Supremas Cortes e Efeito Backlash: o Caso das “Vaquejadas” no Brasil
DOI: 10.19135/revista.consinter.00012.12
Recebido/Received 15.10.2020 – Aprovado/Approved 25.03.2021
Saul Tourinho Leal[1] – https://orcid.org/0000-0002-8816-4514
E-mail: stourinho@ayresbritto.com.br
Nara Pinheiro Reis Ayres de Britto[2] – https://orcid.org/0000-0002-0106-1062
E-mail: nara@ayresbritto.com.br
Resumo
Poderia o objeto de uma lei declarada inconstitucional pela Suprema Corte ser reintroduzido no ordenamento jurídico dessa vez por meio de uma emenda à Constituição? E se essa emenda toma como fundamento elementos protegidos pela Constituição, como as manifestações culturais? A Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 2º a separação dos Poderes como cláusula pétrea explícita. Poderia uma emenda que admite uma exceção de base constitucional subscrever uma prática reputada pela Suprema Corte como capaz de submeter os animais à crueldade? A evolução dos tempos e os avanços sociais e culturais fazem parte da transformação da própria sociedade e essa transformação pode se dar em conformidade com a Constituição, devendo o Supremo Tribunal Federal, no exercício do seu dever de guarda da Constituição, preservar as cláusulas pétreas notadamente diante de iniciativas políticas que tentem suplantar o efeito transformador ínsito aos efeitos do exercício pleno do caráter contramajoritário da jurisdição constitucional. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise constitucional, por meio de metodologia de revisão bibliográfica, legislativa e jurisprudencial da prática das chamadas “vaquejadas” no Brasil e suas consequências a partir de uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal que ensejou imediata reação política por meio da aprovação de uma emenda constitucional por parte do Congresso Nacional.
Palavras-chaves: Vaquejadas; Emenda Constitucional 96/2017; Aferição de Constitucionalidade; Supremo Tribunal Federal.
Abstract
Could the object of a law declared unconstitutional by the Supreme Court be reintroduced into the legal system this time through an amendment to the Constitution? And if this amendment is based on elements protected by the Constitution, such as cultural manifestations? The Federal Constitution of 1988 brings in its art. 2nd the separation of the Powers as an explicit stone clause. Could an amendment that admits a constitutionally based exception subscribe to a practice considered by the Supreme Court as capable of subjecting animals to cruelty? The evolution of the times and social and cultural advances are part of the transformation of society itself and this transformation can take place in accordance with the Constitution, and the Supreme Federal Court, in the exercise of its duty to guard the Constitution, preserve the stone clauses notably in the face of political initiatives that try to overcome the transformative effect inherent to the effects of the full exercise of the not majority character of constitutional jurisdiction. Thus, the present work aims to make a constitutional analysis, through bibliographic, legislative and jurisprudential review methodology of the practice of the so-called “vaquejadas” in Brazil and its consequences from a decision taken by the Federal Supreme Court that gave rise to an immediate political reaction through the approval of a constitutional amendment by the National Congress.
Keywords: Vaquejadas; Constitutional Amendment 96/2017; Measurement of Constitutionality Control; Supreme Federal Court.
Sumário: Introdução; 1. Elementos do caso estudado; 2. A jurisprudência coerente, íntegra e estável do STF quanto a práticas que submetam os animais à crueldade; 3. A quem cabe a derradeira palavra quanto à Constituição?; 4. A vinculação do poder legislativo às decisões da Suprema Corte; 5. Conversa constitucional x sobreposição (override); 6. A vaquejada e a sua transformação harmônica com a constituição; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Pode o Congresso revogar uma decisão geral vinculante da Suprema Corte por meio de uma emenda à Constituição? Para além disso, no caso concreto analisado no presente artigo, qual a densidade normativa de aspectos culturais ligados tanto à prática desportiva da vaquejada como ao negócio no qual esta atividade parece ter se transformado.
Nesse cenário, o presente artigo tem como objetivo analisar se a prática das vaquejadas estaria em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Para tanto, faz-se um estudo do impacto da recente aferição de controle de constitucionalidade na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983, que questionava a constitucionalidade da Lei Nacional nº 15.299/2013, onde entendeu-se pela inconstitucionalidade da referida Lei e posterior descumprimento do entendimento firmado pela Suprema Corte no caso pela Emenda Constitucional nº 96 de 2017, cujo conteúdo é diretamente oposto ao julgado pela Suprema Corte.
A metodologia utilizada no presente trabalho é de revisão bibliográfica, legislativa e jurisprudencial. Tem-se como resultado parcial que a manobra legislativa para driblar entendimento firmado pela Suprema Corte, no caso da vedação da prática de vaquejadas no Brasil, está em desconformidade com o nosso ordenamento jurídico, haja vista que ao promulgar a Emenda Constitucional nº 96/2017, o Congresso Nacional feriou o princípio da Separação dos Poderes, por desrespeitar matéria já decidida pelo Guardião da Constituição. Ademais, a Constituição Federal não aceita qualquer tipo de prática que, para fins de entretenimento, e visando o lucro de grupos econômicos, submeta os animais à crueldade, consoante o art. 225, § 1º, inciso VII da Magna Carta.
1 ELEMENTOS DO CASO ESTUDADO
Em 6/10/2016, apreciando a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983, a Suprema Corte declarou, por seis votos a cinco[3] – uma maioria apertada, portanto -, a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299, de 8 de janeiro de 2013, do Estado do Ceará, que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural. O acórdão desse célebre precedente foi publicado em 24/2/2017.
Prevaleceu, como ratio decidendi da corrente majoritária, o fundamento de que a vaquejada é inerentemente cruel, violando a parte final do art. 225, §1º, VII, da Constituição Federal, segundo o qual para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, são vedadas, na forma da lei, as práticas que submetam os animais à crueldade.
O relator, ministro Marco Aurélio, anotou o seguinte em seu voto: “Ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, tem-se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas”. Então arrematou: “Tendo em vista a forma como desenvolvida, a intolerável crueldade com os bovinos mostra-se inerente à vaquejada”[4].
Mesmo as respeitáveis vozes divergentes não rejeitaram a chance de os animais sofrerem. Eis trecho do voto do ministro Gilmar Mendes: “E ainda que, em algum casos, nós possamos ter situações em que há possível lesão ao animal, talvez a medida não devesse ser a de proibição da atividade, tendo em vista exatamente esse forte conteúdo cultural (…)” (p. 19 do acórdão)[5].
Menos de duas semanas após o julgamento, foi apresentada, no Senado Federal, a Proposta de Emenda à Constituição nº 50, acrescentando o § 7º ao art. 225 da Constituição, para permitir a realização de práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio cultural brasileiro que não atentem contra o bem-estar animal.
A emenda pretende viabilizar a reversão da jurisprudência do STF que veda práticas que submetam os animais à crueldade. Também parece tentar construir um enredo normativo que dificulte a proclamação de decisões semelhantes no futuro.
A justificativa da PEC nº 50 foi de uma franqueza desconcertante:
Em que pese não ter sido sequer publicado o acórdão, a notícia da decisão tomada pela Suprema Corte suscitou intensa polêmica entre os apoiadores da prática e os defensores dos direitos animais, e chegou mesmo a ensejar o anúncio da formação de uma Frente Parlamentar em Defesa da Vaquejada. Dessarte, a fim de encerrar a controvérsia que ainda cerca a questão, propõe-se a presente sugestão de emenda ao texto constitucional, por intermédio da qual se busca consignar na Lei Maior, com clareza, a permissão para que as práticas culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro e comprovadamente nã submetam os animais à crueldade possam se realizar sem óbices.
Trata-se, abertamente, de um override, a revogação, pelo Legislativo, de um precedente emanado da Suprema Corte. Uma sobreposição.
Em 7/6/2017, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 96, cuja redação ficou tal qual transcrita abaixo:
Art. 225. (…)
(…)
§ 7º. Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos[6].
2 A JURISPRUDÊNCIA COERENTE, ÍNTEGRA E ESTÁVEL DO STF QUANTO A PRÁTICAS QUE SUBMETAM OS ANIMAIS À CRUELDADE
A EC nº 96/2017 não apenas abre espaço normativo para a reversão da posição vinculante da Suprema Corte quanto à vaquejada, mas, também, de toda a sua jurisprudência dos últimos vinte anos relativa a práticas que, segundo a Corte, são cruéis com os animais. Apaga-se o passado e impede-se a transformação do futuro.
Quanto ao passado, o Supremo, em junho de 1997 – há mais de vinte anos -, declarou a inconstitucionalidade da “Farra do Boi”, prática decorrente de um costume em regiões da faixa litorânea do Estado de Santa Catarina, por parte de um segmento da população de origem açoriana, que consistia em as pessoas soltarem touros nas ruas e persegui-los (RE 153.531, Rel. Min. Marco Aurélio, 03/06/1997).
Em 2011, foi a vez da lei do Estado do Rio de Janeiro nº 2.895, de 20 de março de 1998, que disciplinava as brigas de galos (os da espécie gallus-gallus) (ADI 1856, Rel. Min. Celso de Mello, 26/05/2011).
Veio, então, a declaração de inconstitucionalidade da lei cearense que disciplinava a vaquejada[7].
A briga de galo não se reveste das mesmas características da vaquejada. Nem a Farra do Boi. Todavia, nesses casos, que compõem uma linha jurisprudencial de mais de duas décadas, a Suprema Corte encontrou o que lhe basta: as práticas submetem, ainda que de modos diversos, os animais à crueldade.
Quanto à ratio decidendi, nada obstante sejam, as práticas, diversas, as decisões são coerentes, íntegras e estáveis. É o que se exige, segundo Ronald Dworkin, para a compreensão do Direito Constitucional como integridade, que reclama o teste da adequação (ou do ajuste), no qual o julgador deve encontrar a solução harmônica com a experiência constitucional, a história e seus precedentes. É o “romance em cadeia”.
O teste seguinte é o de justiça. Para Dworkin, feito o teste de adequação e havendo mais de uma interpretação possível, o juiz deve optar por aquela que melhor corresponda aos direitos morais da comunidade, demonstrando-se os fundamentos da “melhor resposta possível”[8].
A comunidade e seus costumes não deveriam ser estanques, mas dinâmicos, se aperfeiçoando rumo às conquistas do constitucionalismo, o que inclui a redução da violência, em todos os seus simbólicos aspectos.
Steven Pinker, de Harvard, diz que “as Revoluções por Direitos redefiniram alguns dos temas da Revolução Humanitária, mas redefiniram igualmente uma característica do Processo Civilizador. Durante a transição para a modernidade, as pessoas estavam empreendendo mudanças destinadas a reduzir a violência”[9]. Para ele, “dadas as recentes mudanças de sensibilidade, é certo que a vida dos animais vai continuar melhorando”[10].
Com a EC nº 96/2017, o Congresso Nacional busca um trunfo normativo capaz de impedir que o STF siga com a sua jurisprudência na matéria. Seria um rompimento do “romance em cadeia” ao qual Dworkin alude ou, nos termos do Código de Processo Civil, uma quebra das condições necessárias a que a Corte mantenha sua jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926 do CPC).
Cortes Constitucionais e Supremas Cortes de todo o mundo se revestem de uma roupagem normativa cuja base é o respeito, pelo Poder Legislativo, à sua independência para dar a última palavra acerca da interpretação constitucional.
A doutrina constitucional sul-africana, por exemplo, pontua que
a jurisdição do Tribunal Constitucional, como o mais alto tribunal em questões constitucionais e conexas, encontra raiz na Constituição e não pode ser destituída pela legislação. Esta proposição, que decorre do princípio da supremacia constitucional, se reflete na decisão da Corte em African National Congress v Chief Electoral Officer, Independent Electoral Commission [2010 (5) SA 487 (CC)][11].
No Brasil, o art. 225, § 7º, fruto da EC nº 96/2017, dispõe que não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
A Suprema Corte poderia derrubar as leis que não assegurassem o bem-estar dos animais envolvidos.
Acontece que, a mera viabilização normativa de se entender a vaquejada como uma prática que pode garantir o “bem-estar dos animais envolvidos” já impõe ao ordenamento jurídico um reconhecimento que o Supremo afastou, qual seja, o de que é possível haver vaquejadas que não sujeitem os animais à crueldade.
Mesmo que, por essa ótica, a EC nº 96/2017 não seja suficiente para impedir o STF de apreciar casos sobre a sujeição de animais à crueldade para fins de entretenimento em práticas desportivas, ainda assim a Emenda está viciada.
Pode o Constituinte Derivado promover uma reforma constitucional destinada a reverter, para o passado, a jurisprudência do Supremo e, ainda por cima, impedi-la de promover interpretações semelhantes no futuro?
Admitir tal possibilidade é aceitar que a concentração, em tribunais, da competência para resolver conflitos cotidianos à luz da Constituição (e das leis) pode não ter sido uma escolha acertada. É uma conclusão que reduz a força normativa da Constituição. Como adverte Marcelo Neves,
a falta de força normativa do texto constitucional conduz, na práxis jurídica, à insuficiência de legalidade e constitucionalidade e, correspondentemente, no plano de reflexão, ao problema da desconexão entre a prática constitucional e as construções da dogmática jurídica e da teoria do direito sobre o texto constitucional[12].
3 A QUEM CABE A DERRADEIRA PALAVRA QUANTO À CONSTITUIÇÃO?
A quem cabe a palavra final acerca da interpretação da Constituição? Ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo ou ao Poder Judiciário?
A resposta vem da lição clássica – memoravelmente imortal – de Ruy Barbosa:
Pois, se da política é que nos queremos precaver, buscando a justiça, como é que à política deixaríamos a última palavra contra a justiça? Pois, se nos Tribunais é que andamos à cata de guarida para os nossos direitos, contra os ataques sucessivos do Parlamento ou do Executivo, como é que volveríamos a fazer de um destes dois poderes a palmatória dos Tribunais?[13]
A ideia de que pode, o Legislativo, desde que o faça por emenda à Constituição, ter a última palavra quanto à interpretação constitucional, abre espaço para a erosão da ordem jurídica, pois devolve à política a guarda de direitos comumente assegurados a todos, inclusive a minorias que, usando-os como trunfos, reduzem as chances de serem esmagadas pelas maiorias.
Vale frisar que nada impede o Congresso Nacional de legislar. Especialmente por meio de uma emenda à Constituição. Numa democracia, a cidadania é a base da sociedade. Segundo o art. 1o, II, da Constituição brasileira, a República tem como um dos seus fundamentos a cidadania. Pelo parágrafo único do dispositivo, todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.
Acontece que não pode, o Congresso, ao promover reformas constitucionais – para as quais está autorizado –, fazê-lo com o propósito, mesmo não revelado, de desmoralizar o Tribunal, humilhá-lo perante os cidadãos constitucionais ou simplesmente desacreditar seus precedentes. Congressistas, todos eles, juram no ato de posse defender a Constituição, não atacá-la.
O Regimento Interno do Senado, no art. 4º, § 2º, traz o seguinte compromisso a ser prestado pelo senador no ato de posse: “Prometo guardar a Constituição Federal e as leis do País, desempenhar fiel e lealmente o mandato de Senador que o povo me conferiu e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.
O Regimento da Câmara, no art. 4º, § 3º, traz compromisso semelhante: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Todos devem lealdade à Constituição.
Portanto, o fato de ser, a política, a força que alça os representantes do povo ao apogeu da representação democrática e, também, ser o capital que alimenta casas como o Congresso Nacional, não é suficiente para autorizar os congressistas a desmerecerem a Constituição e seu guardião precípuo que é o STF.
Há virtudes em se dar à Suprema Corte a palavra final sobre a interpretação constitucional. Para Dieter Grimm, juiz aposentado da Corte Constitucional da Alemanha: “(…) uma instituição especializada na imposição da Constituição, já devido ao seu próprio interesse institucional, estará mais disposta a propiciar a validade à Constituição e também a poder transmitir ao público a importância da Constituição do que uma jurisdição constitucional integrada”[14].
Também não pode se perder de vista a rigidez imposta ao STF quando do exercício de sua competência de guarda precípua da Constituição.
O devido processo legal (art. 5o, LIV, da Constituição Federal[15]) é rigoroso quanto à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Segundo o art. 97 da Constituição, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão, os tribunais, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.
Há, ainda, as virtudes da própria formação da Suprema Corte. Segundo o art. 101 da Constituição, o STF compõe-se de onze Ministros (colegialidade), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos (experiência), de notável saber jurídico (sabedoria) e reputação ilibada (virtude). Os Ministros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado, numa robusta demonstração de harmonia entre os poderes. Suas decisões hão de ser fundamentadas com base na Constituição.
A declaração de inconstitucionalidade de uma lei estadual como a do Estado do Ceará não é tarefa simples. O art. 103, § 1º, da Constituição, diz que o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido. O § 3º, por sua vez, determina que o STF cite, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado. Participam, ainda, o Poder Legislativo e o Executivo, envolvidos na promulgação da lei ou ato normativo (art. 103, II e III da CF). Tudo vitalizando os check and balances e a harmonia entre os poderes.
O sistema é criterioso quanto à declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo pelo STF, ainda mais na via abstrata e com eficácia contra todos. Isso, por saber que os efeitos alcançam a todos os Poderes, sem exceção, e que mesmo o Legislativo, em sua importância democrática, não está imune – nem tem poder imunizante – aos efeitos da jurisdição constitucional.
4 A VINCULAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO ÀS DECISÕES DA SUPREMA CORTE
A Constituição Federal entregou ao Supremo Tribunal Federal a competência para aferir a constitucionalidade do comportamento legislativo e corrigi-lo, quando incompatível com a própria Constituição. Segundo o art. 102, I, ‘a’, da Constituição, compete, precipuamente, ao STF, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.
Ainda compete ao STF processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma dessas Casas Legislativas (art. 102, I, ‘q’, da Constituição Federal).
Cabe ao STF corrigir o Legislativo quanto à implementação de normas reclamadas pela Constituição, não o contrário.
Decorre da Constituição a necessidade de se assegurar a autoridade das decisões do Supremo, residindo, no próprio Tribunal, a competência para tal. Segundo o art. 102, I, ‘l’, compete ao STF a apreciação de reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.
Quando o Supremo, apreciando uma ação direta de inconstitucionalidade, nulifica uma lei, a Corte procede a um comando que também vincula o Poder Legislativo. Segundo o art. 102, § 2º, da Constituição, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal[16].
O saudoso ministro Teori Zavascki, em trabalho sobre a questão, anotou o seguinte sobre a inspiração do trecho que se vale da expressão contra todos:
Nos países da Europa em que tais institutos são adotados, considera-se efeito vinculante uma qualidade da sentença que vai além das suas eficácias comuns (erga omnes, coisa julgada, efeito preclusivo), ‘uma peculiar força obrigatória geral’, uma ‘qualificada força de precedente’, variável em cada sistema, extensivo, em alguns deles, ao próprio legislador[17].
A própria Constituição Federal traz o Poder Legislativo para a esfera de cumprimento das decisões do Supremo. Segundo o art. 103, § 2º, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. Poder competente inclui, naturalmente, o Poder Legislativo.
Para J. J. Gomes Canotilho, a declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral significa a vinculação do próprio legislador à decisão do Tribunal Constitucional: “ele não pode reeditar normas julgadas inconstitucionais pelo TC”. Segundo o jurista português, “este limite negativo resulta do princípio da constitucionalidade e, como tal, é um limite jurídico-constitucional e não um limite político-constitucional assente no simples princípio da confiança entre órgãos constitucionais”[18]. Canotilho desenvolve o seguinte raciocínio:
A revisão está constitucionalmente sujeita a limites formais, circunstanciais e materiais. A não observância, pela lei de revisão, dos limites estabelecidos na constituição, coloca-nos perante o problema da desconformidade constitucional das leis de revisão, problema esse que não é substancialmente diferente do problema da inconstitucionalidade das leis ordinárias, dado que o poder de revisão é um poder constituído e não uma novação poder constituinte[19].
E não é apenas o Poder Legislativo que está constitucionalmente vinculado às decisões da Suprema Corte. Segundo o art. 85, VII, da Constituição, são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o cumprimento das decisões judiciais.
No estado constitucional, obstruir os efeitos de uma decisão abstrata e vinculante da Suprema Corte tem sérias implicações.
Mesmo a federação está vinculada. O art. 34, VI da Constituição dispõe que a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial. A decretação da intervenção dependerá, no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do STF nas matérias de sua competência (art. 36, II).
Indo além, o Poder Legislativo, ao contrário de contar com qualquer autorização constitucional para mitigar os efeitos decorrentes da declaração de inconstitucionalidade proclamada pelo STF, tem, contrariamente, o dever de dar-lhe máxima efetividade, podendo, inclusive, irradiar os efeitos das decisões da Suprema Corte que não contem com eficácia erga omnes.
O art. 52, X da Constituição diz competir privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF. A Constituição lhe dotou de competência para expandir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade operada inter partes, não lhe outorgando competência para o caminho inverso, qual seja, reduzir ou mesmo esvaziar os efeitos de uma decisão vinculante da Corte.
Portanto, decisões da Suprema Corte, especialmente as que declaram, pela via abstrata, leis ou atos normativos inconstitucionais, vinculam a todos, inclusive ao Poder Legislativo, que não pode, como o fez na EC nº 96/2017, reverter materialmente uma decisão vinculante, reintroduzindo o vício no ordenamento.
5 CONVERSA CONSTITUCIONAL X SOBREPOSIÇÃO (OVERRIDE)
Pode acontecer de o Poder Legislativo ser chamado, pela própria Corte, a aperfeiçoar a redação de um dado estatuto. É a técnica de controle de constitucionalidade denominada de apelo ao legislador.
Ou, então, pode haver um considerável transcurso do tempo suficiente a alterar a realidade que serviu de base para a fixação de um precedente.
Ou, ainda, que tenha ocorrido um evento dramático no país, como uma guerra ou uma crise econômica devastadora, que reclame imediata mudança de interpretação judicial[20].
Em todas essas hipóteses, o Poder Legislativo está autorizado a redimensionar o tema alvo da apreciação da Corte Constitucional ou da Suprema Corte. Poderia ele retomar, pela via normativa, o debate sobre o qual já se debruçara o Tribunal, sem que isso fosse considerado inconstitucional. Até mesmo devolver ao ordenamento jurídico algo que fora, em condições absolutamente diversas, reputado inconstitucional.
A respeito, diz Aharon Barak, que presidiu a Suprema Corte de Israel:
Se o Judiciário determinar que um estatuto é inconstitucional, o assunto retorna ao Legislativo. Em muitos desses casos, o legislador pode promulgar um novo estatuto que alcance o mesmo propósito fundamental do estatuto anulado ao adotar meios mais proporcionais. Se o legislador não quer fazer isso, é possível, em sistemas que permitem esta prática (como o Canadá e Israel), promulgar um estatuto comum àquele conflitante, por meio do uso da ‘revogação’ (override)[21].
O override ou revogação, ou, ainda, sobreposição, corresponde aos momentos especiais da história quando o Poder Legislativo, calcado em elementos que justificam tal comportamento, se vale de seu poder normatizante para, inovando no ordenamento jurídico, reintroduzir aquilo que foi extirpado pela Suprema Corte. Não é fenômeno exclusivamente brasileiro.
A Suprema Corte de Israel, diante da situação, anotou o seguinte:
Ao promulgar um estatuto que visa mudar a decisão do tribunal, o legislador revela a compreensão da atividade judicial de interpretação, considera-a no mérito e responde com base em suas vantagens e desvantagens. Este é o ‘diálogo’ sem fim entre uma legislatura e um juiz, entre um ramo do Estado e outro[22].
A hipótese acima apresenta civilizadamente um diálogo institucional, uma conversa constitucional, ou seja, a mera concretização da harmonia entre os poderes que, no Brasil, tem explícita guarida na Constituição. A relação é saudável. O Poder Legislativo não é um inimigo da Corte, e vice-versa. Eles não disputam o poder, mas o exercem cautelosamente, respeitosos de suas recíprocas atribuições. O parágrafo único do art. 2º da Constituição dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Há muitos elementos na Constituição destinados à manutenção de uma relação civilizada entre os Poderes. A este respeito, Albie Sachs, juiz aposentado da Corte Constitucional da África do Sul, faz rica reflexão:
Acredito que, a exemplo do Canadá, a Constituição sul-africana considera o Legislativo, o Executivo e o Judiciário todos participantes de um projeto comum constitucionalmente definido visando melhorar as vidas das pessoas e proteger a dignidade, igualdade e liberdade humanas. A separação dos Poderes reconhece que, nesse sentido, cada esfera do governo tem responsabilidades especiais, estando, ao mesmo tempo, sujeita a formas específicas de prestação de contas públicas. No entanto, o pressuposto subjacente é que haverá conversas civilizadas em vez de discurso ríspido entre os três Poderes[23].
O bom é que as conversas entre os poderes sejam civilizadas. Por isso, importa saber se a EC nº 96/2017 é a perfeita demonstração de um diálogo institucional entre a Suprema Corte e o Congresso Nacional.
Parece não haver dúvida de que a posição que tem se mantido coerente em mais de vinte anos no Supremo Tribunal Federal quanto à vedação a práticas desportivas que submetam os animais à crueldade foi desprezada. Agora, cabe à política a aferição do que é ou não prática desportiva que submeta os animais à crueldade, ou seja, a interpretação da parte final do art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal foi deslocada do âmbito do Direito para a esfera da Política. Na prática, é o reconhecimento de que não assiste, aos bichos, um direito constitucional geral a não serem objeto de crueldade evitável para fins de entretenimento humano.
Abner J. Mikva e Jeff Bleich alertam que “infelizmente, o diálogo entre o Congresso e o Tribunal nem sempre se baseia em um relacionamento tão saudável”. É possível haver “confrontos devido à sobreposição de qualquer dos ramos”. Eles exemplificam:
O Congresso pode tentar anular uma decisão do Supremo Tribunal, não porque o Tribunal se desviou de um caminho constitucional aceitável, mas porque o Congresso discorda dos resultados políticos que decorrem desse percurso constitucional”. Alertam para os efeitos colaterais: “(…) tal comportamento do Congresso produz prejuízos duradouros, levantando dúvidas sobre o compromisso independente do Congresso de defender a Constituição e engendrando o antagonismo do Tribunal[24].
A postura de reiteração do comportamento inconstitucional ou de reaprovação do estatuto derrubado pelo Poder Judiciário corrompe a própria ideia de estado constitucional. Por isso, o jurista português Jorge Miranda anota: “(…) mais grave seria ainda a reaprovação ou reprodução de normas inconstitucional com força obrigatória geral sem ter mudado a norma parâmetro. Seria um caso, se não de dolo, pelo menos de culpa do legislador”[25].
Foi o que ocorreu com a promulgação da EC nº 96/2017. Não se trata de readequação à realidade em face de transcurso do tempo. Nem de alteração da realidade. A proposta que ensejou a promulgação da Emenda foi apresentada menos de duas semanas após o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 4983, que declarou a vaquejada uma prática desportiva inerentemente cruel aos animais.
A iniciativa quebra a estabilidade necessária à consolidação de uma vontade de Constituição por parte da comunidade. A este respeito, diz Konrad Hesse:
Se as normas constitucionais nada mais expressam do que relações fáticas altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que a ciência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do direito, não lhe restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela Realpolitik. Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão-somente a miserável função – indigna de qualquer ciência – de justificar as relações de poder dominantes[26].
Como se colhe da lição de Konrad Hesse, o Estado de Direito existe para frear as pulsões que a política exibe contra as instituições que refreiam o seu poder. Com o racional adotado pela EC nº 96/2017, o Poder Legislativo passa a ter a última palavra quanto ao que é cruel com os animais utilizados em práticas desportivas associadas a manifestações culturais. Isso valerá para qualquer prática.
De repente, o Brasil se vê às voltas com a revisão legislativa de decisões do STF, algo previsto apenas na Polaca, Constituição autoritária de Getúlio Vargas, de 1937, que, no parágrafo único do art. 96, dispunha:
No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
Agora, sempre que uma decisão do Supremo desagradar as maiorias, podem, elas, se socorrerem de seus representantes para, no Congresso Nacional, reverterem a decisão do Tribunal por meio da aprovação de uma emenda à Constituição. Que horizonte sombrio é este, o reservado às minorias políticas do país.
Pode-se supor que seja o Legislativo a instância autorizada a dar a última palavra quanto à interpretação da parte final do art. 225, § 1o, VII, da Constituição. Para Eduardo Appio, contudo, “o argumento da existência de um ganho em favor da maioria pode conduzir, neste contexto, à adoção de filosofias totalitárias, avessas ao amplo debate constitucional e especialmente contrárias ao papel normativo dos valores constitucionais”[27].
Se, em favor dos animais, a Constituição estipulou direitos – e o mais evidente deles é o de não serem submetidos à crueldade – como pode o STF tornar-se dependente do Legislativo quanto à definição sobre o que seria cruel aos animais em práticas desportivas associadas a manifestações culturais?[28]
A situação fragiliza a força normativa da Constituição. Neste sentido, Konrad Hesse diz que “embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas”. Para Hesse, a Constituição
transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem[29].
Lendo Hesse, é de se perguntar: Se dependerem os animais da generosidade daqueles que os exploram, e esses exploradores formam maioria nas assembleias políticas, quando terão os bichos efetiva proteção contra as vontades dessas maiorias?
A questão ora analisada pode ser entendida como um caso típico de backlash, ou seja, uma reação não desejada à atuação do Poder Judiciário, no caso, à jurisprudência consolidada pela Suprema Corte no caso da inconstitucionalidade das práticas de vaquejadas. No caso, a atuação foi a edição da Emenda Constitucional 96/2017[30].
6 A VAQUEJADA E A SUA TRANSFORMAÇÃO HARMÔNICA COM A CONSTITUIÇÃO
A cultura é algo que evolui, que se modifica, que se reconstrói. Essa reconstrução se dá, sempre, à luz da Constituição, nunca contra ela.
A ministra Cármen Lúcia, no voto que proferiu na ação direta de inconstitucionalidade nº 4983, anotou: “(…) mas também cultura se muda, e muitas culturas foram levadas nesta condição até que houvesse um outro modo de ver a vida” (p. 126 do acórdão).
Segundo o art. 23, V da Constituição, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à inovação. A sequência é: cultura, educação e inovação. Uma tríade virtuosa.
O fato é que o vaqueiro não é uma pedra. Ele muda conforme a Constituição e o constitucionalismo avançam. A Constituição brasileira dispõe, no seu art. 218, caput, que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
O dispositivo acima já é suficiente a operar uma profunda transformação na vida do sertanejo. Uma transformação em favor da Constituição, não contra ela. Também em favor do próprio sertanejo.
Se, ontem, sobre lombos de cavalos, esses vaqueiros cruzavam a caatinga, hoje muitos deles sobem em suas motos. Evoluíram quanto à castração dos cavalos, quanto à forma de manter a assepsia dos matadouros, mesmo quanto à maneira de mudar o gado de lugar. Alteraram a forma de “ferrar” o animal. Saiu o ferro quente, entrou o nitrogênio líquido ou o “brinco” de plástico. No lugar das comitivas percorrendo longas distâncias em cavalos, entraram os caminhões. Sofridos com a seca, os vaqueiros conheceram a irrigação. Trocaram a lamparina pela luz elétrica, o carro de boi pelo trator, a casa de barro pela de alvenaria, o teto de palha pelo de telha. Se antes saíam cedo para pegar água na cacimba ou levar o balde para o poço cacimbão, hoje apertam o botão da bomba e a água aparece. Antes, andavam de carroça. Depois, sobre cavalos. Então, vieram as bicicletas. Hoje, muitos têm motos ou carros. Com o tempo, o novo substituiu o velho. E o vaqueiro segue sua jornada, honrado e engrandecido. Também, honrando e engrandecendo o nosso país, a nossa diversidade, o povo que somos.
É a Constituição que impulsiona a transformação, reduzindo desigualdades, mas preservando diversidades. E, de mudança em mudança, cultiva a sua memória, tornando o vaqueiro, o sertanejo, as pessoas do campo, imortais.
Tudo o que era penoso e o tempo tornou ameno foi absorvido pelo vaqueiro. Agarrar uma vaca ou um boi pelo rabo para fazê-lo seguir um caminho ou entrar num curral era penoso e feito pelo princípio da necessidade. Com o tempo, acabou. A vida apresenta a tecnologia, reduzindo a violência e o sofrimento. A concretização da Constituição vai sensibilizando.
Agora, as comunidades do sertão se veem injustamente invocadas para que uma prática reputada cruel pelo STF seja mantida.
Em suas raízes, o sertanejo, os que vivem mergulhados na caatinga, o vaqueiro de raiz, atravessavam o Semiárido para alimentar os animais em tempos de seca e salvar-lhes a vida. Quando um filhote nascia imperfeito e sua mãe o abandonava – a natureza é impiedosa – era o vaqueiro que fazia, daquela pequena cria, uma criança, alimentando-a. Quando, na solidão da madrugada, a novilha prenha berrava, o sertanejo saltava da rede para acudir o animal e, invadindo sua intimidade, abrir caminho para o início da vida. Os ancestrais demonstraram a capacidade de amar os animais e protegê-los mesmo na mais indigna escassez.[31]
As modernas vaquejadas escapam a esse ambiente. As novas gerações, mais urbanas e letradas, muitas vezes vivendo em conforto, não se valem da vaquejada por necessidade. Tudo sugere que escolheram o bicho para, sobre sua queda e humilhação, ganharem dinheiro e se divertirem.
Quanto à crueldade, a Constituição é incisiva. O art. 5º, inciso III diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, e, na alínea ‘e’ do inciso XLVII, que “não haverá penas cruéis”. Nem tortura. Nem tratamento desumano. Nem tratamento degradante. Nem penas cruéis.
Onde há sofrimento evitável, a Constituição o evitará.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, poderia uma decisão vinculante do Supremo ser revertida por uma emenda à Constituição? No caso da EC nº 96/2017, o override, ou revogação, ou sobreposição, fere o princípio da supremacia da Constituição, violando a separação dos poderes, por retirar do STF a derradeira palavra quanto ao que pode ser caracterizado como prática desportiva que submeta os animais à crueldade (parte final do art. 225, § 1o, inciso VII, da Constituição).
Quanto à decisão da Suprema Corte brasileira na ação direta de inconstitucionalidade nº 4983, a resposta é a de que o Supremo entendeu que a vaquejada é inerentemente cruel. As respeitáveis vozes contrárias – cinco votos – não afastaram, a priori, a chance de a prática poder vir a ser cruel com os animais, contudo, exortaram o respeito à cultura.
Mesmo por esse aspecto, as vaquejadas guardam pouca ou nenhuma identidade com a vida e os elementos étnicos dos ancestrais rurais do sertão de onde a atividade se iniciou como Festa da Apartação.
Elas ganharam escala, se dirigiram para as cidades – centros urbanos –, saíram do Nordeste, passaram a ser praticadas com vista ao lucro, exploradas economicamente e, ao contrário de transcender as dificuldades e privações da vida rural, voltaram-se ao entretenimento. Mesmo compreendidas como negócio, regidas pelo art. 170 da Constituição enquanto resultado da livre iniciativa, devem resguardar a defesa do meio ambiente.
Não deixou, a Constituição, de aliar a cultura ao meio ambiente, colocando, ambos, como merecedores da proteção estatal. Segundo o art. 5o, LXXIII, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”.
O equacionamento do problema teoricamente apresentado para a elaboração do presente artigo à luz dos comandos destinados às manifestações culturais é crucial pelo fato de a palavra cultura aparecer 392 vezes no acórdão do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade nº 4983.
É uma dimensão importante na questão das vaquejadas.
Assim, seja pela violação à separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal, cláusula pétrea explícita), seja pela violação à vedação a se submeter os animais à crueldade (art. 225, § 1º, inciso VII da Constituição Federal, cláusula pétrea implícita), seja em razão dos princípios gerais da atividade econômica (art. 170, inciso VI, da Constituição Federal, defesa ao meio ambiente), a Emenda Constitucional nº 96/2017 é inconstitucional.
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Notas de Rodapé
[1] Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor do Instituto de Direito Público – IDP, Brasília, Brasil.
[2] Doutoranda e Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa, Professora convidada do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Brasília, Brasil.
[3] Consideraram a vaquejada inerentemente cruel, os Ministros: Marco Aurélio, Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Apesar de não afastarem, a priori, a chance de os animais sofrerem, toleraram a prática em razão de suas raízes culturais os Ministros: Edson Fachin, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
[4] Min. Roberto Barroso: “Eu acho que torcer o rabo de um touro, em alta velocidade, e fazê-lo ficar com as quatro patas para cima é inerentemente cruel e não há alternativa” (p. 60 do acórdão). Min. Rosa Weber: “Diante dessa conceituação – e aqui também peço todas as vênias ao Min. Teori, é o meu ponto de divergência com Sua Excelência -, entendo que a violência e a crueldade ao animal são ínsitas à vaquejada. E se a crueldade ao animal é ínsita à vaquejada, enquanto um entretenimento, ela é uma manifestação cultural que, como disse o Ministro Marco Aurélio, não encontra agasalho no artigo 215 da nossa Constituição” (p. 65 do acórdão). Min. Celso de Mello: “O eminente Deputado paulista ROBERTO TRIPOLI, que tem destacada atuação na área ambiental, ao contribuir para o debate que se realiza em torno do tema objeto deste processo, enfatizou, a respeito da ‘vaquejada’, que a crueldade é inerente à sua prática” (p. 90 do acórdão). Min. Ricardo Lewandowski: “Após ouvir os judiciosos pronunciamentos dos colegas que me antecederam, peço vênia à divergência para aderir integralmente ao substancioso voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, que bem destacou que a atividade da vaquejada, aqui impugnada, revela ‘inequívoco envolvimento de prática cruéis contra bovinos’ (p. 125 do acórdão). Min. Cármen Lúcia: “Portanto, não me vi convencida dos argumentos no sentido de que, pela legislação, tentou-se exatamente dar um maior cuidado ao treinamento e a um tratamento mais, talvez, cuidadoso com os animais para que não se chegasse a essa situação de agressão. Não foi o que me pareceu. (…)” (p. 125 do acórdão).
[5] Anotou o Min. Gilmar Mendes: “De modo que eu entendo que, se essa legislação carece de alguma censura, há de ser na sua execução, a necessidade de um eventual aperfeiçoamento, de eventuais medidas que se possam tomar no sentido de se reduzirem as possibilidades de lesão aos animais, mas não me parece que seja o caso de declarar a inconstitucionalidade” (p. 19 do acórdão).
[6] Na própria justificação da PEC 50/2016 consta: “A vaquejada, assim como outras manifestações culturais populares, passa a constituir patrimônio cultural brasileiro e merecer proteção especial do Estado quando registrada em um dos quatro livros discriminados no Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial”.
[7] Há mais decisões vinculantes do STF. Por exemplo, a ADI 3776 (Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 29.6.2007), cuja ementa diz: Lei 7.380/98, do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. ‘Rinhas’ ou ‘Brigas de galo’. Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas ‘rinhas’ ou ‘brigas de galo’.
[8] Levando os Direitos a Sério. (Tradução de Nelson Boeira), São Paulo, Martins Fontes, 2011; O império do Direito. (Tradução de Jefferson Ruiz Camargo), São Paulo, Martins Fontes, 2007; e Uma questão de principio. (Traduç]ao de Luís Carlos Borges), São Paulo, Martins Fontes, 2005. Discorre sobre o pensamento de Dworkin e o poder de reforma da Constituição no Brasil, Conrado Hübner Mendes, no capítulo 2 da obra: Controle de Constitucionalidade e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
[9] PINKER, Steven, Os anjos bons da nossa natureza: Por que a violência diminuiu, Tradução de Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta, São Paulo, Companhia das Letras, 2013, p. 519.
[10] PINKER, Steven, Os anjos bons da nossa natureza: Por que a violência diminuiu, Tradução de Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta, São Paulo, Companhia das Letras, 2013, p. 640.
[11] BRICKHILL, J; DU PLESSIS, M; PENFOLD, G, Constitutional Litigation, Johannesburg, Juta, p. 34.
[12] Neves, Marcelo, A constitucionalização simbólica, São Paulo, WMF Martins Fontes, 2007, p. 154.
[13] BARBOSA, Rui, “Oração perante o STF”, in Pensamento e ação de Rui Barbosa. Organização e seleção de textos pela Fundação Casa de Rui Barbosa, Brasília, Senado Federal, 1999, p. 169.
[14] GRIMM, Dieter, Constituição e política, Tradução de Geraldo de Carvalho, Coordenação e supervisão Luiz Moreira, Belo Horizonte, Del Rey, 2006, p. 195.
[15] Art. 5o, LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
[16] Segundo o caput do art. 103-A, da Constituição, o STF poderá aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Segundo o § 1º do mesmo artigo, a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas.
[17] ZAVASCKI, Teori, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, São Paulo, Rev. dos Tribunais, 2001, p. 52.
[18] CANOTILHO, J. J, Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2000, p. 1010-1011.
[19] CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2000, p. 950. Também discorrendo sobre a vinculação do legislador, Georges Abboud, em Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 143.
[20] Exemplo é o caso Dred Scott v. Sandford (60 U.S. 393), apreciado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1857. Tendo, a Corte, decidido que escravos não eram cidadãos e, portanto, não poderiam requerer direitos, precipitou-se a Guerra Civil. Sob as sombras de 600 mil mortos, uma nação dividida encontrou na promulgação das 13ª e 14ª emendas à Constituição – aboliram a escravidão – a chance de, revertendo um precedente desastroso, se reconstruir. CHOPER, Jesse H, Judicial review and the national political process: a functional reconsideration of the role of the Supreme Court, Chicago, University of Chicago Press, 1980, p.156-157. SCHWARTZ, B., A Book of Legal Lists: The Best and Worst in American Law, New York, Oxford University Press, 1997, p. 71..
[21] BARAK, Aharon, The Judge in a Democracy, Princeton University Press, 2006, p. 236. Para uma discussão quanto ao poder do Legislativo de promover o override sob a Seção 33 do Canada´s Charter of Rights and Freedoms, Aharon Barak recomenda: Peter W. Hogg and Allison A. Bushell, The Charter Dialogue Between Courts and Legislatures (or Perhaps the Charter of Rights Ins´t a Bad Thing After All), 35 Osgoode Hall, L. J. 75, 83-84 (1997). Ainda: PASCHAL, Richard A., The Continuing Coloquy: Congress and the Finality of the Supreme Court, 8 J.L. Pol. 143, 198 n. 198 (1991). ESKRIDGE, William N. Jr., Overriding Supreme Court Statutory Interpretation Decisions, 101 Yale L, J. 331, 387-89 (1991).
[22] H.C. 5364/94, Velner v. Chairman of Israeli Labor Party, 49(1) P.D. 758, 791 (Barak, J., dissenting).
[23] SACHS, Albie, Vida e Direito: Uma estranha alquimia, Tradução de Saul Tourinho Leal, São Paulo, Saraiva/IDP, 2016, p. 141.
[24] 22. 491 U.S. 397 (1989) p. 721, MIKVA, Abner J., BLEICH, Jeff, When Congress Overrules the Court, 79 Cal. L. Rev. 729 (1991). Disponível em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol79/iss3/5>. Acesso em: 15 out. 2020.
[25] MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Coimbra, Coimbra, 1996, t. II, p. 754.
[26] HESSE, Konrad, A força Normativa da Constituição, Tradução de Gilmar Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 11.
[27] APPIO, Eduardo, Teoria geral do Estado e da Constituição, Curitiba, Juruá, 2009, p. 143-144.
[28] A Lei 13.364/2016, eleva a Vaquejada à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial. O art. 3º da Lei dispõe: Consideram-se patrimônio cultural imaterial do Brasil o Rodeio, a Vaquejada e expressões decorrentes, como: I – montarias; II – provas de laço; III – apartação; IV – bulldog; V – provas de rédeas; VI – provas dos Três Tambores, Team Penning e Work Penning; VII – paleteadas; e VIII – outras provas típicas, tais como Queima do Alho e concurso do berrante, bem como apresentações folclóricas e de músicas de raiz.
[29] HESSE, Konrad, A força Normativa da Constituição, Tradução de Gilmar Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1991.
[30] MARMELSTEIN, George, Efeito Backlash da Jurisdição Constitucional: reações políticas ao ativismo judicial. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/caju/Efeito.Backlash.Jurisdicao.Constitucional_1.pdf>. Acesso em: 15. out. 2020.
[31] A Constituição tratou do Semiárido. Pelo art. 159, I, ‘c’, a União entregará, do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49%, na seguinte forma: 3%, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (na forma da Constituição), ficando assegurada ao Semiárido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região (na forma da lei). O art. 34, § 10, II, dispõe que, enquanto não entrar em vigor a referida lei (“cuja promulgação se fará até 31.12.1989”), esses recursos serão aplicados da seguinte forma: 1,08% no Nordeste, pelo Banco do Nordeste. Fechando, por 40 anos, a União aplicará, dos recursos destinados à irrigação, 50% no Nordeste, preferencialmente no Semiárido (art. 42, II, da CF).