THE THEORY OF UNPREDICTABILITY AND THE ECONOMIC-FINANCIAL BALANCE OF THE ADMINISTRATIVE CONTRACT: READING FROM THE LEGAL GUARANTY

DOI: 10.19135/revista.consinter.00005.16

Vitor Hugo Mota de Menezes[1]

Heloysa Simonetti Teixeira[2]

Solange Holanda Almeida Silvio[3]

Resumo: O tema versado neste artigo tem por escopo analisar a teoria da imprevisão como instrumento hábil a assegurar o direito à proteção do equilíbrio econômico-financeiro contratual, sob a perspectiva garantista, haja vista o dever de estrita observância aos princípios da equidade e da segurança jurídica nas relações jurídicas bilaterais. Nesse sentido, verifica-se que, conquanto os pactos imponham a obrigatoriedade de cumprimento das obrigações assumidas – pacta sunt servanda –, a ocorrência de fatos supervenientes e estranhos à vontade dos contratantes não pode submeter as partes a sacrifício que as leve à ruína, ou seja, há de se considerar o denominado humanismo do contrato. Busca-se, assim, identificar a conexão entre a teoria do garantismo e a previsão constitucional de se manter intangível a equação econômico-financeira do contrato, de modo a obter a efetivação dos princípios constitucionais que lhe dão suporte. Nesse prisma, a presente pesquisa se preordena para, inicialmente, tratar acerca da teoria da imprevisão, a partir da cláusula rebus sic stantibus, expondo breve histórico de seu surgimento e, passo subsequente, identificar sua caracterização, interconectando-a aos princípios da equidade e da segurança jurídica, como efetivação dos preceitos constitucionais, aos quais as partes têm dever de vassalagem, sob a ótica da teoria garantista, no sentido substancial. Por fim, a pesquisa intenta demonstrar a importância da harmonização das relações intersubjetivas no contrato administrativo, em consonância com a Constituição, centro irradiador de normas e princípios aos microssistemas jurídicos que compõem todo o ordenamento jurídico. A metodologia empregada para elaboração do artigo é analítica, bibliográfica e crítica.

Palavras-chave: Teoria da imprevisão. Equilíbrio econômico-financeiro. Garantismo. Princípios Constitucionais.

Abstract: The theme discussed in this article is to analyze the theory of the unpredictability as an instrument capable of guaranteeing the right to protection of the contractual economic-financial balance, under the guaranty perspective, given the duty of strict observance of the principles of equity and legal certainty in bilateral relations. In this sense, it is observed that, although the pacts impose the obligatory fulfillment of the obligations assumed – pacta sunt servanda -, the occurrence of supervenient events and extraneous to the will of the contractors cannot submit the parties to sacrifice that leads them to ruin, in this sense the humanism of the contract must be considered. It seeks to identify the connection between the theory of garantee and the constitutional prediction of keeping the economic-financial equation of the contract intangible, in order to obtain the implementation of the constitutional principles that support it. In this perspective, the present research is preordained to initially deal with the theory of the unpredictability, from the rebus sic stantibus clause, exposing a brief history of its emergence and, subsequently, to identify its characterization, interconnecting it to the principles of equity and of juridical security, as the fulfillment of constitutional precepts, to which the parties have a duty of vassalage, under the view of the theory of the garantism, in its substantial sense. Finally, the research tries to demonstrate the importance of the harmonization of intersubjective relations in the administrative contract, in consonance with the Constitution, the center which irradiates norms and principles to the legal micro-systems that make up the entire legal system. The methodology used to elaborate the article is analytical, bibliographical and critical.

Keywords: Theory of unpredictability. Economic-financial balance. Garantism. Constitutional principles.

1 INTRODUÇÃO

A teoria da imprevisão, como a nova roupagem da cláusula rebus sic stantibus, surge em contraposição à cláusula pacta sunt servanda que se conecta com o princípio da segurança jurídica, uma vez que a referida cláusula está diretamente ligada às condições contratuais a que as partes estão atreladas. Segundo o pacta sunt servanda, os contratantes devem cumprir as obrigações assumidas, pois uma mudança no que restou acordado provoca instabilidade jurídica. De fato, se não houver confiança entre os contraentes de que ambos cumprirão o dever pactuado, as relações se deterioram ao ponto de impossibilitar a continuação do pacto ajustado e até a celebração de outros acordos.

No contrato, ambos acreditam que as regras estabelecidas serão obedecidas porque levam em conta a realidade à época da celebração do ajuste e projetam as condições para o futuro, de modo a assegurar o seu cumprimento. Os contratantes, portanto, segundo Lorenzetti, se estribam em duas certezas: a de que haverá a execução, ou seja, as partes não desistirão antes do prazo, e que as cláusulas avençadas não sofrerão modificação de modo a interferir na denominada previsibilidade, uma vez que qualquer mudança poderá prejudicar a expectativa que se projetou, em vários aspectos, inclusive o econômico (LORENZETTI, 2005, p. 51).

Portanto, a teoria da imprevisão surge como um instituto capaz de permitir a alteração do concertado na hipótese de ocorrência de certos fatos supervenientes, imprevistos, de excessiva onerosidade para o devedor, que acarretam impossibilidade subjetiva, com força suficiente a exonerá-lo do cumprimento da obrigação. Trata-se de cláusula implícita, visto que nem sempre está escrita no instrumento contratual. Nessa ótica, tem-se o princípio da segurança jurídica que assegura a possibilidade de revisão das bases contratuais, quando da ocorrência de fatos supervenientes prejudiciais à execução do objeto, ainda que em um dos polos figure o Poder Público. Em outras palavras, a parte devedora da obrigação terá a certeza de que obterá a readequação das cláusulas contratuais, nessa hipótese. Trata-se de visão garantista, que se preordena a salvaguardar os direitos do mais fraco e deter os excessos de poder nas duas esferas, pública e privada, decorrência natural do Estado Democrático de Direito.

Também nos contratos administrativos, tanto quanto nos pactos privados, impõe-se a aplicação da teoria da imprevisão, na medida em que os acontecimentos supervenientes e extraordinários, conforme sobredito, podem acarretar ao devedor, seja o Ente público tanto quanto o particular, excessiva onerosidade, capaz de impedir a execução do objeto contratual se não houver alteração de suas bases.

Em sede de contratos administrativos, trata-se, em verdade, de cláusula consubstanciada no art. 37, XXI, da CF, garantidora do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Dessume-se, já de início, que, teoricamente, o ajuste contratual administrativo pode ser alterado em função da ocorrência surpreendente e danosa de fatos excepcionais, para os fins constitucionalmente previstos.

De modo generalizado, deve-se perseguir veementemente o alcance dessa previsão. Em outras palavras, cabe identificar quais fatos estariam albergados pela teoria da imprevisão e quais procedimentos adequados a fim de se evitar desigualdade com o consequente enriquecimento sem causa de uma das partes. Se assim é no campo privado, com muito mais razão deve ser nos contratos os quais o ente público integra. Isto pelo fato de os recursos que lastreiam os acordos firmados pela Administração Pública pertencerem à sociedade e, assim, devem ser canalizados, prioritariamente e por força constitucional, para a concretização dos direitos fundamentais à saúde, à educação, à segurança, à moradia, dentre alguns.

Daí por que se torna imprescindível à Administração Pública realizar percuciente avaliação dos casos que lhes são apresentados, a fim de obter a certeza de que se está diante de fato capaz de provocar prejuízos ou até inexecução do acordado. O reconhecimento do direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato deve fiel subserviência ao princípio da igualdade e da segurança jurídica, porém, sem olvidar as cautelas necessárias à boa e útil aplicação do recurso público.

A pesquisa do tema proposto está estruturada a partir de breve apresentação da evolução histórica do instituto da teoria da imprevisão, para, passo subsequente, identificar sua caracterização, conectando-a à realização dos princípios da equidade e da segurança jurídica no campo dos contratos administrativos, sob a perspectiva da teoria do garantismo jurídico, no seu sentido substancial, que visa a assegurar a efetiva realização dos direitos dos cidadãos, razão por que se faz importante aprofundar o estudo sobre a teoria ferrajoliana, que se espraia por outras áreas do direito, ultrapassando as fronteiras do direito penal, berço da teoria.

Por fim, no reconhecimento de que as partes têm dever de vassalagem aos princípios constitucionais, incumbe a este artigo demonstrar a importância da harmonização das relações intersubjetivas no contrato administrativo, em consonância com a Constituição, centro irradiador de normas e princípios aos microssistemas jurídicos que compõem todo o ordenamento jurídico.

2 A TEORIA DA IMPREVISÃO: BREVE HISTÓRICO E FUNDAMENTO

Num breve escorço histórico, a teoria da imprevisão, que advém da cláusula rebus sic stantibus, abreviatura da fórmula contractus qui habent tractum succesivumet dependentiam de futuro rebus sis stantibus inelliguntur, significa que nos contratos de trato sucessivo ou a termo, as partes se obrigavam na medida da continuação do estado vigente ao tempo da estipulação. Por influência dos tribunais eclesiásticos e dos pós-glosadores ou bartolistas, por longos anos se utilizou essa cláusula (FONSECA, 1958, p.17).

No entanto, a partir do Código de Napoleão, a cláusula permaneceu no ostracismo, sem aplicação, o que não obstou a jurisprudência de aplicá-la em casos concretos, a exemplo da Itália, em homenagem aos princípios da equidade, da boa-fé contratual e da ausência de consentimento ou vontade de obrigar-se nas condições imprevisíveis, as quais, se previstas não permitiriam a celebração do ajuste. O assunto cresceu de importância depois de 1914, a partir do que se passou a investigar seus efeitos e campo de aplicação, fixando-se a doutrina sobre o tema (FONSECA, 1958, p.19).

Essa teoria, que nasceu no Direito Civil, foi abandonada no século XVIII, haja vista a concepção de contrato liberal imperante (JIMENEZ GIL, 2010, p. 17-49). Consoante Vânia Maria Cunha Bueno (1994, p.8-9), a teoria da imprevisão, no século XVIII entrou em declínio, porém, a doutrina renasceu marcada pelas significativas alterações sociais e econômicas, decorrentes das grandes guerras.

Segundo Giuseppe (OSTI, 1914, p.41), a denominação mais indicada seria a de teoria da superveniência, o que, no entanto, não vingou, e a doutrina francesa manteve a denominação de teoria da imprevisão, utilizada até os dias atuais, autorizadora de anulação ou modificação da obrigação assumida e que se tornou impossível de ser cumprida.

Acerca do tema no direito comparado, de referência obrigatória, Arnoldo Medeiros Fonseca realizou dedicado estudo com base em diversos autores, do qual é possível extrair que, no campo da revisão dos contratos pelo juiz, pode-se identificar na legislação, duas correntes: a revisionista e a antirevisionista, sem incluir a legislação inglesa, dadas suas peculiaridades (FONSECA, 1958, p.247).

Dentre as legislações revisionistas estão: a alemã, a húngara, a suíça, a polonesa e a norueguesa. Posteriormente, a italiana também passou a integrar o rol das revisionistas. Neste sistema revisional, a teoria da imprevisão está pacificamente aceita e os contratos, por consequência, podem sofrer mudanças nas condições inicialmente pactuadas. Nas legislações antirevisionistas, a revisão ou não é admitida ou se suscitam dúvidas e controvérsias a respeito da possibilidade de revisão judicial dos contratos, pois vige o entendimento de que gera insegurança jurídica nos negócios. Dentre os países que adotam esse sistema estão: França, Bélgica, Argentina e Japão. Tal pensamento não se coaduna com a necessidade de se adequarem as obrigações à nova realidade do contrato.

No tocante às legislações inglesa e americana, apresentam particularidades que as excluem da classificação feita pelo susomencionado autor. Ensina Gutteridge (GUTTERIDGE, 1954, p. 113), que o direito inglês nunca acolheu o princípio de revisão, não obstante a tentativa de alguns em equipará-lo ao Act of Gold o que não é possível, haja vista que este se liga à superveniência de acontecimentos catastróficos, como terremotos, tufões, dentre outros, de alcance mais restrito.

Também havia uma antiga regra da common law, até meados do século XIX, em que se o devedor não previsse tal possibilidade no contrato, deveria arcar com a obrigação na hipótese de ocorrência de fato imprevisto. A regra foi derrogada pela primeira vez em 1863, no caso Taylor vs Caldwell, em que se admitiu a existência de uma cláusula tácita ou condição implícita. Nessa situação, a execução do contrato somente seria levada a efeito se houvesse existência material do objeto pactuado, considerado como significativo avanço nessa seara. Foi o que ocorreu no julgamento de ação que versava sobre uma coisa destruída que, embora não fosse objeto do contrato, sua existência era condição para a execução (FONSECA, 1958, p. 279). Assim, verifica-se que o direito inglês não passou imune à alteração das circunstâncias.

Há de se entender, assim, que mesmo no direito inglês, em cujas regras há mais rigidez, a superveniência de fatos imprevisíveis não deixou de ser considerada, de algum modo, conquanto não oferecesse forma definitiva.

No direito norte americano, segundo o sobredito autor, àquela altura, também não havia elementos de relevante interesse para a aplicação da teoria da imprevisão, haja vista que os Estados possuem autonomia para legislar e os princípios da common law são o núcleo principal de todo o direito privado, não estando compilados em um único código, mas, sim, em decisões judiciais, além das jurisdições de equidade confiadas a Cortes especiais em alguns estados (FONSECA, 1958, p. 281).

Para enfrentar a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos, mister se faz abordar o tratamento dispensado no Código Civil Brasileiro, presente que se insere na teoria geral do direito, e, como tal, aplicável a todos os ramos.

No Brasil, Lôbo (2011, p. 205) registra que a cláusula rebus sic stantibus há muito se incorporou ao direito brasileiro, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal[4], sendo a primeira decisão judicial datada de 1930, a conhecida sentença do, à época, juiz Nelson Hungria. A partir de então, essa cláusula passou a servir de fundamento para teses de equidade contratual, como as seguintes: teoria da imprevisão, teoria de resolução por onerosidade excessiva, teoria da pressuposição, teoria da base objetiva do negócio, sendo esta última a que mais influenciou a teoria geral do direito a dogmática jurídica, como preferem alguns. Essas construções possuem como traços comuns a preservação da equidade ou do equilíbrio contratual e a vedação do enriquecimento sem causa.

A chamada moderna teoria da imprevisão, diferentemente do que foi aplicada no século XVIII, utilizada em prol dos interesses individuais, requer a aplicação em conformidade à Constituição Federal de 1988. Noutro dizer, assume conotação mais humanística, de acordo com a realidade das sociedades pós-industriais, em respeito aos direitos humanos, nos moldes do direito francês, no que concerne aos serviços públicos, considerando-se que os pactos devem ser respeitados (pact sunt servanda), mas as coisas não podem permanecer como estão (MATTAR, 2008, p. 15).

Defende Mattar que se deve aplicar a teoria da imprevisão dentro dos novos paradigmas da pós-modernidade do direito, “onde a solidariedade e a comutatividade dos contratos assumem papéis preponderantes na relação público/privado, coletivo e particular, todos regidos pela função social da propriedade e a boa-fé objetiva nos contratos” (MATTAR, 2008, p. 15).

A teoria da imprevisão se afasta das excludentes de força maior e caso fortuito, e se enquadra mais no campo da lesão, da violação do dever da boa-fé e lealdade ou até na sobrevinda de um fato excepcional capaz de gerar desequilíbrio substancial entre os compromissos assumidos pelas partes, pela alteração das condições que vigoravam à época do pacto (tempus regit actum) (ARAGÃO, 1999, p. 81), a partir do que surgiram as teorias revisionistas[5], como a teoria da pressuposição individual, de Windscheid[6].

3 CARACTERIZAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL E NA LEI 8.666/1993

Convém pontuar, à partida, o conceito de caso imprevisto, segundo lecionava Marcello Caetano (CAETANO, 1944, p. 343), “[…] é o facto estranho à vontade dos contraentes que, determinando a modificação das circunstâncias econômicas gerais, torna a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normalmente considerado”. Realmente, sabe-se que há situações em que as modificações ocorridas na conjuntura do contrato podem tornar ruinosa a execução, razão por que se impõe o dever de ajuda.

Importa destacar, que não obstante o ordenamento jurídico pátrio acolha a teoria da imprevisão, a realidade é a de que, nos moldes como está prevista no art. 478 do Código Civil[7], apresenta caráter mais restritivo do que a cláusula rebus sic stantibus, porque impõe condição de extrema vantagem da outra parte – imprevisibilidade e extraordinariedade –, de sorte que o evento causador do desequilíbrio não poderia estar previsto nas cláusulas contratuais e a excepcionalidade afasta situações consideradas ordinárias ou comuns nas relações contratuais de longa duração (LÔBO, 2011, p. 206-207). Daí exsurge diferença entre a cláusula rebus e a teoria da imprevisão.

No mesmo sentido, Pontes de Miranda (MIRANDA, 2000, p. 138), condena a teoria da imprevisão, apontando até imperfeição técnica em sua formulação, uma vez que os defensores dessa teoria confundem os fundamentos da cláusula rebus ao misturá-los aos da imprevisão, pois, segundo aquele autor “… se em verdade nada se previu, não há falar-se em cláusula; se cláusula houve, explícita, previu-se”.

Na esteira da ideia defendida por Aragão e Mattar, conforme precitado, Lôbo (2011, p. 206) acresce que a doutrina tem dado um passo adiante dentro do sistema jurídico brasileiro ao preconizado no Código Civil, no sentido de ser possível a revisão ou a resolução do contrato, dispensando-se os requisitos da imprevisibilidade e da excepcionalidade. Confira-se:

[…] quando houver onerosidade excessiva superveniente ou o desequilíbrio contratual, a exemplo da boa-fé objetiva, do erro, do risco, da vedação do enriquecimento sem causa e da função social do contrato. Quando esses caminhos não possam ser percorridos diretamente, então se aplicará a regra restritiva do art. 478. (LÔBO, 2011, p. 207)

Pontificado por Lôbo (2011, p.207), tal aplicação se deve à excessiva restrição preconizada no Código Civil. Por outro lado, de acordo com o Enunciado 175, da III Jornada de Direito Civil[8], a interpretação do art. 478 do CCB deve ser no sentido de se considerar a imprevisibilidade não somente ao fato, mas também em relação às consequências por ele produzidas.

Nessa ordem de ideias, das lições de Orlando Gomes (1996, p.178), dessume-se que a teoria da imprevisão pode dar causa não apenas à modificação do pacto avençado, mas, também à própria resolução. Adverte, ademais, que o acontecimento superveniente, extraordinário e imprevisível, causador da dificuldade da execução, pode se inserir tanto na teoria da imprevisão quanto na cláusula rebus sic stantibus ou das bases do negócio, de sorte a dar azo à revisão ou à resolução. Aspecto relevantíssimo atinente à resolução por onerosidade excessiva diz respeito ao não pagamento de indenização à parte que teria vantagem com a execução do contrato, e, nesse sentido, se aproxima da inexecução involuntária (GOMES, 1996, p.180).

Ressalta que a onerosidade excessiva da prestação caracteriza extrema dificuldade, mas não impossibilidade, razão por que defende que a onerosidade para justificar a rescisão deve se mostrar excessiva não só para o devedor, como para qualquer pessoa que se encontre na mesma posição (GOMES, 1996, p.179).

Acresce (GOMES, 1996, p.179) que a imprevisibilidade não pode ser algo normal, há de representar um concurso de extraordinariedade e imprevisibilidade, a ponto de dificultar o cumprimento da obrigação com um sacrifício desmesurado ao devedor, suficiente a permitir a ele a faculdade de promover até a rescisão do contrato. O contratado prejudicado, nesse caso, pode pedir a resolução.

A inexecução involuntária se consubstancia na impossibilidade superveniente de se cumprir o acordado, decorrente de caso fortuito ou de força maior, de modo que seja um impedimento total ao contraente atingido pelo fato, objetivamente considerado (GOMES, 1996, p. 177).

Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 171) assinala que, embora a onerosidade excessiva se assemelhe ao caso fortuito ou de força maior, diferem pela circunstância de que neste último se tem a impossibilitas praestandi que impede de forma absoluta a execução. Por sua vez, a onerosidade excessiva permite a revisão do contrato, sem que se opere a extinção.

Em cotejo com o contrato administrativo, a legislação de regência – Lei 8.666/1993[9] – prevê no art. 65, II, “d” e no art. 78, XVII, respectivamente, a possibilidade de alteração e rescisão contratual em decorrência de fatos supervenientes e extraordinários, ou por força maior e caso fortuito. Na hipótese de rescisão, para usar o termo da lei, necessário se faz combinar com o parágrafo 2º, do art. 79, do mesmo Estatuto, que preconiza o dever de o Estado indenizar o particular pelos prejuízos sofridos e regularmente comprovados, se a rescisão de der em virtude de caso fortuito ou de força maior.

Nesse particular, quanto à indenização, vale realçar que tal previsão difere do regime de direito privado, na forma do art. 478, do Código Civil, consoante exposto, conquanto a teoria de imprevisão seja matéria da teoria geral do direito, logo, aplicável a todos os ramos do Direito, indistintamente.

No que tange à possibilidade de alteração do contrato administrativo, para Di Pietro (2014, p.296), em nome da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, se o contrato sofrer modificação e o contratado for obrigado a dar continuidade à execução, é justo que o ônus seja repartido com a Administração, que deve vir em socorro do particular. Aconselha, mais adiante, que essa compensação não pode ser integral, uma vez que deve ser apenas repartido o prejuízo e não cobrir todo o déficit financeiro do contratado.

A Constituição Federal, no art, 37, XXI[10], prevê que os contratos celebrados pela Administração devem ser precedidos de licitação, assegurando a isonomia entre os participantes, com cláusulas de obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta. No que concerne à parte final, “mantidas as condições efetivas da proposta”, a disposição constitucional faz referência ao equilíbrio econômico financeiro do contrato, conforme têm interpretado a doutrina e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União[11]. Di Pietro (2014, p. 296) registra que se trata de uma garantia de âmbito restrito, uma vez que não abriga a todos os tipos de contratos da Administração.

A regulamentação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos não é de hoje, existia desde a época do DL 2.300/86, no art. 55, II, “d”, permitindo-se a alteração por acordo entre as partes em atenção ao equilíbrio da equação financeira do ajuste contratual.

Na vigente Lei 8.666/1993, similar dispositivo fora objeto de veto do Presidente da República, todavia findou restaurado pela Lei 8.883/1994, com redação para esclarecer que se aplica a fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis e que impeçam ou retardem a execução do contrato e configurem álea econômica extraordinária ou extracontratual (DI PIETRO, 2014, p. 297).

Sobreleva notar acerca da manutenção da equação econômico-financeira, o posicionamento de Marçal Justen Filho (2015, p. 1.013) de que se trata de condição benéfica à própria Administração à vista da necessidade de reformulação das propostas pelo contratado, todas as vezes que se deparasse com eventos danosos e tivesse de arcar, sozinho, com o ônus disso resultante.

É certo afirmar que o reconhecimento do direito do particular ao reequilíbrio, pela Administração, deve estar condicionado à ocorrência de alguns pressupostos, eis que se exige a demonstração analítica dos fatos causadores da elevação de custos, enfim, da oneração do contrato. Nesse sentido, Justen (2015, p. 1.014) assinala que não pode derivar de conduta culposa do contratado, ou seja, quando o evento era previsível, porém o particular não o considerou em sua proposta. Em outros dizeres, o evento era previsível e capaz de gerar consequências calculáveis, entretanto, o particular deixou de fazê-lo.

Portanto, a previsão preconizada no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993, reconhece o direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro se o evento, ainda que previsível, apresente consequências incalculáveis. Nessa hipótese, subsiste à Administração o dever de recompor a remuneração do particular (JUSTEN, 2015, p. 1.014)[12].

Trata-se de evitar injustiça, desigualdade, reconhecendo-se ao contratado o direito à recomposição das condições inicialmente pactuadas. Essa noção de imprevisibilidade, de conteúdo excepcional, permite a flexibilidade do princípio da irretratabilidade das convenções, de modo a não se cometer iniquidades (BUENO, 1994, p.75).

De acordo com a dicção legal, há um consenso entre os doutrinadores de que os requisitos do fato ensejador do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, com base na teoria da imprevisão, estão assim delineados: a) deve ser imprevisível quanto à sua ocorrência ou, ainda que previsível, as consequências sejam incalculáveis; b) deve ser estranho à vontade das partes e inevitável; e c) causador de ônus excessivo a gerar grave desequilíbrio nos acordos celebrados.

Dessa feita, vale explicar. Verifica-se que a Administração estará autorizada a recompor a equação econômico-financeira se o desequilíbrio for reconhecidamente grave, uma vez que há de diferenciá-lo das alterações decorrentes da atividade normal do contratado que geram prejuízos de pequena monta. Nesta última hipótese, inaplicável o reequilíbrio contratual por parte da Administração.

Quando se diz “estranho à vontade das partes”, requer-se que o particular não haja contribuído para a ocorrência do fato, pois, se assim o for, arcará com o prejuízo sozinho. Do mesmo modo, se a Administração for a responsável pelo fato, incidirá na álea administrativa (alteração unilateral ou fato do príncipe), conforme repisa Di Pietro (2015, p. 297).

Remarque-se que os fatos enquadráveis na teoria da imprevisão diferem dos classificados como de força maior, em relação às repercussões no contrato. Enquanto a teoria da imprevisão não impede a execução e pode servir de fundamento à revisão do contrato, na força maior há uma impossibilidade absoluta de se prosseguir no ajuste, permitindo-se a resolução do contrato. Note-se, inclusive, que no art. 78, § 2º, da Lei 8.666/1983, há expressa previsão da rescisão por motivo de caso fortuito ou de força maior do contrato administrativo.

Nessa linha de raciocínio, é possível entender que a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato está imbricada com a efetivação dos princípios constitucionais da equidade e da segurança jurídica, que, para Dworkin devem ser entendidos como o próprio Direito, mas com um status diferente das regras, pois não estipulam solução particular. Tais princípios serão explorados a seguir, fazendo-se a conexão com a teoria garantista.

4 O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO COMO MEIO DA CONCRETIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – UMA VISÃO GARANTISTA

Nos tópicos precedentes restou demonstrado que a manutenção da equação econômico-financeira do contrato administrativo se impõe na ocorrência de fato extraordinário e imprevisível. Não obstante prevista na legislação, também se associa a princípios constitucionalmente previstos. A abordagem doutrinária e a previsão legal permitem inferir que a ocorrência de um fato imprevisível, suficiente a pôr em risco a execução do objeto, deve merecer detido exame, em razão dos princípios implícitos à teoria da imprevisão, previstos na Constituição.

Impende remarcar, inicialmente, que a previsão constitucional dos princípios significou um importante passo em prol da promoção da justiça social. No entanto, não se entremostrou suficiente à previsão formal, fazendo-se imprescindível a sua concretização, a fim de se verem atendidos os anseios da sociedade. Daí por que mais do que estar preconizado na Constituição, o princípio deve caracterizá-la, conforme será demonstrado.

É como argumenta Alice Bianchini (2011): “Assim, quando o regramento que introduz o princípio isonômico estabelecer diretrizes que se preocupem em criar condições equânimes entre os jurisdicionados, estar-se-ia diante da igualdade material. Nos demais casos, ela será formal”. A teoria da imprevisão, sob esta óptica, constitui-se instrumento de efetivação da igualdade material.

Quadra à matéria sublinhar que o princípio da segurança jurídica está fortemente em harmonia com o princípio da igualdade, na exata medida da necessidade de se tornar efetivo o direito do contratado à alteração contratual. A segurança jurídica, conquanto não integre expressamente a Constituição, está privilegiada no Texto Maior à vista do teor de seu preâmbulo, quando institui:

um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

A segurança jurídica, nas lições de Ávila (2014, p. 211), está consolidada na Constituição, de modo que

[…] mais que atribuir a tarefa de realizar a segurança, ela própria assume, largamente, embora não totalmente, esse ônus.” Acresce, ainda, que em relação à Constituição brasileira, faz-se relevante a observação de Pizzorusso de que a segurança jurídica é um princípio fundamental que caracteriza a Carta Constitucional inteira, ainda que não esteja expresso em um artigo específico. (ÁVILA, 2014, p. 211)

Significa dizer, em outras palavras, que se no sistema constitucional se identificam a previsão das garantias individuais e sociais, o estabelecimento de regras de processo legislativo, a regulamentação do Sistema Tributário Nacional e do Poder Judiciário, dentre outras garantias, é possível entender, por conseguinte, a segurança jurídica como decorrente desse sistema (ÁVILA, 2014, p. 214). Nos dizeres do autor, a segurança jurídica não decorre apenas do que a Constituição prevê, mas também pelo modo como ela o faz (ÁVILA, 2014, p. 214).

No tema sob estudo, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, diante da ocorrência de um fato inserido na teoria da imprevisão, assume importante papel eis que se torna medida capaz de garantir a segurança social, garantir a paz social. No contrato, as partes devem proceder com honestidade e lealdade, cumprindo o que acordaram. Em última análise, substancialmente, está-se diante da segurança jurídica. Conforme pontua Silva, (2005, p. 3) com o princípio da segurança jurídica, nos vínculos entre o Estado e o particular deve existir a previsibilidade da ação estatal, o respeito pelas situações constituídas, de acordo com as normas impostas ao Poder Público, para assegurar-se a estabilidade das relações jurídicas como também a coerência no agir da Administração Pública[13].

Esta é a faceta subjetiva do princípio da segurança jurídica, concernente à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação (SILVA, 2005, p. 4).

Por outro lado, acerca da equidade, não é despiciendo trazer à baila que a cláusula rebus sic stantibus tem justificativa, para uns, na boa-fé, enquanto para outros, seria na equivalência das prestações sobre a noção econômica de segurança (FONSECA, 1958, p. 225). Assim, a teoria da imprevisão colocaria em evidência o conflito entre essas duas noções. De qualquer modo, há de se enfatizar que a equidade, por sua vez, nas palavras de Osti (1994, p. 43) deve servir de substrato à teoria da imprevisão, como elemento substancial e essência do próprio direito.

A equidade impõe exceções ao princípio da intangibilidade do contrato, porquanto possibilita mudanças no que fora inicialmente acordado, na ocorrência de fatos extraordinários (GOMES, 1996, p. 37). Tais fatores passaram a ser determinantes à revogação circunstancial do princípio da força obrigatória dos contratos (GOMES, 1996, p. 38), passo importante rumo à humanização do contrato.

É o que se pode identificar na questão ora em curso, haja vista a recomposição da equação econômico-financeira do contrato administrativo se constituir meio capaz de minorar ou, até mesmo, extirpar a desigualdade contratual, ante mudanças ocorridas nas circunstâncias inicialmente pactuadas. Está-se diante de direito da parte, que, em situação mais extrema, permite-lhe até se eximir do cumprimento de uma obrigação contratual que se tornou desigual. Também importa frisar que esse tratamento deve sempre ser igual a todos os que enfrentarem idêntica situação, de sorte a não se praticar tiranias.

Assim é, portanto, que a uniformidade na aplicação da regra decorrente da teoria da imprevisão gera a equidade que permite deduzir elementos da segurança jurídica como a confiabilidade e a calculabilidade. A confiabilidade porque uma decisão tomada para solucionar determinado caso servirá de parâmetro para outros iguais, em homenagem à estabilidade e à vinculatividade do Direito – segurança jurídica –; e a calculabilidade, porque permite que o cidadão possa acreditar que haverá a mesma solução e, assim, planejar suas atividades futuras (ÁVILA, 2014, p. 238). Nota-se, em consequência, que esses dois princípios estão em perfeita simbiose, imbricados, a permitir alcançar a efetivação do direito do contratado.

De outro giro, também importa assinalar que a segurança jurídica, como valor constitucional, se conecta com o princípio da legalidade para, juntos, formarem dois pilares de sustentação do Estado de Direito, além de classificado como um subprincípio do princípio maior (SILVA, 2015, p. 11). Disto decorre o inexorável dever de cumprimento desses preceitos e o inegável reconhecimento da realização do comando da Lei Maior.

Nessa senda, cumpre assinalar que a concretização buscada pela Constituição significa trazer a norma constitucional para a realidade, dar-lhe vida, dar-lhe efetividade. Permite-se afirmar, ante os estudos feitos, que a CF/88 quis proclamar direitos, sim, mas, sobretudo, materializá-los, a fim de que toda interpretação seja uma atividade voltada para a efetividade da norma constitucional. E, em sede de contratos administrativos, identifica-se que a previsão do equilíbrio econômico-financeiro vem ao encontro da solidificação dos precitados princípios constitucionais – equidade e segurança jurídica.

Pelo olhar de Tércio Sampaio Ferraz Jr. (FERRAZ, 2003, p. 84) as normas não se confundem com os princípios, posto que a norma tem imperatividade e é entendida como uma relação entre o emissor e o receptor na relação comunicacional, a partir da teoria da pragmática da comunicação humana. No entanto, os princípios atuam como calibradores das normas, organizando de uma maneira ou de outra o sistema jurídico. Justamente por isso, os princípios apontam como o conteúdo da norma deve ser entendido, possibilitando que se restrinja ou amplie os conceitos presentes na norma.

Para o enfoque deste trabalho, impende sublinhar que a salvaguarda dos direitos constitucionais do contratado pode ser compreendida sob a perspectiva do garantismo ferrajoliano, como uma “concepção do Estado de direito e da democracia constitucional que, levando os direitos a sério, põe no centro da reflexão jurídica e dos projetos políticos o tema das garantias […]” (IPPOLITO, 2011, p. 40).

Isto porque o garantismo reconhece caráter normativo e supraordenado dos direitos constitucionais. Conforme arremata Ippolito (2011, p. 40) “[…] se configura como a teoria do sistema das garantias dos direitos fundamentais, que analisa, elabora os dispositivos jurídicos necessários à tutela dos direitos civis, políticos, sociais e de liberdade sobre os quais se fundam as hodiernas democracias constitucionais”.

Ainda que a Teoria do Garantismo haja sido idealizada no âmbito do Direito penal, na tentativa de refrear o poder punitivo do Estado frente às garantias de liberdade dos indivíduos, é correto afirmar que se espraia por outras áreas, por ser o Garantismo a segurança dos cidadãos[14]. Segundo interpreta Stoeberl e Novelli (2014, p. 7), dentre os significados trazidos por Ferrajolli, há de se entender o significado de Garantismo a designar uma teoria jurídica da “validade” e da efetividade”. Nessa trilha, impende tratar a teoria garantista vinculando-a ao contrato administrativo no que tange à aplicação da teoria da imprevisão, esta como origem para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste.

Inicialmente, faz-se necessário ver o Texto Maior como direito, e não apenas como lei, a exemplo do que o fazia o positivismo legalista, desatando-o do dedutivismo formalista que excluía da Ciência do Direito e da tarefa hermenêutica a consideração de princípios e valores – matéria prima da Nova Hermenêutica – que formam o substrato material e estrutural da Constituição, consequentemente dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2015, p. 613).

Na mesma rota de entendimento, imprescindível ter a compreensão de que a Constituição passa a ser um elemento de controle das leis não apenas do aspecto formal, mas, sobretudo, substancial ou material, ou em outros dizeres, de conteúdo (ZANETI, 2015, p. 4). Em assim sendo, não basta a lei ser constitucional formalmente, porém, principalmente, no conteúdo. Vale dizer, o teor, a substância tem que estar compatível com a Constituição.

Em cotejo com a previsão legal da teoria da imprevisão aos contratos administrativos, vê-se que a possibilidade de revisão da base contratual visa a conferir efetividade aos princípios constitucionais. Segue, portanto, o modelo garantista, uma vez que na construção das normas a Constituição é fundamental colocando-se em posição de primazia substancial da democracia, em sentido oposto à dimensão apenas formal, segundo apregoa Ferrajoli (apud NETO, p. 556).

Para embrenhar-se no modelo do constitucionalismo garantista de Luigi Ferrajolli, obrigatória se torna referir à mudança operada a partir do advento do Estado Democrático de Direito na teoria jurídica que necessitou passar por uma adequação a esse modelo de produção de direito, rompendo com a perspectiva do modelo de direito liberal individualista que produz um direito regulador, para um direito transformador com repercussão na teoria geral do direito, nos moldes do Estado Democrático de Direito (STRECK E SALDANHA, 2013, p. 410).

Essa problemática, segundo os precitados professores, foi reconhecida por vários autores, dentre os quais se destaca Luigi Ferrajoli, que passou a entender que o papel de garantia do Direito se tornou possível pela complexidade de sua estrutura formal, caracterizada, nas constituições rígidas, por seu caráter positivo das normas positivas, mas também por sua subserviência ao Direito, traço que distingue o Estado Democrático de Direito. Ou seja, as normas não são somente formais, ao revés, são substanciais. Há, então, uma dupla artificialidade traduzida nos modelos axiológicos do Direito Positivo e não apenas no conteúdo contingente – “dever ser” e não só no “ser” – (STRECK; SALDANHA, 2013, p. 410).

Na interpretação de Streck e Saldanha, devido a essa dupla artificialidade, a legalidade positiva ou formal do Estado Constitucional de Direito mudou de natureza, alterando-se de só condicionante para também condicionada por vínculos substanciais e não apenas formais (2013, p. 410).

Nesse sentido, Ferrajoli denomina “modelo” ou “sistema garantista”, em oposição ao paleo-juspositivismo, a esse sistema de legalidade que possui um papel de garantia relativamente ao Direito ilegítimo, tendo em vista que, graças a ele, o Direito contemporâneo programa suas leis sob aspectos procedimentais e, mais relevante, ainda, sob conteúdos substanciais, vinculando-os normativamente aos princípios e valores que estão expressos e compõem a Constituição, por meio de técnicas de garantia que são obrigação e responsabilidade da cultura jurídica elaborar (STRECK; SALDANHA, 2013, p. 411).

A importância dos princípios está bem delineada no garantismo a cuja teoria serve de apoio, e ambos se tornam instrumentos importantes principalmente ao magistrado porque lhe permite tutelar não somente a formalidade, mas, sobretudo o conteúdo constitucional (STOEBERL, 2014, p. 7).

Tal entendimento vem ao encontro de uma das três concepções de garantismo, defendida por Ferrajoli, como se disse alhures, traduzida, precisamente, na visão crítica de que o ordenamento pode ser teoricamente garantista, porém não o ser na prática, no sentido de que o garantismo designa uma teoria jurídica de “validade” e da “efetividade” como categorias distintas não só entre si, mas, também, pela existência ou “vigor” das normas (FERRAJOLI, 2010, p. 786).

Para Stoeberl e Novelli (2014, p.8), sob a ótica do garantismo a legislação válida é aquela que está conforme a Constituição, com o denominado núcleo intangível do ordenamento. Ainda nesse conceito, a eficácia é relevante, uma vez que mesmo sendo válida a lei, se não contiver eficácia deixará de cumprir sua função social, ou seja, a função para a qual foi criada.

É bem verdade que a função social do contrato suporta críticas de grandes doutrinadores que alegam imprecisão da definição deste princípio insculpido no art. 421 do Código Civil: “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Todavia, Giselda Hironaka (HIRONAKA, 2008, p. 134) aduz que a melhor técnica seria utilizar-se da expressão “liberdade de contratar” e não “liberdade contratual”, uma vez que a primeira diz respeito a liberdade de celebrar o contrato ou não e a segunda a liberdade de decidir o conteúdo do contrato.

Nessa perspectiva, Everaldo Augusto Cambler destaca a função social do contrato sob o aspecto intrínseco e extrínseco. Considera que “… o aspecto intrínseco deve levar em conta a dimensão do vínculo estabelecido entre os próprios integrantes da relação jurídica”. No sentido extrínseco, o contrato “[..] é avaliado em razão das implicações positivas ou negativas sentidas junto à coletividade, que se beneficia ou não das características formais e materiais do negócio, da circulação de riquezas, da garantia do crédito, etc.” (CAMBLER, 2013, p. 11)

Desse modo, a legislação referente ao contrato administrativo que se preordena a proteger o contratado na hipótese de sobrevirem fatos imprevistos de consequência incalculável, deve se efetivar por meio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, de sorte a garantir a realização de um direito constitucionalmente assegurado.

Vê-se que a previsão legal – art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993 – visa a conferir efetividade aos princípios e à norma constitucional, fazendo a junção garantista entre a normatividade e a efetividade. Reconhece-se, assim, a relevância do garantismo, haja vista que Ferrajoli centra sua abordagem a partir do pressuposto de que essa teoria surge pelo descompasso existente entre a normatização estatal e as práticas que deveriam estar fundamentadas nelas (MAIA, 2000, p. 41). Confirma-se, dessa feita, que o garantismo, por se preocupar com aspectos formais e substanciais, “teria a função de resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito todos os direitos fundamentais existentes” (MAIA, 2000, p. 42).

Nessa moldura, cotejando-se a teoria garantista com os princípios em comento, resta evidente que a isonomia se constitui princípio essencial do Estado Democrático de Direito, cuja consagração leva à efetivação dos direitos constitucionais assegurados a cada membro da sociedade. Possível identificá-lo desde o preâmbulo da CF/88, que, ao instituir o Estado Democrático, fixou a igualdade como um dos “[…] valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos […][15], fato relevante haja vista o preâmbulo das constituições concentrar a ideologia constitucional (BONAVIDES, 2015, p. 230).

O princípio da isonomia, no corpo da Constituição, está sufragado no art. 5º, caput, este que arrola os direitos fundamentais. Nessa trilha, submeter-se ao princípio da igualdade significa abandonar o sentido pejorativo de que a verdadeira sociedade igualitária representa um “novo” liberalismo ou uma “terceira via” de governo, como pensam alguns políticos.

Consigna Dworkin que a igualdade é analisada sob o prisma de duas teorias, sendo a primeira, denominada de teoria da igualdade de bem-estar, para a qual o sistema é igualitário quando transfere ou distribui recursos entre as pessoas até que não mais se faça necessário para deixá-las iguais em bem-estar; e a segunda, chamada de igualdade de recursos, na qual defende que as pessoas são tratadas como iguais quando os recursos são distribuídos ou transferidos de maneira que nenhuma parcela adicional do total de recursos torne as pessoas mais iguais (DWORKIN, 2012, p. 4-5).

Conquanto abstratas, é possível entender que a questão tratada neste estudo está abrangida por uma ou por outra teoria, na medida em que a existência de dispositivo legal autorizador da revisão dos contratos assegura tratamento igualitário aos cidadãos, em estrita subserviência ao comando constitucional.

Faz ver Celso Ribeiro Bastos (1989, p.13) que a posição do princípio da igualdade na Constituição “[…]A igualdade não assegura nenhuma situação jurídica específica, mas garante o indivíduo contra toda má utilização que possa ser feita da ordem jurídica. A igualdade é, portanto, o mais vasto dos princípios constitucionais, não se vendo recanto onde ela não seja impositiva”.

Repise-se que, ao servir de fundamento para a revisão do contrato, a teoria da imprevisão concretiza a equidade prevista na CF/88, eis que sua aplicação impede a ruína daquele atingido pelo fato imprevisível e extraordinário, causador do desequilíbrio. Incumbe, assim, à parte que se beneficiaria reconhecer o dever de restaurar as bases do acordo contratual, afetadas pelas ocorrências inesperadas. Com muito mais razão, se o contratante for o Ente público, que jamais pode deixar de observar as disposições constitucionais e é o guardião dos direitos fundamentais.

Ainda que não constitua o propósito da pesquisa, mas, para realçar a importância da isonomia, convém demonstrar o entrelaçamento deste com outro princípio de elevada envergadura, qual seja o da vedação ao enriquecimento sem causa. Este que exsurge como corolário da isonomia, haja vista que se admitir a desigualdade entre as obrigações cometidas às partes no contrato pode levar ao enriquecimento indevido de uma delas, causando prejuízo à outra.

O enriquecimento sem causa, também denominado, genericamente, de locuplemento, é comumente conceituado como todo aumento patrimonial que ocorre sem causa legítima ou ainda tudo que se deixa de perder sem causa justa. Então, se alguém obtém vantagem às custas do prejuízo de outrem, considera-se que houve enriquecimento sem jurídica causa. Cuida-se de princípio albergado no ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito do Direito privado expressamente no art. 884, do CCB[16], e, implicitamente, na seara do Direito público, no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993.

A título de esclarecimento, para configuração do enriquecimento sem causa faz-se necessário identificar três requisitos, em síntese: a) que tenha havido diminuição do patrimônio do lesado; b) que o beneficiado tenha aumento de patrimônio sem causa jurídica que o justifique; e c) que seja caracterizada a relação de causalidade entre o enriquecimento de uma parte e o empobrecimento da outra. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se consolidado nesse sentido, de modo que comprovada a extraordinariedade do fato causador do desequilíbrio, impende a aplicação da teoria da imprevisão, a fim de se evitar o locupletamento e a onerosidade excessiva[17].

No Direito pátrio, a equidade pode ser utilizada como motivação à não resolução do contrato. Nessa linha de entendimento, com o fim de se obstar a resolução do contrato excessivamente onerado por um fato superveniente, o art. 479 do CCB[18] oferece ao réu modificar equitativamente as condições do contrato.

Todavia, assinala Lôbo (2012, p.209) que, mesmo sendo um fator positivo, ainda é uma forma tímida de revisão do contrato, visto que condiciona à iniciativa ou faculdade de quem fora beneficiado pela mudança de circunstância. Adverte, assim, para a necessidade de análise da situação concreta a permitir a solução justa. Tal pensar corrobora a teoria garantista no sentido de o “dever-ser” se efetivar no “ser”.

Vale considerar, entrementes, que a previsão legal como se apresenta, de fato possibilita a estipulação de novas condições mais justas à realidade do contrato (“ser”), a fim de se evitar a ruína da parte devedora. Nisto consiste o reequilíbrio material do contrato, em consonância com a teoria garantista que colima inserir valores materialmente estabelecidos no ordenamento jurídico. É a preocupação com o conteúdo da norma, conforme defendido por Ferrajoli, na ótica de sua teoria reconhecidamente comprometida com os pilares da democracia.

Voltando-se ao tema da igualdade, convém repisar que a ideia subjacente à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é a de que nenhuma parte pode se locupletar, impondo o cumprimento de uma prestação que se tornou excessivamente onerosa à outra. Ínsito na figura da revisão do contrato, portanto, o princípio da igualdade, que deve permear as obrigações a que os contratantes se comprometeram.

À vista dos argumentos expendidos, também em se tratando de contrato administrativo, resta bem delineado que se o particular for surpreendido durante a execução do objeto pactuado, incumbirá ao contratante estatal proceder à revisão da avença, na hipótese de ocorrência de fatos classificados como imprevistos e extraordinários, estranhos à vontade dos contratantes, a fim de ser ver garantida a efetivação desses dois relevantes princípios, o princípio da isonomia, assegurado expressamente pela CF/88, e o da segurança jurídica que impregna toda a Constituição, conforme amplamente defendido ao norte.

Por fim, convém reportar à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que segue pela mesma vereda, por entender plenamente aplicável aos contratos administrativos a teoria da imprevisão, desde que bem caracterizados os fatos causadores do desequilíbrio como extraordinários e imprevisíveis. A título de exemplo, remarque-se o posicionamento da E. Corte no sentido de que a inflação, no Brasil não pode ser considerada como justificativa ao desequilíbrio contratual por meio da aplicação da teoria da imprevisão[19].

Portanto, a contrario sensu, permite-se inferir que, uma vez verificada a presença dos requisitos caracterizadores da imprevisão, não se há refutar a possibilidade da renegociação (revisão) de novas bases do contrato, para se ver concretizados os princípios da isonomia e da segurança jurídica. Sob o manto garantista, como teoria comprometida com a democracia, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, ante fatos caracterizados como imprevistos, materializa a norma superior e garante a concretização de direitos do contratado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria da imprevisão é nada mais do que a tradução da busca pela igualdade entre as partes contratantes, defendida por Aristóteles, desde a antiguidade, como princípio fundamental que deve reger todas as relações jurídicas, sobretudo, contratuais, pressupondo dar a cada um aquilo que faz jus.

Além disso, constatou-se que a teoria da imprevisão, como parte da cláusula rebus sic stantibus, tem plena aplicação no Direito brasileiro albergada que está no âmbito do direito privado, no art. 884 do Código Civil e, na esfera do Direito Público, e contemplada no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993, esta que rege os contratos administrativos.

Evidenciou-se que os fatos imprevisíveis e extraordinários são autorizadores das modificações dos contratos, razão por que se constituem exceção ao princípio do pacta sunt servanda, que preconiza a força obrigatória das convenções.

No transcorrer do estudo, restou nítida a correlação entre os princípios da equidade e o da segurança jurídica, como substratos à teoria da imprevisão, haja vista a impossibilidade de permanecerem condições pactuadas que não mais correspondem à realidade do contrato, em face da ocorrência de causas supervenientes e extraordinárias, alheias à vontade dos contraentes, razão para se proceder a alteração contratual, com o propósito de se manter o equilíbrio econômico-financeiro do acordo.

Tais princípios estão impregnados na CF/88, em sua faceta substancial, ou, dito de outro modo, constituem-se meios de concretização dos direitos assegurados pelo Estado Democrático, de modo a permitir a todas as pessoas o exercício de direitos sociais, bem-estar, igualdade, justiça social, entre outros previstos preambularmente da Constituição Federal.

Torna-se indene de dúvidas que a teoria da imprevisão, ao permitir a repactuação dos contratos, ante as mudanças ocorridas na conjuntura existente à época da celebração, é um dos instrumentos de efetivação dos princípios da isonomia e da segurança jurídica, porque reconhece o direito aos contratantes de revisar o acordado, evitando-se, dessa feita, a ruína de um deles, em conformidade com as normas constitucionais. Sob esse prisma, identifica-se a teoria garantista em seu sentido de validade e efetividade do ordenamento, submisso aos ditames constitucionais.

A efetivação da isonomia se liga, diretamente, ao fato de ser necessário manter o equilíbrio relacional entre as partes nos acordos celebrados, de um modo geral, e com mais ênfase e relevância nos contratos administrativos, consoante já se afirmou, imposição feita pela presença do Estado como um dos contratantes.

No que concerne ao princípio da segurança jurídica, considerando-se que não se pode auferir vantagem não oriunda de fato legítimo (enriquecimento sem causa) deve-se, então, proceder a adequação das cláusulas avençadas. Não que tal proceder implique a eliminação da cláusula pacta sunt servanda, e sim porque é imprescindível reconhecer a cláusula excetiva, de sorte a concretizar a segurança no contrato.

No contexto que se explorou a temática, procurou-se estabelecer a vinculação da aplicação da teoria da imprevisão à teoria do garantismo, de Luigi Ferrajoli, no sentido de que o Direito precisa ser assegurado a todos, notadamente porque o Estado Democrático de Direito é o amparo para o desenvolvimento da teoria garantista. Parte-se da ideia de um Direito promovedor e transformador, conforme se deixou assente ao longo da exposição, e não mais de mero instrumento, sem efetividade. Retira-se a posição contemplativa do positivismo para se adotar a da efetivação dos direitos constitucionalmente assegurados.

Por fim, restou consignado que a teoria da imprevisão pode e deve ser interpretada como instrumento de efetivação de princípios constitucionais que estão implícitos à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, relacionando-o com os ditames da teoria garantista de Luigi Ferrajoli, aplicável não somente ao Direito penal, consoante consignado, como forma de se dar concretude aos pilares do Estado Democrático de Direito. Imprescindível ter-se a compreensão de que a norma positivada deve seguir a direção da Constituição, como centro irradiador para todo o sistema jurídico.

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Notas de Rodapé

[1] Doutor em Direito Constitucional pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Especialista em Direito Público e Privado pelo CIESA, Especialista em Direito Público e Administrativo pela UFAM. Procurador do Estado do Amazonas e Professor de Direito Internacional Público e Privado no CIESA e Professor de Filosofia Jurídica da UEA.

[2] Doutoranda UNIFOR/CIESA. Mestre em Direito Ambiental. Especialista em Direito Civil. Professora da Faculdade de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA. Professora do Curso de Pós-Graduação do Curso de Direito Público do CIESA. Procuradora do Estado do Amazonas. Procuradora-Geral do Estado do Amazonas.

[3] Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza em parceria com o Centro Universitário CIESA. Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino – ITE e Centro Universitário CIESA. Especialista em Direito Tributário e Legislação de Impostos pelo CIESA (2013). Graduação em Direito pelo CIESA (2011). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Cursos de Especialização.

[4] Conforme TTJ 51/187, 1969. O Supremo acolheu a cláusula em 1935 (LOBO, 2011, p. 205).

[5] Sistemas revisionistas se referem à adoção da revisão judicial dos contratos, pacificamente admitida pela jurisprudência, tendo por fundamento princípios da boa-fé, no conceito mitigado de impossibilidade, ou por outros fundamentos (FONSECA, 1958, p. 248). Dentre as teorias revisionistas, além da teoria de pressuposição, de Windsheid, estão: teorias com base na vontade, teoria da vontade marginal (Osti), teoria da base do negócio (Oertmann), teoria da base do erro (Giovène), teoria da situação extraordinária (Bruzin), teoria do dever de esforço (Hartmann) teoria do estado de necessidade (Lemann e Covielo) e teoria do equilíbrio (Giorge e Lenel), (OLIVEIRA, 2002, p. 137).

[6] A actio, no entendimento de Windsheid, era a faculdade de realizar a própria vontade através de uma perseguição em juízo. Windsheid conclui que a pretensão é o equivalente moderno da actio, delineando-a como uma situação jurídica substancial, distinta tanto do direito de se queixar quanto do próprio direito subjetivo, do qual é uma emanação que funda a possibilidade de o autor exigir a realização judicial do seu direito (MARINONI, 2008, p. 163).

[7]CCB, art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

[8]Enunciado 175, art. 478. A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz”. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/doutrina/direitocivil-geral/503-enunciados-aprovados–iii-jornada-de-direito-civil>.

[9]Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

II – por acordo das partes:

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”.

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

XVII – a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato”.

[10]Art. 37. XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

[11] Acórdão 865/2006, Plenário, rel. Min. Benjamim Zymler. “5. Naquela ocasião, portanto, ressaltei a necessidade de preservação da equação econômico-financeira revelada pela proposta vencedora, que se materializou com o contrato original. Tal raciocínio encontra amparo no que estipula o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal. Em outros termos: reputei necessário que o exame dos itens relacionados à execução do referido contrato fosse pautado pela busca da preservação da vantagem (desconto) oferecida pela licitante vencedora e que permeou os termos originais da contratação”. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/pesquisa/acordao-completo>. Acesso em: 10 dez. 2016.

[12] Acórdão 2.929/2010, Plenário, Rel. Min. Benjamim Zymler. “16. Variações maiores, porém, como visto, demandavam o ressarcimento por parte da Petrobrás ou da contratada, conforme o caso, da diferença que exceda esse percentual. Tal cláusula deve ser entendida como comando que revelou, de forma explícita e prévia, o ponto a partir do qual a equação econômico-financeira originalmente pactuada passaria a ser afetada. Essa cláusula encontra amparo na orientação contida no art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei nº 8.666/1993, que tem por objetivo fundamental manter o equilíbrio entre encargos e direitos conferidos à Administração e seus entes e às empresas contratadas”. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/pesquisa/acordao-completo>.

[13] Nas palavras de J. J. Gomes Canotilho (2000, p. 256), “[…] o necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. […]Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da orem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito […]”.

[14] Ferrajoli apresenta três significados para Garantismo: No primeiro significado, “designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de estrita legalidade SG, próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano políticos e caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos”.

[15] CF/88, Preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

[16] C.C.B. Do Enriquecimento Sem Causa. “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”.

[17] Apelação Cível. Ação de procedimento ordinário. Cláusula de contrato de arrendamento mercantil – leasing que prevê o reajuste das parcelas pela variação cambial do dólar norte-americano. Nulidade da cláusula. Teoria da imprevisão. Aplicabilidade. Falta de prova de capital estrangeiro no contrato em espécie. Aplicação do CDC aos contratos de leasing. Incidência de seu art. , inc. V. Aplicação do Índice pelo INPC. A desvalorização excessiva da moeda nacional em relação ao dólar, caso em que pertinente a revisão de cláusula do contrato a fim de restabelecer o equilíbrio financeiro. A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar americano. é ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (art. , III, e 10,”caput”, 31 e 52 do CDC). Nula, portanto, a cláusula que estipula o reajuste do contrato sujeito à variação cambial. (…) Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto à variação cambial nos contratos de arrendamento mercantil firmados anteriormente e vigentes em 1999, dada a maxidesvalorização do real frente ao dólar, indexador para correção monetária dos referidos contratos, é aplicável a teoria da imprevisão a permitir a revisão do critério de atualização. Firmou-se o entendimento de que a partir de 19.1.1999, inclusive, não pode o consumidor ser integralmente responsabilizado pela brusca variação ocorrida com a moeda estrangeira, devendo os ônus ser divididos em partes iguais entre os litigantes, mantida a higidez da cláusula de correção cambial, porém retirada a onerosidade excessiva decorrente do fato superveniente (…) (STJ – Agravo em REsp. 893998 – Minª. Maria Isabel Gallotti – j. em 01.02.2017) – sem o destaque no original.

[18]CCB, art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

[19] Mandado de segurança. Concurso Público. Convocação para exame de aptidão mental. Candidato ausente. Atestados médicos comprovadores de incapacidade temporária para realização do exame expressa. Previsão editalícia no sentido de que não haveria segunda chamada. Julgamento de recurso repetitivo no STF. Impossibilidade de realização do exame em dia diverso mesmo que por motivo de força maior. Ausência de direito líquido e certo. Segurança denegada com o parecer. (…) No caso fortuito ou de força maior não há caminho de volta. Em conclusão: diante do fato consumado nasce uma realidade; na imprevisibilidade, diante da virtualidade da lesão, a manutenção do pacto será buscada por via de revisão, ou, quando não, sua extinção, identificando-se tão-somente uma probabilidade’. Outrossim, os institutos mencionados ficam caracterizados quando presentes a necessidade do fato e sua inevitabilidade. Sob esse aspecto, a teoria mais justa a ser aplicada seria a Teoria da Imprevisão, de modo que tal remédio sane os incidentes projetados no tempo e no espaço impedindo o cumprimento das normas, neste caso, as fases do certame elencadas no Edital. A respeito da Teoria da Imprevisão, Silvio de Salvo Venosa tece a seguinte consideração: ‘A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente aquela que revogue totalmente às possibilidades de previsibilidade’. É cediço que a causa superveniente ocorrida, qual seja, o problema de saúde do Recorrente, gerou grande dificuldade no cumprimento da segunda fase do certame. Nesse caso, deve haver ajuste sem culpa das partes, que consiste em permitir que o Recorrente realize a segunda chamada da fase perdida, pois conforme prediz o artigo 65, II, d da Lei 8.666/93: ‘Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: II – por acordo das partes: d) (…) na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.’ (grifamos) Sendo assim, dada a ausência de norma específica em Edital, assim como na legislação extravagante tratando acerca do assunto, em vias de evitar danos, o qual o Recorrente suporta até o momento de maneira permanente, é salutar o reconhecimento do direito líquido e certo. (…) (STJ – MS 46.359 – Relª. Minª. Assusete Magalhães – j. em 03.05.2017) – sem o destaque no original.