brasil ratificou a convenção de Viena (Decreto Legislativo 496/2009), e sua posterior promulgação pelo Presidente da República, por meio do Decreto 7.030/2009.
Portanto, alguns aspectos relevantes advindos da ratificação da Convenção de Viena devem ser compreendidos.
Conforme sustenta Francisco Rezek (2010, p. 497), ao codificar o princípio da boa-fé, a Convenção estabeleceu que Estados negociadores, a partir da assinatura, devem se abster de praticar atos capazes “de frustrar o objeto e finalidade do tratado antes de sua entrada em vigor”. A assinatura obriga os Estados a respeitar as regras protocolares bem como os proíbe de praticar qualquer ação que contrarie o espírito do tratado internacional, mesmo que o acordo ainda não tenha o status de norma jurídica.
Estabelece o art. 27 do referido tratado que “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o art. 46”.
Oportuno destacar que o art. 27 da convenção remete à análise do art. 46, o qual estabelece:
1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental.
Sobre tal aspecto, importante lição é fixada por Mazzuoli (2010):
A diferença entre os arts. 27 e 46 da CONVENÇÃO de Viena de 1969 reside no fato de ser o art. 27 norma afeta ao conflito (material) entre os tratados internacionais e as disposições do direito interno, ao passo que o art. 46 versa questão de procedimento para celebrar tratados, impedindo de alegar-se violação do texto constitucional como justificativa para o inadimplemento de um tratado. Sendo regra relativa a conflito de normas, o art. 27 não coloca exceção alguma ao impedimento de alegar-se disposição do direito interno como pretexto para descumprir tratados, o que não ocorre no caso do art. 46 que, versando questão procedimental, coloca uma exceção (e apenas uma) à impossibilidade do Estado invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, que é a de ser essa violação manifesta e relativa a norma (sobre competência para concluir tratados) de seu direito interno de importância fundamental.
É de se observar que a Convenção não obriga que os Estados procedam com reformas em seus respectivos direitos internos para se adequarem a ela, mas utiliza-se dos princípios gerais do Direito Internacional para fazer valer seus dispositivos, em uma clara alusão de que as normas internacionais e internas de seus Estados coexistem.
Com efeito, a partir da ratificação da Convenção de Viena, a interpretação de todos os tratados internacionais de que o Brasil é parte deve ser efetuada a partir dos preceitos do Direito Internacional, e não com base nas regras do Direito Interno.
Tem-se nova perspectiva em relação ao Brasil com a ratificação a Conveção de Viena, mas que será sentida com o decorrer do tempo, em especial pela relevância que será dada pelos tribunais pátrios.
É também o que propaga o ilustre prof. Accioly (2012, p. 37), ao comentar os efeitos da ratificação pelo Brasil a Conveção de Viena, asseverando que:
este é o passo relevante que pelo Brasil acaba de ser dado, mas é preciso traduzir em ação concreta, na prática do direito, pelos tribunais, pela administração, como no ensino do direito pela doutrina e no aprendizado do direito nas faculdades. Não foi pequena a mudança em relação aos caminhos trilhados pelo País no passado. Concretamente, a partir da ratificação da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, têm de ser reescritos não somente os manuais nacionais de direito internacional, como os de direito constitucional e administrativo, de processo civil e penal, e de várias outras áreas do direito, todas elas sistêmica e sistematicamente permeadas pelo direito internacional, e do mesmo modo reescrita e repensada também a jurisprudência pátria, em todo o capítulo relativo às relações entre o direito internacional e o direito interno, o cumprimento de tratados, no âmbito do direito interno, e o conjunto das questões de cooperação internacional.
Neste diapasão, com a adesão à Convenção de Viena, o Brasil demonstra, na seara internacional, de forma expressa seu compromisso com os acordos celebrados. Por conseguinte, as normas advindas das relações exteriores passam a ter cunho obrigatório, paralisando eventual norma que as contrarie.
Mutatis mutandis, vislumbramos espaços para discussão até no plano da eventual revisão de orientação doutrinária e jurisprudencial, harmonizando as assimetrias constitucionais com o projeto de integração comunitária do Mercosul.
5 CONCLUSÃO
Portanto, há possibilidades de vir a existir uma ordem juridica comunitária no Mercosul se compreendermos a nova conceção do direito, decorrente das ondas do constitucionalismo e internacionalismo. Nao havendo mais em que se falar em cooperação internacional (comitas genitum), mas num dever jurídico em efetivar as normas advindas dos acordos firmados.
Ademais, importante lição dada pelo doutrinador constitutcional Pedro Lenza (2014) ao afirmar que a Constituição Federal do Brasil passou a admitr regramento de matéria constitucional fora de seu texto, como in causu, decorrentes de tratados internacionais.
Por certo que tanto Brasil quanto os demais paises integrantes do Mercosul devem laborar num acordo de criação de um Tribunal de Justiça supranacional, cujas decisões terão força obrigatória e vinculante, portanto, força executiva imediata, estabelecendo as matérias de apreciação por tal órgão supranacional, no entanto, deverá exercer função prejudicial ou subsidiária. Portanto, o primeiro passo deve ser dado pelos próprios tribunais internos, atribuindo respeito e prevalência das normas advenientes do bloco.
José Carlos Moreira Alves, então ministro do Supremo Tribunal Federal, na conferência inaugural do XXII Simpósio Nacional de Direito Tributário (obtido em <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/946.pdf>), ao dissertar sobre os problemas concernentes ao chamado Direito Comunitário, que gradativamente vêm se instaurando no âmbito do Mercosul, discorre que o problema que se impõe é sob o ângulo da competência, ao invés da constitucionalidade; quando há uma distribuição de competências, passa-se a admitir dois ordenamentos jurídicos, não conflitantes (interno e um supranacional).
Aqui reside a proposta de nosso estudo. Esta compatibilização deve ser aferida de forma que torne efetivos os pactos internacionais firmados pelos Estados, em razão do direito dos tratados estabelecidos pela convecção de Viena. Esta justaposição das normas internacionais com as internas deve se dar mediante interpretação teleológica dos comandos constitucionais, não no sentido de exclusão, mas de harmonização, complementariedade, como dito, de diálogo das fontes.
Por tudo o que foi exposto, observamos que o Mercosul não alcançou, ainda, a maturidade acerca da coexistência das normas provenientes do bloco e o direito interno de seus Estados, como ocorre na Comunidade Europeia; o que gera a insegurança juridica não só daqueles que negociam com o bloco, mas entre seus próprios pares.
Há os que defendam que o problema passa necessariamente pela ordem interna de cada país, por sua estrutura constitucional e por seus valores. Até onde os Estados estariam preparados para receber ordenamento jurídico supranacional? Abrir mão de parte, ou totalmente, de sua soberania?
Por outro norte, há os que defendem que uma vez expedidas as normas pelo Mercosul, imediatamente deveriam ser recepcionadas pelos Estados-membros.
E por último, aqueles que defendem a ideia de que a validade das normas Mercosulinas dependeriam de aprovação dos Legislativos Nacionais.
Há, sem dúvida, de se achar um caminho para a internalização das normas do Mercosul e, a partir daí, galgar, gradualmente a fase mais complexa de desenvolvimento. Se para isso é necessária a reforma constitucional ou não, caberá a cada país dar sua resposta.
No entanto, entre os vários caminhos propostos pela doutrina contemporânea a fim de se alcançar a harmonização jurídica para se almejar a integração profunda e à luz das constituições de cada Estado-membro e de uma interpretação axiológica, apresentamos uma quarta posição de harmonização jurídica, até que se atribua maiores competências ao Tribunal Permanente de Revisão, dotando suas decisões de caráter vinculante.
Finalizamos o presente capítulo parafraseando os dizeres de Nogueira (2005, p. 21), que com maestria nos alerta que a construção de blocos regionais é tarefa jurídica, pela qual:
Não se constrói um bloco econômico com o discurso político. A vontade política é fundamental. A base econômica é o plasma da integração. O comércio é o sangue da integração. Porém, o trabalho de construção institucional é eminentemente jurídico e os operadores do Direito – não gostam da expressão, mas ela está em voga – sabem que faremos a integração mudando nossos Direitos internos, preparando os nossos países para a integração? Não importando modelos que não darão certo em nenhuma hipótese.
A internalização de normas do Mercosul nos Estados-membros é uma realidade, à luz das constituições pátrias e à da Convenção de Viena, devendo tanto a legislação interna dos Estados-membros bem como da jurisprudência nacional observarem as regras e os princípios do Direito Internacional Público que se pauta na obediência aos tratados firmados, não se admitindo sua alteração por lei interna posterior, diante do corolário lógico e jurídico, sob pena de acarretar o esvaziamento do processo de institucionalização do direito internacional.
O que pudemos obervar é que a dificuldade quanto à aplicação das normas Mercosulinas não reside em relação à legislação de cada Estado-membro, pelo contrário, como pudemos demonstrar, mas na forma de operacioná-la.
Desta feita, com o presente estudo propusemos sugerir nova linha de raciocínio, em que se incluem neste novo paradigma a formação de nova hermenêutica constitucional e da argumentação jurídica, utilzando-se de interpretação teleológica da normatividade e cujo papel do poder judiciário nacional dos Estados-membros será de suma importância na construção e aprofundamento do bloco regional, até que se atribua de forma mais ampla a competência do Tribunal Permanente de Revisão, dotando de caráter vinculante suas decisões; o que poderá ser almejado com o funcionamento por completo do Parlasul.
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Notas de Rodapé
[1] Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – Buenos Aires/ARG (com revalidação pela Universidade Federal Fluminense. Brasil). Currículo lattes: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4102447A6>.