Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro: Reflexões sobre a Responsabilidade Civil do Administrador de Grupos em Aplicativos de Troca de Mensagens

DOI: 10.19135/revista.consinter.00013.19

Recebido/Received 29.04.2021 – Aprovado/Approved 23.07.2021

Renata Peruzzo[1] – https://orcid.org/0000-0001-7259-3923

E-mail: reperuzzo@hotmail.com

Eugênio Facchini Neto[2] – https://orcid.org/0000-0001-9978-886X

E-mail: eugenio.facchini@pucrs.br

Resumo

A evolução das relações sociais traz, dentre outros, o desafio de pensar a responsabilidade civil do administrador de grupos de aplicativos de troca de mensagens pelas manifestações dos seus integrantes. Em nosso direito, a regra é a responsabilidade por ato próprio, sendo exceção a responsabilidade civil por ato de outrem. Assim, cabe questionar se a função do administrador de grupos de troca de mensagens se amolda a alguma das hipóteses previstas em lei. Em sendo positiva a resposta, em qual das exceções o administrador de grupo de aplicativo de troca de mensagem se encaixa? Em sendo negativa, questiona-se se há um dever de moderar as manifestações. Considerando ambas as hipóteses, questiona-se se há limites para essa responsabilidade, decorrentes, por exemplo, da liberdade de expressão. Analisadas essas questões com base em pesquisa bibliográfica acerca do tema, legislação e jurisprudência pertinente, conclui-se que a responsabilidade civil do administrador de grupo de aplicativo de troca de mensagens é por ato próprio, subjetiva e não conflita com a liberdade de expressão. O tema é abordado mediante uso do método dialético. No que se refere ao procedimento, usou-se a pesquisa bibliográfica acerca do tema, incluindo-se análise da jurisprudência pertinente.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Fato de outrem. Ato próprio. Administrador de grupo. Liberdade de expressão.

Abstract

The evolution of social relations brings, among others, the challenge of thinking about the civil liability of the administrator of groups of applications for exchanging messages for the manifestations of its members. In our law, the rule is liability for its own act, with the exception of civil liability for the act of another. Thus, it is necessary to question whether the role of the administrator of message exchange groups is in addition to any of the hypotheses provided for by law. In being positive, which of the exceptions does the message exchange application group administrator fit into? In being negative, one wonders whether there is a duty to moderate the manifestations. Considering both hypotheses, there are limits to this responsibility established, for example, by freedom of expression? Analyzing these questions based on bibliographic research and pertinent jurisprudence, it is concluded that the civil liability of the group administrator of the application group of exchange of messages is by his own, subjective action and does not conflict with freedom of expression. The subject is approached using the dialectical method. With regard to the procedure, bibliographic research on the subject was used, including the analysis of relevant precedents.

Keywords: Tort. Vicarious liability. Direct liability. Whatsapp. Group administrator. Freedom of expression.

Sumário: Introdução. 1. A responsabilidade civil pelo fato de outrem: o fundamento e as hipóteses legais. 1.1. Os fundamentos da responsabilidade civil pelo fato de outrem. 1.2. As hipóteses de responsabilidade civil por fato de outrem previstas no art. 932 do Código Civil. 2. A responsabilidade civil dos administradores de grupos em aplicativos de mensagens. 2.1. A figura do administrador de grupo de aplicativo de troca de mensagens e suas “atribuições”. 2.2. Moderação em grupo de aplicativo de troca de mensagens e liberdade de expressão. 3. Considerações finais. Referências.

Introdução

A vida em sociedade exige dos indivíduos adaptação a restrições impostas pela necessidade de respeito mútuo. Os romanos, através da pena de Ulpiano, já haviam expressado isso através da conhecida fórmula que resumia os princípios fundamentais de justiça: honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere. Embora o primeiro e o terceiro desses princípios fossem vagos – qual o preciso significado de viver honestamente e o que deve tocar a cada um? –, o segundo princípio, também conhecido pela fórmula alternativa alterum non laedere, sempre teve importância prática ao longo da história da humanidade.

Ao preceito ético de que não se deve lesar alguém, correspondeu, desde a antiguidade, o comando jurídico de que o violador desse preceito devesse enfrentar consequências jurídicas. No campo do direito privado, uma dessas consequências consiste no dever de reparar os danos infligidos a outrem, embora as condições ou pressupostos para que isso ocorresse tenham variado no tempo.

No quesito “quem é o responsável?”, passou-se de uma responsabilização (ou vingança) coletiva, para uma responsabilidade direta e individualizada, chegando-se à atual responsabilidade complexa (por ato próprio, pelo ato/fato de outrem, pelo fato das coisas e dos animais, e algumas hipóteses de responsabilidade socializada).

No campo dos “fundamentos da responsabilidade”, passou-se de uma responsabilidade objetiva (antes da elaboração do conceito de culpa) para uma responsabilidade subjetiva, até desembocar na atual responsabilidade mista, reservando-se espaço para ambos os fundamentos.

Quanto ao tema das “funções da responsabilidade civil”, passou-se de uma função substancialmente punitiva (já que não havia diferença entre a responsabilidade civil e a penal, pois no direito romano clássico, a poena privata tinha o mesmo caráter punitivo que a poena publica[3]) a uma função reparatória, chegando-se à atual função mista, em que à função substancialmente reparatória/compensatória, agregam-se funções dissuasórias, preventivas e, em alguns casos e em certos países, punitivas.

No que se refere aos “tipos de danos indenizáveis”, passou-se de uma responsabilização substancialmente restrita aos danos materiais ou patrimoniais, para uma responsabilização abrangente de danos imateriais ou extrapatrimoniais, comportando danos morais puros (relacionados à dor, sofrimento, angústia, humilhação, etc.) mas também danos não necessariamente ligados a esses sintomas e emoções, como é o caso dos danos resultantes da violação dos direitos da personalidade (imagem, privacidade, honra, etc.) e lesões à pessoa humana (integridade psicofísica, moral e espiritual). Concretizando algumas dessas facetas, surgiram espécies de danos com ares de autonomia, como danos estéticos, danos psíquicos, e mais recentemente, danos existenciais, danos ao projeto de vida e outros.

O tema que escolhemos para esse artigo – existência ou não de responsabilidade civil do administrador de grupos de aplicativos de troca de mensagens sobre o conteúdo compartilhado e as manifestações dos seus integrantes – guarda relação com duas dessas evoluções: a questão da figura do responsável e a questão dos danos indenizáveis, como será visto no decorrer do trabalho.

Sobre tal potencial responsabilidade, inexistem normas legais específicas em nosso ordenamento jurídico. Trata-se de mais um impacto da tecnologia sobre o direito. A sociedade evolui num ritmo que não pode ser acompanhado pelo legislador. Novas tecnologias acarretam novos problemas e potenciais danos. Paralelamente, a sociedade igualmente vai alterando seus valores, passando a valorizar certos aspectos que em tempos anteriores eram indiferentes, como ocorreu com o direito à imagem e à privacidade. Assim, em um primeiro momento, novos problemas, como esse que abordaremos, deverão ser solucionados à luz de categorias mais genéricas da dogmática jurídica, rejeitados, porém, os achismos e voluntarismos jurídicos.

Sendo assim, partindo da lógica do sistema, segundo a qual, como regra, cada um responde pelos danos que causar e não responde pelos atos danosos de outrem, cabe questionar se a função do administrador de grupos de troca de mensagens se amolda a alguma das exceções previstas em lei ou admitidas pela dogmática jurídica. Caso a resposta seja negativa, o questionamento passa a ser se há um dever geral de moderar conteúdos, imposto ao administrador desses grupos. Considerando ambas as hipóteses, questiona-se se há limites para essa responsabilidade, derivados, por exemplo, da liberdade de expressão, importante direito fundamental que sempre há de ser levado em consideração, já que todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas em conformidade com os princípios e valores constitucionais.

A relevância do tema decorre da rapidez com que novas formas de comunicação surgem com o avanço da tecnologia, sobretudo em contexto de pandemia, em que a comunicação digital se tornou mais presente, substituindo, para boa parte da população, a comunicação presencial. À medida que diminuíram os encontros reais, mais e mais pessoas migraram para o universo digital, aumentando enormemente o número de grupos criados no ciberespaço. Nesses ambientes, que muitas vezes envolvem pessoas com posicionamentos ideológicos, religiosos, políticos, diversos, bem como de diferentes níveis educacionais, muitas vezes o tema suscitado por alguém se revela polêmico, permitindo abordagens diversas, conforme a orientação de cada um. Daí a excessos de linguagem, xingamentos, ofensas pessoais, manifestações de posicionamentos racistas, homofóbicos, xenofóbicos ou qualquer outra forma de intolerância frente a grupos diversos, minoritários ou não, o passo é pequeno. Não há dúvida de que o autor desses abusos pessoalmente poderá ser responsabilizado pelas suas manifestações. A dúvida, a ser enfrentada nesse artigo, diz respeito à potencial responsabilidade também do criador e administrador desses grupos.

A presente pesquisa tem o objetivo de analisar essas questões à luz sobretudo do ordenamento jurídico brasileiro, sem qualquer pretensão de esgotar o tema. Almeja-se apenas suscitar reflexões aparentemente necessárias, com abordagem qualitativa, usando-se o método dialético. No que se refere ao procedimento, usou-se a pesquisa bibliográfica acerca do tema, incluindo-se análise da jurisprudência pertinente.

1 A responsabilidade civil pelo fato de outrem: o fundamento e as hipóteses legais

Dentro da teoria da responsabilidade civil, como referido, a ideia originária era no sentido de que uma pessoa só poderia ser responsabilizada pelos seus próprios atos danosos. A responsabilidade, portanto, seria direta, pessoal. No desenvolvimento da teoria, passou-se à ideia da responsabilidade indireta ou complexa. Ou seja, constatou-se que era possível alguém vir a ser civilmente responsabilizado pelos atos praticados por outra pessoa, a quem fosse ligada de alguma forma. Essa evolução ocorreu para que se pudesse garantir às vítimas dos danos a possibilidade efetiva da reparação dos prejuízos sofridos.

Chapus, citado por Alvino Lima[4], afirma que “a responsabilidade civil pelo fato de outrem se verifica todas as vezes em que alguém responde pelas consequências jurídicas de um ato material de outrem, ocasionando ilegalmente um dano a terceiros”. No mesmo sentido posiciona-se Eugenio Bonvincini[5], ao sustentar que “ogni volta che la legge rende un soggetto responsabile per il danno cagionato da altri individui, tale responsabilità si definisce indiretta, e secondo alcuni, anche quando il danno è cagionato da cose od animali”.

De nossa parte, achamos mais precisa a concepção exposta por Janine Ambialet[6], no sentido de que uma pessoa é responsável pela atividade danosa de outra quando nenhuma culpa pode ser-lhe atribuída. De fato, se uma culpa pudesse ser-lhe imputada, essa pessoa seria obrigada a reparar um dano sofrido por outra, mas isso ocorreria em razão de sua própria culpa, por sua contribuição causal culposa. Em suma, diz a autora, não há responsabilidade indireta sempre que uma pessoa repara um dano causado por outra, mas apenas quando uma pessoa repara as consequências da culpa exclusiva de outrem.

A ideia de alguém responder por atos danosos praticados por outrem, porém, não é nova. Ao contrário, é vetusta, estando em harmonia com uma organização muito sólida dos agrupamentos sociais. Em épocas mais remotas, o grupo, o clã, a tribo, a família, ao absorver a individualidade de seus membros, tornava-se responsável em sua generalidade, ao menos pelas infrações mais sérias cometidos por um deles: a obrigação do pagamento do wergeld (dinheiro do sangue) é uma obrigação que pesa solidariamente sobre a família.

A noção já era conhecida em Roma, onde os escravos e os filhos eram civilmente responsáveis pelos danos por eles causados. Todavia, como os escravos e os filhos nada possuíam, era inevitável que a condenação pronunciada contra eles se refletisse sobre seus donos ou pais[7].

À medida que a organização da família se debilita, porém, vê-se desaparecer a responsabilidade do grupo[8].

No direito brasileiro anterior ao Código Civil, a responsabilidade pelo fato de outrem devia necessariamente resultar da culpa, ‘in eligendo’ ou ‘in vigilando’, como informava Vicente Ráo[9], esclarecendo que ela abrangia “os pais, tutores, curadores, procuradores, enfim, os representantes legais e os convencionais”.

O novo Código Civil não inovou substancialmente no tratamento da matéria relativa à responsabilidade civil indireta, como se vê claramente do cotejo do art. 1.521 do CC/1916 com o art. 932 do CC/2002. A inovação formal consiste em passar-se a reconhecer que se trata de responsabilidade objetiva, independente de culpa, como expressamente refere o art. 933 do vigente Código.

1.1 Os Fundamentos da Responsabilidade Civil Pelo Fato de Outrem

Na vigência do Código Civil de 1916, a responsabilidade civil pelo fato de outrem, regulada pelo art. 1.521 e seguintes, exigia a configuração da culpa do responsável, como se viu, salvo na hipótese de quem gratuitamente participara dos produtos do crime[10]. Daí a relevância da presença de culpa in vigilando ou culpa in eligendo, que doutrina e jurisprudência consagraram como sendo presumida nos casos previstos no art. 1.522 do CC/1916[11]. Com isso, competia àquele a quem se imputava a responsabilidade a prova de que não incorreu em culpa[12].

No Código Civil de 2002, lado outro, a regra legal é expressa no sentido de ser objetiva a responsabilidade civil pelo fato de outrem e sem exceção[13]. Ou seja, o fundamento para a responsabilidade civil nas hipóteses previstas no art. 932 deixou de ser a culpa e passou a ser o risco (normalmente risco-proveito) como no caso da responsabilidade do empregador ou comitente pelo fato do empregado ou preposto[14], ou a ideia de garantia, como no caso da responsabilidade dos pais, tutores ou curadores por atos do filho menor, tutelado ou curatelado.

1.2 As Hipóteses de Responsabilidade Civil por Fato de Outrem Previstas no art. 932 do Código Civil

Consoante mencionado, a responsabilidade civil exige, em regra, um nexo de causalidade direto entre o dano e uma ação ou omissão do responsável, além de um nexo de imputação, ou seja, uma razão jurídica para se atribuir a alguém o dever de reparar o dano (que poderá ser a culpa, o risco ou a ideia de garantia). O legislador fixa de forma genérica esse dever de reparar danos, quando se trata de responsabilidade por atos próprios, como se percebe da leitura da cláusula geral do art. 186 do CC, cuja vagueza tem o mérito de abarcar um conjunto desmesurado de situações dentro daquela moldura, permitindo a ampliação da responsabilidade civil sem necessidade de alteração do texto, como demonstrou a bicentenária história do art. 1382 do Código Civil francês (conteúdo deslocado para o art. 1240 daquele código, pela reforma de 2016), que lhe serviu de inspiração.

Todavia, no que tange à reponsabilidade civil por ato de terceiro, não há um princípio geral, extraindo-se, as hipóteses em que isso ocorre, do texto legal[15]. Ou seja, como já adiantado, a regra é que cada um responda pelos danos que decorram de suas ações ou omissões, sem responder pelos atos danosos praticados por outras pessoas, como parentes, condôminos, concidadãos etc. A essa regra, porém, correspondem algumas exceções que são expressamente previstas na lei. No Código Civil vigente, tais hipóteses estão consagradas no art. 932, que, nesse aspecto, reproduz o elenco de responsáveis já previsto no código anterior, dentre os quais não consta o administrador de grupo em aplicativos de troca de mensagens – até porque essa figura inexistia quando da elaboração do código civil.

Uma rápida análise das hipóteses previstas em lei permitirá vislumbrar que não há espaço para a inclusão de tal figura entre as hipóteses excepcionais previstas pelo legislador, até porque, em se tratando de hipóteses de exceção, não podem ser aplicadas ampliativamente ou analogicamente.

A primeira hipótese de responsabilidade civil pelo fato de outrem se encontra no inc. I do art. 932 do Código Civil. Trata-se da responsabilidade civil dos pais pelos danos causados por seus filhos menores (de dezoito anos), que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

Sobre a responsabilidade civil do tutor e do curador pelos pupilos e curatelados, prevista no inc. II do art. 932 do Código Civil, dá-se nos mesmos termos da responsabilidade dos pais pelos filhos menores, ou seja, respondem se o evento danoso ocorrer enquanto o menor ou incapaz estiver sob sua tutela ou curatela.

Já a responsabilidade civil do empregador ou comitente, por seus empregados e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, merece maior atenção. Isso porque, das hipóteses de responsabilidade por fato de outrem vistas até agora, é a que potencialmente poderia, diante de sua maior amplitude, viabilizar a responsabilidade do administrador de um grupo de aplicativo de troca de mensagens, especialmente diante do emprego do vocábulo “preposto” ali empregado, que carrega consigo uma indeterminação semântica, indo muito além da relação de emprego. Essa modalidade de responsabilidade civil está prevista no inc. III do art. 932 do Código Civil, que substancialmente reproduz a previsão do art. 1.521, III, do Código civil de 1916. Assim, a lição de Alvino Lima[16], à luz do velho código, permanece atual, quando ele refere que dois são os elementos da relação de preposição: “1º) o direito do comitente, em geral de dar ordens ao seu preposto; 2º) o exercício de uma função determinada por parte do preposto e por conta de quem exerce a autoridade”.

Costuma-se definir tal vínculo de subordinação entre preponente e preposto como o direito (ou o poder) daquele de dar ordens e instruções a este sobre a maneira de executar as funções que lhe foram designadas. Tal vínculo, todavia, pode derivar também de uma situação de fato e não somente de uma relação jurídica. É o que afirmam Mazeaud-Tunc[17]: “desde o instante en que una persona derive de una situación de derecho o de hecho el poder de dar órdenes a otra, posee el caráter de comitente, use o no use de ese poder”.

Na tentativa de precisar as noções acima expostas, afirma-se que o poder de direção se compõe de dois elementos: (1) fixar ao preposto uma meta, um objetivo; (2) fixar os meios que ele deve empregar para atingir tal objetivo[18].

Ou seja, a responsabilidade civil do empregador ou comitente se dá em uma relação de verticalidade e não de horizontalidade, o que em princípio afastaria a caracterização do administrador do grupo como um preponente.

A responsabilidade civil dos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos é a previsão do art. 932, IV, do CC, obviamente não contemplando a situação que estamos a examinar.

Por fim, há a hipótese de responsabilidade civil daqueles que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia, igualmente inaplicável à espécie.

Pois bem. Por se tratar de esfera de exceção, os textos legais comportam apenas interpretação restritiva, como é lição tradicional, em nosso país e fora daqui. Nesse sentido é unânime a doutrina, como se vê dos seguintes doutrinadores: Mazeaud-Tunc[19], Planiol & Ripert[20], M. A. Sourdat[21], Serpa Lopes[22], dentre inúmeros outros.

Assim, fora dos casos expressamente previstos na lei, uma pessoa somente poderá ser responsável pelos atos de outra pelo regime comum, ou seja, da culpa provada. É este princípio que impede seja o marido responsabilizado pelos atos da mulher, no direito brasileiro, ou que o filho maior de idade seja chamado a indenizar atos danosos praticados por seu pai, ainda que o tenha sob sua dependência econômica e residindo consigo, bem como do pai pelos atos danosos praticados por seu filho maior de idade, mesmo que continue a residir com seus pais e deles dependa economicamente.

Assentado, portanto, inexistir base legal explícita para a responsabilização do administrador de grupo de whatsapp pelas postagens com potencial danoso feitas por integrantes do grupo, há que se analisar se e em que situações poderá haver hipótese de responsabilidade por ato próprio que possa alcançá-lo.

2 A responsabilidade civil dos administradores de grupos em aplicativos de mensagens

Expostos alguns dados e conceitos essenciais envolvendo a temática da responsabilidade civil pelo fato de outrem, é chegada a hora de analisar onde se enquadra a responsabilidade civil do administrador do grupo de aplicativo de troca de mensagens.

Para tanto, mais algumas definições são necessárias à compreensão das questões a seguir referidas.

Disponíveis no mercado digital, há vários aplicativos de troca de mensagens, como Whatsapp – considerado um dos principais aplicativos dessa natureza[23] –, o Messenger, vinculado a uma conta à rede social Facebook, o Telegram, o Hangouts, o Signal, o Blip[24], alguns com opções de troca de mensagens em grupo, inclusive permitindo conversas entre até mil pessoas[25].

Referidos aplicativos constituem relevante ferramenta das liberdades comunicativas, cujo acesso tornou-se um dos “mais elementares direitos civis e políticos objeto de tutela” no mundo inteiro[26], fazendo parte de uma infraestrutura que garante o exercício da liberdade de expressão[27].

Apesar da importância de tais aplicativos, a experiência demonstra que seu uso equivocado pode acarretar danos, razão pela qual passa-se, agora, a dedicar um olhar mais atento sobre algumas das implicações jurídicas envolvendo essas tecnologias.

2.1 A Figura do Administrador de Grupo de Aplicativo de Troca de Mensagens e Suas “Atribuições”

Criar grupo em um aplicativo de troca de mensagens é uma providência relativamente simples, acessível a quem quer que tenha em mãos o aparelho de telefonia celular com o aplicativo correspondente instalado. A partir daí, basta ter os contatos ou números de telefones que também possuam conta no mesmo aplicativo para reuni-los e iniciar o bate-papo coletivo[28]. Há políticas de privacidade nesses aplicativos, que permitem, por exemplo, escolher quem poderá providenciar a inclusão do usuário em grupo do aplicativo – qualquer dos seus contatos, ou somente aqueles que o administrador indicar[29]. Guardadas as peculiaridades inerentes a cada aplicativo, em simples palavras é assim que funciona.

A figura do administrador de grupo surge diretamente vinculada àquele que o cria, ou seja, origina-se da ação de selecionar os contatos e reuni-los em um grupo. A partir da criação do grupo, é possível atribuir a mais membros a função de administrador, bem como estabelecer a formatação do grupo – este pode ser restrito a envio de mensagens por parte do administrador, inviabilizando, então, troca efetiva de mensagens entre os participantes. E é o administrador quem tem condições técnicas de adicionar ou excluir membros, dissolver o grupo – são os poderes de “gestão da ferramenta[30]. Pode-se, a partir daí, pensar no administrador do grupo como um moderador.

Nesse período de pandemia, em que boa parte das relações sociais deixou de ser presencial e migrou para o mundo virtual, houve a potencialização do uso de tais aplicativos, inclusive naquelas relações de emprego e de ensino que passaram a ser desenvolvidas remotamente. Então, atividades antes realizadas presencialmente sob a gerência ou supervisão de um chefe, um coordenador, um professor, passaram a ser realizadas pelas plataformas digitais. E não parece haver dificuldade em transpor do plano físico para o virtual a autoridade (e, portanto, o poder-dever) do chefe, coordenador ou professor frente aos seus subordinados ou alunos. Aqui a relação de verticalidade é clara, ou aparenta sê-lo.

Mas será que seria possível dizer o mesmo na relação que se desenvolve em grupos de aplicativos de mensagens formados por indivíduos que se reúnem por afinidade ou interesse em comum, em uma relação estritamente horizontal?

Pode-se aventar a hipótese de que se o administrador do grupo em um aplicativo de troca de mensagens se mantém nessa qualidade, assume para si a função de moderador, ou seja, assume a função de avaliar se a conduta dos participantes está em conformidade com as regras de boa convivência e decidir, a partir daí, sobre a permanência ou exclusão tanto da postagem quanto do próprio participante, ou até mesmo extinguir o grupo, segundo entende parte da doutrina[31].

Consequentemente, nessa hipótese, pode-se falar em responsabilidade do administrador de grupo por omissão caso deixe de “moderar” as condutas dos demais integrantes. Será, no entanto, responsabilidade civil por fato próprio e não por fato de terceiro, perfeitamente enquadrada no disposto no art. 186 do Código Civil. E essa responsabilidade civil é subjetiva. Afinal, as hipóteses de responsabilidade civil por fato de terceiro são aquelas previstas no art. 932 do Código Civil e a situação ora descrita não se amolda em nenhuma delas, nem mesmo na hipótese prevista no inc. III do art. 932 do Código Civil.

Estabelecida a responsabilidade civil por ato próprio do administrador de grupo de aplicativo de troca de mensagens, justifica-se a afirmação de que o nexo de imputação é a culpa e não o risco, nem a ideia de garantia.

Com efeito, não há relação de consumo entre os participantes, o que afasta as hipóteses de responsabilidade objetiva previstas nos arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. E não há, na administração de um grupo em aplicativo de troca de mensagens, atividade de risco a atrair o disposto na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil[32], outra hipótese legal de responsabilidade civil objetiva. Não obstante constitua cláusula geral de responsabilidade objetiva, essa norma legal “dirige-se simplesmente às atividades perigosas, ou seja, às atividades que apresentam grau de risco elevado” seja por envolverem substâncias ou atividades inerentemente perigosas (material radioativo, explosivos, manipulação de energia nucelar etc.)[33].

A consequência de ser, a responsabilidade civil do administrador de grupo de aplicativo de troca de mensagens, subjetiva, por ato próprio, com fundamento no art. 186 e caput do art. 927 do Código Civil, reside, portanto, na necessidade de identificação de uma ação ou omissão voluntária e culposa que contribua para o surgimento de um dano[34].

Pode-se afirmar, pois, que o administrador de um grupo, por possuir a função de moderador, tem o dever de agir (intervir) quando a ferramenta de comunicação estiver sendo utilizada por outro integrante como instrumento de violação de direitos. Em não intervindo para fazer cessar a violação, presentes os demais elementos da responsabilidade civil, estará configurada a sua responsabilidade por omissão. O mesmo acontecerá se intervier de forma insuficiente, ou se aderir, de alguma forma, ao comportamento ilícito. São todas possibilidades de responsabilidade civil por ato próprio e subjetiva.

Está-se, naturalmente, tratando de um dever de agir diante do ato ilícito já praticado por um ou mais integrantes do grupo. Não se visualiza na atribuição de moderador que previna a prática de abuso nas comunicações, o que seria viável apenas se realizasse uma análise prévia de cada pretendida postagem/mensagem. Ressalvados os grupos em que apenas o administrador pode enviar mensagens, cada membro do grupo tem condições de enviar mensagens sem qualquer intervenção prévia por parte do administrador. Assim, o administrador é um moderador, não um censor[35].

Dessa constatação surge a indagação sobre se a moderação do grupo de aplicativo de troca de mensagens pelo administrador conflita, em alguma medida, com a liberdade de expressão? É o que se passa a analisar.

2.2 Moderação em Grupo de Aplicativo de Troca de Mensagens e Liberdade de Expressão

Tema que guarda inevitável conexão com a potencial responsabilidade do administrador do grupo de aplicativo de mensagens diz respeito à liberdade de expressão. De fato, salvo nas hipóteses em que o grupo é formatado para interação sob o comando e supervisão de alguém reconhecido como tendo autoridade para tanto, em razão do vínculo existente entre o administrador e os integrantes do grupo, é possível que se questione a legitimidade de um integrante do grupo, mesmo tendo sido seu criador, regular o comportamento de outro integrante.

Isso porque a plena formação da pessoa depende da viabilização de “uma ‘esfera de discurso público” em que seja garantida a liberdade de manifestação da opinião[36]. De fato, somos indivíduos dotados de autonomia e titulares de uma esfera de exclusividade, com o direito de decidirmos se, quando e como queremos compartilhar algo de nossa vida, com um, alguns, ou todos os membros da sociedade. Mas também somos inerentemente seres sociais, “animais políticos”, dependentes da vivência intersubjetiva para o pleno desenvolvimento de nossas personalidades. “Livre pensar é só pensar”, como nos lembrava a famosa tirada de Millôr Fernandes. Mas isso é obviamente muito pouco, pois, se tivermos ampla liberdade para pensar, mas não pudermos exprimir nossas ideias, seremos sufocados por elas. Precisamos, portanto, do espaço público para compartilhar nossas ideias e assim darmos vazão a quem realmente somos.

Pretende-se que essa liberdade seja exercida igualmente pelos indivíduos, o que não é tão simples quanto poderia parecer, como se percebe da leitura das obras de Owen M. Fiss[37] e José Adércio Sampaio Leite[38], que destacam o respeito à igualdade no acesso à informação como um dos problemas enfrentados no século XXI. Esse problema vem sendo acentuado em face do fenômeno da big data, tratada por algoritmos que permitem identificar perfis dos usuários e agrupá-los em grupos por afinidades ideológicas[39], determinando que notícias circulem em um grupo, mas não em outro[40], criando verdadeiras câmaras de eco, em que seus integrantes recebem apenas as ideias e informações que o algoritmo identifica como relacionadas ao “perfil” daquele usuário.

A isso se alia uma previsível heterogeneidade dos membros dos grupos de whatsapp, o que suscita potenciais conflitos no exercício da liberdade de expressão do pensamento. A heterogeneidade explica a pluralidade de ideias, que, por sua vez, enriquece o debate e fortalece a democracia. Mas tudo isso deve se harmonizar com “a dimensão do outro”, que não apenas legitima como recomenda intervenções sobre a liberdade individual “quando visem a assegurar que todos possam gozar e acessar os espaços destinados ao desenvolvimento da própria personalidade[41]. E é o administrador do grupo de aplicativo de troca de mensagens que se encontra em situação de controle, status não compartilhado pelos demais integrantes do grupo, quem tem condições de trabalhar para preservar a harmonia entre os participantes, dentro do espírito que norteou a criação do grupo.

Parece que um ajuste prévio a esse respeito é perfeitamente viável e recomendado. Aliás, não é incomum que esse ajuste seja feito, sobretudo considerando o alcance e a abertura de muitos desses grupos, reunindo por vezes indivíduos de diversas nacionalidades, convicções ideológicas, filosóficas, religiosas, ou de concepções de vida diferentes, mas que tem algo em comum a ponto de justificar estarem no mesmo grupo. Assim, ao ingressar em determinado grupo, o indivíduo é advertido das regras de conduta, muitas das quais incluem limitações sobre a temática passível de ser abordada no grupo e inclusive sobre a própria conduta. A respeito, um exemplo prático são as regras estabelecidas pelo grupo de jipeiros Clube@Jimny_sc:

BEM VINDO AO JIMNY_SC!!!

PESSOAL POR GENTILEZA SEGUIR AS REGRAS DO GRUPO.

Regras do grupo:

  • Esse grupo é exclusivo para divulgação dos passeios, eventos e parcerias feitas pelo @Jimny_sc.
  • Para eventos não organizados pelo @Jimny_sc, consultar os administradores previamente;
  • É expressamente proibido o envio de correntes de qualquer espécie, futebol e pornografia;
  • Não tire sarro ou menospreze qualquer membro do grupo;
  • Sugestões, dicas ou dúvidas sobre viagens estão autorizadas, desde que não envolva grupos ou outras empresas e deverá ser feita de maneira individual;

Obrigado pela compreensão.

Equipe @Jimny_sc

CASO REALMENTE QUEIRAM ENVIAR ALGO FORA DO PERMITIDO, SOLICITAR AOS ADMISTRADORES DO JIMNY_SC.

Essas são as regras postadas no grupo sempre que um indivíduo é adicionado a ele, ou quando um integrante se manifesta de forma inadequada. A moderação, então, por parte dos administradores é claramente exposta a todos por regras preestabelecidas e a adesão a elas é determinada pela permanência em si no grupo e deve ser igualmente determinante para sua manutenção no grupo.

Fixadas essas premissas teóricas, passa-se agora a analisar o caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível nº 1004604-31.2016.8.26.0291, oriunda da Comarca de Jaboticabal[42]: foi formado um grupo integrado por adolescentes de cerca de quinze anos de idade para organizar a reunião para os jogos da Copa do Mundo de 2014 na residência de uma das adolescentes – que foi quem criou o grupo no aplicativo e era quem figurava como sua administradora. Nada obstante o intuito, as mensagens trocadas não se limitaram à organização do encontro para os jogos, desviando-se para agressões de parte de alguns integrantes para com outros. Houve o ajuizamento de demanda contra os autores das ofensas[43] e de demanda própria direcionada exclusivamente contra a administradora do grupo. A par de qualquer reflexão sobre a circunstância de se tratar de um grupo formado exclusivamente por adolescentes (à época, a administradora do grupo contava quinze anos de idade), por estar além do escopo do presente trabalho e por interessar a este exclusivamente a ilustração que o caso em si traz, o que se extrai a partir da leitura do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça é que não foram estabelecidas regras prévias. Mas a finalidade do grupo parece que era, além de bem específica, clara. Nesse contexto, havia um dever da administradora do grupo de moderar o comportamento dos integrantes? Parece que sim, pois, como dito, a finalidade do grupo era clara, de modo que cabia ao administrador zelar para que as manifestações se mantivessem nos seus limites. No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, reconheceu-se a responsabilidade por ato próprio da administradora do grupo, que, para além de não coibir a conduta ilícita que se iniciou no grupo (omissão) – seja removendo as mensagens, seja removendo quem as postou – comportou-se de modo a aparentar estar aderindo a essa ilicitude.

Veja-se que é natural que em um contexto de liberdade e de pluralidade de ideias haja divergências sobre os mais diversos temas, sendo que “não existe um processo infalível de determinação do que é falso e do que é verdadeiro (certo ou errado, justo ou injusto)[44]. Bem por isso um dos desafios no estudo da liberdade de expressão é a ponderação dos interesses individuais e coletivos em contexto de democracia. Como refere Yascha Mounk[45], embora haja declarações desprovidas de valor que talvez até merecessem ser erradicadas, o fato é que determinar que não sejam expressadas traz o risco de no futuro outros discursos até então considerados legítimos sejam também impedidos de ser proferidos. Além disso, eventuais limites à liberdade de expressão devem ser claros e precisos e não demasiadamente “estreitos a ponto de tornar-se inútil o princípio, por assegurar quase que apenas as ideias consensuais, ou aquelas para as quais não haja a necessidade de proteção constitucional”. Isso porque “para as ideias e opiniões simpáticas, construtivas, edificantes, politicamente corretas, não é necessário invocar o princípio da liberdade de expressão”, sendo justamente para as ideias polêmicas e desagradáveis que o princípio importa[46].

Todavia, o exercício da liberdade de expressão em âmbitos não propriamente públicos, mas restritos, como ocorre com grupos de whatsapp, tem peculiaridades e limites que não se aplicam ao discurso destinado a um público aberto, como é o caso de manifestações pela imprensa tradicional ou através de blogs ou outros meios de acesso indiscriminado por parte do público em geral.

Assim, o aumento do uso da internet e suas ferramentas comunicativas, até pela ampla participação cultural que viabiliza, tem potencializado desafios há muito identificados, porém não solucionados[47].

Note-se que a regulamentação legal existente e relacionada diretamente a discursos na internet, por enquanto, no Brasil, se resume à responsabilidade dos provedores estabelecida na Lei 12.965/2014. E consta como fundamentos da disciplina do uso da internet no Brasil “o respeito à liberdade de expressão”, “os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade”, conforme art. 2º da referida lei. Ainda, o art. 3º da Lei 12.965/2014 estabelece como princípio da disciplina do uso da internet a “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal”.

No que importa à responsabilidade do administrador de um grupo de aplicativo de troca de mensagens, a análise do contexto fático será determinante. Inclusive por se estar diante também do debate da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, contexto que reclama análise do caso concreto[48] e no qual se requer “a delimitação adequada do âmbito de proteção de um direito fundamental” para “definir se está, ou não, diante de um conflito de direitos fundamentais[49].

Não se pode, então, descuidar nem da liberdade de expressão, nem dos demais direitos fundamentais potencialmente em rota de colisão com ela.

A liberdade de expressão não é absoluta e jamais o foi[50], embora se lhe atribua uma posição de preferência, como explicitou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130[51]. É corrente a menção ao julgamento, pela Suprema Corte Americana, do caso Schenck v. United States, no qual o juiz Oliver Holmes reconheceu que a liberdade de expressão estabelecida na primeira emenda da Constituição Americana não autoriza que se grite “fogo!” em um teatro lotado sem que haja fogo[52]. Na verdade, foi em caso subsequente, julgado alguns meses mais tarde no mesmo ano de 1919 – caso Abrams v. United States – que Holmes melhor definiu seu pensamento, refinando sua concepção do “clear and presente danger test”. Na concepção anterior, expressa no caso Schenck, Holmes havia expressado que o discurso não precisava produzir imediatamente uma ação, para que acarretasse uma responsabilidade criminal, posição agora reformulada para esclarecer que o clear and present danger somente existiria quando o discurso pudesse ser direta e imediatamente conectado a ações específicas que causassem comportamentos ilícitos que ameaçassem a segurança dos Estados Unidos. Não se demonstrando isso, o speech não poderia ser limitado[53]. O voto divergente de Holmes nesse caso foi tido como “the most eloquent and moving defense of free speech since Milton’s Areopagitica[54]. Esse voto reforçou sua imagem como um paladino da liberdade de expressão contida na Primeira Emenda[55]. Dez anos mais tarde, por ocasião do julgamento do caso United States v. Schwimmer (1929), Holmes reforçou e sintetizou seu credo, afirmando que “se há algum princípio da Constituição que imperativamente nos exige um maior apego do que outros, é o princípio da liberdade de pensamento – não liberdade de pensamento para aqueles que concordam conosco, mas a liberdade para expressar o pensamento que odiamos[56].

Não sem razão, ainda, a temática envolvendo hate speech e liberdade de expressão tem sido estudada, sobretudo porque se relaciona com a dignidade humana[57].

Assim, a liberdade de expressão não autoriza que se possa, a qualquer momento, em qualquer ambiente e em qualquer ocasião, impor aos demais que ouçam ou tolerem o que se quer manifestar. E no âmbito dos grupos de aplicativos de troca de mensagens, é o administrador quem tem condições de preservar o espaço de deliberações criado. Deve, então, independentemente de concordância ou discordância com o mérito das manifestações, alertar e agir em prol da limitação das manifestações à finalidade do grupo. Sobretudo no tocante a manifestações que se revelem diretamente ofensivas a um ou mais integrantes do grupo, sob pena de responder civilmente por danos decorrentes do abuso no âmbito do grupo. Deve, assim, providenciar na remoção da mensagem ofensiva, postada por membro do grupo, adverti-lo da violação da regra do grupo e orientar-lhe a não mais reiterar conduta semelhante.

Abalizada opinião parcialmente diversa é expressa por José Fernando Simão, ao entender que não cabe ao administrador do grupo censurar quem posta mensagens das quais discorde, pois isso equivaleria a uma certa censura. Tampouco caberia a ele excluir do grupo quem postou tais mensagens. A conduta adequada a ser adotada pelo administrador, segundo o professor paulista, consistiria na extinção do grupo, pois “a simples exclusão dos agressores do grupo apenas representaria a discordância da administradora com as mensagens ofensivas”. Assim, prossegue ele, “a responsabilidade civil do administrador dos grupos de whatsapp não decorre da existência de mensagens ofensivas em si postadas por integrantes do grupo”, posição com a qual concordamos, mas que haveria “responsabilidade por omissão quando o grupo não é encerrado, extinto[58].

Entendemos, porém, que não se pode penalizar todo o grupo – que talvez seja necessário, conveniente ou útil para todos os demais membros – apenas porque um deles se excedeu. Fosse assim, seria muito fácil para alguém dissolver um determinado grupo: bastaria postar mensagens ofensivas fora do propósito que havia norteado a formação do grupo. A penalização não deve ser do grupo por inteiro, mas sim de quem agiu de forma equivocada ou ilícita.

3 Considerações finais

A pesquisa e as reflexões lançadas no presente trabalho demonstram que a posição do administrador de um grupo de aplicativo de troca de mensagens viabiliza que, presentes certas condições, seja responsabilizado em caso de abuso na utilização da ferramenta comunicativa por parte de algum integrante.

Expostas as hipóteses de responsabilidade por ato de terceiro, verificou-se que, em tese, a conduta do administrador de grupo de aplicativo de troca de mensagens não se amolda a nenhuma das hipóteses estabelecidas no art. 932 do Código Civil. Logo, a responsabilidade do administrador será por ato próprio, visto que a responsabilização por ato de terceiro constitui exceção, não comportando aplicação extensiva.

Em sendo responsabilidade civil por ato próprio, dar-se-á por culpa, dada a ausência de relação de consumo entre as partes e a ausência de atividade de risco apta a autorizar a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

De fato, é dever do administrador do grupo intervir no geral para relembrar as regras do grupo e reiterá-las aos demais integrantes, se necessário, inclusive no âmbito privado, sob pena de incorrer em omissão culposa e atrair para si a responsabilidade por eventual dano na linha causal dessa conduta omissiva. E se não houver regras prévias, igualmente compete ao administrador do grupo moderar o comportamento dos demais integrantes direcionando-o ao escopo do grupo, tudo a fim de manter a harmonia entre os participantes e preservar o bom uso da relevante ferramenta comunicativa.

Assim, retomando-se as questões postas no início deste trabalho, responde-se que a função de um administrador de grupos de troca de mensagens se amolda a de um moderador, devendo ele, ao criar o grupo, colocar as regras – especialmente quanto aos temas – que deverão nortear as manifestações dos participantes. Caso perceba a ocorrência de algum excesso no uso da ferramenta comunicativa por parte de algum membro, deverá intervir, relembrando as regras e os limites, sob pena de sua omissão ser tida como anuência e concordância. No âmbito restrito de um grupo de troca de mensagens, a liberdade de expressão fora do tema para o qual o grupo foi criado, explícita ou implicitamente, não serve de excludente de eventual responsabilidade por danos causados a alguém. No limite, após prévia advertência de eventual transgressor, poderá o administrador excluí-lo do grupo. E, dependendo da abrangência da transgressão e do tamanho do grupo, até mesmo extingui-lo. A responsabilidade do moderador é direta, pessoal e subjetiva, não se aplicando qualquer forma de responsabilidade objetiva ao caso.

Sobretudo em tempos de distanciamento provocado pela pandemia causada pela COVID-19, refletir sobre as interações por meio das comunicações virtuais se faz necessário. Em especial em época marcada por debates acalorados que, por vezes, a pretexto de exercício da liberdade de expressão, desbordam para a prática de discurso de ódio.

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Notas de Rodapé

[1] Mestranda em Direitos Humanos pela UniRitter, CEP 90840-440, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, com bolsa CAPES. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade IDC. Secretária de Desembargador no Tribunal de Justiça do RS.

[2] Doutor em Direito Comparado, pela Università Degli Studi di Firenze/Italia, Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor titular dos cursos de graduação, mestrado e doutorado em Direito da PUCRS. Desembargador no Tribunal de Justiça do RS.

[3] MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito Romano, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1972, v. 2, p. 231-232.

[4] LIMA, Alvino, A responsabilidade civil pelo fato de outrem, Rio de Janeiro, Forense, 1973, p. 27.

[5] BONVINCINI, Eugenio, La responsabilità civile per fatto altrui, Milano, Giuffrè, 1976, p. 10.

[6] AMBIALET, Janine, Responsabilité du fait d’autrui en droit médical, Paris, L.G.D.J., 1964, p. 13.

[7] THOYOT, Georges, De la responsabilité du fait d’autrui, Paris, Sirey, 1910, p. 15.

[8] MAZEAUD, Henri, León & Jean & TUNC, André, Tratado teórico y práctico de la responsabilidad civil delictual y contractual”, Buenos Aires, E.J.E.A, 1962, t. I, v. II, p. 467.

[9] RÁO, Vicente, “A Responsabilidade dos patrões, amos e comitentes no direito civil brasileiro”, Revista dos Tribunais, v. 214, p. 3, ago. 1953.

[10] CC/1916, “Art. 1.523. Excetuadas as do art. 1.521, nº V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte.”

[11] MIRAGEM, Bruno, Direito Civil – Responsabilidade Civil, Saraiva, 2015, p. 303. No mesmo sentido, LIMA, Alvino, A responsabilidade civil pelo fato de outrem, Forense, 1973, p. 22-23.

[12] VIEIRA, Patricia Ribeiro Serra, A responsabilidade civil objetiva no direito de danos, Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 35.

[13] CC/2002, “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

[14] NETTO, Felipe Braga, ROSENVALD, Nelson, Código Civil Comentado, Salvador, JusPodivm, 2020, p. 892-896.

[15] LIMA, Alvino, A responsabilidade civil pelo fato de outrem, São Paulo, Forense, 1973, p. 27.

[16] LIMA, Alvino, A responsabilidade civil pelo fato de outrem, São Paulo, Forense, 1973, p. 58. No mesmo sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp nº AgInt no AREsp 1347178/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, em 02/04/2019, DJe 24/04/2019: “(…)Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, para o reconhecimento do vínculo de preposição é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem, o que abrange a relação jurídica entre as sociedades empresárias contratada e tomadora de serviços terceirizados. As ações dos empregados da contratada, diretamente envolvidos na prestação dos serviços abrangidos no contrato de terceirização, quer sejam de atividade-fim, quer sejam de atividade-meio, ensejam a responsabilidade civil da tomadora, solidariamente com a contratada. (…)”. Afirmando a desnecessidade de relação formal de trabalho, AgInt no AREsp 1383867/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 02/04/2019, DJe 15/04/2019.

[17] MAZEAUD, Henri, León & Jean & TUNC, André, Tratado teórico y práctico de la responsabilidad civil delictual y contractual”, Buenos Aires, E.J.E.A, 1962, t. I, v. II, p. 600.

[18] Nesses termos, Jacques Flour, apud BOUILLENNE, Robert, La responsabilité civile extra-contractuelle devant l’evolution du droit, Paris, Presses Universitaires de France, 1947, p. 42 e 63.

[19] MAZEAUD, Henri, León & Jean & TUNC, André, Tratado teórico y práctico de la responsabilidad civil delictual y contractual”, Buenos Aires, E.J.E.A, 1962, t. I, v. II, p. 474-475.

[20] PLANIOL, Marcel & RIPERT, Georges, Traité pratique de droit civil français, Paris, L.G.D.J., 1930, t. VI, 1ª parte, p. 854.

[21] SOURDAT, M. A., Traité général de la responsabilité, Paris, Impr. et Lib. Gén. de Jur., 1911, v. II, p. 4.

[22] SERPA LOPES, Miguel Maria de, Curso de direito civil, 2. Ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1962, v. V, p. 268.

[23] LEAL, Livia Teixeira, SIQUEIRA, Mariana Ribeiro, “Responsabilidade civil pelo compartilhamento de mensagens pelo whatsapp e o caso Marisa Letícia”, in SCHREIBER, Anderson, MORAES, Bruno Terra de, TEFFÉ, Chiara Sapadaccini (coord), Direito e mídia: tecnologia e liberdade de expressão, São Paulo, Editora Foco, 2020, p. 113.

[24] Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/listas/2019/09/melhor-que-whatsapp-veja-4-apps-para-trocar-mensagens-em-seguranca.ghtml>. Acesso em: 15 mar. 2021.

[25] É o caso do Telegram, segundo informação obtida em <https://www.tecmundo.com.br/bate-papo/51611-10-alternativas-para-substituir-o-whatsapp.htm>, Acesso em: 15/03/2021.

[26] SILVA, Caíque Tomaz Leite da, “Tutela interconstitucional das liberdades comunicativas”, Revista dos Tribunais, v. 956, p. 233-254, jun. 2015. (na versão eletrônica do texto, a referência se situa à p. 05).

[27] BALKIN, Jack M, “O futuro da liberdade de expressão na era digital”, in SAMPAIO, José Adércio Leite, coord., Liberdade de expressão no século XXI, Belo Horizonte, Del Rey Editora, 2016, p. 358.

[28] Disponível em: <https://telegram.org/faq?setln=pt-br#p-como-posso-criar-um-grupo>. Acesso em: 03 abr. 2021.

[29] Disponível em: <https://faq.whatsapp.com/general/security-and-privacy/how-to-change-group-privacy-settings>. Acesso em: 03 abr. 2021.

[30] FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura, “A responsabilidade civil do administrador de grupo de whatsapp” in MARTINS, Guilherme Magalhães, LONGHI, João Victor Rozatti, org., Direito digital: direito privado e internet, São Paulo, Foco Jurídico, 2020, p. 153.

[31] Idem.

[32] CC, “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

[33] SCHREIBER, Anderson, Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, 5. ed., São Paulo, Atlas, 2013, p. 25.

[34] FARIAS, Cristiano Chaves de, BRAGA NETTO, Felipe Peixoto, ROSENVALD, Nelson, Novo Tratado de Responsabilidade Civil, São Paulo, Editora Atlas, 2015, p. 185. Tecendo considerações sobre o caput do art. 927 do Código Civil, os autores referem: “Como se extrai do mencionado dispositivo, o ilícito indenizatório – ou ilícito stricto sensu – refere-se a toda e qualquer conduta (comissiva ou omissiva), culposa, praticada por pessoa imputável que, violando um dever jurídico (imposto pelo ordenamento jurídico ou por uma relação negocial), cause prejuízo a outrem, implicando em efeitos jurídicos”.

[35] Por definição, censor é quem exerce censura, conforme MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/censor/>. Acesso em: 02 abr. 2021. Sobre o conceito de censura, temática que ultrapassa o objeto do presente trabalho, remete-se a MATHIESEN, Kay, “Censura e acesso à expressão”, in SAMPAIO, José Adércio Leite, coord., Liberdade de expressão no século XXI, Belo Horizonte, Del Rey Editora, 2016, tradução de Renato de Abreu Barcelos, p. 6, para quem censura é a atividade que “limita o acesso a uma expressão, por deter o orador de falar e o ouvinte de receber tal discurso”. Outra perspectiva pode ser encontrada em MARTINS, Sandra Regina Carvalho, “Censura”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 112, p. 662, jan./dez. 2017, definindo censura, para fins jurídicos, como “ação governamental, de ordem prévia, centrada sobre o conteúdo de uma mensagem” e somente praticada pelo governo.

[36] BARBOSA, Fernanda Nunes, Biografias e liberdade de expressão – critérios para a publicação de histórias de vida, Arquipélago, 2016, p. 122.

[37] FISS, Owen M., A ironia da liberdade de expressão: estado, regulação e diversidade na esfera pública, trad. e prefácio BINENBOJM, Gustavo e PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva, Renovar, 2005, p. 47. Neste ponto da obra, trabalhando o efeito silenciador do discurso, o autor exemplifica a desigualdade com o domínio do espaço publicitário na mídia por ricos, que podem, então, fazer com que apenas a sua mensagem seja recebida. E assim fica prejudicado o debate efetivamente aberto e integral (p. 48).

[38] SAMPAIO, José Adércio Leite, “Do mercado de ideias a ideias no mercado – A liberdade de expressão no século XXI”, in SAMPAIO, José Adércio Leite, coord., Liberdade de expressão no século XXI, Del Rey Editora, 2016, p. 1-2.

[39] Sobre o tema inserido no processo eleitoral, Jose Luis Bolsan e Adriana Martins Ferreira Festugatto afirmam: “Quando foi publicizado o apelidado ‘caso Cambridge Analytica’, evidenciou-se a capacidade de cálculo e análise de dados, o papel dos social media e das informações por nós deixadas (ofertadas) nas mídias sociais ou coletados/captados pelos sistemas inteligentes e que formam este Big Data e um modelo de pesquisa psicográfica, utilizando a previsibilidade das atitudes humanas para produzir fórmulas algorítmicas que permitem sequestrar resultados eleitorais com a gestão da vontade dos eleitores, antecipando a apuração dos votos ou condicionando a vontade dos cidadãos eleitores. Para além dos mecanismos e estratégias das empresas mineradoras de dados, também emergem os instrumentos utilizados para formar grupos e gestores de informação, inclusive por meio de robôs, que produzem uma espécie de jihad eleitoral, em clara oposição à tradição democrática, como se evidenciou nas eleições brasileiras de 2018, com o discurso de ódio e a atuação de milícias digitais, além do uso maciço da desinformação”. MORAIS, Jose Luis Bolsan de, FESTUGATTO, Adriana Martins Ferreira, A democracia desinformada: eleições e fake news, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2021, p. 24-25.

[40] Ana Frazão refere que plataformas como Facebook, Google, Amazon, Alibaba e Tencent “agem em um cenário de alta concentração de poder, circunstância que agrava os riscos para a própria democracia, diante da perda do debate público, uma vez que a ideia de que os filtros dão aos usuários apenas o que eles querem tem o efeito de polarizar as populações, deixando os usuários suscetíveis a manipulações de todos os tipos e destruindo a legitimidade das instituições democráticas”. FRAZÃO, Ana, “Plataformas digitais, big data e riscos para os direitos da personalidade”, in TEPEDINO, Gustavo, MENEZES, Joyceane Bezerra de, coord., Autonomia privada, liberdade existencial e direitos fundamentais, Belo Horizonte, Fórum, 2019, p. 346.

[41] BARBOSA, Fernanda Nunes, CASTRO, Thamis Dalsenter Viveiros de, “Dilemas da liberdade de expressão e da solidariedade”, Civilistica.com, a. 6, n. 2, p. 2-9, 30.12.2017.

[42] Íntegra da decisão disponível no sítio do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, <www.tjsp.jus.br>, bem como em <https://www.conjur.com.br/dl/administrador-grupo-whatsapp-condenado.pdf>. Acesso em: 17/03/2021.

[43] Processo n° 1000602-52.2015.8.26.0291.

[44] BINENBOJM, Gustavo, Liberdade igual: o que é e por que importa, 1ª ed., Rio de Janeiro, História Real, 2020, p. 22.

[45] MOUNK, Yascha, O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la, 1ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 2019, trad. Cássio de Arantes Leite, Débora Landsberg, p. 244-245.

[46] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de, Liberdade de expressão em tempos de cólera, Rio de Janeiro, GZ, 2020, p. 304-305.

[47] VALENTE, Mariana Giorgetti, “A liberdade de expressão na internet: da utopia à era das plataformas”, in FARIA, José Eduardo, org., A liberdade de expressão e as novas mídias, São Paulo, Perspectiva, 2020, p. 36.

[48] SARLET, Ingo Wolfgang, “Teoria geral dos direitos fundamentais”, in SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel, Curso de direito constitucional, 10ª ed, São Paulo, Saraiva Educação, 2021, p. 387.

[49] DUQUE, Marcelo Schenk, Curso de direitos fundamentais: teoria e prática, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 227.

[50] Mesmo em um pensamento mais liberal a liberdade de expressão encontra limites, consoante se extrai do seguinte excerto da obra de Stuart Mill: “…o único objetivo pelo qual a humanidade pode, de forma individual ou coletiva, interferir com a liberdade de ação de qualquer de seus membros, é a proteção dela própria. E que o único propósito pelo qual o poder pode ser constantemente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade, contra a vontade deste, é o de prevenir danos para os outros membros” – MILL, Stuart, Sobre a liberdade, São Paulo, Hedra, 2010, trad. Ari R. Tank Brito, p. 49.

[51] Do voto do Ministro Celso de Mello à fl. 155 do acórdão: “Semelhante procedimento estatal, que implicasse verificação prévia do conteúdo das publicações, traduziria ato inerentemente injusto, arbitrário e discriminatório. Uma sociedade democrática e livre não pode institucionalizar essa intervenção prévia do Estado, nem admiti-la como expediente dissimulado pela falsa roupagem do cumprimento e da observância da Constituição.”. Ainda, sobre a importância do resguardo da liberdade de expressão, que não é absoluta, e demais direitos fundamentais sobretudo face ao Estado, o julgamento da Medida Cautelar na ADPF 722 pelo STF. Do voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia, destaco os seguintes excertos: “A República não admite catacumbas. A Democracia não se compadece com segredos. Direitos fundamentais não são concessões estatais, são garantias humanas conquistadas antes e para além do Estado. Seu objeto é possibilitar o sossego pessoal e a dignidade individual.” (fl. 20 do inteiro teor do acórdão) e “Como todo direito fundamental, não se afirma ser a liberdade de expressão direito dotado de caráter absoluto nem constitui escudo para imunizar autor de prática delituosa, como, por exemplo, ameaça, incitação a crimes ou infrações contra a honra.” (fl. 22 do inteiro teor do acórdão).

[52] BINENBOJM, Gustavo, PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva, “Prefácio”, in FISS, Owen M., A ironia da liberadade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 20; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, “Liberdades”, in MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gonet, Curso de Direito Constitucional, 15. ed., São Paulo, Saraiva Educação, 2020, p. 278.

[53] PATRICK, John J. The Supreme Court of the United States – A Student Companion, New York, Oxford University Press, 2006, p. 16.

[54] HALL, Kermit L.; WIECEK, William M.; FINKELMAN, Paul, American Legal History – Cases and Materials, 2nd ed., New York, Oxford University Press, 1996, p. 416.

[55] HARTMAN, Gary; MERSKY, Roy M.; TATE, Cindy L. Landmark Supreme Court Cases – The Most Influential Decisions of the Supreme Court of the United States, New York, Facts on File, 2004, p. 361-363.

[56] Sobre a contribuição de Holmes para a proteção da liberdade de expressão na cultura jurídica norte-americana, FACCHINI NETO, Eugênio, “A liberdade de expressão na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana: entre a categorização e o balanceamento”, in SARLET, Ingo Wolfgang; WALDMAN, Ricardo Libel, org., Direitos humanos e fundamentais na era da informação, Porto Alegre, Fundação Fênix, 2020, p. 127-174, e FACCHINI NETO, Eugênio; WEDY, Ana Paula Martini Tremarin, “Oliver Wendell Holmes Jr. e a jurisdição constitucional norte-americana”, Revista Jurídica Luso-Brasileira, a. 3 (2017), n. 4, p. 405-450.

[57] Sobre o discurso de ódio como ofensa à dignidade humana sob a perspectiva de dano à personalidade, HARFF, Graziela, DUQUE, Marcelo Schenk, “Discurso de ódio perspectivas do direito comparado”, Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia-MG, v. 48, n. 2, p. 264-295, jul./dez. 2020. A respeito do efeito danoso do discurso de ódio em uma perspectiva de lesão ao respeito próprio, assim considerado em uma avaliação moral compartilhada universalmente – não em uma perspectiva estritamente pessoal/individual, portanto –, e relacionada ao respeito a direitos da pessoa sob aspecto não apenas individual, mas social, já que o discurso de ódio, dentre outros, enfraqueceria opiniões de minorias, intimidando a busca da realização dos objetivos das suas vítimas, SEGLOW, Jonathan, “Hate Speech, Dignity and Self-Respect”, Ethical Theory and Moral Practice, v. 19, n. 5, p. 1.109 e ss., nov. 2016. Para uma versão parcialmente diversa, defendendo que “manifestações de pensamento racistas ou de outro modo discriminatórias somente são passíveis de sanção quando direcionadas contra uma pessoa individualmente considerada ou quando, dirigidas contra um grupo, tenham a finalidade de violar ou incitar à violação de direitos de seus membros”, v. ANDRADE, André Gustavo Corrêa de, Liberdade de expressão em tempos de cólera, Rio de Janeiro, GZ, 2020, esp. p. 303.

[58] SIMÃO, José Fernando, “Responsabilidade civil do administrador de grupos de whatsapp”, in FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Mora; ROZATTI LONGHI, João Victor; GUGLIARA, Rodrigo, coord., Proteção de dados pessoais na sociedade da informação – entre dados e danos, Indaiatuba, Foco, 2021, p. 171-172.