O marco regulatório do fomento à cultura no âmbito da administração pública e as novidades introduzidas pela Lei 14.903, de 27 de junho de 2024

The regulatory framework for promoting culture within the context of public administration and the news introduced by Law 14,903, of june 27, 2024

DOI: 10.19135/revista.consinter.00020.19

Recebido/Received 22/11/2024 – Aprovado/Approved 01/04/2025

Silvio Luís Ferreira da Rocha[1] – https://orcid.org/0000-0001-5611-3846

Resumo

O presente artigo aborda as inovações da Lei nº 14.903/2024, que estabelece o marco regulatório do fomento à cultura pela administração pública no Brasil. O objetivo é examinar os novos instrumentos jurídicos e mecanismos de financiamento cultural criados para incentivar agentes culturais e suas produções. A hipótese central sugere que a legislação moderniza o sistema de fomento cultural, mas apresenta desafios no controle e prestação de contas.

A metodologia é baseada em análise documental, abordando os dispositivos legais e sua aplicação prática. São destacados instrumentos como o Termo de Execução Cultural, Termo de Premiação Cultural e Termo de Bolsa Cultural, que permitem repasses financeiros diretos, além de termos para ocupação e cooperação cultural sem transferência de recursos.

Os resultados apontam para um avanço na democratização do acesso aos recursos e maior flexibilidade nos mecanismos de apoio. No entanto, identificam-se riscos associados à mitigação do controle, o que pode abrir espaço para má gestão de recursos públicos. Conclui-se que a lei propicia novos caminhos para o incentivo cultural, mas requer aprimoramento em seus dispositivos de fiscalização para garantir a sustentabilidade e a integridade da política de fomento cultural.

Palavras-Chave: Fomento econômico direto; Instrumentos de repasse de recursos pela Administração Pública; Termo de Execução Cultural; Termo de Premiação Cultural e (iii)  Termo de Bolsa Cultural.

Abstract

This article examines the innovations introduced by Law 14,903/2024, which establishes a regulatory framework for cultural promotion within Brazil's public administration. The primary objective is to evaluate the new legal instruments and cultural financing mechanisms designed to support cultural agents and their creative activities. The central hypothesis asserts that while the legislation modernizes the cultural promotion system, it also poses significant challenges in terms of oversight and accountability.

The methodology is grounded in documentary analysis, focusing on legal provisions and their practical applications. Notable instruments include the Cultural Execution Term, Cultural Award Term, and Cultural Grant Term, which enable direct financial transfers. Additionally, the study investigates terms for cultural occupation and cooperation that do not involve resource transfers.

The findings indicate substantial progress in democratizing access to resources and increasing flexibility in support mechanisms. However, the mitigation of control measures raises concerns, as it may allow for potential mismanagement of public funds. The article concludes that while the law introduces promising pathways for cultural promotion, its oversight mechanisms require further development to ensure the sustainability and integrity of cultural policy implementation.

Keywords: Direct economic support; Instruments for transferring resources by the Public Administration; Cultural Execution Term; Cultural Award Term and (iii) Cultural Grant Term.

Sumário: 1. Introdução; 2. Fomento econômico direto; 3. Instrumentos de repasse de recursos pela Administração Pública; 4. Do Chamamento Público; 5. Outros instrumentos de execução do regime de fomento à cultura, sem repasse de recursos pela Administração Pública; 6. Outros mecanismos dos sistemas de financiamento a cultura; 6.1. Fundo Nacional da Cultura; 6.2 Fundos de Investimento Cultural e Artístico (FICART); 6.3 Captação de recursos privados com incentivo fiscal; 6.4 Captação de Recursos Complementares; 7. Conclusão; 8. Referências.

1  INTRODUÇÃO

A Lei nº 14.903, de 27 de junho de 2024, estabeleceu o marco regulatório do fomento à cultura no âmbito da administração pública.

A atividade administrativa de fomento caracteriza-se por ser a ação da administração com vista a proteger ou promover as atividades dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso de coerção e sem a prestação de serviços públicos ou mais concretamente a atividade administrativa que se destina a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter público, protegendo ou promovendo sem empregar a coação, as atividades dos particulares[2].

Hector Jorge ESCOLA define-a como aquela atividade da Administração pública que pretende a satisfação de necessidades coletivas e o alcance de fins do Estado de maneira indireta e mediata, mediante a participação voluntária dos particulares que desenvolvem por si mesmos atividades tendentes a esse objeto, as quais são protegidas e estimuladas pela Administração por diversos meios, dos quais estão excluídas todas as formas de coação[3].

Assim, o propósito da legislação ora examinada é o de estabelecer mecanismos de obtenção de recursos econômicos para desenvolver as ações culturais.

No presente caso, os destinatários das ações de fomento são os chamados Agentes Culturais que por definição legal compreende  os “artistas, os produtores culturais, os coletivos culturais despersonalizados juridicamente, os mestres da cultura popular, os curadores, os técnicos, os assistentes e outros profissionais dedicados à realização de ações culturais”, conforme estabelece o parágrafo primeiro do artigo 3º da referida lei.

Esses mecanismos de obtenção de recursos econômicos, por força da legislação acima comentada, observam um conjunto de valores, princípios e regras que disciplinarão a ação administrativa com vistas a proteger ou promover as atividades dos particulares relacionadas com manifestações culturais.

Dentre os valores que norteiam a Administração Pública na formulação da política de fomento a cultura destaca-se a ideia regulativa da plena liberdade para a expressão artística, intelectual, cultural e religiosa  (Art. 4º, § 1º)[4] indicativa da impossibilidade de utilização de filtros ideológicos ou religiosos pelos agentes do Estado na concessão dos instrumentos de execução de fomento à cultura.

Neste aspecto, cabe destacar a orientação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades, de modo que eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Desta forma, a jurisprudência que se cristaliza a partir do precedente da ADPF nº 130 exige que o controle e a limitação da liberdade de expressão operem a posteriori, devendo o Poder Judiciário justificar de forma adequada, necessária e proporcional pontual, temporária e excepcional restrição que a liberdade de expressão venha a ter. (Rcl 20757 Agr, Relator Min. Nunes Marques).

Dentre os princípios que orientam a Administração Pública na formulação da política de fomento a cultura destaca-se a necessidade de observar-se a eficiência e a duração razoável do processo na escolha do regime jurídico aplicável em cada caso, conforme estabelece o § 2º, inciso I e II do artigo 1º[5].

O âmbito de incidência da citada legislação é nacional, embora tenha reconhecido a Estados, Distrito Federal e Municípios a possibilidade de instituir regimes jurídicos diversos de fomento no âmbito das respectivas autonomias, conforme estabelece o artigo 2º, § 1º[6].

2  Fomento econômico direto

Os meios ou as formas da ação administrativa de fomento podem ocorrer de diversos modos.

Dentre os modos positivos, que constituem uma vantagem em favor de pessoas ou classes determinadas temos os meios honoríficos, como as condecorações,  os tratamentos, os títulos, o uso de emblemas ou símbolos determinados, os troféus, os diplomas, os meios econômicos, como a percepção de um valor o a dispensa do recolhimento de obrigatóiro e  os meios jurídicos, como a outorga de uma condição privilegiada que de forma indireta represente vantagens economicas ou de seguridade[7].

Em relação às espécies de fomento administrativo destaca-se o fomento econômico, com enfâse no fomento financeiro direto consistente em vantagens financeiras dadas pela Administração aos destinatários da atividade de fomento mediante o desembolso de dinheiro, em especial  pelo  repasse de recursos destinados a custear e auxiliar as manifestações culturais pelos termos de execução cultural, de premiação cultural e de bolsa cultural.

A  nova legislação contempla, também, o fomento sem repasse de recursos mediante a celebração  dos termos de ocupação cultural e de cooperação cultural.

3  Instrumentos de repasse de recursos pela Administração Pública

Para o repasse de recursos públicos para as entidades fomentadas dispõe a Administração Pública de inúmeros instrumentos jurídicos, denominados convênios, termos de parceria e contratos.

Os convênios, como regra, são definidos como acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações privadas, para realização de objetivos de interesses comum dos partícipes.

De acordo com Leon Frejda SZKLAROWSKY, “convênio tem a mesma origem da palavra convenção e deriva do latim convenire, com o significado de ajuste ou acordo entre duas ou mais pessoas e objetiva à realização de certos atos ou omissões”[8].

A parceria para Maria Sylvia Zanella DI PIETRO designa “todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores públicos e privado para a consecução de fins de interesse público. Nela existe a colaboração entre o poder público e a iniciativa privada nos âmbitos social e econômico para a satisfação de interesses públicos, ainda que do lado do particular se objetive o lucro. Todavia, a natureza econômica da atividade não é essencial para caracterizar a parceria, como também não o é a ideia de lucro, já que a parceria pode dar-se com entidades privadas sem fins lucrativos que atuam essencialmente na área social e não econômica”[9].

Essa definição utiliza o termo parceria em sentido amplo, tomando-o como sinônimo de qualquer colaboração estabelecida entre o Poder Público e o particular.

Entre o convênio e a parceria não existe uma diferença de regime jurídico que permita distingui-los. São nomes diferentes para designar o mesmo fenômeno jurídico. Através deles o Poder Público incentiva as atividades consideradas de relevante interesse social, mas desenvolvidas por entidades privadas. O convênio poderia designar o gênero e a parceria a espécie.

Para incentivar a ação cultural, definida como qualquer atividade ou projeto apoiado por políticas públicas de fomento cultural  a citada lei previu 3 (três) instrumentos em que ocorre o repasse de recursos pela administração pública. São eles: (i) o termo de execução cultural; (ii) o termo de premiação cultural e (iii) o termo de bolsa cultural.

O termo de execução cultural, previsto no artigo 12 e seguintes da referida lei, objetiva estabelecer obrigações da Administração Pública e do agente cultural para a realização de ação cultural.

O termo de execução cultural deve conter um plano de trabalho com (i) a descrição do objeto da ação cultural; (ii) o cronograma de execução e (iii) a estimativa de custos, que necessita, apenas, demonstrar o planejamento financeiro da ação cultural, sem que seja necessário o detalhamento de cada item de despesa.

Exige-se que os custos da ação cultural estejam em conformidade com os custos praticados no mercado. A compatibilidade dos custos indicados com os custos praticados no mercado será aferida a partir do confronto com tabelas referenciais de valores, análise de especialistas, técnicos da administração pública ou com outros métodos de identificação de valores praticados no mercado (§ 2º, artigo 13 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024).’

Aceita-se a diverência entre os custos indicados e aqueles usualmente praticados no mercado, quando estiverem presentes situações excepcionais no contexto da realização das ações culturais, em razão de território, localização, ou da população beneficiada, conforme estabelece o § 3º do  artigo 13 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024[10].

Os recursos dos termos de execução cultural serão depositados pela Administração Pública em conta bancária específica indicada pelo agente cultural, em desembolso único ou em parcelas, e os rendimentos de ativos financeiros poderão ser aplicados na ação cultural sem necessidade de autorização prévia.

Os recursos do termo de execução podem ser empregado para pagar  I- a prestação de serviços; II – a aqusição ou locação de bens;  III – a remuneração de equipe de trabalho com respectivos encargos; IV – diárias de viagem para custear hospedagem, alimentação, transporte e necessidades similares de integrantes da equipe de trabalho; V – diárias para custear hospedagem, alimentação e transporte de equipe de trabalho, independentemente do regime de contratação;  VI – despesas com tributos e tarifas bancárias; VII – assessoria jurídica, serviços contábeis ou assessoria de gestão de projeto; VIII – fornecimento de alimentação para a equipe de trabalho ou para a comunidade em que ocorre a execução da ação cultural; IX – desenvolvimento e manutenção de soluções de tecnologia da informação; X – assessoria de comunicação e despesas com divulgação e impulsionamento de conteúdos; XI – despesas com manutenção de espaços, inclusive aluguel, e com contas de água e energia, entre outros itens de custeio; XII – realização de obras e de reformas e aquisição de equipamentos; XIII – outras despesas necessárias ao cumprimento do objeto da ação cultural.

Cabe ao agente cultural escolher tanto a equipe de trabalho, como os fornecedores na execução da ação cultural sem a necessidade que a escolha seja precedida de processo seletivo objetivo semelhantes àqueles realizados na intimidade da administração pública em contratações administrativas[11].

O agente cultural, seja ele pessoa física, ou os sócios ou dirigentes do agente cultural pessoa jurídica, poderão ser remunerados pelos recursos destinados pela atuação como integrantes da equipe de trabalho ou prestadores de serviços necessários ao cumprimento do objeto da ação cultural, bem como reembolsados por despesas executadas com recursos próprios ou de terceiros devidamente comprovadas por documentos fiscais válidos e previstas no plano de trabalho, desde que os valores não ultrapassem a 20% (vinte por cento) do valor global do instrumento.

A ação cultural pode implicar na aquisição de bens, em especial para viabilizar a constituição de acervo, fortalecer a transmissão de saberes e práticas culturais, fornecer mobiliário, viabilizar aquisição de equipamentos, viabilizar modernização, reforma ou construção de espaços culturais, prover recursos tecnológicos para agentes culturais ou prover recursos para garantir acessibilidade ou objetivo similar.

Nessas situações, o termo de execução cultural pode conter cláusula que possibilite ao agente cultural tornar-se o proprietário desses bens, desde a data de sua aquisição, desde que a análise técnica da administração pública indique que a aquisição de bens com titularidade do agente cultural seja a melhor forma de promover o fomento cultural no caso concreto.

A hipótese acima restringe-se às situações em que a ação cultural  procure constituir acervo, fornecer mobiliário, adquirir equipamentos, modernizar, reformar ou construir espaços culturais, prover recursos tecnológicos para agentes culturais ou recursos para garantir acessibilidade, conforme prevê o artigo 16 da referida lei[12].

Aceita-se alteração no termo de execução cultural, desde que formalizada por aditivo. Dentre as hipóteses de alteração do termo, encontra-se (i) a prorrogação de ofício realizada pela administração pública justificada pelo atraso dela na liberação de recursos; (ii) a alteração do plano de trabalho, desde que a alteração não modifique o valor global do instrumento ou altere, de forma significativa, o objeto da ção cultural; (iii) a variação inflacionária; (iv) a prorrogação de vigência[13].

Há diversas formas de controle e prestação de contas em relação ao cumprimento do termo de execução cultural. Dentre elas: (i) o relatório de objeto da execução cultural; (ii) o relatório financeiro da execução cultural; (iii) visita técnica de verificação.

A visita técnica de verificação é a forma jurídica simplificada de prestação de contas e consiste numa visita técnica pelo agente público que, então, encarrega-se de elaborar um relatório de verificação presencial de execução cultural que poderá concluir (i) pelo cumprimento integral do objeto ou pela suficiência do cumprimento parcial devidamente justificada, situação em que os autos do processo são encaminhados a autoridade competente ou (ii) pela necessidade de o agente cultural apresentar relatócio de objeto de execução cultural, já que sua visita técnica não pode concluir pelo cumprimento integral do objeto ou cumprimento parcial justificado[14].

O relatório de objeto de execução cultural, elaborado pelo agente cultural, deverá conter documentos que de forma clara e precisa revelem o cumprimento integral do objeto ou pela suficiência do cumprimento parcial devidamente justificada.

Caso o relatório de objeto de execução cultural não seja suficiente para demonstrar o cumprimento integral do objeto ou o cumprimento parcial, o agente cultural deverá, então, apresentar o relatório financeiro da execução cultural que demonstre, por meio de documentos e conciliação bancária, que os recursos foram utilizados na realização da ação cultural.

Cabe a autoridade responsável pelo julgamento da prestação de contas do termo de execução cultural aprovar as contas: (i) sem ressalvas, quando estiver convencida do cumprimento integral do objeto; (ii) com ressalvas, quando comprovada a realização da ação cultural, mas constatada a inadequação na execução do objeto ou na execução financeira, mas sem demonstração de má-fé,  ou então, (iii) rejeitar total ou parcial a prestação de contas, situação em que a rejeição será acompanhada das seguintes medidas e sanções: (i) devolução de recursos em valor proporcional à inexecução de objeto verificada; (ii) pagamento de multa, nos termos de regulamento; (iii) suspensão da possibilidade de celebrar novo instrumento do regime próprio de fomento à cultura pelo prazo de 180 (cento e oitenta) a 540 (quinhentos e quarenta) dias[15].

O termo de premiação cultural, previsto no artigo 22 da referida lei, concretiza a doação sem encargo ou obrigações futuras, de determinado valor, a agente cultural cuja atuação seja reconhecida como relevante para a cultura, seja em qualquer um dos âmbitos territoriais, que tenha sagrado-se vencedor no processo de chamamento público instaurado com o propósito de premiação cultural.

O termo de bolsa cultural  materializa a doação com encargo destinada a promover ações culturais de estudos e pesquisas, além de abarcar outras atividades, tais como: I – participação em eventos estratégicos no território nacional ou no exterior, tais como feiras, mercados, festivais e rodadas de negócios; II – intercâmbios e residências artísticas, técnicas ou em gestão cultural; III – projetos de pesquisa para a criação de obras e espetáculos artísticos; IV – cursos de capacitação profissional, extensão, graduação, especialização, mestrado ou doutorado; V – ações de circulação estadual, regional, nacional ou internacional; VI – outras ações de promoção, memória, patrimônio cultural, difusão e capacitação na área da cultura.

O cumprimento   do encargo pelo beneficiado com a bolsa de estudo e pesquisa deverá ser comprovado perante a autoridade administrativa, no prazo de 6 (seis) meses, contado da data do término de vigência do instrumento.

O beneficiário que  não comprove o cumprimento do encargo,  sujeitar-se-à a sanções como o pagamento de multa, nos termos de regulamento;  a  suspensão da possibilidade de celebrar novo instrumento do regime próprio de fomento à cultura pelo prazo de 180 (cento e oitenta) a 540 (quinhentos e quarenta) dias. É possível, no entanto, que o beneficiário comprove que o descumprimento do encargo ocorreu por caso fortuito ou força maior, o que o isenta de sofrer as sanções acima descritas.

4  Do Chamamento Público

O Chamamento Público configura, em última análise, um tipo simplificado de licitação não sujeita ao regime geral previsto na Lei Geral de Licitações, mas que atende a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades a todos os interessados em celebrar parcerias com a Administração Pública iguais oportunidades[16].

Os termos de execução cultural, de premiação cultural e bolsa cultural precisam ser precedidos de chamamento público. Apenas excepcionalmente o chamamento público pode ser dispensado.

O chamamento público será realizado por edital que preveja as condições de recebimento de recursos, os encargos e as obrigações decorrentes da celebração do instrumento, vedada a exigência de que o agente cultural realize pagamento de contrapartida financeira ou forneça contrapartida em bens e serviços.

Com esta dispensa repete-se um equívoco comum no ordenamento jurídico brasileiro que insiste em ignorar um princípio fundamental da atividade administrativa de fomento, vinculado ao princípio da subsidiariedade, que é o princípio da repartição de riscos ou do risco compartilhado, o que impede considerar a atividade de fomento como mero ato de liberalidade administrativa, que exonere o fomentado de todo risco ou da obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada. Assim, a atividade promocional empreendida pela Administração Pública não poderia dispensar o investimento de recursos pelos particulares em favor daquela atividade, exercida por eles, que se quer incentivar ou promover. Em um jogo de palavras, que expressam com vigor o referido princípio, o “fomento não seria sustento” e, portanto, a Administração Pública estaria proibida de financiar integralmente entidades privadas, ainda que elas exerçam atividades consideradas socialmente relevantes[17].

O chamamento público pode ser dividido em fases. A fase de planejamento. A fase de processamento e a celebração, conforme preve o artigo 7º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A fase de planejamento pressupõe a preparação e a prospeção; a proposição técnica da minuta de edital; a verificação de adequação formal da minuta de edital e a assinatura e publicação do edital, com minuta de instrumento jurídico em anexo. conforme estabelece o artigo 8º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Na etapa de preparação e prospecção, conforme estabelece o § 1º do artigo 8º da Lei 14.103,  “a elaboração da minuta de edital deverá ser realizada a partir de diálogo entre a administração pública, a comunidade, os conselhos de cultura e demais atores da sociedade civil, por meio de reuniões técnicas com potenciais interessados em participar do chamamento público, de sessões públicas presenciais, de consultas públicas ou de outras estratégias de participação social, observados procedimentos que assegurem a transparência e a impessoalidade”.

Conforme prevê o § 2º do artigo 8º da Lei 14.103,  os elementos exigidos no teor das propostas  nos casos em que o edital visar à celebração de termo de execução cultural, deverão permitir a compreensão do objeto da ação cultural e da metodologia, mas sem  obrigar o proponente  a apresentar detalhamento de elementos que possam ser pactuados no momento de elaboração do plano de trabalho, em diálogo técnico entre o agente cultural e a administração pública, na fase de celebração.

Caso, de acordo com o § 3º  do artigo 8º da Lei 14.103,  haja o uso de minuta padronizada, a verificação de adequação formal do edital e dos instrumentos jurídicos anexos poderá ser realizada pela autoridade responsável pela publicação do edital, com a dispensa de análise individualizada pelo órgão de assessoramento jurídico.

Ainda de acordo com o § 4º do artigo 8º da Lei 14.103, nas situações em que for necessária a emissão de parecer jurídico, a análise deverá abordar o atendimento às exigências legais e a regularidade da instrução processual, proibido, no entanto, a avaliação de escolhas técnicas quanto à execução da política pública de fomento cultural.

Conforme prevê o § 5º do artigo 8º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, os editais e as minutas de instrumentos jurídicos deverão ser disponibilizados, preferencialmente, em formatos acessíveis a pessoas com deficiência, tais como audiovisual e audiodescrição.

Nos casos de agentes culturais integrantes de grupos vulneráveis o edital poderá prever busca ativa e inscrição orais de proposta, reduzida a termo pelo órgão responsável pelo chamamento público, conforme determina o § 6º, inciso I, do artigo 8º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Ainda de acordo com o citado § 6º, inciso II, do artigo 8º da Lei 14.903,  uma pessoa física deverá ser indicada como responsável legal para o ato da assinatura do instrumento jurídico, devidamente formalizada em declaração assinada por todos,  caso o conjunto de pessoas que atuam como grupo ou coletivo cultural não tenham constituído uma pessoa jurídica.

O chamamento público divide-se em  6 (seis ) etapas, conforme estabelece o artigo 9º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A primeira delas é a inscrição de propostas, que ocorrerá, preferencialmente, por plataforma eletrônica, que aceitará inscrições pelo menos por  5 (cinco) dias úteis.

Na etapa de recebimento de inscrição de propostas, a administração pública poderá utilizar estratégias para ampliar a concorrência e para estimular a qualidade técnica das propostas, tais como: a)  a implantação de canal de atendimento de dúvidas; b) a realização de visitas técnicas ou de contatos com potenciais interessados para divulgar o chamamento público, com o respectivo registro no processo administrativo; c) a realização de sessões públicas para prestar esclarecimentos; d) a promoção de ações formativas, tais como cursos e oficinas de elaboração de propostas, com ampla divulgação e acessíveis a qualquer interessado; e) a utilização de cadastro prévio para acelerar a inscrição de propostas, conforme preve o § 1º do artigo 9º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A segunda etapa consiste na  análise de propostas por comissão de seleção.

A etapa de análise de propostas pode contar com o apoio técnico de especialistas, classificados como a) convidados pela administração pública para atuar como membros de comissão de seleção, em caráter voluntário; b)  contratados pela administração pública para atuar como membros da comissão de seleção, por inexigibilidade, por meio de edital de credenciamento ou de configuração como serviço técnico especializado; c)  contratados pela administração pública para emitir pareceres técnicos que subsidiem as decisões da comissão de seleção, por inexigibilidade, por meio de edital de credenciamento ou de configuração como serviço técnico especializado.

A análise de propostas poderá utilizar critérios quantitativos ou qualitativos adequados à especificidade da ação cultural, conforme definidos no edital, tais como originalidade, inventividade artística, singularidade, promoção de diversidade, coerência da metodologia com os objetivos descritos, potencial de impacto ou outros parâmetros similares, de acordo com § 4º do artigo 9º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Serão desclassificadas, observado o devido processo legal, conforme estabelece o § 5º do artigo 9º da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, as propostas que apresentem quaisquer formas de preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação diante do que dispõe o inciso IV do caput do art. 3º da Constituição Federal.

A terceira etapa consiste na  divulgação do resultado provisório, com abertura de prazo para recurso de, no mínimo, 3 (três) dias úteis e, caso apresentado recurso, de 2 (dois) dias úteis para contrarrazões.

A quarta etapa consiste no  recebimento e julgamento de recursos.

A quinta etapa consiste na divulgação do resultado final.

A sexta etapa consiste na celebração do chamamento público, que, por sua vez, de acordo com o artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024,  divide-se nas seguintes sub-etapas, como a) habilitação dos agentes culturais contemplados no resultado final; b) a convocação de novos agentes culturais para a fase de celebração, em caso de inabilitação de contemplados; c)  a assinatura física ou eletrônica dos instrumentos jurídicos celebrados pela administração pública com os agentes culturais habilitados.

Os requisitos de habilitação, de acordo com o § 1º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, deverm ser compatíveis com a natureza do respectivo instrumento jurídico, sem implicar restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento cultural.

O cadastro prévio poderá ser utilizado como ferramenta para dar celeridade à etapa de habilitação, conforme prevê o § 4º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A comprovação de endereço para fins de habilitação poderá ser realizada por meio de apresentação de contas residenciais ou de declaração assinada pelo agente cultural e ser dispensada nos casos de agente cultural que pertencer a comunidade indígena, quilombola, cigana ou circense ou a população nômade, itinerante ou que se encontra em situação de rua, de acordo com § 8º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A comprovação de regularidade fiscal será obrigatória para a celebração de termo de execução cultural, nos termos do § 3º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Nos casos de decisão de inabilitação, poderá ser interposto recurso no prazo de 3 (três) dias úteis, de acordo com o § 10 do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A assinatura do instrumento jurídico na celebração de termo de execução cultural, poderá ser precedida de diálogo técnico entre a administração pública e o agente cultural para definição de plano de trabalho, conforme estabele o § 9º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

O edital, de acordo com o § 5º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, proíbe à celebração de instrumentos por agentes culturais diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos.

Configura nepotismo e impede a celebração de instrumentos pelo agente cultural o fato dele ser cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de servidor público do órgão responsável pelo edital e este tiver atuado nas etapas do chamamento público, conforme estabele o § 6º do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Determina o artigo 11 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, que o instrumento jurídico poderá ter escopo plurianual na hipótese de: a)  a proposta ter como objeto o apoio a espaços culturais, com o objetivo de viabilizar sua manutenção, programação, atividades de comunicação, aquisição de móveis, aquisição de equipamentos e soluções tecnológicas, serviços de reforma ou construção, serviços para garantir acessibilidade, entre outras necessidades; b)  a proposta ter como objeto o apoio a corpos artísticos estáveis ou a outros grupos culturais com execução contínua de atividades; c) a proposta ter como objeto a realização de festival ou outro tipo de ação cultural realizada em edições recorrentes; d) a ação cultural destinar-se ao reconhecimento da atuação de mestres da cultura popular, mediante premiação cujo pagamento poderá ocorrer em parcelas sucessivas e)outros casos em que o escopo plurianual otimizar o alcance dos objetivos da política pública de fomento cultural, conforme previsão no edital de chamamento público. 

O agente cultural poderá optar por constituir sociedade de propósito específico para gerenciamento e execução do projeto beneficiado com o fomento, de acordo com o § 11 do artigo 10 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

5  Outros instrumentos de execução do regime de fomento à cultura, sem repasse de recursos pela Administração Pública

Há instrumentos de execução do regime próprio de fomento à cultura, sem repasse de recursos pela administração pública, como  (a) o termo de ocupação cultural e b) o termo de cooperação cultural.

O termo de ocupação cultural destina-se a possibilitar o uso ordinário de equipamentos públicos  para ações culturais, desde que considerado, pela autoridade competente, conveniente e oportuno, de acordo com o artigo 26 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

O termo de ocupação cultural também pode contemplar a realização de atividades conexas às ações culturais, como feiras de artesanato, praças de alimentação do evento; logjas de festival e leilões de obras de arte, conforme autoriza o § 1º do artigo 26 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

A ocupação de equipamento público para uso cultural poderá ser gratuita ou onerosa, a depender do teor das cláusulas do termo de ocupação cultural e, assim, o agente cultural poderá ter que pagar uma taxa pelo uso ordinário do equipamento.

A princípio, a ocupação cultural seria compatível com o uso ordinário de equipamento público e não representaria uma forma de uso especial ou anormal, que continuaria a depender de autorização, permissão ou concessão de bem público.

Desta forma, para concretizar esse objetivo legal, a ocupação cultural voltar-se-ia preferencialmente para equipamentos cujo uso ordinário seja vocacionado para ações culturais, como teatros, bibliotecas, escolas, parques, excluídos desse termo equipamentos públicos cujo uso ordinário conflite com ações culturais, como ruas e avenidas.

O termo de cooperação cultural  destina-se a viabilizar a promoção de ações de interesse recíproco, mediante a assunção de compromissos recíprocos, sem o repasse de recursos pela administração pública.

A celebração do termo de cooperação cultural independe da realização de chamamento público e decorre de deliberação discricionária da Administração Pública, conforme estabelece o artigo 30 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Cooperações culturais, que demandem ações de natureza complexa, exigirão a realização de plano de trabalho, cujo cumprimento terá que ser comprovado nos relatórios de cooperação cultural, de acordo com parágrafo único do artigo 29 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Os recursos para a execução das políticas públicas de fomento à cultura podem ser originados em quaisquer fontes ou mecanismos dos sistemas de financiamento a cultura, em especial: a) – dotações orçamentárias; b)  fundos públicos destinados às políticas públicas culturais; c) recursos privados, captados com ncentivo fiscal ou de forma complementar. d)  rendimentos obtidos durante a execução da ação cultural; e) quaisquer outras fontes ou mecanismos previstos em legislação específica, nos exatos termos do artigo 35 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

6  Outros mecanismos dos sistemas de financiamento a cultura

Dentre os fundos públicos destinados a fomentar políticas públicas culturais, destacamos o Fundo Naciona da Cultura (FNC), os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), os fundos de cultura dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e os incentivos a projetos culturais.

6.1  Fundo Nacional da Cultura

O Fundo Nacional da Cultura é um fundo de natureza contábil, com prazo indeterminado de duração, que funciona sob as formas de apoio a fundo perdido ou de empréstimos reembolsáveis, conforme estabelecer o regulamento, e constituído dos seguintes recursos, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991: I – recursos do Tesouro Nacional; II – doações, nos termos da legislação vigente; III – legados; IV – subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive de organismos internacionais; V – saldos não utilizados na execução dos projetos; VI – devolução de recursos de projetos não iniciados ou interrompidos, com ou sem justa causa; VII – um por cento da arrecadação dos Fundos de Investimentos Regionais, a que se refere a Lei n° 8.167, de 16 de janeiro de 1991, obedecida na aplicação a respectiva origem geográfica regional; VIII – reembolso das operações de empréstimo realizadas através do fundo, a título de financiamento reembolsável, observados critérios de remuneração que, no mínimo, lhes preserve o valor real; IX – resultado das aplicações em títulos públicos federais, obedecida a legislação vigente sobre a matéria; X – conversão da dívida externa com entidades e órgãos estrangeiros, unicamente mediante doações, no limite a ser fixado pelo Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, observadas as normas e procedimentos do Banco Central do Brasil; XI – saldos de exercícios anteriores; XII – resultados de aplicações financeiras sobre as suas disponibilidades; XII – reversão dos saldos financeiros anuais não utilizados até o final do exercício, apurados no balanço anual; XIII recursos de outras fontes.

O Fundo Nacional de Cultura, de acordo com o artigo 4º da Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, objetiva captar e destinar recursos para projetos culturais compatíveis com as finalidades de: a) estimular a distribuição regional eqüitativa dos recursos a serem aplicados na execução de projetos culturais e artísticos; b) favorecer a visão interestadual, estimulando projetos que explorem propostas culturais conjuntas, de enfoque regional; c) apoiar projetos dotados de conteúdo cultural que enfatizem o aperfeiçoamento profissional e artístico dos recursos humanos na área da cultura, a criatividade e a diversidade cultural brasileira; d) contribuir para a preservação e proteção do patrimônio cultural e histórico brasileiro; e)  favorecer projetos que atendam às necessidades da produção cultural e aos interesses da coletividade, aí considerados os níveis qualitativos e quantitativos de atendimentos às demandas culturais existentes, o caráter multiplicador dos projetos através de seus aspectos socioculturais e a priorização de projetos em áreas artísticas e culturais com menos possibilidade de desenvolvimento com recursos próprios.

O Fundo Nacional da Cultura é administrado pelo Ministério da Cultura e os seus recursos serão aplicados em projetos culturais aprovados, com parecer do órgão técnico competente, pelo Ministro da Cultura.

6.2 Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart)

O Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), conforme determina o artigo 8º da Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, é um fundo, sob a forma de condomínio, sem personalidade jurídica, caracterizado pela comunhão de recursos destinados à aplicação em projetos culturais e artísticos. As cotas desse funto são emitidas sob a forma nominativa ou escritural e são consideradas valores mobiliários.

De acordo com o artigo 9º da Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, os recurso do Ficart destinam-se a financiar projetos culturais e artísiticos relacionados a: I – a produção comercial de instrumentos musicais, bem como de discos, fitas, vídeos, filmes e outras formas de reprodução fonovideográficas; II – a produção comercial de espetáculos teatrais, de dança, música, canto, circo e demais atividades congêneres; III – a edição comercial de obras relativas às ciências, às letras e às artes, bem como de obras de referência e outras de cunho cultural; IV – construção, restauração, reparação ou equipamento de salas e outros ambientes destinados a atividades com objetivos culturais, de propriedade de entidades com fins lucrativos; V – outras atividades comerciais ou industrias, de interesse cultural, assim considerados pela SEC/PR, ouvida a CNIC. V – outras atividades comerciais ou industriais, de interesse cultural, assim consideradas pelo Ministério da Cultura.

6.3  Captação de Recursos Privados com Incentivo Fiscal

A captação de recursos privados com incentivo fiscal apoia-se no mecanismo previsto no capítulo II da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, Lei Rouanet. Citada lei, com o objetivo de incentivar as atividades culturais, faculta às pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, tanto no apoio direto a projetos culturais apresentados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de natureza cultural, como através de contribuições ao FNC, que atendam aos critérios estabelecidos no art. 1o desta Lei.

Permite-se aos contribuintes deduzir do imposto de renda devido as quantias efetivamente despendidas nos projetos culturais, previamente aprovados pelo Ministério da Cultura, nos limites e nas condições estabelecidos na legislação do imposto de renda vigente, na forma de: a) doações; e b) patrocínios.

Pode haver, também, a captação de recursos privados, sem incentivo fiscal, mediante acordo de patrocínio privado direto do regime jurídico próprio de fomento cultural, celebrado pela administração pública com patrocinadores, no qual constarão os deveres do patrocinador e as compensações autorizadas pelo poder público, conforme determina o artigo 39 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

O caderno de deveres do patrocinador determina o § 1º do artigo 41 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024,  preverá, na forma de anexo ao instrumento de acordo, a obrigação do patrocinador de executar com recursos próprios, sem incentivo fiscal, lista de deveres que incluiria o a) fornecimento de bens ou prestação de serviços; b)  financiamento de premiação cultural; c) depósito em favor de fundo público de cultura; d) realização de obras destinadas ao patrimônio cultural; e) outros deveres adequados às necessidade da execução das políticas culturais.

Entre as compensações pelo patrocínio, o poder público poderá autorizar a a) veiculação de publicidade, inclusive mediante ativação de marca; b) o uso de espaço ou de bem da administração pública e c) outras compensações solicitadas pelo patrocinador, avaliadas pelo poder público em juízo de conveniência e oportunidade, nos exatos termos do § 2º do artigo 41 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

O acordo de patrocínio privado direto do regime jurídico próprio de fomento cultural poderá decorrer de propostas recebidas pela administração pública por meio dos procedimentos de proposta avulsa ou por meio de chamamento público, conforme estabelece o artigo 40 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

Nos termos do inciso I do artigo 40 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, ocorre o procedimento de proposta avulsa quando um interessado tem a iniciativa de apresentar à administração pública oferta de apoio a ações culturais. A proposta do interessado não será a única, pois nesse caso a Administração é obrigada a por meio de aviso público convidar demais interessados a apresentarem propostas alternativas.

Nos termos do inciso I do artigo 40 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024, ocorre o procedimento por meio de chamamento público quando há a divulgação de edital de patrocínio privado direto, com finalidade de buscar apoio a ações culturais promovidas por agentes culturais ou por órgãos e entidades da própria administração pública.

6.4 Captação de Recursos Complementares

Pode ocorrer, também, a captação pelo agente cultural de recursos complementares para a realização de ação apoiado pelo fomento cultural por quaisquer meios idôneos, entre eles, a)  cobrança de ingressos, bilheteria ou similares; b) cobrança pela participação em eventos ou em ações de capacitação, tais como seminários, cursos e oficinas; c) cobrança pelo uso de bens ou pela venda de produtos; d) doações de pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, conforme determina o artigo 42 da Lei 14.903, de 27 de junho de 2024.

7  Considerações finais

A Lei nº 14.903, de 27 de junho de 2024,  ao estabelecer o marco regulatório do fomento à cultura no âmbito da administração pública criou diversos instrumentos jurídicos destinados a financiar economicamente o agente cultural e a respectiva produção cultural.

Para incentivar a ação cultural, definida como qualquer atividade ou projeto apoiado por políticas públicas de fomento cultural  a citada lei previu 3 (três) instrumentos em que ocorre o repasse de recursos pela administração pública. São eles: (i) o termo de execução cultural; (ii) o termo de premiação cultural e (iii) o termo de bolsa cultural.

Inobstante, em nossa opinião, houve, para além do necessário, uma exagerada mitigação do controle e da prestação de contas, que pode contribuir para a constituição de um ambiente favorável à malversação dos recursos públicos recebidos, que poderá provocar no futuro uma retração da propria política de fomento ao agente e a produção cultural.

8  Referências

Augusto Dal POZZO; Silvio Luís Ferreira da ROCHA, Sílvio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2024.

Hector Jorge ESCOLA, Compêndio de Derecho Administrativo, 6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2012, volume II.

Leon Frejda SZKLAROWSKY. Os convênios administrativos, Revista dos Tribunais, 669, São Paulo.

Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Parcerias na Administração Pública, 3. ed., Atlas, 2022.

Notas de Rodapé

[1]     Endereço para acessar este CV: https://lattes.cnpq.br/4633093723575740. https://orcid.org/0000-0001-5611-3846. Professor Associado de Direito Administrativo da PUCSP. Professor Assistente Doutor de Direito Civil da PUCSP. Consultor Jurídico. E-mail: silviolfdrocha@pucsp.br

[2]     Hector Jorge ESCOLA, Compêndio de Derecho Administrativo, volume II, p.858.

[3]     Hector Jorge ESCOLA, Compêndio de Derecho Administrativo, volume II, p.859: “En consecuencia, pude establecerse la noción conceptual de la actividade administrativa de fomento diciendo que es aquella actividad de la administración pública que pretende la satisfacción de necesidades colectivas y el logro de fines del Estado de manera indirecta y mediata, mediante la participación voluntaria de los particulares, que desarrollan por sí mismos actividades tendientes a ese objeto, las cuales son, por ello, protegidas y estimuladas por la administración por diversos medios, de los cuales está excluída toda forma de coacción”.

[4]     § 1º  A implementação do regime próprio de fomento à cultura deverá garantir a plena liberdade para a expressão artística, intelectual, cultural e religiosa, respeitada a laicidade do Estado.

[5]     § 2º  Cada política pública cultural poderá ser implementada com o uso de mais de um dos regimes jurídicos referidos no caput e no § 1º deste artigo, observados os seguintes requisitos:

I – o regime jurídico aplicável em cada caso, com os respectivos instrumentos, deverá ser especificado pelo gestor público no processo administrativo em que for planejada a celebração de determinado instrumento, de acordo com os objetivos almejados; e

II – a escolha do regime jurídico pelo gestor público deverá ser orientada para o alcance das metas dos planos de cultura referidos no inciso V do § 2º do art. 216-A da Constituição Federal, observados os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo.

[6]     Art. 2º  A União executará as políticas públicas de fomento cultural por meio do regime próprio de que trata o Capítulo II desta Lei, dos regimes previstos nas Leis nº 8.685, de 20 de julho de 1993, nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, nº 13.018, de 22 de julho de 2014, e nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e na Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, ou de outros regimes estabelecidos em legislação federal específica.

§ 1º  Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão executar as políticas públicas de fomento cultural por meio de um dos regimes previstos no caput deste artigo ou de outros regimes jurídicos estabelecidos no âmbito de sua autonomia.

[7]     Jordano Pozas, Ensayo de uma Teoria Del Fomento Em El Derecho Administrativo, p.52, para quem “otra clasificación de los medios de fomento es la que los distingue en honoríficos, económicos y jurídicos.

Entre los medios de fomento honoríficos compren demos las distinciones y recompensas que se otorgan como público reconocimiento y proclamación de un acto o de una conducta ejemplar. Aunque lleven consigo, en ocasiones, algunas ventajas de carácter jurídico o eco nómico, éstas se consideran accesorias, siendo lo principal el enaltecimiento social del beneficiado. La acción de fomento se logra por el acicate que significa la espe ranza de obtener el honor si se observa una conducta adecuada.

Los principales medios honoríficos son las condeco raciones, tratamientos, títulos, preeminencias, uso de emblemas o símbolos determinados, trofeos, diplomas, etcétera.

Los medios de fomento económicos son todos aque llos que de un modo directo determinan la percepción" de una cantidad o la dispensa de un pago obligatorio. En esta categoría se encuentran las subvenciones, primas, premios en metálico, anticipos y préstamos, ga rantías de interés, etc., y las exenciones y demás privi legios de carácter fiscal.

Finalmente, los medios de fomento jurídicos se ca racterizan por el otorgamiento de una condición privi legiada que, de modo indirecto, representa ventajas eco nómicas o de seguridad.

[8]     Os convênios administrativos, Revista dos Tribunais, 669, p.44, nota 1.

[9]     Parcerias na Administração Pública, 3a. edição, p.31.

[10]    § 3º A estimativa de custos do plano de trabalho poderá apresentar valores divergentes daqueles praticados convencionalmente no mercado quando houver significativa excepcionalidade no contexto de realização das ações culturais, consideradas variáveis territoriais e geográficas, bem como situações específicas, tais como as de povos indígenas, ribeirinhos, atingidos por barragens ou comunidades quilombolas e tradicionais.

[11]    Art. 15, § 1º: As escolhas da equipe de trabalho e de fornecedores na execução da ação cultural serão de responsabilidade do agente cultural, vedada a exigência de que nesse processo decisório sejam adotados procedimentos similares aos realizados no âmbito da administração pública em contratações administrativas.

[12]    Art. 16. O termo de execução cultural poderá definir que os bens permanentes adquiridos, produzidos ou transformados em decorrência da ação objeto do fomento serão de titularidade do agente cultural desde a data de sua aquisição, nas hipóteses em que:

I – a ação cultural tiver como finalidade viabilizar a constituição de acervo, fortalecer a transmissão de saberes e práticas culturais, fornecer mobiliário, viabilizar aquisição de equipamentos, viabilizar modernização, reforma ou construção de espaços culturais, prover recursos tecnológicos para agentes culturais ou prover recursos para garantir acessibilidade ou objetivo similar;

II – a análise técnica da administração pública indicar que a aquisição de bens com titularidade do agente cultural seja a melhor forma de promover o fomento cultural no caso concreto.

[13]    Art. 17.  A alteração do termo de execução cultural será formalizada em termo aditivo.

§ 1º  A formalização de termo aditivo não será necessária nas seguintes hipóteses:

I – prorrogação de ofício realizada pela administração pública quando esta der causa a atraso na liberação de recursos;

II – alteração do plano de trabalho sem modificação do valor global do instrumento e sem modificação substancial do objeto da ação cultural.

§ 2º  Nos casos de prorrogação de vigência, o saldo de recursos será mantido na conta, a fim de viabilizar a continuidade da execução do objeto da ação cultural.

§ 3º  As alterações de plano de trabalho com escopo considerado de pequeno percentual ou valor, nos termos de regulamento, poderão ser realizadas pelo agente cultural e em seguida comunicadas à administração pública sem necessidade de autorização prévia.

§ 4º  A variação inflacionária poderá ser fundamento de solicitação de celebração de termo aditivo para alteração do valor global do instrumento.

§ 5º  A aplicação de rendimentos de ativos financeiros em benefício do objeto do termo de execução cultural poderá ser realizada pelo agente cultural sem necessidade de autorização prévia da administração pública.

[14]    Art. 18, § 1º e seguintes:

§ 1º  Nos instrumentos de valor global de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a obrigação de prestar contas poderá ser cumprida por meio de esclarecimentos presenciais, desde que a administração pública considere, no caso concreto, ser suficiente uma visita técnica de verificação para aferir o cumprimento integral do objeto.

§ 2º  O agente público que realizar a visita técnica de verificação prevista no § 1º deste artigo deverá elaborar Relatório de Verificação Presencial da Execução Cultural, no qual concluirá:

I – pelo cumprimento integral do objeto ou pela suficiência do cumprimento parcial devidamente justificada e providenciará imediato encaminhamento do processo à autoridade julgadora;

II – pela necessidade de o agente cultural apresentar Relatório de Objeto da Execução Cultural, caso considere não ter sido possível aferir na visita técnica de verificação o cumprimento integral do objeto ou o cumprimento parcial justificado.

[15]    Art. 21.  A autoridade responsável pelo julgamento da prestação de contas do termo de execução cultural poderá:

I – solicitar documentação complementar;

II – aprovar sem ressalvas a prestação de contas, quando estiver convencida do cumprimento integral do objeto;

III – aprovar com ressalvas a prestação de contas, quando for comprovada a realização da ação cultural, mas verificada inadequação na execução do objeto ou na execução financeira, sem má-fé;

IV – rejeitar a prestação de contas, total ou parcialmente, e determinar uma das seguintes medidas:

a) devolução de recursos em valor proporcional à inexecução de objeto verificada;

b) pagamento de multa, nos termos de regulamento;

c) suspensão da possibilidade de celebrar novo instrumento do regime próprio de fomento à cultura pelo prazo de 180 (cento e oitenta) a 540 (quinhentos e quarenta) dias.

[16]    POZZO, Augusto; ROCHA, Sílvio. 1.. Organizações Sociais In: POZZO, Augusto; ROCHA, Sílvio. Curso de Direito Administrativo – Ed. 2024. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2024. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-administrativo-ed-2024/2587274247>. Acesso em: 24 out. 2024.

[17].   POZZO, Augusto; ROCHA, Sílvio. 1.. Organizações Sociais In: POZZO, Augusto; ROCHA, Sílvio. Curso de Direito Administrativo – Ed. 2024. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2024. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-administrativo-ed-2024/2587274247>. Acesso em: 24 out. 2024.