Concessão da gratuidade de justiça como pressuposto do acesso à justiça
Free justice as a presupposition of access to justice
DOI: 10.19135/revista.consinter.00020.14
Recebido/Received 20/05/2024 – Aprovado/Approved 16/09/2024
Hector Luiz Martins Figueira[1] – https://orcid.org/0000-0003-2040-825X
Cristina Tereza Gaulia[2] – https://orcid.org/0000-0001-7451-7780
Resumo
o trabalho a seguir se propõe em desvendar os critérios de concessão de gratuidade de justiça no sistema jurídico brasileiro. Haja vista, que não há balizadores normativos de como tal concessão deve ser realizada, a pesquisa se propõe a investigá-las a fim de aclarar possíveis caminhos que levam os magistrados a deferir ou indeferir a gratuidade de justiça para parcela da população. Pretende-se ainda observar como isso impacta no processo de concessão do acesso à justiça e como o instituto da gratuidade de justiça pode estimular a solução dos conflitos na seara dos tribunais brasileiros. O método aplicado é caráter indutivo com base na pesquisa de revisão de literatura e de jurisprudência. O marco teórico é representado pelo professor Mauro Cappeletti e sua insigne obra sobre Acesso à Justiça e o livro do professor Carlos Babo sobre Assistência Judiciária. Os resultados preliminares da pesquisa apontam que os juízes se valem de uma convicção íntima e subjetiva para o deferimento ou indeferimento da gratuidade, o que promove insegurança jurídica no sistema de justiça e prejudica o acesso à justiça de várias pessoas, especialmente de jurisdicionados hipossuficientes que não conseguem demonstrar sua vulnerabilidade para custear os valores de uma ação judicial.
Palavras chaves: gratuidade de justiça; acesso à justiça, insegurança jurídica.
Abstract
The following work aims to unveil the criteria for granting free justice in the Brazilian legal system. Bearing in mind that there are no normative guidelines on how such a concession should be carried out, the research proposes to investigate in order to clarify possible paths that lead magistrates to grant or reject free justice to divide the population. It is also intended to observe how this impacts the process of granting access to justice and how the institution of free justice can encourage the resolution of conflicts in the Brazilian courts. The method applied is inductive in nature based on literature review research and specifications. The theoretical framework is represented by professor Mauro Cappeletti and his notable work on Access to Justice and professor Carlos Babo's book on Legal Assistance. The preliminary results of the research indicate that judges use an intimate and subjective truth to grant or reject gratuity, which promotes legal uncertainty in the justice system and prejudices the access to justice of several people, especially of under-sufficient jurisdictions who not provide proof of your vulnerability to cover the costs of a lawsuit.
Keywords: free justice; access to justice, legal uncertainty.
Sumário: 1. Introdução; 2. Assistência jurídica gratuita e gratuidade de justiça como instrumentos para o acesso à justiça; 3. Formas de se decidir sobre o deferimento ou indeferimento da gratuidade de justiça nos tribunais brasileiros; 4. Considerações finais; 5. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente projeto de pesquisa pretende investigar a gratuidade de Justiça, e os requisitos para o deferimento ou fundamentos de indeferimento do benefício. A gratuidade trata-se de uma política pública do governo brasileiro, prevista em lei especial para garantir o acesso à justiça, sendo esse seu objetivo seminal. Ela se materializa por meio dos tribunais que concedem aos jurisdicionados o acionamento do Poder Judiciário sem custo algum respeitando os critérios legais previamente estabelecidos. No entanto, a subjetividade judicante dos magistrados, faz com que algumas pessoas tenham esse direito negado. Nessa toada, desperta na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro – EMERJ, especialmente, através do Núcleo de Pesquisa e Acesso à Justiça e Políticas Públicas – NUPEPAJ coordenado pela insigne Desembargadora Cristina Tereza Gaulia a investigação das motivações para tais comportamentos, bem como a analise de quais fundamentos levariam ao deferimento ou indeferimento do direito ao acesso à justiça na sua integralidade.
A pergunta problema que norteia o trabalho é: como a gratuidade de justiça pode impactar a solução dos conflitos na seara dos tribunais brasileiros? Ou seja, há padronização nos critérios de aplicação da gratuidade de justiça pelos magistrados braisleiros?
O trabalho justifica-se pela imperiosa necessidade de se compreender antes de mais nada a relação entre direito e política pública, e a clássica dicotomia reinante na esfera jurídica entre a dicotomia entre teoria e prática. A investigação pretende aclarar, quais motivos levam julgadores a decidir pelo provimento ou não da gratuidade de justiça, o que sinaliza a possibilidade de pensarmos em soluções para a melhora desse acesso, se for esse o caso.
O objetivo geral do trabalho consiste em analisar a jurisprudência em Tribunais superiores do Brasil e demonstrar a ausência de critérios para a concessão do benefício de gratuidade de justiça em casos variados, destacando a ausência de consenso da justiça brasileira e dos magistrados para se deferir ou indeferir gratuidade. Pensar a ausência de padrões decisórios é nossa intenção com a pesquisa apresentada. Para o recorte desse artigo, pinçamos cinco julgados dos seguintes Tribunais, a saber: (STJ, TJRJ, TJRR, e dois do TJDF) com base no critério de convergência para responder o problema de pesquisa elaborado.
O método de pesquisa principal é o indutivo. O método indutivo parte da observação de um caso particular ou de alguns casos, obtendo conclusões gerais. Segundo Maria Margarida de Andrade (2001, p. 111): “Na indução percorre-se o caminho inverso ao da dedução, isto é, a cadeia de raciocínio estabelece conexão ascendente, do particular para o geral”. Percebeu-se que a gratuidade de justiça no Estado do Rio de Janeiro não possui critérios objetivos[3] para ser concedida pelos magistrados. Se não existem critérios normativos ou jurisprudências para balizar sua concessão no TJRJ, a hipótese é de que também não possui m outros Tribunais. Logo, pode-se induzir, a partir das observações, que não há em nenhum estado critérios objetivos para concessão da gratuidade. Assim, a investigação pretende comprovar tal hipótese ventilada pelo método indutivo.
O critério procedimental metodológico utilizado baseia-se na busca por palavras –chaves nos sites dos Tribunais superiores como “gratuidade de justiça” “deferimento” “indeferimento”. Ressalta-se que a escolha dos acórdãos citados se pautou nos sites dos Tribunais superiores com maior facilidade e viabilidade de pesquisa no âmbito digital por meio das chaves previamente determinadas. Pesquisar a norma, a doutrina e a jurisprudência aplicada nos tribunais do país, acerca da gratuidade de justiça é um trabalho notadamente complexo e que necessita de muitos auxiliares, por isso, feito através da colaboração de estagiários do grupo de Pesquisa NUPEPAJ da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e sob a supervisão da desembargadora presidente do Núcleo.
Para o refinamento do procedimento metodológico foi utilizado o filtro com as seguintes diretrizes nos sites dos tribunais que continham os instrumentos de refino: busca da palavra: “gratuidade de justiça” e ou “assistência de justiça gratuita”; origem: Tribunais Estaduais – 1ª e 2ª Instância; julgados a partir do ano de: 2022 até o ano de: 2024; competência: cível; ramo do direito: sem seleção; magistrado: sem seleção; órgão julgador: sem seleção.
Por meio da pesquisa científica bibliográfica[4] com o marco teórico clássico representado pelo professor Mauro Cappeletti e sua insigne obra sobre Acesso à Justiça e o livro do professor Carlos Babo sobre Assistência Judiciária e ainda análise jurisprudencial[5], busca-se o reencontro entre as necessidades sociais e o ofício de se decidir, permitindo maior e melhor desenvolvimento das políticas públicas, especificadamente da gratuidade de justiça, conforme se pretende com as pesquisas técnicas feitas nos âmbitos dos Tribunais.
O trabalho está dividido em duas partes a saber: no primeiro momento, fazemos as distinções doutrinárias e normativas acerca do tema, no segundo item nos atemos a analisar a jurisprudência apresentada e o que se apurou a partir dela.
2 ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA E GRATUIDADE DE JUSTIÇA COMO INSTRUMENTOS PARA O ACESSO À JUSTIÇA[6]
Historicamente, no contexto da doutrina brasileira e sobre a positivação do acesso à justiça na época liberal, Mauro Cappelletti e Bryant Garth ensinaram:
A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos: aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia, à igualdade, apenas formal, mas não efetiva. (CAPPELLETTI E GARTH, 1988, p. 45)
Nesse sentido, percebe-se que a doutrina italiana clássica, converge seu olhar para o princípio da igualdade jurídica como um direito fundamental, e por sua vez será base para fundamentar a noção de assistência jurídica pública, conforme a gratuidade de justiça.
É importante considerar que o acesso à justiça se torna menos alcançável para os hipossuficientes, que desejam reivindicar seus direitos diante de um poder judiciário tão inacessível para aqueles que não possuem conhecimento sobre as normas. Dessa forma, surge a necessidade de buscar novas formas de acesso aos mecanismos jurídicos, com o objetivo de promover os avanços almejados na terceira onda, conforme preconizado por Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988, p. 25):
essa ‘terceira onda’ de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas[7].
Além dos mecanismos existentes, busca-se algo que proporcione acessibilidade e celeridade nos processos, atendendo às expectativas de todos que confiam no Poder Judiciário para solucionar suas lides.
A doutrina, do constitucionalista José Afonso da Silva aponta que, na ideia de um processo justo, o direito de ação se torna um direito de importância social, “o que requer a remoção dos obstáculos econômicos e sociais que impedem o efetivo acesso à jurisdição” (SILVA, 2006, p. 154)[8]
Explorando melhor a temática, nota-se que Mauro Capelletti, no que concerne à ao acesso à justiça, cunhou como obstáculos básicos a serem suplantados, os seguintes: o obstáculo econômico, organizacional e processual[9]. Para esse trabalho, merece ênfase, destacarmos a necessidade de recursos financeiros disponíveis para serem consumidos no decorrer do litígio. Pois a ausência deles, torna-se obstáculo ao acesso aos meios judiciais:
Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio[10].
Na lição de Cármen Lúcia, uma vez reconhecida a jurisdição como direito de todos e “definindo-se, sistematicamente, o princípio da isonomia como um dos pilares fundamentais da construção jurídica positivada, assume o Estado o encargo irrecusável de prestá-la sem qualquer ônus”[11]. Tal organização é atribuída diretamente aos órgãos judiciais, não sendo regulada propriamente pela CRFB/88, mas por leis locais e regimentos e normas dos Tribunais Estaduais.
A partir desses pressupostos, depreende-se que o papel da pesquisa acadêmica, é em última análise, promover o desenvolvimento e a mudança do poder judiciário por meio dos seus atores e de suas práticas. Sendo assim, é essencial pensar a função desse poder da República, por meio de pesquisas empíricas de campo ou jurimétricas que valorizem a realidade dos conflitos e aqueles que gerenciam esses conflitos.
Considerando que a função do Poder Judiciário é a resolução de conflitos na sociedade, os bancos de dados deste poder representam a realidade do conflito social em um país e, a abertura do acesso a tais bancos de dados constitui uma oportunidade ímpar na história do Brasil de se realizar pesquisa empírica e aplicada sobre os reais conflitos resolvidos pelo Poder Judiciário. Porém, esta oportunidade somente será aproveitada se houver uma mudança de mentalidade dos juristas – talvez a etapa mais difícil da revolução tecnológica – saindo do pensamento meramente teórico, partindo da pressuposição abstrata da lei; passando ao conhecimento a partir da experiência, adquirido através da pesquisa aplicada[12].
Neste contexto, a Lei 1.060 desde 1950 já determinava[13] as normas de concessão da gratuidade de justiça, prevê em seu artigo inaugural que “Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, – OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei.” A norma traz um conceito abstrato quando não explicita quem são os “necessitados”, deixando brechas para a subjetividade.
Todavia, a lei indica caminhos ao magistrado, dizendo que se o juiz não tiver razões para indeferir a gratuidade, deverá julgar de plano, deferindo dentro do prazo de setenta e duas horas, conforme leciona art. 5º do referido diploma. Bem como determinará qual advogado patrocinará a causa do necessitado com o auxílio das subsecções municipais da OAB onde elas existirem ou de ofício caso elas não estejam presentes. Nos estados onde a assistência judiciária é prestada pela Defensoria Pública, o juiz nomeará pessoalmente o defensor para todos os atos do processo.
A Constituição Federal de 1988 chancelou o preceito da lei inaugural de 1950 e fez o mesmo caminho de imprecisão técnica e gramatical ao trazer na literalidade do artigo 5º, inciso LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que “comprovarem insuficiência de recurso” de modo que não haja óbice ao acesso à justiça[14].
A Carta Maior, como normal geral, também não traz critérios objetivos para a outorga da gratuidade, o que deixa os aplicadores diante de uma zona gris a ser deliberada individualmente por cada um na sua atividade judicante, não possibilitando perceber se aquela pessoa fará jus ao atendimento da Defensoria Pública[15] e concessão da gratuidade das custas.
Já o Código de Processo Civil brasileiro também foi generalista ao prevê a gratuidade de justiça, mas previu em um dos seus dispositivos a possibilidade de não se pagar as custas processuais se comprovada a insuficiência de recursos do jurisdicionado (art. 98 a 102, CPC). Dentre os diplomas legais com mais especificações acerca dela, destaca-se o art. 98:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei[16].
Infelizmente, parece que a ausência de critérios objetivos na lei especial, bem como no Código de Processo Civil, faz com que muitos magistrados neguem a gratuidade de justiça para muitos cidadãos brasileiros. Quando se fala em “insuficiência de recursos” não se fala em como comprová-lo juridicamente, permitindo que advogados se valham de quaisquer formas para tais comprovações. Nas Defensorias Públicas, o que os defensores públicos estabelecem de balizas individuais em suas atuações profissionais cotidianas, servirão de base para sua atuação profissional individual, mas também não fornece qualquer parâmetro uniforme para determinação da gratuidade. Para Fernanda Tartuce e Luiz Dellore no artigo “Gratuidade da justiça no novo CPC” tem-se que:
Embora haja afirmações coerentes sobre a suposta abusividade nos pedidos de gratuidade de justiça, faltam dados concretos sobre sua verificação. Não há estudos consistentes aptos a responder os seguintes questionamentos: a maior parte dos litigantes pleiteia gratuidade? Em caso positivo, quantos têm seus pedidos atendidos? Quantos desses atendidos são corretos? Sem dados qualitativos é difícil concluir se há abusos, embora cada advogado, em seu próprio ‘laboratório de casos’, tenha suas impressões a respeito.
Na sequência, Luiz Dellore afirma “já para o coautor deste artigo, ainda que não existam estatísticas confiáveis sobre o tema, o benefício da justiça gratuita é muito utilizado por quem se vale do Poder Judiciário – especialmente pessoas físicas, muitas vezes de forma indevida, a análise empírica de quem atua no foro comprova isso”. (TARTUCE, Fernanda; DELLORE, 2014, p. 305-323, p. 306/307).
De tal modo, a partir das explanações acima, percebe-se que a gratuidade de justiça é um instituto relacionado e direcionado para as pessoas que não possuem condições financeiras de arcar com as taxas de tramitação do processo, mesmo com o advogado[17] particular constituído nos autos, sendo, portanto, um conceito próximo da ideia de assistência judiciária gratuita que se confunde.
Todavia, é importante registrar a diferença conceitual entre os institutos que na prática tratamos de modo igual. Na assistência gratuita, quer-se que o jurisdicionado hipossuficiente tenha acesso à um advogado de forma gratuita[18], já na gratuidade de justiça se quer que as custas judiciais não sejam cobradas de jurisdicionado vulnerável.
Podemos ainda compreender a gratuidade de justiça como sendo fruto da solidariedade social, como bem ensina o doutrinador Carlos Babo. Para ele o direito à assistência jurídica advém da solidariedade social, o que não indica que se trate de uma expressão de caridade ou de generosidade, mas de obrigação estatal sem alguma contrapartida ou reconhecimento:
A assistência não é caridade, porque a assistência é uma virtude social e a caridade não. A assistência não é caridade, porque a assistência não é um instituto distribuidor de esmolas, a assistência não é um alfobre de favores. Pela assistência, a sociedade, ou o Estado que a representa, presta os serviços de uma obrigação directamente correspondente a um direito inerente à própria natureza[19].
A Constituição ao falar das Defensorias Públicas no art. 134 e se referir, no inciso LXXIV do artigo 5º à assistência jurídica gratuita como um serviço público complexo e que exige aparelhamento estatal específico, trouxe equívocos de interpretação e dificuldades na atuação dos entes não governamentais, os quais, por vezes, não são reconhecidos pelos aplicadores do Direito.
Assim sendo, o ensinamento de Walter Piva Rodrigues e Augusto Tavares Rosa Marcacini traz a seguinte compreensão:
Nossa constituição atual promete uma “assistência jurídica integral e gratuita”, o que vai além da mera gratuidade processual ou da assistência judiciária, regidas na Lei nº 1.060/50. Esta lei confunde os conceitos de justiça gratuita e assistência judiciária e, não raro, os intérpretes do Direito não distinguem destes dois primeiros o novo conceito contido na Constituição. Em especial, muito se discute se o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição, ao falar em comprovação da insuficiência de recursos, teria revogado a Lei nº 1.060/50, no que tange a suficiência da mera declaração de pobreza, para obtenção do benefício[20].
Por isso, tão importante deixarmos registrado esta distinção entre gratuidade de justiça[21], que se trata da dispensa das despesas processuais e extraprocessuais, desde que as últimas sejam necessárias para o andamento do processo, versus a noção de assistência judiciária gratuita[22] que engloba, por seu turno, o serviço gratuito de representação em juízo da parte que requer e tem deferida a sua assistência.
Destacar-se que a conjugação de ambas é que teria o condão de promover o acesso à justiça em todos os seus vieses e matizes e concretizar o direito de ação básico, de se ter o cumprimento do devido processo legal sem nenhuma restrição. No entanto, para que as ideias e os institutos jurídicos sejam alcançados e ganhem vida prática, eles precisam de impulsos oficiais que dependem de profissionais e atores judiciais do campo. É com base nesse fundamento, que começamos a analisar a jurisprudência no próximo item.
Ressalta-se, por último, que o trabalho, não contemplará as ações compreendidas nos Juizados Especiais Cíveis, pois a Lei 9.099/1995 dispõe que a presença de advogado é facultativa para distribuição de demandas, sem possível a aplicação do ius postulandi. Bem como, previu a obrigatoriedade de gratuidade de justiça para as causas de até 40 salários mínimos, previsões nos respectivos dispositivos art. 9º e 3º da referida lei.
Mas é de se ressaltar a importância e a finalidade da gratuidade de justiça, conforme afirma Harrison Targino: “Isenta a parte fragilizada da responsabilidade de adiantamento das despesas do processo, evitando que a dificuldade financeira, mesmo momentânea ou circunstancial, seja óbice de acesso ao sistema de justiça”[23].
3 FORMAS DE SE DECIDIR SOBRE O DEFERIMENTO OU INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA NOS TRIBUNAIS PESQUISADOS
Início essa quadra de discussão com um argumento que poderia anular completamente esse trabalho de pesquisa, se de fato, todos os tribunais seguissem, o comando sumulado do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Que aduz na súmula 481 a referida ideia: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.”
Assim, é pacificado na jurisprudência do STJ, que: "não é necessário que o requerente do benefício se encontre em estado de miséria, mas tão somente que não disponha, no momento, de dinheiro para arcar com os custos do processo, sem prejuízo do seu sustento e/ou da sua família". Assim, o STJ entende:
PROCESSUAL CIVIL. JUSTIC¸A GRATUITA. DECLARAC¸A~O DE POBREZA. PRESUNC¸A~O RELATIVA. EXIGE^NCIA DE COMPROVAC¸A~O. ADMISSIBILIDADE.1. A declaração de pobreza, com o intuito de obter os benefícios da assistência judiciária gratuita, goza de presunção relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. 2. Para o deferimento da gratuidade de justiça, não pode o juiz se balizar apenas na remuneração auferida, no patrimônio imobiliário, na contratação de advogado particular pelo requerente (gratuidade de justiça difere de assistência judiciaria), ou seja, apenas nas suas receitas. Imprescindível fazer o cotejo das condições econômico-financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família. 3. Dessa forma, o magistrado, ao analisar o pedido de gratuidade, nos termos do art. 5o da Lei 1.060/1950, perquirira´ sobre as reais condições econômico-financeiras do requerente, podendo solicitar que comprove nos autos que não pode arcar com as despesas processuais e com os honorários de sucumbência. Precedentes do STJ. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 257.029/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/02/2013, DJe 15/02/2013). (Grifo do original).
Se tal consenso fosse disseminado entre os Tribunais dos Estados Brasileiros, isso por si só, já sepultaria muitas discussões sobre a concessão da gratuidade de justiça, mas sabe-se que outras formas de interpretação também são possíveis conforme demonstraremos adiante, o que gera a tal insegurança em todo sistema de justiça brasileiro. Apesar de a alegação de hipossuficiência ter presunção relativa de veracidade, o benefício da justiça gratuita pode ser indeferido se os elementos dos autos evidenciarem a falta dos pressupostos legais para a sua concessão (art. 99, §§ 2º e 3º, do CPC)[24].
Nesse sentido, temos a jurisprudência do Tribunal de Roraima – TJRR que trata de Agravo Interno contra a decisão monocrática que negou os benefícios da assistência judiciaria gratuita em uma Apelação. No caso concreto, foi determinada a intimação da parte para comprovar a hipossuficiência alegada, pois o relator identificou um elemento que a contradiz, qual seja, o fato de a demanda ter por objeto um bem incompatível com a alegada miserabilidade e a parte ter recolhido as custas iniciais. Nesse sentido, negou a gratuidade de justiça:
EMENTA: AGRAVO INTERNO. AC¸A~O DE REINTEGRAC¸A~O DE POSSE. JUSTIC¸A GRATUITA. REQUISITOS NA~O COMPROVADOS. INDEFERIMENTO. 1. A concessão ou manutenção da gratuidade de justiça depende da comprovação da precariedade da situação econômico-financeira da parte, ja´ que e´ relativa à presunção de veracidade da declaração de miserabilidade (hipossuficiência). Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (TJRR, AGRAVO DE INTERNO N° 0800093-82.2022.8.23.0020)
O ponto principal que o julgador se ateve para indeferir a gratuidade nesses casos foi o valor do objeto do processo ser incompatível com a ideia de uma pessoa miserável. Seguindo a mesma esteira de raciocínio, em processo de outra região, vinculado à 1ª turma cível do TJDF o argumento de não comprovação da gratuidade de justiça também faz com que a gratuidade seja indeferida. Muitos julgadores usam essa métrica como forma de indeferimento, em diversos tribunais do Brasil, como podemos perceber com a pesquisa:
EMENTA: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. DECISÃO UNIPESSOAL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PRESUNÇÃO RELATIVA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIENCIA INCOMPATIBILIDADE VERIFICADA COM ELEMENTOS PROBATÓRIOS E INFORMATIVOS REUNIDOS NOS AUTOS. ALEGADA HIPOSSUIFICIÊNCIA NÃO OMPROVADA. RECURSOS CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Não é aceitável a mera declaração de hipossuficiência financeira para a concessão da gratuidade de justiça quando elementos diversos reunidos aos autos desautorizam a afirmativa de que o postulante não pode arcar com o pagamento das custas processuais. 2. O direito à gratuidade exsurge como possibilidade de a pessoa economicamente necessitada, ao comprovar a insuficiência de recursos, pleitear a concessão da benesse para demandar ou ser demandada em juízo sem lhe exigir o pagamento imediato de custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência em caso de insucesso da lide. Não se trata, portanto, de exercício de direito potestativo, mas de direito subjetivo à prestação. 3. A insuficiência financeira não está demonstrada nos elementos de informação coligidos. O conjunto probatório, notadamente, a remuneração líquida mensal do agravante, seu local de moradia e o próprio objeto do processo de origem, em que se discute o descumprimento contratual de negócio jurídico firmado entre as partes para a construção de imóvel de alto padrão, em localidade considerada nobre do Distrito Federal, afastam a hipossuficiência financeira alegada. 4. Agravo interno conhecido e desprovido. (TJDF, AGRAVO INTERNO Nº 07264445720238070000).
Para além da não comprovação, nessa ementa do Tribunal da Capital Federal podemos identificar a análise de alguns parâmetros para o indeferimento da gratuidade, são eles: “remuneração líquida mensal do agravante, seu local de moradia e o próprio objeto do processo de origem”. Os três aqui conjuntamente sopesados fizeram com que a gratuidade fosse indeferida. Aqui repete-se a categoria “objeto do processo” como central na fundamentação dos magistrados para o indeferimento da gratuidade de justiça. Ou seja, a depender do valor do bem versado em juízo, seja bem móvel, ou imóvel não há que se autorizar a concessão de gratuidade. O argumento é aparentemente válido, se ele considerasse todas as variáveis que estão ao redor da vida das partes, que podem fazer com que momentaneamente a pessoa esteja, de fato, sem condições de prover com as custas processuais.
No estado do Rio de Janeiro, no âmbito do TJRJ o mesmo raciocínio tem sido aplicado por meio do recorte de objeto do processo em casos que envolvem a alienação fiduciária, vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO EMBARGOS À EXECUÇÃO. Decisão agravada que indeferiu a gratuidade de justiça. Benefício que somente é deferido em casos especiais. no caso concreto, o objeto da ação é a revisão de contrato de alienação fiduciária em que a agravante assumiu a obrigação de pagar 24 parcelas mensais de r$2.044,37, além de ter realizado o pagamento à vista de r$39.070,00, o que evidencia capacidade econômica incompatível com o benefício da gratuidade de justiça. neste sentido, o verbete sumular nº 288 desta corte de justiça. Desta feita, não havendo inequívoca comprovação de que a parte não possui condições de arcar com as custas do processo, não há que se deferir o benefício. Por outro lado, a fim de prestigiar o acesso à justiça, foi concedido o direito de recolher as custas ao final do processo, antes da sentença. inteligência do enunciado administrativo nº. 27 deste egrégio tribunal de justiça. recurso parcialmente provido. (0019452-54.2024.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). VALÉRIA DACHEUX NASCIMENTO – Julgamento: 19/03/2024 – SEXTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 13ª CÂMARA)
Nesse caso, quero destacar a Súmula n. 288 do E. TJRJ que se apresenta com a literalidade: “Não se presume juridicamente necessitado o demandante que deduz pretensão revisional de cláusulas de contrato de financiamento de veículo, cuja parcela mensal seja incompatível com a condição de hipossuficiente”. A determinação sumular também padece de alguma abstração pois não permite olhar o que tem ao redor das pessoas que envolvem esse financiamento de veículo. Como por exemplo, ponderar se ele foi comprado como o primeiro automóvel do lar, se ele tem fins comerciais e de sustento, como funcionamento junto a aplicativos de transporte, o valor do veículo, se se trata de um carro popular ou de luxo, dentre outras variáveis passíveis de serem consideradas. Mesmo sem que isso seja apreciado o magistrado frisa que “não havendo inequívoca comprovação de que a parte não possui condições de arcar com as custas do processo, não há que se deferir o benefício”, logo indeferindo de pronto a gratuidade.
Outra forma de comprovação solicitada para corroborar a hipossuficiência pelos magistrados no Estado do Rio de Janeiro é a solicitação para que as partes apresentem os três últimos contracheques e junte as declarações de Imposto de Renda Pessoa Física, que serviriam de base para o deferimento da gratuidade de justiça. Não trazer aos autos, os pedidos solicitados pelo juízo para fins de comprovação, podem configurar a não concessão da gratuidade.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, percebeu-se que além desses pedidos, os magistrados costumam pedir: a) extratos de todas as contas bancárias dos últimos 3 meses e b) ainda faturas de todos os cartões de crédito dos últimos 3 meses; não satisfeitos, podem ainda efetuar pesquisas nos sites INFOSEC e no SISBAJUD para verificar as condições econômicas e financeiras das partes, seja elas pessoas jurídicas ou pessoas físicas. Notou-se que nos Juízos paulistas utiliza-se de ferramentas judiciais para investigar a vida privada da parte requerente à gratuidade de justiça, o que pode ser bom ou ruim para fins de concessão da gratuidade. No nosso sentir, parece bom, pois apura verdadeiramente aquele pedido de concessão do beneplácito.
Depreende-se da comparação entre os dois tribunais do sudeste que, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por meio dos juízes e desembargadores, não se mostra diligente à efetiva concessão do benefício da gratuidade de justiça requerido. No Tribunal de São Paulo, os juízes se preocupam com a análise do pedido. Em determinado processo[25] que analisamos, o magistrado consulta as ferramentas judiciais, normalmente utilizadas para a efetiva tutela executiva, para apurar a realidade fática do requerente do benefício. Portanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo utiliza de parâmetros para apreciação e deferimento do benefício, diferente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, esse já se configura, portanto, como outra descoberta descortinada com a pesquisa entre os tribunais analisados. Ou seja, para além de não existirem parâmetros mínimos para o deferimento ou indeferimento, o que se tem são formas de se apreciar diferentemente a concessão da gratuidade.
Por outro lado, verificou-se maior grau de deferimento em caso de gratuidade de justiça quando há envolvimento de menores representados em juízo. Vejamos a jurisprudência do TJDF:
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OFERTA DE ALIMENTOS. PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEDUZIDA PELO AUTOR CONHECIDA E REJEITADA. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA DOCUMENTAL APRESENTADO PELOS REQUERIDOS. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. RECURSO DOS RÉUS CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. ANÁLISE DO MÉRITO DOS APELOS PREJUDICADA. 1. Diante da inexistência de elementos de prova que maculem a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos firmada pelos requeridos, nos termos do art. 99, § 3º, do CPC, não é cabível a revogação do benefício concedido pelo Juízo de origem. Ademais, a condição de hipossuficiência financeira dos apelados, menores impúberes, não se confunde com a situação econômica de sua genitora, que não é parte no processo, atuando apenas como representante legal. [...] (TJDF, 2ª TURMA CÍVEL).
O informativo 664 do STJ nos ensina que em se tratando de ação judicial que verse sobre alimentos ajuizada por menor, não é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal. Tal informativo, já desperta na atividade judicante maior complacência na concessão da gratuidade, havendo até bastante consenso nesses casos de alimentos conforme analisado em diversos processos. Nota-se, assim, que a natureza do objeto da relação jurídica também é considerada para além do valor dele nesses casos de direito de família.
Assim, nesses casos, cristalina é a noção de que o pedido de gratuidade deve ser analisado de acordo com a situação financeira da parte requerente, e não de terceiros. Sendo a autora menor de idade e não trabalhando, sua hipossuficiência é presumida, sendo incabível averiguar a capacidade financeira de sua genitora, pois ela não é parte do processo judicial, atuando apenas como representante legal.
Embora no caso supracitado, o magistrado deva conceder a gratuidade de forma imediata, aplicando a presunção legal, ele frequentemente, com base no artigo 99, § 2º, do CPC, em alguns casos, alguns acabam exigindo que o representante legal do menor comprove, através de sua própria condição econômica, o direito do menor à gratuidade de justiça. O que ao nosso modo de olhar, traria uma consequência direta para o jurisdicionado.
Ressalta-se que o caráter individual e personalíssimo da gratuidade de justiça decorre da própria lei, conforme o artigo 99, § 6º, do CPC: "O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos". Por essa razão, não se deve analisar a gratuidade do menor com base na condição econômica de seu representante legal, pois o magistrado não pode estender o benefício dessa forma.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas conclusivas, podemos perceber que a não comprovação documental que embase a situação de recursos insuficientes para arcar com as custas, faz com que magistrados de pronto indefiram a gratuidade de justiça, sendo esse um ponto principal descortinado pela pesquisa. O critério ausência de comprovação de hipossuficiência ou a falta de pressupostos legais para a concessão da gratuidade é definidor para o indeferimento. Em que pese haja a possibilidade do magistrado não se satisfazer com o que foi apresentado como prova documental e ir atrás de outras comprovações, mesmo que abstratamente, o fator econômico-financeiro se faz como um critério primordial a ser analisado pelos magistrados.
Identificou-se com a análise de algumas jurisprudências o que podemos chamar de parâmetros basilares para o indeferimento da gratuidade, são eles: “remuneração líquida mensal do agravante, seu local de moradia e o próprio objeto do processo de origem”. Todavia, pensamos serem eles insuficientes para a análise total e conjunta dos elementos que conjuntamente apreciados poderiam ser suficientes para o deferimento.
Analisar Tribunais diferentes também fez descobrirmos que alguns são mais diligentes na hora de conceder a gratuidade, buscando mais provas e meios de confirma-las. O que demonstra que no Brasil é difícil conseguir homogeneizar formas de pensamentos a partir de consensos formados dentro dos tribunais.
O direito à gratuidade da justiça, em conformidade com o princípio da persuasão racional (CPC, artigos 370 e 371), até pode ser examinado de forma casuística, sem se prender a parâmetros objetivos, tarifários e rígidos, como hoje ele tem sido feito. No entanto, as ausências de parâmetros, promovem inseguranças jurídicas para os assistidos e em muitos casos, até ausência de acesso à justiça.
Assim, a novidade trazida com essa pesquisa ainda em curso na Escola da Magistratura – EMERJ é de que não há quaisquer parâmetros normativizados e normalizados para que se defira ou indefira a gratuidade de justiça no Brasil. A pesquisa mostra, para além do óbvio que se deve sempre considerar a premissa de que a parte não pode arcar com as custas judiciais sem comprometer sua própria subsistência ou a de sua família. Além disso, é fundamental lembrar o objetivo do instituto, que é concretizar o mandamento constitucional que garante o acesso à justiça (CF, artigo 5°, inciso XXXV).
O pensamento do Supremo Tribunal Federal, durante quatro décadas, é firme em ponderar que entraves econômicos ao acesso à justiça, se capazes de impossibilitar a prestação jurisdicional, deverão ser considerados inconstitucionais: "se a taxa judiciária, por excessiva, criar obstáculo capaz de impossibilitar a muitos a obtenção de prestação jurisdicional, é ela inconstitucional" (STF, Rp 1.077, rel. min. Moreira Alves, pleno, j. 28/3/1984).
Por fim, o resultado obtido com a pesquisa, mesmo que preliminarmente, é que não se tem critérios objetivos determinados, eles são burilados pelos juízes, ou por defensores no filtro prévio, descambando para mero subjetivismo judicante. Quando se tem algum consenso, eles se limitam aos tribunais de cada localidade, se olharmos além daquele espaço percebemos estipulações diferentes em cada estado da federação. E ainda se nota a não concessão de gratuidade talvez traga bons resultados internamente para os Tribunais, como aumento em arrecadação referente as taxas pagas para movimentação da máquina estatal. Mas por outro lado, pode cercear o direito de se ter uma pretensão com uma decisão satisfativa promotora de direito e que vise a garantia do acesso à justiça.
5 REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. 2ed. São Paulo: Atlas.
BABO, Carlos. Assistência Judiciária. Porto, Livraria Latina Editora, 1944.
CAPPELLETTI, Dimensioni Della Giustizia nelle società contemporanee, Bologna, Il Mulino, 1994.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre. Fabris, 1988. p. 08.
C.L.A. ROCHA, O Direito Constitucional à Jurisdição in TEIXEIRA, S.F. As Garantias do Cidadão na Justiça, São Paulo, Saraiva, 1993.
COELHO, F. U.; NUNES, Marcelo. Jornal Valor Econômico. Disponível em: <http://www.revistaintellectus.com.br/artigos/24.257.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2024.
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça gratuita. 6. ed., rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
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RODRIGUES, Walter Piva, Proposta de Alteração da Lei de Assistência Judiciária in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 93, 1998.
SIQUEIRA NETO, J. F.; MENEZES, D. F. N.; A Possibilidade de Uso das Informações Judiciárias pela Lei da Transparência. Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico. n° 7 (Florianópolis: UFSC), 2012.
TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Gratuidade da justiça no novo CPC. Revista de Processo, vol. 39, n. 236, out., 2014.
TARGINO, Harrison. Comentários ao Código de Processo Civil. ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 166)
Sites consultados:
STF, Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/>. Acesso em: 20 maio 2024.
STJ, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio>. Acesso em: 20 maio 2024.
TJRJ, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://www.tjrj.jus.br/>. Acesso em: 20 maio 2024.
TJSP, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/>. Acesso em: 20 maio 2024.
TJRR, Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, Disponível em: <https://www.tjrr.jus.br/>. Acesso em: 20 maio 2024.
TJDF, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/>. Acesso em: 20 maio 2024.
[1] Pós-doutorado em Direito, UERJ. Doutor e Mestre em Direito, Universidade Veiga de Almeida, UVA. Advogado. Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO. Rio de Janeiro, Brasil, CEP:22270-000. E-mail: hmartinsfigueira@gmail.com Ordcid: https://orcid.org/0000-0003-2040-825X
[2] Doutora em Direito, UVA. Desembargadora no TJRJ. Presidente do Núcleo de Pesquisa e Acesso à Justiça e Políticas Públicas – NUPEPAJ do Observatório Bryant Garth sediado na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, EMERJ. E-mail. gaulia.cristina@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7451-7780
[3] A respeito da questão do subjetivismo na aplicação do instituto, pontuam Fernanda Tartuce e Luiz Dellore: Indubitavelmente há uma grande carga de subjetividade nesse conceito, o que acarreta decisões extremamente díspares no cotidiano forense, conforme o entendimento de cada magistrado. No mesmo sentido vem o projeto de NCPC, que não traz critérios para a concessão da justiça gratuita. (TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Gratuidade da justiça no novo CPC. Revista de Processo, vol. 39, n. 236, out., 2014, p.314)
[4] A pesquisa bibliográfica é uma metodologia que consiste na leitura, análise e interpretação de documentos impressos, a fim de levantar e analisar informações sobre um tema.
[5] A pesquisa jurisprudencial é a análise de decisões judiciais, que representam a visão dos tribunais sobre questões legais aplicadas em casos práticos.
[6] O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente ao estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre. Fabris, 1988. p. 08.
[7] Ibdem: p. 25.
[8] J.A. da SILVA, Acesso à Justiça e Cidadania em face da reforma do Poder Judiciário in R. QUARESMA e M.L.de P. OLIVEIRA (coord.), Direito Constitucional Brasileiro – Perspectivas e Controvérsias Contemporâneas, Rio de Janeiro. Forense, 2006, p. 154.
[9] CAPPELLETTI, Dimensioni Della Giustizia nelle società contemporanee, Bologna, Il Mulino, 1994, pp. 83-85.
[10] CAPPELLETTI, Mauro.1988, p. 21
[11] C.L.A. ROCHA, O Direito Constitucional à Jurisdição in TEIXEIRA, S.F. As Garantias do Cidadão na Justiça, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 36.
[12] SIQUEIRA NETO, J. F.; MENEZES, D. F. N.; A Possibilidade de Uso das Informações Judiciárias pela Lei da Transparência. Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico. n° 7 (Florianópolis: UFSC) pp. 75-94. 2012.
[13] O verbo encontra-se no passado, porque a lei. 1.060/50 foi parcialmente revogada pelo novo CPC – em especial naquilo que se refere aos requisitos e formalidades para a concessão do benefício.
[14] Assim definem Fredie Didier e Rafael Oliveira: “O benefício da justiça gratuita consiste na dispensa do adiantamento de despesas processuais (em sentido amplo). O seu objetivo é evitar que a falta de recursos financeiros constitua um óbice intransponível ao acesso à justiça” (DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça gratuita. 6ª ed., rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p.
[15] Art. 134 da CRFB: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
[16] CPC, Código de Processo civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2024.
[17] Vide art. 133 da CRFB.
[18] A isso denomina-se de advocacia pro bono. Ela está prevista no Provimento nº. 166/2015 do Conselho Federal da OAB, que a definiu como prestação gratuita, eventual e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, ou a pessoas naturais, sempre que os beneficiários não dispuserem de recursos para contratação de profissional.
[19] BABO, Carlos. Assistência Judiciária. Porto, Livraria Latina Editora, 1944. p.11.
[20] RODRIGUES, Walter Piva, Proposta de Alteração da Lei de Assistência Judiciária in: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 93, 1998. p. 396.
[21] Refere-se a uma espécie de isenção tributária, abrangendo o não pagamento de taxas e custas judiciais, honorários de perito e advogado, selos postais, despesas com publicações, indenizações devidas a testemunhas empregadas, despesas com exames de DNA, cálculos contábeis para início da execução, entre outros (CPC, artigo 98, §1º).
[22] Configura-se no serviço prestado pela Defensoria Pública de forma ampla, ou por advogados dativos, quando não houver defensoria organizada, que atuarão tanto judicialmente quanto administrativamente, em todas as instâncias, de forma preventiva ou não, e atendendo tanto indivíduos quanto grupos coletivos.
[23] TARGINO, Harrison. Comentários ao Código de Processo Civil. ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 166)
[24] Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
[25] TJSP: processo n°.: 1005292-88.2021.8.26.0526.