THE REPARATION OF DAMAGES FOR THE BREACH OF THE CONJUGAL LOYALTY DUTY IN THE SOCIAL NETWORKS
DOI: 10.19135/revista.consinter.00005.25
Carla Ferreira Gonçalves[1]
Joaquim Humberto Coelho de Oliveira[2]
Resumo: O surgimento e a implementação de novas tecnologias de informação e comunicação, mudaram a forma com que o indivíduo se relaciona com os demais no meio social. As relações interpessoais revolucionaram numa velocidade vertiginosa nas últimas quatro décadas. O advento da Internet foi fator determinante para a configuração dos novos paradigmas de relacionamento. Cada pessoa é capaz de se posicionar diante de bilhões de outras pessoas, sem que precise, se locomover. Como o próprio nome implica, as tecnologias de informação e comunicação permitem que pessoas, conectadas entre si, compartilhem, criem e discutam novos conhecimentos. Nesse cenário de hiperconectividade surgiram as redes sociais virtuais, que funcionaram como catalisador para a revolução das formas de relacionamento. A revolução tecnológica valorizou a comunicação e possibilitou a conversação e interação entre pessoas a distância seja ela restrita a duas pessoas ou a um grupo de pessoas determinadas. As redes sociais digitais tornaram-se ambientes propícios à infidelidade virtual. O presente trabalho tem como objetivo verificar a possibilidade de configuração de dano decorrentes da violação do dever de fidelidade recíproca e a reparação civil.
Palavras-chave: Redes Sociais. Infidelidade virtual. Responsabilidade Civil.
Abstract: The emergence and implementation of new information and communication technologies has changed the way in which the individual relates to others in the social environment. Interpersonal relationships have revolutionized at breakneck speed in the last four decades. The advent of the Internet was a determining factor for the configuration of the new relationship paradigms. Each person is able to stand in front of billions of other people, without needing, to get around. As its name implies, information and communication technologies allow people, connected to each other, to share, create and discuss new knowledge. In this scenario of hyperconnectivity virtual social networks emerged, which acted as a catalyst for the revolution of forms of relationship. The technological revolution has valued communication and enabled conversation and interaction between people at a distance to be restricted to two people or a group of determined people. Digital social networks have become environments conducive to virtual infidelity. The present work aims to verify the possibility of configuration of damage due to violation of the duty of reciprocal fidelity and civil reparation
Keywords: Social Networks. Virtual Infidelity. Civil Liability.
1 INTRODUÇÃO: RELAÇÕES E REDES SOCIAS
Identificou-se um enorme avanço alcançado nos campos do conhecimento e das tecnologias no final do século XX. A difusão das inovações nas áreas da informática, telecomunicações, microeletrônica, biotecnologia, entre outros, transformou e ampliou as possibilidades de produção de bens e dos serviços.
Os avanços tecnológicos têm sido causa de grandes transformações sociais, a tecnização e a informatização da sociedade colocam o conhecimento em posição privilegiada, como fonte de valor e de poder. As novas tecnologias de informação e comunicação possibilitam e promovem uma nova sociedade denominada de sociedade da informação, onde a informação é sua matéria-prima e as tecnologias de informação e comunicação são utilizadas para agir sobre ela.
As facilidades de comunicação e de acesso amplo à informação resultante do processo interação do homem com as novas tecnologias de comunicação e informação vêm ocasionando mudanças irreversíveis nos comportamentos dos indivíduos e das massas.
O crescente volume de informação gerada, coletada, armazenada e disponibilizada pelos sistemas informacionais nas últimas décadas, possibilitou o surgimento da denominada sociedade da informação.
A sociedade da informação pode ser definida como um modo de desenvolvimento social e econômico, em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação da informação desempenham um papel central na atividade econômica recaindo sobre o setor de serviços e com utilização intensiva do conhecimento através das inovações tecnológicas oferecidas pela informática e pelas novas tecnologias de informação e comunicação.
Sob essa perspectiva de abordagem do conceito de sociedade da informação, de uma amplidão mais cultural que econômica, Pierre Lévy[3] identificou a construção de um espaço móvel ou digital das interações. Essas novas sociabilizações envolveriam conhecimentos e conhecedores coletivos, inteligentes e desterritorializados, provocando mutações nos modos de comunicação, de acesso ao saber, de pensamento e de trabalho. Por esse viés, é vislumbrada a possibilidade de se elaborar um projeto de inteligência coletiva global, reinventando, nos espaços virtuais de encontro, a democracia em tempo real, com mecanismos diretos de deliberação.
Uma das características da sociedade da informação é a possibilidade de congregação de pessoas de quase todos os níveis sociais, de diferentes idades, de diversas culturas e heterogenias e sem nacionalidade definida, com a utilização de instrumentos conectantes, com abrangência planetária, operando sem constrangimentos de fronteiras quer geográficas, quer políticas.
Registra-se que a informação e a comunicação disponibilizadas em grande quantidade e velocidade têm promovido poderosamente os processos de transformação nos campos social, cultural, econômico e jurídico rearticulando toda a sociedade.
Em boa parte da história da humanidade, as redes familiares e de vizinhança foram responsáveis pela proteção e segurança contra os perigos e ameaças provocados pelos estranhos ou estrangeiros.
Ganham relevo, na sociedade da informação, as novas formas de inter relações pessoais e sociais baseadas no uso das tecnologias de informação e comunicação, as denominadas redes digitais, onde a Internet é o seu exemplo paradigmático. Como afirma Manuel Castells
A Galáxia da Internet é um novo ambiente de comunicação. Como a comunicação é a essência da atividade humana, todos os domínios da vida social estão sendo modificados pelos usos disseminados da Internet, como este livro documentou. Uma nova forma social, a sociedade de rede, está se constituindo em torno do planeta, embora sob uma diversidade de formas e com consideráveis diferenças em suas consequências para a vida das pessoas, dependendo de história, cultura e instituições. Como em casos anteriores de mudança estrutural, as oportunidades que essa transformação oferece são tão numerosas quanto os desafios que suscita. Seu resultado futuro permanece em grande parte indeterminado, e ela está sujeita à dinâmica contraditória entre nosso lado sombrio e nossas fontes de esperança. Isto é, à perene oposição entre tentativas renovadas de dominação e exploração e a defesa, pelas pessoas, de seu direito de viver e de buscar o sentido da vida[4].
Nesse contexto surgem as redes sociais digitais ou virtuais como conhecemos hoje.
O dicionário online da Universidade de Oxford refere-se a rede social como um conceito introduzido em 1940, por Radcliffe-Brown, sendo um conjunto de padrões de relacionamentos interpessoais, baseados em interação direta e/ou comunicação intermediada, que influencia no comportamento do indivíduo e que foi estimulado pelo advento da Internet[5].
As redes sociais virtuais fazem parte do mundo multiconectado em que vivemos atualmente. Raquel Recuero aborda o conceito de rede social a partir da visão de Wasserman, que se utiliza de um prisma matemático, para o qual uma rede social pode ser definida como um conjunto de dois elementos: atores, que são considerados os nós da rede (pessoas, grupos, instituições); e as conexões, que são as interações que estes nós realizam entre si. O conceito de atores e conexões é o adotado por boa parte dos pesquisadores, porque torna mais fácil a percepção e visualização de uma rede social[6].
Sob um viés jurídico, entretanto, as redes sociais online possuem definição peculiar. Uma rede social, juridicamente, pode ser vista como um serviço de comunicação, armazenamento e publicação de conteúdos de usuários (conjunto de atores e de relações entre eles), prestado por uma empresa – provedor de serviços de Internet, que é, de fato, a proprietária da rede social. Introduz-se, então, novo elemento ao conceito de rede social: o provedor.
As redes sociais se estabeleceram, significativamente, no cotidiano da comunicação, alterando significativamente seu modus operandi, tanto em espécie quanto quantidade. É possível a comunicação com milhares de pessoas em quaisquer partes do mundo simultaneamente.
Podem facilitar, pelo anonimato, que os indivíduos liberam-se de todo constrangimento identitário e possam aproveitar a desterritorialização de suas subjetividades, onde estar em casa não significa estar isolado do mundo, podendo passear pelo ciberespaço e entrar em contato com o outro.
Dessa forma, as redes sociais congregam encontros e interesses mútuos dos seus membros que ocorrem exclusivamente em um ambiente virtual de comunicação. Podendo haver ou não o conhecimento mais particular do outro com o qual interage.
A disponibilidade, o acesso fácil e rápido as mais variadas mídias, possibilita a hiperconexão[7] das redes e dos seus membros suscitando questionamentos variados sobre essa interação, como por exemplo a possibilidade de configuração de dano nas relações afetivas.
2 RELAÇÕES AFETIVAS: O DEVER CONJUGAL DE FIDELIDADE X INFIDELIDADE
Por ser um organismo vivo e em constante mutação, a sociedade contemporânea tem nos apresentado uma grande diversidade e pluralidade de relações afetivas. As relações afetivas estabelecidas hodiernamente rompem com tradições e impõe alterações de regras, leis e comportamentos.
Distanciado-se do modelo patriarcal e não sendo mais a única forma de união, o casamento ainda perdura como instituição socioeconômica e cultural, indo muito além do que o contrato privado sui generis estabelecido entre duas pessoas. O casamento e a sua versão menos burocrática, a união estável, tem o amparo sócio legal na sua constituição.
Assim, os novos vínculos conjugais, identificados principalmente em grupos sociais ocidentais e economicamente mais privilegiados, onde as escolhas dependem exclusivamente dos interessados, a aceitação a diversidades tornou-se um valor cultural fundamental[8].
Cabe ao Direito, cuja destinação é regular as relações intersubjetivas em torno dos bens da vida, acompanhar essas mudanças e nesse sentido, princípios como o da dignidade da pessoa humana e valores como o da felicidade, e principalmente, o da afetividade, ampliam os tipos de relações conjugais e contribuem para o seu reconhecimento.
O valor da afetividade, não está relacionado ao aspecto biológico (consanguíneo) apenas, mas sim o lado afetivo e emocional que se desenvolve a convivência de um casal.
A doutrina civilística se divide em correntes distintas quanto a afetividade, entendendo que, primeiramente, a afetividade deve ser reconhecida e pode ser classificada como um princípio jurídico; uma segunda corrente, entretanto, argumenta que deve ser assimilada pelo Direito, mas apenas como um valor relevante e a terceira corrente sustenta que a afetividade não deve ser valorada juridicamente.
Diante do exposto, o objetivo principal do trabalho está relacionado a fidelidade conjugal recíproca e a possibilidade de reparação de danos pelo descumprimento do dever conjugal de fidelidade nas redes sociais.
Em relação aos direitos e deveres do casamento e da união estável, pautados na monogamia, a fidelidade é um dos maiores valores preservados em nossa cultura. O dever de fidelidade tem como principal ponto o dever de lealdade entre o casal, principalmente no aspecto físico e moral, com o objetivo de impedir o envolvimento afetivo e sexual com outra pessoa.
A monogamia, elemento relevante nesse contexto, não é considerada pelo ordenamento jurídico como principio de direito estatal, mas trata-se de uma regra que restringe as múltiplas relações afetivas. Em relação a este preceito a lei civil estabelece que são impedidas de casar aqueles que já são casados, tornando nulo o casamento.
2.1 A Infidelidade no Ambiente Virtual
A possibilidade de se conectar a pessoas sem barreiras físicas ou geográficas promove a busca por relacionamentos afetivos na grande rede a Internet. Existem, inclusive, uma diversidade de redes sociais específicas para este tipo de relacionamento, tal como a rede social Ashley Madison.
Outro tipo muito comum são as salas de bate-papo virtuais, que além de encontros, promovem a prática do sexo virtual.
Os relacionamentos virtuais são aqueles que não são reais (que não existe um contato físico a princípio), ou seja, são praticados através do uso das redes sociais. Costumeiramente, no início de um relacionamento virtual as pessoas compartilham sonhos, desejos, decepções, experiências de outros relacionamentos, fantasias sexuais, preservando quase sempre a sua real identidade.
Apesar de não haver um consenso na doutrina quanto ao conceito da infidelidade virtual, entendemos que caracteriza-se por ser um relacionamento virtual (meio eletrônico digital) praticado por pessoa comprometida, seja pelo casamento ou pela união estável, a qual passa a experimentar diferentes experiências afetivas e/ou sexuais com pessoa estranha à relação conjugal[9].
A fidelidade recíproca, descrita no artigo 1566 do atual Código Civil Brasileiro, é tida como um dever conjugal expresso, tal qual o respeito e considerações mútuos, ambos inerentes as relações afetivas, seja no casamento ou na união estável.
Assim, a infidelidade praticada de forma virtual como a infidelidade praticada de forma física, traz com elas a mesma quebra do dever da fidelidade recíproca e o de desrespeito e desconsideração mútuos, diante da vida conjugal.
Entretanto, há entendimentos, por parte dos doutrinadores, de que tais deveres devem ser decorrentes da própria afetividade e não de uma imposição legal que obriga as partes a cumprirem mesmo que violando os seus sentimentos mais íntimos. Assim, violados estes deveres a consequência seria somente o fim da relação conjugal.
Quais seriam, então, as circunstâncias que ensejariam a reparação por danos causados pelo descumprimento do dever de fidelidade recíproca ?
3 REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES DA INFIDELIDADE VIRTUAL
As relações pautadas na afetividade, quando terminadas, costumeiramente deixam os denominados danos de amor. O dano genérico pode ser compreendido como o mal ou prejuízo que sofre uma pessoa.
A responsabilidade civil pode ser compreendida como sendo a obrigação de indenizar, que nasce da prática de um ato ilícito que gera o dano. Explicitando o conceito, existe, no grupo social organizado, um dever genérico, imposto a todos, de não causar danos (neminem laedere). Ou seja, na vida em sociedade, ninguém pode causar prejuízo a outrem. Esse dever genérico é chamado dever originário, ou primário. O descumprimento desse dever originário é o que faz nascer outro dever, identificado na lei: o dever secundário, derivado, ou sucessivo, de reparar o dano. Esse dever secundário é a responsabilidade civil, o dever de reparar o prejuízo causado.
Giselda Hironaka[10] inova, ao apresentar o conceito de responsabilidade pressuposta, que tem como fundamento o principio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e da proteção permanente e integral a quaisquer direitos da personalidade, por serem inerentes à pessoa. Assim, a responsabilidade civil pressuposta deve se pautar no dano causado, ainda que não haja prova da existência da culpa pelo ofensor.
Os danos podem classificados como danos morais objetivos: aqueles que ofendem os direitos da pessoa tanto no seu aspecto privado, ou seja, nos direitos da personalidade (direito à integridade física, ao corpo, ao nome, à honra, ao segredo, à intimidade, à própria imagem) quanto no seu aspecto público (como direito à vida, à liberdade, ao trabalho), assim como nos direitos de família. O danos morais subjetivos são os pretium doloris propriamente dito, o sofrimento d’alma, pois a pessoa foi ofendida em seus valores íntimos, nas suas afeições[11].
Para melhor identificação dos direitos morais objetivos ou direitos da personalidade são aqueles direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade.
Para Carlos Alberto Bittar[12] “a enunciação dos direitos da personalidade deve provir da natureza dos bens integrantes, distribuídos em: a) direitos físicos; b) direitos psíquicos; e c) direitos morais”. No primeiro item estão os seguintes direitos: à vida, ao próprio corpo e ao cadáver. No segundo item, o direito à liberdade, à intimidade, à integridade psíquica e ao segredo. No terceiro, o direito à honra, à imagem, ao nome e o direito moral do autor.
Outro elemento relevante nesse contexto é o principio da boa-fé objetiva que será analisado, mas sem o aprofundamento do tema. O Código civil Brasileiro, como se verifica na sua exposição de motivos, foi elaborado a partir de três princípios basilares: a eticidade, a socialidade e a operabilidade. Particularmente nos interessa a eticidade, que representa a valorização da ética, da conduta proba verificada no princípio da boa-fé objetiva. Aplicado comumente nas relações contratuais diversas, o princípio da boa-fé objetiva, tem sido costumeiramente arguido nas demandas que envolvem relações afetivas nos tribunais.
A boa-fé objetiva, boa-fé lealdade ou boa-fé confiança, vincula-se, a um modelo de conduta objetivo, socialmente recomendado, de correção, lisura, honestidade e consideração para com as expectativas geradas, para que não se frustre a confiança legítima das partes envolvidas na relação contratual. Dever imposto às partes de agirem de acordo com determinados padrões de conduta que, socialmente, são definidos como corretos e justos.
As relações afetivas mantém a característica principal de ser um acordo de vontades entre duas pessoas, um contrato firmado verbal e tacitamente pautado na boa-fé.
Nesse sentido, a infidelidade virtual se dá quando ocorre o descumprimento do dever de fidelidade e do respeito mútuo entre os pares, quando há por assim dizer a quebra do contrato. Onde um dos dois passa a ter um envolvimento afetivo ou até sexual com outra pessoa estranha ao seu relacionamento afetivo.
Devido o Brasil adotar o sistema monogâmico, onde não é permitido que uma terceira pessoa faça parte do relacionamento conjugal ou amoroso. Se vier a ocorrer determinado tipo de ofensa em relação ao respeito, a lealdade e a fidelidade serão caracterizadas como infidelidade.
A infidelidade por si só não será geradora de responsabilização civil e reparação por danos. O fim do relacionamento e casos de infidelidade envolvem complexos fatores psíquicos e sociais.
Cabe ressaltar a importância do respeito à intimidade e privacidade das partes envolvidas, não se devendo admitir provas ilícitas.
A respeito aos meios de provas para que seja comprovada a infidelidade virtual do cônjuge, não serão permitidas aquelas obtidas por meio ilícitos, como se pode mencionar o art. 5º, inc. x, da CRFB/88[13], que diz:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Nesse sentido o inc. X, do art. 5º, da Carta Magna traz como exemplo a respeito da violação de e-mails, do celular, de correspondências e etc., pois, não havendo, por obvio, o consentimento do parceiro torna-se meio de prova ilícita que na maioria dos casos serão consideradas invalidas.
As provas obtidas através do computador de uso comum do casal serão lícitas, pois não se caracteriza a violação a intimidade da outra parte.
Para ilustrar a prática de infidelidade virtual, trazemos o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a sentença foi proferida em 2008, condenando o esposo a pagar uma indenização de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de dano moral a sua esposa por praticar a infidelidade virtual[14].
Um ex-marido infiel foi condenado a pagar reparação por danos morais no valor de R$ 20.000,00 porque manteve relacionamento com outra mulher durante a vigência do casamento. A “traição” foi comprovada por meio de e-mails trocados entre o acusado e sua amante. A sentença é da 2ª Vara Cível de Brasília e está sujeita a recurso de apelação.
Para o juiz, “o adultério foi demonstrado pela troca de fantasias eróticas”. A situação ficou ainda mais grave porque, nessas ocasiões, o ex-marido fazia – com a “outra” – comentários jocosos sobre o desempenho sexual da esposa, afirmando que ela seria uma pessoa fria” na cama.
Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante”, afirma a sentença.
As provas foram colhidas pela própria esposa enganada, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que “precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial”. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal.
Em sua defesa, o ex-marido alegou “invasão de privacidade” e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas.
Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências”, conclui. (Proc. 2005.01.1.118170-3 – com informações do TJ-DFT)
Em seguida, a sentença proferida do processo mencionado acima, onde o juiz reconheceu a reparação de danos morais em função da infidelidade virtual[15]:
Processo: 2005.01.1.118170-3
Ação: REPARACAO DE DANOS
Requerente: Q. E. M.
Requerido: R. R. M.
Sentença
Direito Civil. Ação de indenização. Dano moral. Descumprimento dos deveres conjugais. Infidelidade. Sexo virtual (internet). Comentários difamatórios. Ofensa à honra subjetiva do cônjuge traído. Dever de indenizar. Exegese dos arts. 186 e 1.566 do Código Civil de 2002. Pedido julgado procedente.
Vistos etc.
Cuida-se de Ação de Indenização por Danos Morais proposta por Q.E.M. em desfavor de R.R.M., visando a condenação do requerido ao pagamento de indenização por quebra dos deveres conjugais, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu uma decisão onde não se admitiu o meio de prova para a comprovação da infidelidade virtual, uma vez que a mesma é prova ilícita, como mostra a ementa[16]:
Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. Infidelidade virtual. Descumprimento do dever do casamento. Prova obtida por meio ilícito. Princípio da proporcionalidade. Preponderância do direito à intimidade e à vida privada. O dever de reparar o dano advindo da prática de ato ilícito, tratando-se de ação baseada na responsabilidade civil subjetiva, regrada pelo art. 927 do Código Civil, exige o exame da questão com base nos pressupostos da matéria, quais sejam, a ação/omissão, a culpa, o nexo causal e o resultado danoso. Para que obtenha êxito na sua ação indenizatória, ao autor impõe-se juntar aos autos elementos que comprovem a presença de tais elementos caracterizadores da responsabilidade civil subjetiva. Ainda que descumprido o dever fidelidade do casamento, a comprovação de tal situação não pode ocorrer a qualquer preço, sobrepondo-se aos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, devendo cada caso submeter-se a um juízo ponderação, sob pena de estar preterindo bem jurídico de maior valia, considerado no contexto maior da sociedade. A prova, a princípio considerada ilícita, poderá ser admitida no processo civil e utilizada, tanto pelo autor, quanto pelo réu, desde que analisada à luz o princípio da proporcionalidade, ponderando-se os interesses em jogo na busca da justiça do caso concreto. E procedendo-se tal exame na hipótese versada nos autos, não há como admitir-se como lícita a prova então coligida, porquanto viola direito fundamental à intimidade e à vida privada dos demandados. Precedentes do STF e do STJ. APELO DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça do RS – Apelação Cível 70040793655 – 9ª Câmara Cível –– Rel. Leonel Pires Ohlweiler – j. em 30.03.2011)
Conclui-se que, para se ter direito aos danos morais relacionados a infidelidade virtual, terá que se evidenciar não somente o desrespeito aos deveres conjugais, o meio de prova lícita e principalmente violações aos direitos da personalidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações conjugais contemporâneas romperam padrões culturais nos últimos anos, deixando para trás um modelo socioeconômico e patriarcal para se converter em relações voltadas para a afetividade e interesses pessoais privados. Entretanto, não foram capazes de solidificar a autonomia privada nas relações afetivas, pois ainda se verifica a interferência jurídico-estatal, ou seja, para que exista a aceitação social sobre determinada relação afetiva é preciso que o Estado a legitime.
As tecnologias de informação e comunicação possibilitaram a criação das redes sociais, que proporcionaram a milhares de pessoas se conectarem sem as barreiras das fronteiras territoriais e que pudessem relações pessoais inimagináveis a bem pouco tempo atrás. O advento da internet revolucionou o modo como é realizada a comunicação nos dias de hoje. Simultaneidade, coletividade, ininterruptividade são algumas das características dos meios de comunicação virtuais.
A possibilidade de reparação por danos morais decorrentes de infidelidade virtual não se opera somente por infringir os deveres inerentes as relações conjugais, mas para haver a responsabilização civil e a reparação do dano é preciso que haja violação à dignidade da pessoa humana e a dimensão da sua personalidade.
A decepção, o dissabor, o sentimento de traição decorrentes de qualquer infidelidade, seja ela virtual ou não, são consequências naturais e não poderão ser justificativas para o pagamento de indenização.
O amor, afeto, atenção, cuidado e outros sentimentos comuns nas relações afetivas, não deve ser uma obrigação, um dever, mas devem advir de um estado de espírito próprio de quem se envolve afetivamente com outro e não uma imposição jurídica. Reconhecer como um dano a negativa de afeto é patrimonializar algo que não possui valor econômico.
5 REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed. atual. por Eduardo Carlos Bianca Bittar – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 64.
BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 12ª ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 10.
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Intermet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.
HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 64-77.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2013.
ROSSI, Claudio. Os novos vínculos conjugais: vicissitudes e contradições. In: Vínculos Amorosos Contemporâneos: Psicodinâmica das novas estruturas familiares. São Paulo: Callis, 2003.
ZAMATARO, Yves. Efeitos reais da infidelidade virtual. Disponível em: <http://blog.angelicoadvogados.com.br/2014/04/11/efeitos-reais-da-infidelidade-virtual/>.
_____. O Direito de Família, a infidelidade virtual, o rompimento dos deveres conjugais e o dano moral. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3264>.
_____. Homem vai indenizar ex-esposa porque cometeu infidelidade virtual. Disponível em: <http://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/15178/homem-vai-indenizar-ex-esposa-porque-cometeu-infidelidade-virtual>.
Notas de Rodapé
[1] Doutoranda no PPGD – Programa de Pós-Graduação em Direito da UNESA (Universidade Estácio de Sá). Mestre em Direito pela UNESA. Pós-Graduada pela Universidade de Lisboa. Professora de Direito Civil no UNIFESO e UNIGRANRIO no Estado do Rio de Janeiro.
[2] Doutor em Filosofia pela PUC/RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor do PPGHCA – Programa de Pós-Graduaçãoo em Humanidades, Culturas e Artes da UNIGRANRIO e Professor de Filosofia do Direito no UNIFESO no Estado do Rio de Janeiro.
[3] LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 64-77.
[4] CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Intermet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 225.
[5] O texto original a que se refere o termo Social Network é: “Patterns of interpersonal relationships among individuals based on face-to-face interaction and/or mediated communication. The concept of social networks was introduced by Radcliffe-Brown in 1940. Such networks (based on links rather than individuals) emerge from interaction and can cut across and influence institutions; they can also shape individual behaviour. In sociology and anthropology, kinship and friendship networks have been a key focus; the advent of the internet has stimulated the concept of network societies”. Disponível em: <www.oxfordreference.com>. Acesso em: 25 mar. 2017.
[6] RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2013. p. 54.
[7] Ibidem, p. 55.
[8] ROSSI, Claudio. Os novos vínculos conjugais: vicissitudes e contradições. In: Vínculos Amorosos Contemporâneos: Psicodinâmica das novas estruturas familiares. São Paulo: Callis, 2003. p. 87.
[9] ZAMATARO, Yves. Efeitos reais da infidelidade virtual. Disponível em: <http://blog.angelicoadvogados.com.br/2014/04/11/efeitos-reais-da-infidelidade-virtual/>. Acesso em: 23 out. 2014.
[10] HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
[11] CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.
[12] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed. atual. por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 64.
[13] BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 12. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 10.
[14] BRASIL. Homem vai indenizar ex-esposa porque cometeu infidelidade virtual. Disponível em: <http://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/15178/homem-vai-indenizar-ex-esposa-porque-cometeu-infidelidade-virtual>. Acesso em: 25 mar. 2017.
[15] BRASIL. O Direito de Família, a infidelidade virtual, o rompimento dos deveres conjugais e o dano moral. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3264>. Acesso em: 25 mar. 2017.
[16] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ementa. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=infidelidade+virtual&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&lr=lang_pt&sort=date%3AD%3AS% 3Ad1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris>. Acesso em: 25 mar. 2017.