Ato processual e teoria das nulidades

Procedural act and theory of nullity

DOI: 10.19135/revista.consinter.00020.02

Recebido/Received 21/11/2024 – Aprovado/Approved 20/02/2025

Denilson Victor Machado Teixeira[1] – https://orcid.org/0000-0002-1835-761X

Fernando Muniz[2] – https://orcid.org/0009-0008-1190-5936

Resumo

O objetivo deste artigo é examinar a tese da exclusão a priori dos atos processuais do sistema comum de nulidades, com base em conhecida obra de Calmon de Passos, onde tal tese é defendida. A hipótese é que a conclusão a que chega Calmon de Passos decorre de uma concepção equivocada sobre a estrutura analítica do conceito geral de ação humana. O método de pesquisa científica utilizado foi o lógico-dedutivo. Os procedimentos metodológicos foram o comparativo e o monográfico, corroborados por pesquisa bibliográfica (publicações), além de fontes formais de pesquisa (leis lato sensu e doutrinas). O exame permitiu constatar que a definição da doutrina jurídica tradicional, aceita por Calmon de Passos, que afirma que “ato processual é o ato jurídico que produz efeitos no processo”, não se sustenta. E também que a definição de “ato processual” que Calmon de Passos fornece incorre no erro lógico de circularidade, e ainda é insuficiente, apesar de conter excessos de palavras. Quanto à tese defendida por Calmon de Passos, que afirma que os atos processuais são formalmente excluídos do regime geral das nulidades por vícios de vontade, foi possível concluir que ela decorre de uma concepção equivocada sobre a estrutura analítica dos atos humanos em geral. Quanto ao alcance do regime das nulidades por vícios de vontade, a conclusão é que não há nada na teoria formal que exclua os atos processuais a priori.

Palavras-chave: Calmon de Passos – Atos processuais – Ação humana – Sistema de nulidades por vício de vontade.

Abstract

The objective of this article is to examine the thesis of the a priori exclusion of procedural acts from the common system of nullities, based on a Calmon de Passos’s well-known work, in which that thesis is defended. The hypothesis is that the conclusion reached by Calmon de Passos results from a misconception about the analytical structure of the general concept of human action. The scientific research method used was logical-deductive. The methodological procedures were comparative and monographic, corroborated by bibliographic research (publications), in addition to formal research sources (laws lato sensu and doctrines). The examination allowed us to note that the definition of traditional legal doctrine, accepted by Calmon de Passos, which states that “a procedural act is a legal act that produces effects in the process”, is not sustainable. And also that the definition of “procedural act” that Calmon de Passos provides falls into the logical error of circularity, and is still insufficient, despite containing excessive words. Regarding the thesis defended by Calmon de Passos, which states that procedural acts are formally excluded from the general system of nullities due to defects of will, it was possible to conclude that it arises from a misconception about the analytical structure of human acts in general. Regarding the scope of the system of nullities due to defects of will, the conclusion is that there is nothing in the formal theory that excludes procedural acts a priori.

Keywords: Calmon de Passos – Procedural acts – Human action – System of nullities due to defects of will.

Sumário: 1. Introdução; 2. A definição de Calmon de Passos para ato processual e os seus defeitos formais; 2.1. Primeira característica: critério locacional não determinado; 2.2. Segunda característica: adesão à inconsistente concepção tradicional; 2.3. Terceira característica: defeito de circularidade; 3. Ato e execução do ato: injustificada e insustentável proposta de desdobro; 4. Segue: o desdobro impossível; 5. Uma verdade lógica: o gênero ocorre nas espécies; 6. Conclusão; 7. Referências.

1  INTRODUÇÃO

De um modo geral, os processualistas defendem que as nulidades no processo não podem ser consideradas sob o mesmo enfoque do sistema comum do direito privado[3]. Em uma de suas obras mais conhecidas[4], Calmon de Passos defendeu a tese de que os atos processuais são formalmente excluídos do sistema geral de nulidades por vícios de vontade. O objetivo deste artigo é examinar as razões que levaram Calmon de Passos à mencionada conclusão, a partir de uma análise da definição que ele propõe para o conceito jurídico de ato processual, que de certa forma aceita a concepção da doutrina jurídica tradicional sobre os atos processuais.

A hipótese que se considera é que a conclusão atingida por Calmon de Passos decorre de um erro de concepção sobre a estrutura formal-analítica do conceito geral de ação humana.

O método de pesquisa científica utilizado foi o lógico-dedutivo. Os métodos de procedimentos metodológicos o comparativo e o monográfico, corroborados pela pesquisa bibliográfica (publicações), além das fontes de pesquisas formais (leis lato sensu e doutrinas).

O exame permitiu notar que a definição da doutrina jurídica tradicional, aceita por Calmon de Passos, que diz que “ato processual é o ato jurídico que produz efeitos no processo”, não é sustentável. E também que a definição de “ato processual” que Calmon de Passos fornece incide no erro lógico de circularidade, e ainda é insuficiente, apesar de conter palavras em excesso. Sobre a tese defendia por Calmon de Passos, que diz que os atos processuais são formalmente excluídos do sistema geral de nulidades por vícios de vontade, foi possível concluir que ela decorre de um erro de concepção sobre a estrutura formal-analítica dos atos humanos em geral. Já no que toca à abrangência do sistema de nulidades por vícios de vontade, a conclusão é que nada há na teoria formal que dele exclua a priori os atos processuais.

2  A DEFINIÇÃO DE CALMON DE PASSOS PARA ATO PROCESSUAL E OS SEUS DEFEITOS FORMAIS

Calmon de Passos propõe a seguinte definição para o conceito jurídico de ato processual: “são os atos jurídicos praticados no processo, pelos sujeitos da relação processual ou pelos sujeitos do processo, capazes de produzir efeitos processuais e que só no processo podem ser praticados”[5]. Mas um exame desta proposta de definição, em conjunto com as explicações que Calmon de Passos fornece, permite constatar que ela contém excessos ao mesmo tempo em que diz menos que o necessário. Por principal, porém, torna claro que a definição é o resultado falho de uma concepção equivocada sobre a estrutura analítica do conceito de ação, que também compromete a tese da exclusão a priori dos atos processuais do sistema de nulidades por vícios de vontade.

Quanto aos excessos da definição, Calmon de Passos diz mais que o necessário ao mencionar os possíveis agentes do ato processual. Pois, além dos “sujeitos da relação processual” ou dos “sujeitos do processo” que a definição menciona, aparentemente ninguém mais haveria para praticar atos processuais. Ou seja, trata-se de um pressuposto que não precisaria constar na definição. Ainda, é até intuitivo constatar que a definição soa repetitiva ao dizer que os atos processuais são atos jurídicos “praticados no processo” e que “só no processo podem ser praticados”.

O principal, porém, é aprofundar a análise quanto às características que a definição apresenta para o ato processual e no erro lógico de base em que acaba incidindo. Quanto a este ponto, nota-se que a definição se inicia qualificando o ato processual como uma espécie dentro do gênero dos atos jurídicos, e quanto a esta categorização não cabem reparos. A definição, porém, prossegue para afirmar que seriam três as características diferenciais do ato processual e aí se iniciam os seus problemas. Segundo diz, o ato processual: deve ser praticado no processo, produz efeitos no processo e só pode ser praticado no processo[6].

Consideradas tal como apresentadas por Calmon de Passos, porém, nenhuma destas três características pode ser aceita para definir o ato processual.

2.1  Primeira Característica: Critério Locacional Não Determinado

A primeira característica apresentada pela definição diz que o ato processual seria um integrante do conjunto dos atos praticados no processo. Este é o ponto em que a definição chega a flertar com o critério teleológico e Calmon de Passos até diz, em outra oportunidade, “que o processo é um conjunto de atos, constituindo-se uma unidade pelo fim que objetivam todos eles”[7]. Calmon de Passos, porém, abandona o critério teleológico e opta por negar que um ato possa ser caracterizado como processual apenas por vinculação teleológica aos fins do processo[8].

O problema é que Calmon de Passos, após renunciar ao critério que poderia determinar quando um ato pode ser considerado praticado dentro ou fora do processo, não adota qualquer sucedâneo. E daí, apesar de suas explicações conterem várias menções de caráter locacional sobre o ato processual (quando, por exemplo, diz sobre a “sede processual” e sobre a prática de atos “no processo” ou “fora do processo”[9]), esta primeira característica falha justamente pela falta de um critério para determinar a localização dos atos processuais.

2.2  Segunda Característica: Adesão à Inconsistente Concepção Tradicional

A segunda característica apresentada pela definição prende-se à produção de efeitos jurídicos no processo. Neste ponto, o prejuízo decorre da aceitação de uma concepção tradicional sobre os atos processuais que, apesar de ser muito difundida[10], não pode ser sustentada em todas as suas implicações, porque leva a absurdos.

Com efeito, o fundamentum divisionis da concepção tradicional é a produção de efeitos no processo. Neste recorte, considerado sob os rigores da lógica, qualquer ato jurídico que produza efeitos no processo integraria o grupo dos atos processuais, e o seu complemento, o grupo dos atos não processuais, seria formado pelos atos que não produzem efeitos num processo. Imagine-se então que uma pessoa tenha iniciado um processo judicial pleiteando algo corriqueiro, como verbas trabalhistas ou indenização por defeitos de um produto de consumo, mas que, por uma circunstância completamente estranha ao regular trâmite processual, seja assassinada – numa briga de trânsito, por exemplo. Segundo a legislação processual civil brasileira, a morte do autor do processo leva a pelo menos duas consequências processuais: desde a morte, o processo será suspenso e deve haver a sucessão processual pelo espólio ou pelos sucessores[11]. Neste caso, não há dúvidas de que o ato do homicida satisfaz o critério tradicional, pois produziu efeitos no processo em curso, e então deveria ser considerado um ato processual.

Noutra exemplificação, imagine-se que um militar seja criminalmente denunciado por um crime comum; antes da citação, porém, ele é preso administrativamente, porque se envolveu numa infração administrativa completamente estranha ao teor da denúncia criminal. Segundo a legislação processual penal brasileira, a condição de preso torna obrigatória a citação pessoal[12]. E assim se deveria concluir que a ordem de prisão administrativa emitida pelo comandante militar seria um ato processual no processo penal, porque nele produziu efeitos, ao restringir as modalidades de citação cabíveis.

Enfim. Outras situações hipotéticas poderiam ser construídas para demonstrar, por reductio ad absurdum, que a definição tradicional de atos processuais não é sustentável.

Encontrar um critério para a definição de atos processuais que atenda aos rigores da lógica é trabalho para uma abordagem específica. Que deve preferencialmente ser empreendida por alguém não ainda contaminado pelo vício predileto da doutrina jurídica, que é a construção de explicações ad hoc. Para os fins da presente análise, porém, já se pode considerar suficientemente refutada a segunda característica apresentada por Calmon de Passos para os atos processuais.

Mas em Calmon de Passos ainda há um problema adicional, já que ele não deixa claro se para a caracterização do ato processual estaria exigida a efetiva a produção de efeitos jurídicos no processo ou se bastaria a mera aptidão do ato para gerá-los, tal como afirma a sua definição. Neste ponto, é notável que a sua definição afirma ser suficiente a mera “capacidade” para a produção de efeitos, enquanto que ele também diz, em outra oportunidade, que o distintivo do ato processual seria que ele efetivamente produza efeitos no processo[13]. Ou seja, o próprio Calmon de Passos parece não ter se decidido se para a caracterização seria suficiente a mera aptidão do ato para gerar efeitos jurídicos no processo.

2.3  Terceira Característica: Defeito de Circularidade

A terceira característica apresentada pela definição de Calmon de Passos diz que o ato processual apenas pode ser praticado no processo. Tanto quanto as anteriores, esta característica também não resiste a um exame crítico. Só que ela merece uma atenção mais detida.

Ao mencionar reiteradamente que esta seria a característica decisiva do seu conceito de ato processual, Calmon de Passos manifesta o intuito de destacá-la como a mais útil, no contexto de sua teoria, para a compreensão do conceito definido. Se esse era de fato o intuito, a característica deveria facilitar a compreensão do que seja um ato processual. Ela, entretanto, não pode cumprir qualquer função informativa simplesmente porque padece de um erro lógico elementar, que é a circularidade. Um erro lógico que, aliás, ocorre tanto na apresentação da característica quanto no posterior raciocínio que Calmon de Passos faz para explicar a relação dos atos processuais com o processo.

O erro lógico de que se trata, também conhecido como circulus in definiendo, consiste no fato de que o objeto a ser definido (o definiendum) aparece na definição (o definiens). Ao especificar a característica, a explicação menciona aquilo que deveria ser explicado. É um erro porque é inútil; ela não cumpre o objetivo básico primário de uma definição, que seria explicar um significado. Ao final, a definição falha por falta de clareza e o conceito continua indefinido. Exemplos de erros semelhantes seria definir leite materno como “aquele que provém da mãe”; carne bovina como “aquela que provém de um boi”; ou crise epiléptica como “o evento causado pela epilepsia”.

No mundo jurídico, exatamente onde parece menor a disposição para reconhecer erros, o erro de circularidade é muito recorrente. Luis Manuel M. Salazar, por exemplo, menciona a definição de direito como “o conjunto de normas que regulam a conduta de uma sociedade juridicamente organizada”, e afirma que ela teria uma “formalidade inescrutável” e seria produto de um longo processo científico de reflexão por autores clássicos da ciência jurídica e filosófica[14]. A formalidade desta definição, entretanto, pode sim ser escrutada e quem eventualmente o faça logo perceberá que ela é circular. Pois para saber o que é o direito é preciso saber antes o que é uma sociedade juridicamente organizada, e quem eventualmente já saiba o que é uma sociedade juridicamente organizada certamente também já sabe que quem a organiza juridicamente é o direito.

No mesmo erro lógico, porém de modo um pouco mais sutil, incidiu também a jurisprudência constitucional espanhola, quando foi chamada a discutir o conceito de ciência, ocasião em que, segundo informa Antônio Eduardo Tello, firmou-se no sentido de que “a formulação do conceito deve ser deixada aos cientistas”[15]. Em última análise, o que acabou decidido é que ciência é “aquilo que os cientistas fazem”. Conforme alerta o próprio Antônio Eduardo Tello, esta definição parece simples, mas na verdade é circular e nada afirma[16]; na ausência de definição do que é ciência não se pode saber quem é o cientista a quem competiria tal definição[17].

No caso da definição de Calmon de Passos, quando ela diz que os atos processuais seriam “os atos jurídicos praticados no processo”, passa a demandar explicação sobre o que seja processo. E assim acaba tendo significado apenas para quem já conhece o significado dos termos envolvidos. Aí está o erro de circularidade lógica. No tema dos atos processuais, um ato jurídico está sendo qualificado como processual exatamente por possuir alguma relação com o processo. Esta relação é que precisaria ser explicada por uma definição.

Posteriormente, quando discorre sobre o direito processual, o raciocínio de Calmon de Passos volta a incidir em circularidade – desta vez, em circulus in demonstrandum. Em sua argumentação, consta afirmado que o direito processual é “a regulamentação de atos processuais”[18]; e que os atos processuais são “os atos exclusivamente regulados por normas processuais”[19]. Deste segundo equívoco, pode-se acusar: para saber o que é o direito processual é preciso saber o que é um ato processual; e, para saber o que é um ato processual, é preciso saber o que é o direito processual. Aplicado este raciocínio ao processo, o que restaria dito é que ato processual “é um ato do processo”, e que processo “é um conjunto de atos processuais”.

E assim se percebe que a terceira característica apresentada pela definição de Calmon de Passos não tem caráter informativo. Mas ela também cria problemas adicionais, já que supõe a distinção entre normas processuais e normas materiais, atraindo para si todas as dificuldades que permeiam esta proposta de divisão. Não bastasse, a característica ainda é apresentada em meio a certa confusão de conceitos. Pois, ao discutir possíveis casos em que ela se manifestaria, Calmon de Passos cita: a constituição de procurador para o processo[20]; a transação realizada no processo[21]; o compromisso arbitral e o pacto de eleição de foro[22]; e discute os negócios jurídicos processuais[23]; tudo para afirmar que não seriam atos processuais, e sim atos com a natureza de direito material. O problema é que nos casos citados não há apenas atos, e sim contratos, e contratos envolvem sempre dois ou mais atos.

Assim visto, conquanto outras objeções ainda possam ser apresentadas à definição de Calmon de Passos sobre o ato processual, a refutação já pode ser dada por suficiente.

ATO E EXECUÇÃO DO ATO: INJUSTIFICADA E INSUSTENTÁVEL PROPOSTA DE DESDOBRO

O que resta a perceber na teoria de Calmon de Passos é que ela também se ampara numa deficiente concepção sobre a estrutura formal-analítica dos atos humanos em geral. Para atingir esta percepção, porém, a análise deve se direcionar a um nível acima na escala de conceitos, para indagar qual é a estrutura do conceito genérico de ato humano que Calmon de Passos tem em mente, quando constrói a sua teoria. Só assim se poderá ver onde reside o erro de base que o conduziu a falsas conclusões sobre o ato processual e que, pior, levou-o à conhecida, porém, equivocada crença, de que os atos processuais seriam uma espécie de atos jurídicos regulada exclusivamente por normas processuais e por isso não alcançáveis pelo sistema geral de nulidades por vícios de vontade.

Partindo-se em busca dos elementos analíticos do seu conceito superior genérico de ato humano, deve-se primeiro notar que Calmon de Passos não nega que a vontade seja um elemento analítico constitutivo de qualquer ato[24]. Mas ele, de algum modo, quer sustentar que a vontade não teria relevância apenas para as normas processuais. Então, quando aborda a relação entre ato processual e norma, Calmon de Passos diz que o determinante seria o tratamento que a norma dá à vontade. Se, diz ele, a norma atribuir consequências jurídicas ao agir humano, desconsiderando a vontade, haveria um ato processual[25]. Por outro lado, se a norma atribuir relevância à vontade, não haveria um ato processual, mas sim um ato de direito material[26]. Com este raciocínio, Calmon de Passos deixa clara a sua crença: (a) que o ato processual seria exclusivamente disciplinado por normas processuais e (b) que apenas no ato processual a vontade seria irrelevante em relação à norma. Ou seja, ele crê que no ato processual, e apenas nele, a vontade não teria relevância para a norma.

Neste ponto, o mais elementar seria apontar que, se este é o entendimento, então a definição de Calmon de Passos sobre o ato processual diz menos que o necessário. Pois se apenas no ato processual há uma vontade irrelevante perante a norma, então esta seria uma característica diferencial que a definição não apresenta. Não obstante, esta insuficiência da definição pode ser deixada de lado para centrar-se atenção ao que agora tem maior relevância, que é constatar que a vontade aparece como um elemento estrutural analítico do seu conceito de ato humano.

Num segundo e crucial momento, deve-se notar que Calmon de Passos reiteradamente diz que a vontade não se confunde com a execução do ato[27], numa clara tentativa de cindir artificialmente a estrutura do agir humano. Em sua concepção, a vontade estaria “fora e antes” da execução do ato[28]. Conforme diz, a execução do ato seria “autônoma” em relação à vontade e, também, em relação ao fim. “A vontade (final) e a causa”, diz, “não pertencem ao ato processual na sua estrutura autônoma...”[29]. E assim ele “situa” a vontade e o fim numa posição separada da execução do ato. Ou seja, Calmon de Passos separa vontade e execução do ato.

Além disto, Calmon de Passos diz pouco. E então, do que de fato ele afirmou sobre o agir humano, pode ser apontado que ele aceita como elementos analíticos a vontade e o fim, ao lado da execuçãoautônoma” do ato.

Prima facie, poderia ser afirmado que esta noção mais ou menos esvaziada de ato humano não representa suficientemente o pensamento Calmon de Passos no tema, pois que o seu intento na obra analisada teria sido apenas abordar os atos processuais, enquanto espécie de atos jurídicos. Não obstante, o caráter errôneo de sua concepção já pode ser constatado na insustentável propugnação de autonomia do ato em relação à sua execução. Aí já se pode constatar um equívoco quanto à estrutura analítica do agir humano. Quando Calmon de Passos fala separadamente em ato e em execução do ato, ele propugna uma cisão que é artificiosa e insustentável.

Porém, como já se afirmou supra, para compreender este erro formal é preciso perceber que ele está num nível superior na escala de conceitos. Ele está na classe pré-jurídica dos atos humanos e sua análise demanda um juízo alheio às competências ordinárias do jurista, o que deve precaver aquele que se proponha a analisá-lo a partir de uma perspectiva jurídica.

4  SEGUE: O DESDOBRO IMPOSSÍVEL

Conforme se afirmou supra, Calmon de Passos separa vontade e execução do ato. Mas este não é um desdobro possível.

No âmbito de uma filosofia da ação, sobre o conceito de ato humano, pode-se pensar separadamente sobre o agente que atua ou sobre a ação propriamente dita. Por isto, pode-se falar sobre o agente e sobre o seu ato, como elementos distintos. Do mesmo modo, porém, não ocorre com ato e execução do ato. Não é possível pensá-los separadamente. Não há possibilidade intelectiva para pensar numa “execução autônoma do ato”, como quer Calmon de Passos, porque o atuar já é a própria existência do ato. A noção de execução é algo que já está contida no próprio conceito de ato. A noção de execução é inerente ao agir. Executar o ato já é agir. Qualquer ato já é uma execução. Ou, como diz Max Scheler, o ser do ato consiste em uma execução[30].

Quando Calmon de Passos fala separadamente em ato e em execução do ato, ele faz uma cisão contraintuitiva e, por isto, vazia de sustentação. É como se ele estivesse a imaginar a ação numa forma estática, como “ato”, e depois numa forma dinâmica, como “execução”. Como se a execução fosse uma parte do ato, e não o ato em sua totalidade[31]. Assim, põe o mesmo ser – o ato – em dois momentos distintos. Mas o conceito de ato, tal qual pensado pelo intelecto, tem uma intrínseca conexão com noções como dinamicidade, influência causal, modificação, esforço, dispêndio, transição. Ser dinâmico é uma característica essencial do conceito de ato. Por isso, não é sequer possível pensar a exteriorização de um ato sem referência direta e imediata à noção de movimento animado, de execução. Tentar pensar o ato apartado de sua execução é como tentar pensar o tempo sem a noção de mudança. Isto simplesmente não é possível.

Também não é possível pensar que no ato exista um substrato neutro, anterior, que possa ser destacado da sua execução. Este substrato não existe. Não há um ser que possa ser chamado de ato antes da execução. O ato é pura execução. Agir é atuar. O agir se manifesta na execução e nela se esgota. Fora da execução, nada mais há de ato. Agir e executar o ato são uma e mesma coisa.

Não à toa, Calmon de Passos não apresenta qualquer justificação para a concepção de ato separado de sua execução. Ele simplesmente a afirma. Quanto a esta postura – que equivale a uma postulação vazia – deve-se mencionar que, na filosofia geral, a ação é uma categoria central[32]. Se Calmon de Passos pretendeu se afastar da estrutura básica normalmente apresentada para o agir humano pela filosofia da ação, era sua a incumbência de demonstrar onde estaria o erro da estrutura tradicional.

Por outro lado, são pressentíveis as dificuldades que Calmon de Passos teria para explicar a duração do ato, no contexto de sua teoria. Pois se a vontade e o fim não acompanhassem toda a execução do ato, como explicar que a execução do ato continue? No ato duradouro, sabe-se, a execução se prolonga por um período. Na linguagem do direito penal, a execução “protrai-se no tempo”. Enquanto perdura, a continuidade da execução do ato depende da reafirmação da vontade, em cada instante. Se não, o ato não continuaria a ser executado. Ou seja: ou a vontade do agente se faz continuamente presente a cada instante de duração do ato, ou a execução cessa.

Aliás, no mundo jurídico, a presença da vontade em cada instante da execução continuada é exatamente o fundamento que se invoca para que cada momento da execução do ato possa ser juridicamente imputado ao agente, mesmo que ocorra alguma mudança no contexto externo. Num crime de sequestro, ou de guarda ilícita de entorpecentes, por exemplo, quando durem por alguns dias, se a vontade estivesse “fora e antes” da execução, não haveria justificação filosófica para sustentar a imputação ao agente de todos e cada um dos instantes de persistência da ação criminosa.

Então, não há como cogitar de vontade ou fim de uma ação humana que já não estejam presentes na execução do ato e em toda a sua duração.

5  UMA VERDADE LÓGICA: O GÊNERO OCORRE NAS ESPÉCIES

Alguém disposto a defender a teoria de Calmon de Passos poderia lembrar que, para ele, a vontade estaria apartada da execução apenas nos atos processuais, que são aqueles regidos apenas por normas processuais. E que, exatamente por isto, um exemplo como o dos crimes permanentes não poderia ser invocado para desautorizá-lo, já que eles são regidos por normas de direito material.

De fato, Calmon de Passos quer sustentar que apenas no ato processual a vontade estaria apartada da execução do ato. E ele fala claramente em “exclusão da vontade como requisito do ato processual[33].

Neste caso, porém, estaria sendo invocada a incidência de um erro lógico. Pois qualquer espécie de ato jurídico, seja processual ou não, não pode ter uma estrutura analítica diferente dos atos humanos em geral. Sob as lentes da lógica, a estrutura essencial de um conceito genérico se repete necessariamente nas espécies[34].

Se os atos processuais são uma espécie na categoria genérica dos atos humanos, a relação entre eles é de conteúdo-continente – onde os atos processuais são uma parte dos atos humanos.

Um conceito específico se diferencia de seus congêneres por características adicionais, que se somam às características genéricas, e não por heterogeneidade. É nada menos que uma impossibilidade lógica que a estrutura essencial genérica não esteja também presente nas espécies. Se os atos jurídicos – materiais ou processuais – são uma espécie do gênero atos humanos, eles necessariamente possuem a mesma estrutura genérica. Ou seja, propor que a vontade esteja separada da execução apenas nos atos processuais é uma impossibilidade lógica. Se um ato humano não pode ser pensado fora de sua execução, assim também será para os atos jurídicos, em qualquer de suas espécies – trate-se de ato processual ou de qualquer outra espécie.

Crer na possibilidade de uma teoria geral para os atos processuais distinta de uma teoria geral dos atos jurídicos é um erro formal que ignora a verdade lógica de que o gênero ocorre nas espécies[35]. Acaso se pretenda lógica, qualquer teoria sobre os atos processuais deve necessariamente se submeter à teoria dos atos jurídicos e, em último nível, a uma teoria das ações humanas em geral. É da teoria formal que se extrai a impossibilidade de que a estrutura essencial dos atos humanos, e a dos atos jurídicos, enquanto classes genéricas, não componha também a estrutura essencial dos atos processuais, enquanto espécie.

Esclarecidas as razões formais que evidenciam os equívocos da teoria examinada de Calmon de Passos, o que resta é uma aparente predisposição para subtrair a priori os atos processuais do sistema geral de nulidades por vícios de vontade. Como indício desta predisposição, está a sua afirmação de que afastar os atos processuais do sistema de nulidades por vício de vontade seria uma “simplificação”[36], um argumento de conveniência cujo descabimento é autoevidente.

6  CONCLUSÃO

Calmon de Passos considerou que a norma processual regula a tipicidade e que tipicidade é forma de execução de atos. E daí concluiu, erroneamente, que a norma processual apenas alcançaria a execução de atos. Ou seja, a falsa crença na separação entre vontade e execução do ato possibilitou-lhe a crença de que a norma processual só alcançaria a execução do ato e que o determinante para caracterizar o ato processual estaria no tratamento que a norma dá à vontade. Mas, constatada a impossibilidade de uma vontade “antes e fora” do ato, percebe-se a insustentabilidade das especialidades que Calmon de Passos atribui aos atos processuais. E assim se constata, por principal, que a falsa crença de que apenas no ato processual a vontade do agente não teria relevância para a norma conduziu Calmon de Passos à falsa conclusão de que apenas o ato processual poderia ser regulado por normas de direito processual.

Estas falsas conclusões são a causa do erro que maior peso tem na teoria de Calmon de Passos, já que ela se proporia a contribuir para o tratamento das nulidades processuais. Acreditando que a vontade poderia não pertencer à execução do ato, e que a norma processual só alcançaria a execução do ato, Calmon de Passos alcançou a errônea conclusão de que os atos processuais não seriam formalmente alcançáveis pelo sistema de nulidades por vícios de vontade. Comprometido com erros de base, Calmon de Passos acabou chegando ao erro que compromete parte significativa de sua teoria.

No que toca à abrangência do sistema de nulidades por vícios de vontade, a conclusão a que se deve chegar é que nada há na teoria formal que dele exclua a priori os atos processuais. Mas essa conclusão é exatamente o oposto daquela afinal atingida por Calmon de Passos.

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TELLO, Antonio Eduardo Embid, La libertad de investigación científica: una interpretación integrada de sus dimensiones subjetiva y objetiva, Valencia, Tirant lo Blanch, 2017.

Notas de Rodapé

[1]     Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae-IGC, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito Público pela UNIFRAN. Especialista em Direito Processual pela PUC-MG. Professor Universitário na Graduação em Direito (FACICA e UNILAVRAS) e na Pós-Graduação (UEL e ABDConst). Advogado. E-mail: denilsonteixeira@adv.oabmg.org.br, https://orcid.org/0000-0002-1835-761X

[2]     Doutorando em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP. Professor da Graduação em Direito na FADIVA. Promotor de Justiça – MPMG. E-mail: fernandomunizmp@hotmail.com, https://orcid.org/0009-0008-1190-5936.

[3]     GONÇALVES, Aroldo Plínio, Nulidades no processo, Rio de Janeiro, Aide, 2000, p. 25.

[4]     O presente artigo considera apenas a teoria exposta em: PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002.

[5]     PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 53.

[6]     Para a conclusão de que são três as características que a definição apresenta, é decisiva a seguinte afirmação de Calmon de Passos: “O ato, para ser entendido como ato processual, não somente deve ser um ato integrante do conjunto de atos que constituem o processo e com eficácia para o processo, mas também uma terceira exigência se deve somar às duas precedentes – sendo ato do processo e com efeitos no ou para o processo, ele também deve ser ato que só no processo pode ser praticado” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 43).

[7]     PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 44.

[8]     PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 50-51.

[9]     Ver, por exemplo: PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 45-51.

[10]    V.g.: CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el processo penal. Tradução ao espanhol Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: Librería El Foro, 2002. vol. III y IV, p. 9; 70; DEZEM, Guilherme Madeira. Da prova penal: Tipo processual, provas típicas e atípicas. Campinas: Millennium, 2008, p. 35-37; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 636; ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Tradução ao espanhol Gabriela E. Córdoba y Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2000, p. 173.

[11]    Vide artigos 110 e 313, do CPC brasileiro.

[12]    Vide artigo 360, do CPP brasileiro.

[13]    “Os atos que compõem o processo são atos que produzem efeitos de direito (são atos jurídicos, portanto) mas efeitos específicos, no que se distinguem no gênero ‘atos jurídicos’, donde receberem a particular denominação de atos processuais.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 43).

[14]    SALAZAR, Luis Manuel Marcano. La investigación jurídica: herramientas para la realización del trabajo intelectual del abogado. Santiago: Ediciones Olejnik, 2019, p. 39-40.

[15]    TELLO, Antonio Eduardo Embid. La libertad de investigación científica: una interpretación integrada de sus dimensiones subjetiva y objetiva. Valencia: Tirant lo Blanch, 2017, p. 71.

[16]    TELLO, Antonio Eduardo Embid, La libertad de investigación científica: una interpretación integrada de sus dimensiones subjetiva y objetiva, Valencia, Tirant lo Blanch, 2017, p. 72.

[17]    TELLO, Antonio Eduardo Embid, La libertad de investigación científica: una interpretación integrada de sus dimensiones subjetiva y objetiva, Valencia, Tirant lo Blanch, 2017, p. 15.

[18]    “o direito processual é mais que disciplina de forma, é também regulamentação de atividade, e de uma atividade específica, que se traduz em atos marcados também por esta especificidade: exercício da pretensão à prestação da atividade jurisdicional para fins de tutela jurídica, com entrega, pelo Estado, da correspondente prestação.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 50. Ver também p. 75-88).

[19]    “os atos regulados pelo direito processual são atos processuais. Sem essa peculiaridade, o ato, ainda quando praticado no processo, não é ato processual, mesmo quando produzindo efeitos mediatos no processo.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 50).

[20]    “Se todos os problemas jurídicos decorrentes desse mandato serão tratados como seriam se tivesse ele sido formalizado antes e fora do processo, não conseguimos entender o por que se torna ato processual e não um negócio jurídico de direito material em tudo igual a todo e qualquer contrato dessa natureza.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 50).

[21]    PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 51-52.

[22]    PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 52.

[23]    PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 53-64.

[24]    É impossível, ele diz, “dissociar-se a conduta do homem de um ato de vontade que a ela se vincula (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 67). Em outras oportunidades: “É exato que inexiste ação sem vontade ou vontade sem ação. Ação sem volição ou volição sem ação é inconcebível” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 57); e “nenhum fenômeno jurídico é possível dissociado do querer do homem, de sua vontade” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 28 e p. 67). Sobre a inexistência: “é inexistente o ato praticado com absoluta ausência de vontade. Ato, a própria palavra o indica, é ação, é atividade voluntária. A vontade é um elemento constitutivo do ato e vital para ele. Sem vontade inexiste ato. E se os desvios ou vícios da vontade são irrelevantes, normalmente, para o direito processual, a absoluta ausência de vontade não poderá sê-lo. A vontade é o núcleo de todo o jurídico. Se a vontade falta, não se tem um ato, mas simplesmente uma aparência de ato.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 102).

[25]    “não é a qualidade do sujeito que empresta à atividade o característico de fato ou de ato processual, sim a relevância que a lei atribui ao elemento volitivo. Se estamos em face de ação humana à qual a lei associa conseqüências jurídicas, sem indagar da vontade que a motivou, poderemos falar de ato-fato ou simplesmente de fato jurídico processual, mas ainda quando denominemos esse acontecimento de ‘fato’ ele, em verdade, é um ato” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 65).

[26]    “se determinado ato, mesmo com efeitos no processo e ainda quando praticado no processo, submete-se a tratamento dogmático especificamente elaborado para outras espécies de atos jurídicos, deve-se negar a esse ato a natureza de ato processual” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 49). É interessante que Calmon de Passos tenha atribuído caráter decisivo à característica da irrelevância da vontade perante à norma para a caracterização do ato processual, já que vez ou outra ele deixa transparecer alguma insegurança ao citá-la: “A vontade e a causa, normalmente, são irrelevantes em matéria de atos processuais.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 53); e “[...] se os desvios ou vícios da vontade são irrelevantes, normalmente, para o direito processual, a absoluta ausência de vontade não poderá sê-lo.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 102). Como ele não explica o uso do advérbio – “normalmente” – fica sugerida certa hesitação em comprometer-se definitivamente com a tese.

[27]    Calmon de Passos utiliza vários termos para se referir à execução do ato: “estrutura executiva” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 35); “materialidade executiva”, “constituição executiva”, “estrutura material” e “conduta” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 109).

[28]    “A vontade está fora e antes da constituição executiva, da estrutura material do ato” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 109).

[29]    V.g.: “A vontade (final) e a causa, que não pertencem ao ato processual na sua estrutura autônoma...” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 109).

[30]    SCHELER, Max. Ética: nuevo ensayo de fundamentación de un personalismo ético. Tradução ao espanhol Hilario Rodriguez Sanz. Buenos Aires: Revista de Occidente, 1948, Tomo I, p. 111.

[31]    O que determina a existência de uma parte é a possibilidade de que seja discernida por si. Segundo Edmund Husserl, a condição de parte de um todo depende de que o conteúdo possa ser discernido por si. Parte é o conteúdo que se pode identificar (discernir, notar) por si, e que se enlaça a outros conteúdos para formar um todo mais amplo (HUSSERL, Edmund. Investigaciones lógicas. Tradução ao espanhol Manuel G Morente y José Gaos. Madrid: Alianza Editorial, 1985, Tomo II, p. 388-389).

[32]    Dentre outros, ver: CARO, Mario de. Azione. Bologna: Il Mulino, 2008; MISES, Ludwig Von. Ação humana: um tratado de economia. Tradução Ana Parreira. 2. ed. Campinas: Vide Editorial, 2020; NINO, Carlos S. Introducción a la filosofía de la acción humana. Buenos Aires: Eudeba, 1987; PARSONS, Talcott. La estructura de la accion social. Tradução ao espanhol Juan Jose Caballero e Jose Castillo Castillo. Madrid: Guadarrama, 1968.

[33]    PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 63.

[34]    A respeito, dentre outros, ver: DAHLBERG, Ingetraut. Fundamentos teórico-conceituais da classificação. Revista de Biblioteconomia de Brasília. Brasília, v. 6, n. 1, jan./jun. 1978; FERNANDEZ, Rosali P. Classificação – Um Processo Fundamental da Natureza Humana. Conferência Brasileira de Classificação Bibliográfica. Rio de Janeiro, 12-17 de setembro de 1972. Anais. Brasília, IBICT/ABDF, 1979; MARITAIN, Jacques. Lógica menor. Trad. Ilza das Neves. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1972; em especial, p. 53.

[35]    Eis a síntese da incidência de Calmon de Passos no erro formal em destaque: “Há uma teoria geral dos atos processuais, distinta da aplicável aos atos de direito material ou de atos processuais não se deve cogitar.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 53). Este é mais um ponto em que Calmon de Passos incide num prejuízo comum aos juristas, que é acreditar que as construções da dogmática jurídica não carecem de apoio externo. No ponto, a lógica teria sido suficiente para desautorizar o argumento.

[36] “ A exclusão da vontade (final) como requisito do ato processual representa, como Redenti soube ver, uma enorme simplificação do mecanismo do processo. Se para cada ato processual se admitisse uma indagação a respeito da correspondência dos efeitos com a intenção e sobre a formação da vontade interior, o processo não se desenvolveria de modo satisfatório, em termos de duração.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 63).