BANGLADESH: THE EXPLORATION OF HUMAN WORK AND THE DEGRADATION OF THE ENVIRONMENT FROM LEATHER’S TREATMENT AND DYEING EXPORTED TO EUROPE

DOI: 10.19135/revista.consinter.00006.02

Sandra Mara Franco Sette[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3606-0633

Angela Alves de Sousa[2] – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1405-0677

Clayton Reis[3] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9263-2392

Resumo: A história do mundo demonstra que há milênios o homem vem sendo explorado pelo homem das formas mais degradantes. Conquistas de impérios foram obtidas a partir de lutas sangrentas com o único objetivo de obter-se riquezas (terras e escravos) e, em razão disso, a glória de um determinado povo. Constatando esses fatos, procuramos orientar nossas pesquisas em um foco específico e contemporâneo da exploração do homem pelo homem, dos riscos à saúde local e seus graves danos que ultrapassam fronteiras, e sob a forma de “artigos de luxo” transportam mais do que cores e texturas, o câncer embutido em peças que agridem ao ser humano e claro todo o meio ambiente onde são produzidas. Trata-se de Bangladesh, explorada há décadas de diversas formas, corroborando para o que classificamos como “crime humanitário”, que fere a ética a despeito daquilo que consideramos “evolução da humanidade”. Para tanto usamos como metodologia o documentário da televisão portuguesa, que tem o tom de denúncia do fato como ponto inicial a partir do qual fundamentamos teoricamente as questões históricas enfatizando a ética como essencial para que se prossiga adiante. Partindo dessas premissas, nosso objetivo foi colocar em xeque o papel do Direito no sentido de regular e mediar interesses, e de preservar a vida humana como incluso em acordos internacionais.

Palavras-chave: Exploração do trabalho humano; Degradação meio ambiente; Direitos Humanos; Direitos Difusos e Coletivos; Ética.

Abstract: World’s history shows that for millennia man has been exploited by the man in the most degrading ways. Achievements of empires were obtained from bloody fights for the sole purpose of obtaining riches (lands and slaves) and, for this reason, the glory of a certain people. Looking at these facts, we seek to guide our research in a specific and contemporary focus on the exploitation of the man by man, the risks to local health and its serious damages that cross borders, and in the form of “luxury articles” carry more than colors and Textures, cancer embedded in pieces that harm the human being and of course the whole environment where they are produced. It’s about Bangladesh, explored for decades in a variety of ways, corroborating for what we classify as “humanitarian crime”. That hurts the ethics in spite of that we considered the humanity’s evolution. For so much we used as methodology the documentary of Portuguese television, that it has the tone of accusation on the fact as initial point starting from which we based the historical subjects theoreticallyemphasizing the ethics as essential so that it continue ahead. Leaving of those premises, our objective was to put in check the paper of the Right in the sense of to regulate and to mediate interests, and of preserving the human life as included in international agreements.

Keywords: Exploitation of human labor; Degradation of the environment; Human Rights, Diffuse and Collective Rights; Ethics.

INTRODUÇÃO

Nos dias atuais a riqueza é retratada não somente por terras e escravos, a despeito da antiguidade, mas também pelos recursos humanos e naturais imprescindíveis ao desenvolvimento de uma nação. Ademais, as fronteiras territoriais que delimitam determinado país estão sendo ultrapassadas em razão do desenvolvimento tecnológico da informação, onde, a todo instante se tem notícias de fatos ocorridos do outro lado do planeta, movimento este denominado “globalização”.

Uma das maiores e mais importantes riquezas de um país, atualmente, é a força de trabalho abundante de seu povo e quanto mais pobre ele for, mais será explorado pelo capital.

Nossa investigação teve como ponto de partida o documentário realizado pela TV Portuguesa SIC Notícias, divulgado no Brasil pelo canal GNT no ano de 2015 e disponível no site ‘youtube.com’ sob o título “Toda a Verdade – Peles, escravos da moda”, chamando-nos a atenção para a gravíssima denúncia ali retratada.

Trata-se das condições sub-humanas às quais os cidadãos e trabalhadores de Bangladesh estão submetidos em decorrência da utilização e manipulação de químicos altamente tóxicos utilizados no curtimento e tingimento do couro, produto este que alimenta a indústria da moda em todo o planeta, em especial os países da Europa.

Além dos danos que causam àqueles que manipulam diretamente esses produtos, o meio ambiente é diretamente afetado uma vez que seus dejetos são descartados na água e na terra sem quaisquer cuidados, ao contrário, com total desprezo das autoridades que deixam sua população morrer à míngua. Outro ingrediente dessa tragédia e que para nós representa um verdadeiro crime contra a humanidade é o medo. Sim, o medo que se instala na população combalida pela doença, pela falta de oportunidade, pela condição de escravidão que são o sustentáculo da indústria revestida de glamour que desfila seus calçados e peças de vestuário nas luxuosas passarelas europeias, mas que ali, em pleno nascedouro os dependentes dessa indústria se calam com pavor de perderem o ‘ganha pão’, sua única fonte de sobrevivência.

Na atualidade há uma nova forma de escravidão fazendo-nos crer que seu conceito foi modificado. A escravidão moderna se dá num primeiro momento pela oportunidade que as empresas veem de se instalar em locais aonde não há fiscalização de órgãos adequados para impedir essa utilização da mão de obra barata, ocasionada pela escassez de trabalho que possa prover o sustento digno do indivíduo e de sua família. Deste modo, a população desses locais se submete a condições que venham a pôr em risco a saúde e, por consequência, a vida. Interesses comerciais a nível internacional fazem com que ocorra a pressão pelos baixos custos de produção que, por óbvio, ocorre com o barateamento da mão de obra. Esta é a exploração do ‘homem pelo homem’ tão contestada e condenada por muitos discursos, porém todos contribuem para sua perpetuação.

Se falamos em globalização, se defendemos o desenvolvimento sustentável, não estamos compactuando com a destruição da própria terra, partindo para eliminar outros seres humanos, e com eles a saúde global e o mau e continuado uso de recursos naturais não renováveis como a água, por exemplo?

De que nos valem tantas reuniões internacionais, assinaturas de acordos em prol da preservação ambiental, da gestão consciente e racional do bem comum, se pisoteamos diariamente outros seres humanos e com eles ignoramos os cuidados que nós mesmos julgamos imprescindíveis para o futuro saudável do planeta?

Estes são alguns dos questionamentos que fazemos ao constatar as condições degradantes às quais os trabalhadores da indústria do couro em Bangladesh estão sujeitos, situação análoga a realidades bem próximas a de outros países. Há a junção de condições e elementos que contrariam os Direitos Humanos Fundamentais, afetam diretamente a preservação ambiental através do mau uso dos recursos naturais, e ainda por cima “varre para debaixo do tapete”, toda a sorte de indignidade humana.

A situação exemplar de Bangladesh nos provoca reflexões e muitos questionamentos tais como: O que vem a ser ética e moral nos dias atuais? Por que a despeito de toda a evolução tecnológica e a insaciável sede e velocidade de informação os governantes, legisladores do mundo inteiro demoram a enxergar esse tipo de realidade? Mais ainda, por que em nome unicamente do lucro, o homem continua sendo escravizado e o meio ambiente degradado? Sendo assim, de que forma o Direito deve ocupar o lugar de regular as relações humanas na tentativa de promover Justiça, preservando o homem e o meio ambiente?

Diante deste contexto, esta investigação busca analisar conceitos éticos e morais tendo como base a reflexão filosófica de Aristóteles, partindo para a conceituação e definição do que era a ética para o então professor e filósofo grego (384 a 322 a.C). Em seguida, mergulha-se no universo da contemporaneidade através de Hannah Arendt (1906 a 1975), cientista política judia que sofrera ao longo da 2ª Guerra Mundial, as consequências do nazismo. Por fim, buscamos autores dos séculos XX e XXI como Edgar Morin (1921), Elinor Ostrom (1933 a 2012) Prêmio Nobel de Economia de 2009, além de Michael Sandel (1953), que nos embasam teoricamente e incitam reflexão a respeito do tema, sua consistência teórica diante das incoerências de um mundo ‘‘globalizado” que paradoxalmente aumenta o abismo entre o capital e o homem.

1 BANGLADESH: UMA BABEL CONTEMPORÂNEA?

Para compreensão da real dimensão dos problemas enfrentados por este país, imprescindível averiguar o contexto histórico dos acontecimentos.

A área hoje denominada Bangladesh passou por vários conflitos e tem um passado histórico e cultural combinando o persa, mongol, turco, árabe, entre outros. Sua civilização remonta a 4 milênios, intimamente ligada com a história de Bengala e da Índia. Cerca de 98% da população são Bengali e falam a língua Bangla e o restante são Urdu de língua não bengali muçulmanos de origem indiana. Bangladesh faz parte de uma região chamada Bengala, o 8º país mais povoado do mundo e, embora 92 sejam maiores que ele, apenas sete tem mais habitantes. Em 2015 contava com 159.031.000 habitantes ocupando uma área de 147.570 km2, sofrendo grande parte de desnutrição crônica (cerca de 27%) (BRITANNICA ESCOLA, 2017).

A maioria da população de Bangladesh é muçulmana (83%), hindus (16%) e os demais são budistas, cristãos e animistas[4]. A conversão ao Islã se deu em razão da invasão dos muçulmanos no ano 1200 d.C., que derrotaram os hindus existentes e a dinastia budista de Bengala. Desde então o Islã tem desempenhado um papel crucial na história e na política da região. Os primeiros europeus a chegarem em Bengala foram os portugueses, comerciantes e missionários, na última parte do século XV, seguidos por holandeses, franceses e britânicos. Gradualmente os britânicos foram estendendo seus contratos comerciais a Bengala, cuja ascensão ocasionou uma crescente animosidade entre hindus e muçulmanos. Esta ocupação Britânica durou cerca de 200 anos, cessando somente em 1947 (PORTAL SÃO FRANCISCO, 2017).

A República Popular de Bangladesh surgiu como nação independente em 26.03.1971, tornando-se independente do Paquistão após vários anos de conflito. Cerca de 1 milhão de bengalis foram mortos, e milhões fugiram para a Índia, que ajudou o Paquistão Oriental (Bangladesh) a derrotar o Paquistão Ocidental. O país realizou sua primeira eleição nacional em 1973, mas os militares logo derrubaram o governo. No início de 1991, realizaram-se eleições livres. Todavia, vários protestos violentos surgiram, motivados pelo descontentamento em relação aos resultados.

Marcada por conquistas e disputas entre o Hinduísmo e o Budismo, o Islamismo se tornou gradualmente dominante a partir do século XIII. Situada ao Sul da Ásia, sua geografia é caracterizada por poucas elevações e por grandes rios com uma costa pantanosa medindo cerca de 710 km de comprimento. A economia é predominantemente agrícola, porém os produtos são destinados ao consumo interno. É cultivado, em especial, o arroz, cuja cultura é dificultada, principalmente, pelas chuvas. A criação de gado é abundante, no entanto é destinado aos serviços no campo (WIKIPEDIA, 2017).

Sociedade com cultura milenar, mas pobre, seria uma a ser analisada sob o enfoque da “Teoria do bem comum” de Elinor Ostrom[5], onde a cooperação deve prevalecer sobre a competição. Na visão da autora da obra Governança dos Comuns (tradução livre), o bem comum se distingue do particular e do público, que seria a possibilidade de apropriação dos recursos naturais em extinção, sem necessariamente depender da ajuda do governo ou de outras autoridades. Enquanto o bem público é um bem de todos por estarem unidos, o bem comum é dos indivíduos por serem membros de um Estado.

A partir desta sucinta abordagem histórica e das considerações apresentadas acerca da “Teoria do bem comum”, traz-se o documentário produzido pela televisão Portuguesa “Toda a Verdade – Peles, escravos da moda[6], cerne do presente trabalho, no qual é apresentado uma gravíssima denúncia de violação aos Direitos Humanos no tocante às condições de trabalho, assim como da poluição e contaminação dos recursos naturais e materiais.

O documentário inicia com a apresentação do couro como “astro da semana de moda de Paris”, cujos produtos que dele derivam possuem preços que estão reduzindo em escala vertiginosa, em razão de os produtos estarem saindo das passarelas e invadindo as lojas mais populares.

Paris é considerada a Capital da Moda, da arte, ditando tendências para todo o mundo, tendo em vista que “os maiores desfiles, os maiores estilistas, as maiores lojas, os maiores artistas fazem parte do dia-a-dia da capital francesa” (FRANCE.FR, 2016).

O couro é um material que está presente em muitos produtos, não somente em roupas, calcados e bolsas, mas em móveis e assessórios automobilísticos, entre outros. O consumo ocorre em escala mundial. O mercado em constante crescimento movimenta cerca de US$ 77 bilhões de acordo com estimativa recente e são produzidos anualmente mais de 2 bilhões de metros quadrados de couro.

Inúmeros são os agentes químicos utilizados para o curtimento deste material, motivo pelo qual os curtidores são altamente fiscalizados/controlados pelos órgãos de preservação do meio ambiente, inclusive o do trabalho, além de outros, o que encarece o custo de produção.

Em razão desta busca por menores preços, chegamos a Bangladesh, onde se encontram os denominados “escravos da moda”, que às vezes pagam com a vida para produzir bolsas e sapatos para os consumidores Europeus.

Como anteriormente relatado, muitos são produtos químicos necessários ao curtimento do couro, entre eles o cromo[7]. Todos são altamente tóxicos e exigem que os trabalhadores tenham que fazer uso de equipamentos de proteção, obrigando que seja a indústria fortemente controlada, o que não ocorre em Bangladesh.

Na França, a exemplo de outros países, o uso de muitos produtos químicos[8] foi proibido do “dia para a noite”, fazendo com que a indústria tivesse que se adaptar, elevando muitíssimo os custos de produção, inclusive com o tratamento dos dejetos oriundos da respectiva produção antes do descarte na natureza. Neste país o preço do couro varia de 16 a 100 dólares o quilo dependendo da origem do mesmo.

Em países europeus, ditos desenvolvidos, portanto, compromissados com acordos internacionais de preservação ambiental, sustentabilidade e, sobretudo, Direitos Humanos Fundamentais, viram-se no impasse de desenvolvimento sustentável, que significa tratamento dos dejetos, segurança laboral, entre outros, o que onerava o preço do produto final para seus consumidores, razão pela qual optaram por deslocar sua linha de produção sem que nenhuma destas premissas fossem sequer observadas.

Em razão deste deslocamento do meio produtivo para países com baixo custo de produção, principalmente considerada a farta mão de obra e da flexibilidade de fiscalização dos órgãos governamentais, em cinco anos Bangladesh duplicou a exportação de couro, pois possui um dos menores preços do mundo.

Com a finalidade de conquistar os compradores, as fábricas em Dacca, capital de Bangladesh, disponibilizam locais à visitação dos Europeus, fazendo crer que proporcionam condições favoráveis aos trabalhadores. No entanto, é fato que estas fábricas subcontratam e é impossível saber onde seus pedidos são realmente processados, ou seja, longe dos olhares ocidentais.

Neste comércio globalizado a concorrência entre produtores é evidente e, para tanto, alguns se utilizam de meios, nem sempre éticos, para a conquista do consumidor. Como relatado, empresas da Europa estão deslocando seu meio produtivo para Bangladesh, em busca do barateamento do custo de produção, porém, pela denúncia ora apresentada, quem paga um preço altíssimo é a população deste país.

O couro é proveniente de um dos bairros mais discretos de Dacca, Hazaribag (Distrito dos curtumes), onde raramente se vê um Europeu e qualquer presença estranha é considerada suspeita. Toda a pele exportada é proveniente deste bairro, onde trabalham 15 (quinze) mil pessoas em cerca de 250 (duzentos e cinquenta) fábricas de curtumes, cujas entradas são vigiadas e os visitantes não são bem-vindos.

Neste local foram observadas condições desumanas de trabalho[9], com temperaturas superiores a 50 (cinquenta) graus; não há oxigênio, o odor é insuportável, numa mistura de químicos e carnes deteriorada. Produtos químicos são armazenados no interior das fábricas em condições perigosas, tais como cromo e ácido fórmico (utilizados na França), mas também alguns que foram banidos na Europa para uma curtição mais rápida e barata, como os solventes. Para o manuseio dos produtos químicos alguns trabalhadores usam luvas e botas, porém gastas, mas a maioria tem que trabalhar sem proteção. Como consequência o trabalhador tem dificuldades respiratórias e problemas de pele, pois os produtos devoram a pele e os pulmões.

O trabalho escravo ou equiparado a este, denunciado pelo documentário, relata que um dos mais perigosos está no tingimento, onde é utilizado o mercúrio, químico banido na Europa há mais de 20 (vinte) anos. Em tal procedimento os trabalhadores são submetidos ao contato do produto com a pele, já que não fazem uso de Equipamentos de Proteção Individual, contaminando todos os órgãos.

Apesar de a legislação proteger o trabalhador, nestes locais elas não se aplicam, haja vista que trabalham cerca de 12 (doze) horas diárias, 7 (sete) dias por semana, sem férias anuais e são remunerados com o valor mínimo, ou seja, cerca de 30 (trinta) euros por mês. Esta situação é tolerada em razão do alto índice de desemprego existente já que 1 (um) em cada 3 (três) estão desempregados.

Vidas e mais vidas vem sendo ceifadas[10], em nome do lucro, sujeitando os trabalhadores a condições degradantes que, no caso do curtimento do couro, se dá em razão da sujeição a agentes químicos. Os trabalhadores inspiram seus vapores, o que destrói o sistema imunológico, passando a desenvolver doenças, antes erradicadas, a exemplo da tuberculose, que em 12 anos (1990 a 2012) teve um crescimento vertiginoso[11].

O sistema de curtimento do couro compromete a saúde não somente dos trabalhadores das indústrias, mas também dos demais moradores de Dacca, que são em número de 16 (dezesseis) milhões de habitantes. Duzentos milhões de litros de resíduos tóxicos das fábricas de curtumes são lançados nos canais que levam ao Rio Buriganga, única fonte de água potável da cidade (não há tratamento de água na cidade). O Rio Buriganga é fonte de subsistência de pescadores da região, que durante mais de 6 (seis) meses ao ano fica comprometida em razão da seca, que eleva os índices de poluição a níveis extremos.

É possível considerar que o documentário apresenta de mais alarmante seja a contaminação do couro que ultrapassa os limites da Hazaribag, ou seja, o uso do cromo no curtimento do couro o torna perigoso para aqueles que dele fazem uso. Os dejetos do cromo utilizados pelos grandes curtumes são descartados e consumidos pelos pequenos, que exposto aos raios ultravioletas sofre uma alteração em sua composição, oxidando, ou seja, torna-se o cromo VI, ou cromo hexavalente[12]. Substância comprovada e altamente cancerígena quando absorvida pela pele, contamina, principalmente, os pulmões e, por consequência, o sistema imunológico do indivíduo.

Em humanos o cromo causa diversas doenças, dependendo de como absorvido. Quando inalado age no pulmão como irritante e cancerígeno, estando ligado ao aumento em casos de asma, bronquite, pólipos do trato respiratório e o aumento de linfonodos e da região da raiz do pulmão. Uma vez absorvido pela pele, ao ser manejado de forma desprotegida, pode deixar a pele seca, rachada e escamosa, com ulcerações conhecidas como “buracos de cromo”.

O cromo hexavalente uma vez fixado no couro pode viajar por todos os locais da terra. Vários contêineres com malas, bolsas e sapatos chegam diariamente à Europa, oriundos de Bangladesh, ameaçando a saúde dos consumidores.

No Porto de Hamburgo 10 (dez) milhões de contêineres chegam ao solo europeu todos os anos, oriundos de portos de todo o mundo, porém, no máximo 1% deles são averiguados, ou seja, mais de 99% não são avaliados quanto a sua toxidade.

Atualmente, na Europa, a importação de produtos infectados com cromo hexavalente não é proibido e milhares de produtos continuam a circular livremente, ultrapassando os limites de suas fronteiras.

Por tudo que ora exposto, é possível concluir que Bangladesh é um país pobre, cuja população vive em condições indignas e os trabalhadores se submetem a condições de trabalho degradantes visando a sobrevivência, já que nada podem fazer para modificar este panorama. Esta situação, que pode ser denominada e/ou caracterizada por “escravidão moderna”, se perpetua em razão da exploração do trabalho pelos empregadores que visam somente o lucro, bem como da ausência do Estado através de seus instrumentos de fiscalização.

Todo o capital, representado por empresas, ou não, que adquirem produtos e que contratam a mão de obra deste país é, por óbvio, responsável pela realidade social, a exemplo daquelas que comercializam roupas e calçados, favorecendo este panorama. Os produtos em couro oriundos de Bangladesh são consumidos em todo o mundo, aproximando a todos e tornando-os responsáveis indiretos por esta catástrofe humana.

A questão do livro mercado, apontada por Michel Sandel (2012, p. 99), se fundamenta na afirmação de liberdade e do bem-estar social. A liberdade seria a visão libertária dos mercados, cuja ideologia permite que as pessoas realizem trocas voluntárias, respeitando sua escolha pessoal e, qualquer lei que venha a interferir no livre mercado acaba por violar a liberdade individual. No tocante ao bem-estar social “é o argumento utilitarista para os mercados. Esse argumento refere-se ao bem-estar geral que os livres mercados promovem, pois, quando duas pessoas fazem livremente um acordo, ambas ganham. Se o acordo as favorece sem que ninguém seja prejudicado, ele aumenta a felicidade geral”.

No contexto apresentado neste trabalho, o que se percebe é que as escolhas não são livres, como possam parecer. Ao trabalhador de Dacca, em Bangladesh, não cabe escolha, muito ao contrário, eles imploram por um trabalho que possa lhe proporcionar a sobrevivência, mesmo que sua vida e saúde estejam em risco.

A ética e a moral, as quais se destinam a um fim específico que seria a felicidade, na visão de Aristóteles, não se aplicam nesta questão. Não há felicidade em viver e trabalhar sob tais condições. Trata-se de ofensa aos direitos que denominamos de humanos e/ou fundamentais, os quais se aplicam a todo ser humano, independentemente do lugar do planeta que esteja.

Mais, o que se percebe é que neste local as leis internas não se prestam a proteger o trabalhador, já que não são aplicadas e as empresas sequer são fiscalizadas, em nome do interesse econômico que o curtimento do couro proporciona. O papel do Direito neste panorama fica renegado a segundo plano, ou último plano, não se prestando a reger a vida em sociedade e proteger o hipossuficiente.

2 ÉTICA – ETIMOLOGIA E CONCEITO

A todo instante nos deparamos com a palavra ‘ética’. Mas o que ela significa? Com intuito de sanar dúvidas acerca de quais condutas humanas podem ser consideradas éticas, este estudo investiga o tema sobre diversos contextos, já que presente em nosso cotidiano, seja nas decisões familiares, políticas ou no trabalho.

Ethos, vem do grego e significa modo de ser, costume ou caráter. Significa dizer que a ética é algo que se aprende, apreende e se transforma num comportamento adquirido e particular ao ser humano na sociedade onde vive e se desenvolve. Deste modo o conceito do que vem a ser ético torna-se passível de variáveis de acordo com determinada época histórica, política e econômica.

Ética é chamada de “ciência da conduta” pelo filósofo Abagnano (1995), e definida por Plácido e Silva (2001, p. 328) como “a ciência da moral”, porém na terminologia da técnica profissional “é fundada no complexo de normas, estabelecida pelos usos e costumes”.

Quando se fala no tema, imperioso apresentar o conceito de Aristóteles[13], conhecido como o “pai da ética” e para quem a ética começa quando se estabelece a noção de felicidade, sendo esta, atingida ao buscarmos virtudes no ser humano. O conceito de felicidade nesse contexto era, portanto, a retidão de princípios e a harmonia com a natureza que hoje chamamos de meio ambiente. Para o professor e filósofo à ética somava-se a moral, e de ambas se esperava condutas socialmente aceitas como atitudes lícitas e com lisura. Essas ideias de virtude da Grécia Antiga não tem o mesmo significado nos dias de hoje, que tem uma influência forte do cristianismo.

Cabe à ética Aristotélica determinar qual seria a finalidade suprema, que qual preside e justifica todas as demais e qual seria a maneira de alcançá-la. A felicidade seria a finalidade suprema, porém esta não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa vida virtuosa (VASCONCELOS, 2002).

Para Aristóteles, estudamos a ética afim de melhorar nossas vidas e, portanto sua preocupação principal é a natureza do bem-estar humano. Ele fez uma análise do agir humano, ensinou que todo o conhecimento e trabalho visam a algum bem, já que este é a finalidade de toda a ação (GALLO, 2003, p. 54).

A ética, para Aristóteles, seria o instrumento que levaria à felicidade, com o intuito de melhorar a vida, principalmente num contexto social. Em suma, adotando-se condutas que proporcionem o bem-estar a todos.

Quando se fala em ética logo pensamos em moral que, embora complementares, não são exatamente sinônimos. Neste sentido, etimologicamente considerado, moral tem origem no latim Morales, que significa “relativo aos costumes”, sendo conceituada como “o conjunto de regras adquiridas através da cultura, da educação, da tradição e do cotidiano, e que orientam o comportamento humano dentro de uma sociedade”. Do conceito ora apresentado conclui-se que a moral (…) “está associada a valores e convenções estabelecidos coletivamente por cada cultura ou por cada sociedade a partir da consciência individual, que distingue o bem do mal, ou a violência dos atos de paz e harmonia” (SIGNIFICADOS, 2016).

Sobre a própria natureza da moral, Vázquez (2012, p. 63) define, como ponto de partida que “a moral é um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens”. Que, de um lado fala de normas e, de outro, de comportamento.

Pelos conceitos ora apresentados possível concluir que a finalidade da ética e da moral seriam muito semelhantes, pois ambas são “responsáveis por construir as bases que vão guiar a conduta do homem, determinando o seu caráter, altruísmo e virtudes, e por ensinar a melhor forma de agir e de se comportar em sociedade” (DICIONÁRIO INFORMAL, 2016).

Para Aristóteles a característica fundamental da moral é “o racionalismo, visto ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar” (PUC/SP, 2016). (…) a ética pode contribuir para fundamentar ou justificar certa forma de comportamento moral (VÁZQUEZ, 2012, p. 20).

Não há como falar em ética, modernamente considerada, sem mencionar Hannah Arendt[14]. Ela sempre dizia que buscava antes de tudo compreender e, esta, em suas palavras, é “uma atividade interminável, por meio da qual, em constante mudança e variação, aprendemos a lidar com nossa realidade, reconciliamo-nos com ela, isto é, tentamos nos sentir em casa no mundo” (1993, p. 39).

Em sua obra A Condição Humana, que trata sobre as ações fundamentais exercidas pelos homens, como o trabalho, o labor e a ação, logo no prólogo ela cita seu propósito que seria “(…) muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo” (2001, p. 13). Através da frase acima mencionada, proposta pela autora, é possível concluir que seu objetivo foi propor uma reflexão e entender a ética a partir de um contexto político da vida humana.

Na visão de Serra e Silva (2003, p. 117) a ética em Arendt não estabelece regras de conduta determinadas, situadas fora do sujeito que pratica a ação. Esclarecem que “(…) é pelo pensamento que a responsabilidade pessoal que do homem diante do mundo e das gerações futuras, aflora de modo a vencer toda apatia, toda futilidade e todo mal que corrompem o espaço público e a liberdade humana”. Na prática do ato o sujeito avalia seus próprios princípios, através da livre escolha, se realizando de forma ética.

Considerado um dos principais pensadores contemporâneos e um dos principais teóricos da complexidade, Edgar Morin[15] (2005, p. 125), em sua obra Ciência com consciência, ensina que “é preciso saber que a ciência e a razão não têm a missão providencial de salvar a humanidade, porém, têm poderes absolutamente ambivalentes sobre o desenvolvimento futuro da humanidade”.

Discute o papel do pesquisador/cientista e o chama à responsabilidade tanto nas escolhas que vier a fazer quanto ao foco de sua investigação. Questiona até mesmo o papel do Direito como mediador e regulador de conflitos, num mundo globalizado que, por ironia acentua o abismo entre os que tem e os que nada possuem. Mostra que o conceito de ética hoje deve evoluir para aquilo que chamamos responsabilidade seja ela empresarial, ambiental ou social.

É preciso considerar que a conduta humana é praticada, também, em nome de pessoas jurídicas, nesta compreendida como sendo uma entidade criada pelo homem e detentora de direitos e obrigações. Ou seja, a pessoa jurídica, detentora de personalidade, pratica atos e estas condutas estão sujeitas aos preceitos éticos e morais.

Conduta moral é conceituada como “conjunto de regras de comportamento, códigos de conduta que coletividades adotam, quer sejam uma nação, uma categoria social, uma comunidade religiosa ou uma organização qualquer” (SROUR, 2003, p. 31). Deste é possível concluir que a pessoa jurídica é dotada de vontade, já que sujeito de direitos e obrigações.

As empresas se encontram na atualidade muito vulneráveis à pressão da sociedade. “A pressão exercida pelos consumidores, por exemplo, tem feito com que as empresas ultrapassem o campo das obrigações legais (…) e passem a ter também preocupações éticas” (ALENCASTRO, 2010, p. 83). A reputação da empresa pode constituir um patrimônio e sua exposição a algum escândalo torna-a muito sensível a degradação, em especial quando sabemos que “os meios de comunicação funcionam como agência de controle social e convertem a reputação em uma espécie de planta, cujo delicado desabrochar exige cuidados especiais” (SROUR, 2010, p. 353).

No entanto, esta preocupação ética e moral por parte das empresas envolvidas não é observada quando tratamos da atual situação vivida pelos trabalhadores da indústria de processamento do couro em Bangladesh, objeto principal deste estudo.

Diante das considerações ora apresentadas, pode-se concluir que, ética e moral, pela própria etimologia, dizem respeito a uma realidade humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem. No entanto, esta conduta é praticada e nome de pessoas jurídicas, as quais são dotadas de direitos e obrigações, nesta compreendida a responsabilidade social, conforme passaremos a expor.

3 MEIO AMBIENTE AMEAÇADO E O HOMEM EXPLORADO PELO HOMEM

O homem passou a trabalhar apenas para satisfazer suas necessidades biológicas de sobrevivência, as quais, quando supridas, ampliaram-se dando origem a outras relações. O trabalho é tão antigo quanto o homem e teve origem como “símbolo da humilhação, desonra e degradação da espécie humana e na evolução da humanidade é exaltado ou desprezado, conforme as diferentes épocas e classes sociais diversas” (GROTT, 2005, p. 23-24).

Na Antiguidade a relação de trabalho era de escravidão, ou seja, escravizador-escravo, em razão do trabalho braçal ser considerado aviltante. No entanto, havia os artesãos que eram livres e pagos pelo desempenho de seus serviços, podendo, hoje, ser comparados aos profissionais liberais.

Foi na Grécia que houve um movimento inicial de amor ao trabalho, em razão da inclusão deste princípio na Constituição Ateniense por Teseu e Solon. “Foi um raio rápido que atravessou a Antiguidade”, apagando-se pouco depois no curso da História. A necessidade e importância do trabalho para a prosperidade ou para o gozo de privilégios levaram Platão e Aristóteles a admitirem a escravatura em A República e A Política (RUSSOMANO, 2002, p. 22).

Na Idade Média o panorama é diverso onde a relação de trabalho era senhor-servo. Esta relação se diferencia da escravidão, sobretudo pelo fato do servo ser livre para ir aonde quisesse, desde que não tivesse dívidas com o senhor das terras. Nela o trabalhador é o camponês que retira da terra o seu sustento, sujeito a tributos, sem nunca poder se transformar em proprietário, senhor feudal. Não tinha remuneração, mas “trabalhava para ter o direito de morar nas terras de seu senhor” (HISTÓRIA LECIONADA, 2017).

Em fase posterior, mas ainda na Idade Média, houve avanço da agricultura que trouxe progressos para o trabalho humano na medida em que inseridos instrumentos e ferramentas. Assim se constituíram as denominadas corporações, nas quais o trabalho era distribuído em níveis: aprendizes, companheiros e mestres.

Já a denominada Revolução Industrial trouxe um novo panorama sobre o trabalho, afetando não somente o valor e a forma, mas a sua organização e as políticas sociais.

Na Idade Moderna, três foram os grandes momentos que mudaram a face da História: a Renascença (humanismo), A Revolução Francesa (liberalismo) e a Revolução Russa (socialismo). Surgem as empresas familiares, as quais passam a comercializar os produtos artesanais produzidos por membros do grupo familiar.

Com a Revolução Industrial as relações sofrem uma alteração significativa. Com êxodo rural, sem ferramentas para o desempenho do artesanato, a única moeda de troca foi o fornecimento da força de trabalho, passando, desta forma, a serem “escravos” do capitalismo. Deste movimento surge o conceito de emprego, característico da Idade Contemporânea.

Falar em trabalho e não falar em Karl Marx (2001, p. 211) seria um contrassenso, já que referência no tema. Em sua obra O Capital, ensina que:

O trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza, um processo no qual o homem por sua atividade realiza, regula e controla suas trocas com a natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem à sua natureza corporal, braços e pernas, cabeças e mãos, para se apropriar das substâncias naturais sob uma forma utilizável para sua própria vida. Agindo assim, por seus movimentos sobre a natureza exterior e transformando-a, o homem transforma ao mesmo tempo a sua natureza.

Atualmente, em razão dos avanços da tecnologia e dos meios de comunicação, pode-se dizer que estamos adentrando na Idade denominada pós-contemporâneo, cujas características vem modificando as relações econômicas entre empresas, empregados, governos etc.

Uma das tarefas mais difíceis, porém, imprescindíveis, é conceituar determinados institutos, e o ‘Trabalho’ não seria diferente.

Histórica e etimologicamente a palavra trabalho decorre de algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura. Tem origem no latim – tripalium, que se refere a uma “espécie de instrumento de tortura, ou canga[16] que pesava sobre os animais”. Devido a isso “os nobres, senhores ou os vencedores não trabalhavam, pois consideravam o trabalho uma espécie de castigo”. Atualmente o trabalho “significa toda energia física ou intelectual empregada pelo homem com finalidade produtiva (…)” (BONFIM, 2014, p. 3).

Como pressuposto do trabalho tem-se a ação, emissão de energia, desprendimento de energia humana, física e mental, visando atingir determinado resultado.

Num olhar filosófico do tema, imperioso mencionar Hannah Arendt (2007, p. 15), para quem trabalho se diferencia de labor, sobretudo pelo fato de que este primeiro objetiva a produção de bens duráveis, quando o último corresponde ao processo biológico, onde a condição humana é a própria vida. Para ela, labor é a força despendida para produzir o pão e não existe trabalho sem labor, porém o inverso é possível.

John Locke atribui ao trabalho a conquista de bens, em outras palavras, ensina que ao retirar um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, misturar nisso o seu trabalho e a isso acrescentar algo que lhe pertence, torna-o sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que exclui o direito comum dos outros homens (BOBBIO, 1998).

A exploração do trabalho humano e a degradação ambiental ocorre em todo o mundo, em especial nos países mais pobres, a exemplo de Bangladesh, cuja população vive em condições totalmente precárias, em decorrência do processamento do couro, que vem fazendo uso dos recursos humanos e naturais de forma indiscriminada e criminosa.

Como exemplo temos a China que é o maior exportador mundial de sapatos, seguido por Bangladesh, onde a exploração é das mais terríveis, haja vista que a imensa maioria dos trabalhadores recebem de 25 a 37 dólares por mês, o correspondente a 50 e 80 reais. Vivem sem nenhuma condição humana de vida, em favelas monstruosamente grandes. Há protestos, greves e manifestações, todas reprimidas fortemente, já que é a mão de obra mais barata do mundo (GIANNOTTI, 2012).

Questiona-se, em especial, o papel das empresas que contratam este tipo de serviço, seja de forma direta ou indireta, no contexto ético e moral de suas ações. No entanto, possível constatar que se tem muito mais perguntas do que respostas a tais problemas.

A todo instante notícias são veiculadas apresentando questões de nível ambiental como o aquecimento global, derretimento das geleiras, terremotos, maremotos, entre outros, cujas causas, segundo os pesquisadores, são acarretadas pelo uso dos recursos naturais de forma indiscriminada. A poluição, seja do ar e/ou das águas, em razão da emissão de poluentes dos mais diversos, seria a causadora das catástrofes da natureza.

É possível propor respostas a estas questões, pelo menos no que diz respeito ao meio ambiente, a partir dos ensinamentos de Elinor Ostrom (1990), pesquisadora tenaz que passou grande parte de sua carreira estudando como certas comunidades conseguiram gerir os recursos comuns. Em suas pesquisas a descoberta formulada foi que grupos de pessoas tendem a ter conjuntos específicos de regras, normas e sanções, para assegurar que tais recursos sejam utilizados de forma sustentável. Segundo seus ensinamentos, acredita que o grande desafio seja promover o autocompromisso entre os membros, o comprometimento de seguir o conjunto de regras em todas as instâncias, exceto em emergências terríveis se o resto das pessoas afetadas assumirem um compromisso semelhante e agir em conformidade.

Apresenta, em sua obra Governar os Comuns, teoria fornecendo elementos de prova sobre regras e mecanismos de aplicação, os quais disciplinam a exploração dos recursos naturais por parte de seus utilizadores (consumidores). A forma para se chegar à resolução dos problemas seria a organização e a cooperação entre aqueles que precisam utilizar os mesmos recursos de forma que todos façam uso destes de forma igualitária.

Como resultado de um conjunto de observações de casos práticos sobre a governança de recurso e bem comuns, foram estabelecidos princípios para a elaboração de regras que quando combinada de forma cooperativa com os utilizadores proporcionam maior sucesso em seus resultados.

Portanto, Ostrom apresenta uma proposta que mergulha em soluções que não as que visam apenas o lucro imediato, mas que defendem o meio ambiente, apresentando soluções locais em contrapartida das globais que massacram e perpetuam infinitamente a exploração do homem pelo homem.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é reconhecido juridicamente como uso do bem comum, porém, as questões ambientais perpassam as atividades humanas. Portanto, é preciso conhecer quais as atividades humanas, entre elas o trabalho, interferem na qualidade do ambiente e de que modo este interfere na vida humana. O trabalho é considerado um instrumento de valor social e indissociável da dignidade da pessoa humana, princípio este protegido pelo ordenamento jurídico.

Com a finalidade de atender ao interesse econômico o meio ambiente vem sendo vilipendiado ao longo dos séculos. A degradação e o aviltante consumo dos recursos naturais são notórios em razão da alteração das técnicas de produção, base do capitalismo, que visam sua ampliação e o barateamento do produto final.

A exploração dos recursos naturais, com o uso excessivo de água e energia, vem causando o esgotamento da capacidade de regeneração da natureza, tendo em vista que o consumo se dá em ritmo maior, seja de matérias-primas, quanto da grande quantidade de resíduos resultantes da industrialização.

Os avanços da tecnologia e das ciências, assim como o desenvolvimento, ajudaram a fomentar o acúmulo de capital, o desemprego, o trabalho precário, a destruição da natureza a miséria e a destruição dos direitos humanos (FRIGOTTO, 2000).

Mas, a mais grave das consequências é aquela que ultrapassa os limites de determinado país ou região, que são as mudanças climáticas. O aquecimento global, denominado “efeito estufa”, é causado pela emissão de gases e vapores, principalmente, pelos países mais industrializados.

Historicamente o trabalhador tinha sua subsistência no cultivo da terra, na criação de pequenos animais, para consumo e troca, assim como pelo trabalho manufaturado, situação alterada pelo novo modo de produção, o industrializado. Esta alteração ocasionou a alteração gradativa e sistemática da perda da qualidade de vida, tendo em vista que não foram resguardadas as condições essenciais para a mesma. A exploração do meio não se dá somente em relação ao meio ambiente, mas também em relação ao homem. Muitos vivem explorando outros seres humanos com o objetivo de acumular riquezas.

Este é o panorama apresentado por este trabalho, seres humanos e os recursos naturais de Bangladesh estão sendo degradados, sim, a palavra é “degradação”. O homem está sendo consumido pelas péssimas condições de trabalho realizado nos curtumes de Dacca, capital de Bangladesh. Estão sendo submetidos a condições desumanas, contrariando valores inerentes ao ser, como direito à vida, à saúde e à sadia qualidade de vida. Estão sendo explorados pelo capital, que colocou uma venda e finge não tomar conhecimento de tal situação.

Os curtumes de Bangladesh estão ceifando vidas, poluindo a terra e a água com produtos químicos altamente tóxicos. Fazendo ressurgir doenças consideradas erradicadas em muitos países, a exemplo da tuberculose, altamente transmissível, em especial nas condições desumanas que residem os moradores do local. Os rios e peixes estão contaminados e isso é fonte de sobrevivência para muitos pescadores artesanais, ajudando a proliferar a contaminação.

Toda esta situação sofre o estímulo das grandes empresas europeias que contratam os serviços destes produtores, contribuindo para a continuidade da exploração do homem pelo homem, exploração dos recursos naturais e da pobreza humana. Ao longo do tempo esta exploração, seja do homem ou do meio, vem sendo suportado pelos trabalhadores do campo e das cidades, colocando em risco a saúde e a vida de todos os seres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS – UM CONVITE À REFLEXÃO A TÍTULO DE CONCLUSÃO

Em razão da influência do capitalismo no mundo globalizado, ninguém, nem nenhum país sobrevive isoladamente. Por esta razão, seja qual for a nação, para sobreviver, considerado tal sistema, para alguns pouco vantajoso, para outros injusto, parece que dele não é mais possível escapar. No entanto, ainda que seja preciso aplicar novas regras, novos conceitos, absorver novos conhecimentos e técnicas, participar desta globalização não necessariamente deveria significar o abandono do respeito ao ser humano e ao meio ambiente que cerca e serve a todos.

Todas as atividades desenvolvidas pelas sociedades, desde os primórdios e até agora, demandam o estabelecimento de conjunto de regras para conduzir e regular os processos de produção, distribuição, circulação dos recursos de forma coordenada.

De qualquer modo, a responsabilidade ética, moral e social está inserida no contexto da economia, da justiça social, dos direitos fundamentais, da preservação do meio ambiente, do regime de cada país.

Em breve síntese, constatou-se que a ética é um instrumento primordial a ser incorporado em todas as culturas, para que exista de fato uma transformação social capaz de considerar o respeito a valores humanitários cessando essa secular exploração do homem pelo homem. Estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas, que visam apenas o ganho de capital, fazendo-as compreender que o uso indiscriminado de recursos naturais e humanos, certamente representará prejuízos a médio e longo prazo para toda a humanidade.

Além dos dados coletados e examinados para a formulação do presente trabalho, observa-se que as práticas diárias de inúmeras atividades indicam que a aplicação e o respeito à dignidade da pessoa humana estão muito longe do ideal preconizado nos Tratados Internacionais, assim como nas Constituições Democráticas.

O que se constata é que em busca de minimizar os custos e maximizar os lucros, empresas estão transferindo sua produção para países onde a mão de obra é farta, porém o trabalho é desempenhado sem a observância de normas mínimas que garantam a sadia qualidade de vida. Isso faz com que a responsabilidade ética, moral e social empresarial deixem de ser observadas e cumpridas, pois, direta ou indiretamente são as mesmas responsáveis pelos abusos cometidos.

No olhar do Autor, seria imperioso ao Estado, através dos poderes constituídos, que medidas de fiscalização e orientação fossem formuladas, com a finalidade de coibir tais atitudes. Todas as medidas teriam por objetivo conduzir a prática da verdadeira responsabilidade social empresarial para o campo do desenvolvimento sustentável e o efetivo respeito da dignidade da pessoa humana.

Durante todo o processo de nossa análise a respeito dos conceitos de ética e de que forma devemos prosseguir no sentido de pensarmos numa sociedade de maneira mais completa e para além dos interesses classistas, procuramos compreender de que maneira podemos seguir evoluindo diante de métodos de geração de recursos e modos de produção, que mantêm até hoje a exploração do homem pelo homem, considerando a livre-inciativa como a mola propulsora de uma sociedade.

Mas a que preço? A situação de Bangladesh que, infelizmente, é apenas um dos inúmeros exemplos, demonstra que é preciso, e urgente, uma reflexão que possa se tornar ação para a transformação social genuína.

Enquanto seres humanos não podemos aceitar e nos acostumar com as práticas apontadas onde for que sejam adotadas. Não é próprio do Direito, da ética, nem da moral. Não cabe na Justiça.

Permanecer indiferente, impossível. Impõe-se ir em busca das reflexões e dos ensinamentos dos filósofos que nos inspiraram na formulação desse trabalho e que nos apontam o caminho a trilhar. Por uma discussão ampla e que conduza a todos em direção das nossas responsabilidades sociais e empresariais através da produção científica.

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Notas de Rodapé

[1] Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2006). Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania, junto ao Programa de Mestrado do Centro Universitário de Curitiba –Unicuritiba. Advogada na área de Direito Previdenciário

[2] Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Rondonópolis – Mato Grosso. Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania, junto ao Programa de Mestrado do Centro Universitário de Curitiba – Unicuritiba.

[3] Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1970). Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1996) Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1999). Pós-Doutorado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Portugal (2013). Professor titular em Direito e Professor do Curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – Unicuritiba.

[4] O termo ‘animismo’ é definido como uma construção antropológica, e não uma designação dada pelos próprios povos. Descreve o segmento mais comum e fundacional das perspectivas ‘espirituais’ ou ‘sobrenaturais’ dos povos indígenas. Pode-se dizer que se trata mais do que uma religião, mas de uma opção de vida. WIKIPEDIA, Animismo. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Animismo>. Acesso em: 28 jun. 2017.

[5] Elinor Ostrom foi economista norte-americana nascida em 1933 e a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel da Economia, este no ano de 2009.

[6] Documentário exibido pela rede de televisão GNT. YOUTUBE, Toda a Verdade – Peles, Escravos da Moda. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LSlupFlGWOc>. Acesso em: 14 fev. 2016.

[7] O cromo é um dos produtos químicos mais tóxicos utilizados no processamento do couro, causador de várias patologias graves, inclusive o câncer. Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/couro-giz-explica/>. Acesso em: 25 ago.2016

[8] Segundo relatório elaborado e editado por Bain & Company, entre os produtos para o curtimento se encontram os sais de cromo, sulfeto de sódio, sulfato de amônio, ácido sulfúrico, oxido de cálcio (cal), ácido fórmico, formiato de sódio, resinas poliuretânicas e acrílicas, taninos naturais e sintéticos, bem como as preparações e formulações de fungicidas, bactericidas, solventes, óleos de engraxe corantes, ceras e lacas. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/download/aep_fep/chamada_publica_FEPprospec0311_Quimicos_Relat4_Quimicos_para_couro.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[9] O trabalho escravo, infantil e em condições indignas são denunciados constantemente pelos meios de comunicação, inclusive via internet, a exemplo da GreenMe.com.br que é uma revista brasileira on-line, de informação e opinião. Também é editada na Itália como GreenMe.it e nasceu com o objetivo de contribuir para difundir, com humor e praticidade, comportamentos e estilos de vida mais conscientes com o meio ambiente e com o planeta em que vivemos. Disponível em: <https://www.greenme.com.br/quem-somos>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[10] Após uma grande tragédia é que se percebe a mobilização em níveis internacionais evidenciando e denunciando as condições, no mínimo, inseguras em que se dá o trabalho, a exemplo do desabamento de um prédio onde estavam instaladas cinco oficinas têxteis, que causou a morte de pelo menos 1.127 pessoas e ferimentos a 2.438. EXAME.COM. OIT defende mudança das leis de Bangladesh após tragédia. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/oit-defende-mudanca-das-leis-de-bangladesh-apos-tragedia>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[11] Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o Bangladesh registra 570 mil casos de pessoas infectadas, que originam 66 mil mortes anuais, posicionando o país em sexto lugar do “ranking” dos mais afetados pela doença. As organizações não governamentais apontam para maior incidência da doença entre trabalhadores da recolha e reciclagem de lixo e os seus familiares. Disponível em: <http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/18374/tuberculose-assassina-silenciosa-tem-rosto>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[12] O cromo hexavalente é elemento cromo no estado de oxidação +6, uma forma puramente manufaturada do minério, que não é encontrada na natureza e é inerentemente mais instável do que o estado natural de oxidação, +3. Antes comum em toda indústria de curtume e na indústria automotiva, o Cr(VI) foi classificado como cancerígeno aos humanos pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), pela IARC e pela Organização Mundial da Saúde. Desde então, ele foi estritamente regulamentado e quase completamente banido. Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/couro-giz-explica/>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[13] O Filósofo grego Aristóteles nasceu em 384 a.C., na cidade antiga de Estágira, e morreu em 322 a.C. Seus pensamentos filosóficos e ideias sobre a humanidade tem influências significativas na educação e no pensamento ocidental contemporâneo (Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/aristoteles/>. Acesso em: 19 ago. 2016).

[14] Cientista política germânica de origem judia nascida em Linden, Hanôver, Alemanha, consagrada como um dos grandes nomes do pensamento político contemporâneo por seus estudos sobre os regimes totalitários e sua visão crítica da questão judaica. (…) suscitou muitas polêmicas ao denunciar o papel das lideranças judaicas no extermínio nazista da Segunda Guerra Mundial.

[15] Edgar Morin nasceu em Paris, no dia 08.07.1921. É um antropólogo, sociólogo e filósofo francês, judeu de origem sefardita. Pesquisador emérito do Centre National de la Recherche Scientifique. Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia.

[16] Peça de madeira que prende os bois pelo pescoço e os liga ao carro ou ao arado.