A Judicialização da Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro no Contexto da Pandemia COVID-19

DOI: 10.19135/revista.consinter.00013.03

Recebido/Received 30.04.2021 – Aprovado/Approved 23.06.2021

Simone Letícia Severo e Sousa Dabés Leão[1] – https://orcid.org/0000-0002-3475-0876

Email: simoneleticia77@gmail.com

Resumo

A saúde está inserida no rol dos direitos sociais fundamentais, configurando um sustentáculo para a própria vida, condição sine qua non para a dignidade. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) determina que a saúde é um direito de todos, motivo pelo qual o Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender toda a coletividade. No atual contexto da pandemia COVID-19 há esforços no mundo inteiro para salvar vidas. Diante da precariedade do sistema público de saúde, aliada ao insuficiente fornecimento de medicamentos gratuitos, tratamentos médicos, procedimentos cirúrgicos, transferência hospitalar e acesso a Unidades de Tratamento Intensivo – UTIs, surge o nascimento do fenômeno “judicialização da saúde”, para determinar que o ente público cumpra com determinada prestação na área da saúde. O presente artigo tem como objetivo geral discorrer acerca dos aspectos inerentes à saúde no Brasil, destacando as mais novas decisões sob a ótica dos tribunais superiores no contexto da pandemia COVID-19, verificando os resultados de tais decisões e as contribuições que elas trazem para uma nova visão na busca do bem-estar social. Buscam-se políticas públicas voltadas para a prevenção da doença, no intuito de se alcançar um direito à saúde mais justo e universal. Para tanto, é empregada a metodologia do tipo exploratória, de cunho qualitativo, com análise jurisprudencial conjugada com revisão bibliográfica.

Palavras-chave: Direito à Saúde. Judicialização da saúde. Ordenamento jurídico brasileiro. Pandemia COVID-19.

Abstract

Health belongs to one of the most fundamental rights that one has, being elementary and necessary for one’s own life and dignity. The Federal Constitution of 1988 defines health as a right for everyone, which represents the reason why all people should benefit from Brazil’s national health system (SUS). As long as the current context of the COVID-19 pandemic is concerned, it is certainly clear that efforts to save lives all over the world have been made. Because of the precariousness of the public health system, combined with the insufficiency of providing free medication, medical treatment, surgical procedures, patient transport system, as well as access to the intensive care unit, the phenomenon “judicialization of health” has emerged. This article aims to discuss aspects involving health care in Brazil. It will focus on the most current decisions made by the federal court of justice in the context of the pandemic and examine the results and consequences of such decisions, as well as their contribution to a new point of view towards our social welfare. Policies to prevent diseases are needed in order to achieve the right to health. For this, the exploratory type methodology is used, of qualitative nature, with jurisprudential analysis combined with bibliographic review.

Keywords: the right to health. Judicialization of health. Brazil’s legal order. Covid-19 pandemic.

Sumário: 1. Introdução. 2. O Direito à Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro e o fenômeno da Judicialização da Saúde. 3. Decisões judiciais atinentes ao Direito à Saúde no contexto da pandemia COVID-19 nos Tribunais Superiores. 4. Conclusão. Referências e bibliografia.

1 INTRODUÇÃO

A saúde é o bem mais precioso do ser humano, bem esse, no Brasil, protegido pela Constituição Federal de 1988, pela Lei do SUS (Lei 8.080, de 1990) e pela Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656, de 1998).

A garantia do atendimento público gratuito configura um dos maiores desafios enfrentados diante da pandemia COVID-19, ocasionado, por vezes, por falhas de comunicação e unidade de ações entre os municípios, estados e a federação, o que dificulta uma atuação positiva e eficaz na prevenção da doença no país.

Consequentemente, o Poder Judiciário, em tempos de pandemia, tem intervindo bastante na solução de demandas judiciais atinentes à saúde, com o intuito de defender os direitos fundamentais dos cidadãos.

Demonstrar-se-á que os Tribunais Estaduais, o Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal Federal têm intervindo constantemente, para resguardar o Direito à Saúde da população.

Outro fator relevante na presente investigação é a complexidade e transdisciplinaridade do tema apresentado, principalmente levando-se em conta a discussão acerca dos problemas oriundos da pandemia COVID-19, tais como, obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus, competência dos entes federados, medidas de enfrentamento da crise sanitária, dentre outros.

A temática em questão se justifica diante da constante busca da efetividade do Direito à Saúde, com a concretização de políticas públicas voltadas para a prevenção da doença, no contexto da pandemia COVID-19.

Ver-se-á que diante da falta de atuação positiva do poder público, para conter a pandemia, torna-se necessária a efetivação da judicialização da saúde, como um instrumento em busca da igualdade, do exercício da cidadania, transferindo-se para o Judiciário a incumbência de determinar a proteção do Direito à Saúde nos casos concretos.

Para a adequada compreensão do tema, a pesquisa pautar-se-á na análise do problema, visando principalmente discutir e analisar a efetividade de casos concretos das Cortes Superiores Brasileiras acerca do assunto, destacando que deve ser assegurada a proteção do Direito à Saúde a toda população.

Indicar-se-á como marco teórico a obra “Direito à saúde e políticas públicas” da lavra da autora subscritora deste artigo.

Utilizar-se-á nessa pesquisa, a metodologia do tipo exploratória, de cunho qualitativa, com análise jurisprudencial, conjugada com revisão bibliográfica.

2 O DIREITO À SAÚDE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, no seu art. 25, apresenta o direito à saúde como uma das condições necessárias à vida com dignidade.

O termo saúde se origina do latim salute, que significa “salvação”, conservação da vida, cura, “bem-estar” e, preservando este sentido, o conceito de saúde, segundo definição apresentada pela Organização Mundial de Saúde, “é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da doença ou enfermidade”.

Em âmbito nacional, o Sistema Único de Saúde – SUS foi criado em 1988, pela Constituição Federal, entretanto, ainda não representa o ideal desejado. O problema é a falta de aplicabilidade dessa legislação, vez que a questão demanda a efetiva serventia de políticas públicas.

Para que haja um sistema público de saúde eficaz, cabe ao Estado definir políticas públicas adequadas, principalmente no tocante ao direcionamento do orçamento estatal para cada área.

Ademais, além da Constituição Federal, o ordenamento jurídico brasileiro conta com uma série de legislação específica que visa regulamentar, criar ou efetivar o direito a saúde. É de fundamental importância a Lei Orgânica da Saúde – Lei 8.080/1990, que implantou amplamente o Sistema Único de Saúde – SUS. A Lei 9.656/1998, por sua vez, trata da regulamentação dos Planos de Saúde, no intuito de equilibrar as relações contratuais, configurando o marco legal da saúde suplementar no Brasil.

O Código de Defesa do Consumidor, materializado na Lei 8.078/1990, constituiu um passo importante, protegendo o consumidor não só na fase contratual, mas nas fases pré-contratual e pós-contratual. Inegável é a necessidade de interação entre a Lei 9.656/1998 e o Código de Defesa do Consumidor.

A Constituição Federal de 1988, seguindo os passos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reza que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas, sociais e econômicas, com acesso universal e igualitário (art. 196).

Desse modo, com a Constituição Federal de 1988, o direito à saúde foi elevado à categoria de direito subjetivo público, com o reconhecimento de que o sujeito é detentor de tal direito e que o Estado está obrigado a garantir, além de ser responsabilidade do próprio sujeito, que também deve cuidar de sua saúde e contribuir para a saúde coletiva (BRAUNER, 2012, p. 85).

A saúde configura um direito social previsto no art. 6º – Capítulo II (‘Dos Direitos Sociais’) do Título II (‘Dos Direitos Fundamentais’) da Constituição de 1988, que assim reza:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição. (grifou-se)

As garantias do Direito à Saúde são estabelecidas nos arts. 196 a 200 da CF/88, como imposições, positivas ou negativas, especialmente aos órgãos do Poder Público (Estados, Municípios, Distrito Federal e União).

De acordo com o inc. XII, do art. 24 da Constituição Federal, compete à União, Distrito Federal e Estados legislar concorrentemente sobre saúde pública.

O inc. II, do art. 30, também da Constituição Federal, por sua vez, dispõe que o município pode legislar sobre saúde para atender a interesse local.

Nos termos do art. 2º da Lei 8.080 de 1990 (Lei Orgânica da Saúde):

A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Desse modo, evidencia-se que a saúde é um direito coletivo que deve ser atendido através de políticas públicas efetuadas por todos os entes da federação, por meio do SUS.

No âmbito privado, a teor do art. 35-F da Lei 9.656/1996 (Lei dos Planos de Saúde), o atendimento prestado pelos planos e pelos seguros privados de assistência à saúde “compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde (…)”.

Deve-se buscar alcançar um Direito à Saúde mais justo e universal, no intuito de alcançar políticas públicas que garantam a efetividade do Direito à Saúde, inclusive políticas públicas voltadas para a prevenção da doença.

Acerca do tema, ensina José Luiz Quadros de Magalhães:

O direito à saúde não implica somente direito de acesso à medicina curativa. Quando se fala em direito à saúde, refere-se à saúde física e mental, que começa com a medicina preventiva, com o esclarecimento e a educação da população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer, alimentação saudável na quantidade necessária, campanhas de vacinação, dentre outras coisas. Muitas das doenças existentes no País, em grande escala, poderiam ser evitadas com programas de esclarecimento da população, com uma alimentação saudável, um meio ambiente saudável e condições básicas de higiene e moradia. A ausência de alimentação adequada no período da gestação e nos primeiros meses de vida é responsável por um grande número de deficientes mentais. (MAGALHÃES, 2008, p. 208)

Não se desconhece que há gastos públicos com o Poder Judiciário de milhões de reais que não estavam previstos no orçamento, por outro lado há aqueles que demandam medicamentos e tratamentos médicos em busca da manutenção da vida.

A judicialização da saúde tem ganhado relevância no cenário atual, tendo em vista que o cidadão tem cada vez mais a necessidade de recorrer às vias judiciais para buscar a efetivação do seu direito social à saúde.

O fenômeno da judicialização gera impacto substancial no orçamento público e nos programas de governo, de modo que é preciso estabelecer um ponto de equilíbrio entre os direitos sociais fundamentais dispostos na Constituição e as limitações orçamentárias alegadas pelo ente estatal, sendo razoável estabelecer critérios e parâmetros a efetivação judicial do direito à saúde[2] (CARVALHO FILHO; LEÃO, 2019, p. 28).

A judicialização da saúde envolve diversas dificuldades, que dizem respeito a vários princípios e valores constitucionais, como dignidade da pessoa humana (conceito do mínimo existencial), isonomia (cidadãos que ajuízam ações seriam mais beneficiados do que os que apenas se submetem ao SUS), princípio da equidade (as políticas públicas partem de um ideal de Justiça distributiva, cuja finalidade é assegurar tratamento igual aos cidadãos iguais, e desigual aos desiguais), separação dos poderes (Judiciário atuando em questões públicas), princípio federativo (responsabilidade de cada ente federado), universalidade e integralidade, e culminam no princípio da reserva do possível (de modo a assegurar que as demandas judiciais individuais ou coletivas não comprometam a política pública de saúde existente) (VALLE; CAMARGO, 2010; PEREIRA, 2012).

Há aqueles que criticam a judicialização da saúde, sob o fundamento de que ela favorece as pessoas que têm acesso à justiça (chamadas de “fura-fila”), sustentando que tal judicialização garante o direito, mas impede uma política de saúde coletiva, uma vez que o atendimento é para necessidade individual – prioriza o princípio da seletividade, existência de quebra do princípio da igualdade.

As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. (BARROSO, 2009, p. 26).

Já aqueles que defendem a judicialização da saúde, sustentam que a justiça é a via adequada para resolver problemas de acesso à saúde, é o instrumento para que o cidadão possa ter acesso ao direito fundamental à saúde, diante do princípio da dignidade humana, sendo a “judicialização do acesso” a regra. Logo, cabe ao ente público priorizar a aplicação em áreas que favoreçam o direito à vida, como à saúde, com a consequente formulação e implementação de políticas públicas que garantam a efetividade do Direito à Saúde.

O problema assume maior dimensão quando o direito à saúde esbarra na escassez de recursos e na escolha de prioridades do administrador público.

Consequentemente, diante da precariedade do sistema público de saúde, aliada ao insuficiente fornecimento de medicamentos gratuitos (muitos previstos na lista do SUS e negligenciados pelo Estado ou aqueles não concedidos pelo poder público, como os de caráter experimental), tratamentos médicos, procedimentos cirúrgicos, transferência hospitalar e vagas em leitos de UTIs, ocasionou-se o nascimento do fenômeno da “judicialização da saúde”, para determinar que o ente público cumpra com determinada prestação na área da saúde.

Desse modo, é cabível a intervenção do Judiciário, visando à efetivação do Direito à Saúde, sem que haja ofensa ao princípio da Separação dos Poderes, principalmente diante da omissão do governo federal e a necessidade de implementação de políticas públicas adequadas, por vezes decorrentes do mínimo existencial.

Portanto, se o ente federativo ergue barreiras que impedem a concretização do Direito à Saúde, é permitida a intervenção do Judiciário para exercer o controle de tal situação.

Há inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal destacando a possibilidade de intervenção do Judiciário, tanto na área da saúde, quanto na área da educação, em casos de improbidade administrativa, dentre outros.

Outros casos têm gerado vários embates no Supremo Tribunal Federal, como a questão de medicamentos de alto custo (Tema 793-STF).

Importante mencionar que muitos tribunais têm adotado a Resolução n. 66 do CNJ, evitando sempre que possível o bloqueio de valores (imposição de multa) inerente ao direito à saúde nesse período de pandemia COVID-19 (durante o período de vigência do Decreto Legislativo 6, de 20.03.2020, o qual declara “estado de calamidade” no Brasil, devido à pandemia COVID-19).

3 DECISÕES JUDICIAIS ATINENTES AO DIREITO À SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA COVID-19 NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Na atual conjuntura o distanciamento social tem sido utilizado como forma de prevenção da doença, configurando um novo instrumento para a efetividade do direito à saúde.

A pandemia tem gerado medo, ansiedade, insegurança, preocupação, seja com o risco de contrair o vírus, efeitos da quarentena, hospitais superlotados (com a consequente falta de leitos de UTIs).

No contexto da pandemia COVID-19 não há uniformidade da política de enfrentamento da crise sanitária, sendo inclusive, que alguns estados e municípios têm adotado medidas mais restritivas que a própria União, principalmente sobre a competência de legislar em matéria de saúde. Consequentemente, tal conflito federativo da saúde pública tem gerado inúmeras demandas judiciais.

No que tange às medidas restritivas, no contexto da pandemia COVID-19, há diversas divergências entre decretos estaduais e municipais o que tem ocasionado o aumento crescente da judicialização da saúde.

O controle da pandemia é um problema social que para ser otimizado precisa da atuação positiva de todos os entes estatais (e de todos os cidadãos), a fim de assegurar a saúde de todos, em respeito ao princípio da dignidade humana.

Contudo, na realidade, nem o Sistema Público de Saúde – SUS e tampouco o sistema privado tem condições de oferecer tratamento adequado diante dos inúmeros casos de infectados pelo coronavírus, que crescem assustadoramente.

Nesse cenário, desde o início da pandemia, o Poder Judiciário tem intervindo de forma significativa na solução de demandas judiciais atinentes à saúde, no intuito de defender os direitos fundamentais dos cidadãos.

Em 10.04.2020, a ministra Assusete Magalhães (do Superior Tribunal de Justiça) extinguiu mandado de segurança em que a família de um paciente internado no Rio de Janeiro, com quadro condizente com infecção pela Covid-19, buscava garantir tratamento imediato com o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina – medicamentos que não têm eficácia cientificamente comprovada contra a doença. Para a ministra relatora, não há, na espécie, laudo ou atestado médico recomendando o uso da medicação postulada ao impetrante, destacando ainda, que não consta dos autos comprovação de que a médica que o acompanha tenha deixado de usar os medicamentos por determinação direta do ministro da Saúde[3].

Em decisão de 08.04.2020, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deferiu medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672 (proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), para determinar que governos estaduais e as prefeituras têm competência para adotar medidas restritivas da circulação de pessoas durante a pandemia COVID-19, tais como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de aulas, toque de recolher, restrições de comércio e atividades culturais. Na ocasião, o Ministro Alexandre de Moraes destacou que a gravidade da emergência causada pela pandemia COVID-19 exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde. Ponderou, ainda, que, naquelas últimas semanas, várias questões relacionadas ao enfrentamento da pandemia chegaram à jurisdição daquela Corte, tendo sido proferidas inúmeras decisões, em que se reconhecem os efeitos da pandemia, bem como a necessidade de coordenação na destinação prioritária de recursos e esforços para a saúde pública, no sentido de minimizar os reflexos nefastos da pandemia, cujas ponderações são aqui transcritas:

Não compete ao Poder Judiciário substituir o juízo de conveniência e oportunidade realizado pelo Presidente da República no exercício de suas competências constitucionais, porém é seu dever constitucional exercer o juízo de verificação da exatidão do exercício dessa discricionariedade executiva perante a constitucionalidade das medidas tomadas, verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica da decisão com as situações concretas. Se ausente a coerência, as medidas estarão viciadas por infringência ao ordenamento jurídico constitucional e, mais especificamente, ao princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos que impede o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que se converta em causa de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias.

Dessa maneira, não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnicos científicos, como por exemplo, os estudos realizados pelo Imperial College of London, a partir de modelos matemáticos (The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression, vários autores; Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand, vários autores)[4]. (ADPH 672, 2020)

Desse modo, para o Minisgtro Alexandre de Moraes, nesses momentos de crise há que se destacar a importância da necessidade de cooperação entre os entes federados.

Posteriormente, em sessão realizada por videoconferência em 15.04.2020, em que se analisava a medida cautelar deferida pelo ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341, o Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou o entendimento segundo o qual as soluções adotadas pelo Governo Federal na Medida Provisória (MP) 926/2020 para o enfrentamento do novo coronavírus não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências administrativas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. Nessa decisão, a maioria dos ministros aderiu à proposta do Ministro Edson Fachin sobre a necessidade de que o art. 3º da Lei 13.979/2020 seja interpretado de acordo com a Constituição Federal, afirmando que a União pode legislar sobre o tema, mas que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes. Para o Ministro Fachin, a possibilidade de o chefe do Executivo Federal definir, por decreto, a essencialidade dos serviços públicos, sem observância da autonomia dos entes locais, afrontaria o facto federativo[5].

A Portaria n. 158 de 2016 do Ministério da Saúde que define o regulamento técnico dos procedimentos hemoterápicos, impede a doação de sangue por homens que se relacionam com outros homens nos últimos doze meses[6], independentemente de considerações sobre a prática sexual ter sido protegida, número de parceiros e existência de relacionamento estável. Embora haja uma previsão expressa no diploma normativo vedando a discriminação em razão da orientação sexual do doador, a necessidade de abstinência de qualquer prática sexual por um longo período, gera uma exclusão de facto de homossexuais do direito de doar sangue[7] (CARDINALI, 2018, p. 159-160).

A ADI n. 5.543 trata-se de ação direta de inconstitucionalidade (proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB), com pedido de medida cautelar, dirigida contra o art. 64, inc. IV, da Portaria 158, de 04.02.2016, do Ministério da Saúde, e contra o art. 25, inc. XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 34, de 11.06.2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Tais normas consideram temporariamente inaptos para doar sangue, pelo período de 12 meses, homens que tiverem relações sexuais com outros homens e as parceiras sexuais destes.

Para o Ministro Relator Luiz Edson Fachin, a restrição de doar sangue após lapso temporal de 12 (doze) meses é impor que praticamente se abstenham de exercer sua liberdade sexual. A precaução e segurança com a doação de sangue podem e devem ser asseguradas de outra forma, de tal maneira que não comprometa à autonomia para ser e existir dessas pessoas. Para o Relator, o fato de um homem praticar sexo com outro homem não o coloca necessária e obrigatoriamente em risco, destacando que tais normas ofendem a dignidade da pessoa humana (autonomia e reconhecimento) e impedem as pessoas por ela abrangidas de serem como são, bem como induzem o Estado a empatar o que deveria promover – o bem de todos sem preconceitos de sexo e quaisquer outras formas de discriminação[8].

Depreende-se que tais vedações não atendem à necessária proteção do sistema de saúde, simplesmente, impõem uma vedação destituída de fundamento a certos cidadãos, baseada tão somente em sua orientação sexual.

No início da pandemia COVID-19, o assunto voltou na agenda do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que os hemocentros de todo país estavam fazendo campanhas para a doação de sangue no momento de crise.

Diante disso, na data de 08.05.2020, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, derrubou a restrição de doação de sangue por homossexuais. Na ocasião, a maioria dos ministros concordou que é inconstitucional a proibição e considerou as regras da Anvisa e do Ministério da Saúde discriminatórias[9].

Seguem fragmentos do voto do Relator Ministro Edson Fachin, que merecem destaque:

O sangue que circula nas veias representa a possibilidade de construção e reconstrução diária da existência, o palpitar de uma história a ser vivida.

… A responsabilidade com o Outro no caso em tela nos convida, portanto, a realizar uma desconstrução do Direito posto para tornar a Justiça possível. Incutir, na interpretação do Direito, o compromisso com um tratamento igual e digno a essas pessoas que desejam exercer a alteridade e doar sangue. Somos responsáveis pela resposta que apresentamos a esse apelo.

… A dignidade da pessoa humana não pode ser invocada de forma retórica, como grande guarda-chuva acolhedor de qualquer argumento em razão de sua amplitude ou comprimento. É preciso ser exato: a dignidade da pessoa humana não é vagueza abarcadora de argumentos e posições de todo lado. Ao contrário, e por refutação a isso, é preciso dar sentido e concretude a esse princípio inerente aos sujeitos e fundante de nosso Estado.

… Conforme previamente enunciado, estabelecer restrição aos homens doadores e/ou as parceiras sexuais destes porque eles têm relações sexuais com outros homens é impor uma limitação que tem como foco principal não a sua conduta possivelmente arriscada, mas sim o gênero da pessoa com a qual eles se relacionam (outro homem). É preciso, pois, encarar de frente e de forma analítica tal limitação.

… Reconhecido o exercício livre e responsável da sexualidade, é de se entender a partir dos postulados nos Princípios de Yogyakarta que os direitos humanos são interdependentes e indivisíveis e devem ser integralmente gozados por todos os cidadãos quaisquer sejam suas orientações sexuais ou identidades de gênero[10].

O Ministro Gilmar Mendes, destacou que a anulação de impedimentos inconstitucionais tem o potencial de salvar vidas, sobretudo numa época em que as doações de sangue caíram e os hospitais enfrentam escassez crítica, à medida que as pessoas ficam em casa e as pulsações são canceladas por causa da pandemia de coronavírus[11].

Em meio à crise sanitária, em razão da pandemia COVID-19, em 16.12.2020 (no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade-ADIs n. 6586 e n. 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a COVID-19), o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a COVID-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com tal decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem à vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), todavia, não pode obrigar os cidadãos a serem vacinados.

No que tange ao enfrentamento de emergência de saúde pública durante a pandemia COVID-19, a Lei 13.979/2020 estabelece que:

Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (…) III – determinação de realização compulsória de: (…) d) vacinação e outras medidas profiláticas; (…) § 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública. (grifou-se)

O Ministro Ricardo Lewandowski foi o relator das ações ajuizadas por partidos políticos sobre a vacinação da população contra a COVID-19 e votou pela parcial procedência das ADIs n. 6.586 e n. 6.587, estabelecendo as seguintes teses:

(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.

(II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

Ao tratar da importância da vacina obrigatória, o Ministro Ricardo Lewandowski sustentou que é consenso, atualmente, entre as autoridades sanitárias, que a vacinação em massa da população constitui uma intervenção preventiva, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infecciosas transmissíveis e provocar “imunidade de rebanho”, fazendo com que os indivíduos tornados imunes protejam indiretamente os não imunizados. Ainda pontuou:

Alcançar a imunidade de rebanho mostra-se deveras relevante, sobretudo para pessoas que, por razões de saúde, não podem ser imunizadas, dentre estas as crianças que ainda não atingiram a idade própria ou indivíduos cujo sistema imunológico não responde bem às vacinas. Por isso, a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade de rebanho.

… É certo que a imunidade de rebanho talvez possa ser alcançada independentemente da vacinação obrigatória, a depender do número resultante da soma de pessoas imunes, em razão de prévia infecção, com aqueles que aderiram voluntariamente à imunização. Não obstante exista, em tese, essa possibilidade, entendo que, ainda assim, há fundamentos constitucionais relevantes para sustentar a compulsoriedade da vacinação, por tratar-se de uma ação governamental que pode contribuir significativamente para a imunidade de rebanho ou, até mesmo, acelerá-la, de maneira a salvar vidas, impedir a progressão da doença e proteger, em especial, os mais vulneráveis. (BRASIL, 2021)

Na ocasião, o Ministro Gilmar Mendes vislumbrou duas questões constitucionais: i) saber se a vacinação pode ser compulsória e ii) a qual ou quais entes federativos compete adotar medidas relativas à vacinação no combate à pandemia da COVID-19, acompanhando in totum o voto do Relator, destacando que no caso da recusa vacinal, o que está em jogo, em última análise, é a essencialidade do cumprimento da medida para um plano maior de realização de política pública de combate a uma doença infectocontagiosa que põe em risco a vida de todos. Para o Ministro Luís Roberto Barroso, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais, não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros, pontuando que a vacinação em massa é responsável pela erradicação de uma série de doenças, mas, para isso, é necessário imunizar uma parcela significativa da população, a fim de atingir a chamada imunidade de rebanho. (BRASIL, 2021a)

O Ministro Alexandre de Moraes ressaltou que a compulsoriedade da realização de vacinação, de forma a assegurar a proteção à saúde coletiva, é uma obrigação dupla: o Estado tem o dever de fornecer a vacina, e o indivíduo tem de se vacinar. Já o Ministro Marco Aurélio destacou que “vacinar é um ato solidário, considerados os concidadãos em geral”. A Ministra Cármen Lúcia, por sua vez, também acompanhou o Relator e defendeu a prevalência do princípio constitucional da solidariedade, pois o direito à saúde coletiva se sobrepõe aos direitos individuais, destacando que “a Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”. (BRASIL, 2021a)

O Supremo Tribunal Federal referendou liminar para autorizar estados, municípios e o Distrito Federal a importar e distribuir vacinas contra o novo coronavírus (ADPF 770 e ACO 3451), além de determinar que o governo elabore planos para vacinar comunidades e povos tradicionais (ADPFs 709 e 742).

Posteriormente, na data de 23.02.2021, os ministros do STF decidiram em plenário virtual que, em caso de descumprimento do Plano Nacional de Imunização (PNI) pelo governo federal ou em caso de insuficiência da quantidade de doses previstas, os Estados e Municípios podem comprar e fornecer vacinas contra COVID-19 à população[12].

Também ficou definido que os Estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação[13]. O Ministro Ricardo Lewandowski fundamentou que ao analisar a ADI 6.341-MC-Ref/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em 15.04.2020, o STF referendou a cautelar por ele deferida, assentando que os entes federados possuem competência concorrente para adotar as providências normativas e administrativas necessárias ao combate da pandemia em curso. Ressaltou ainda, que o Plenário do STF assentou que o exercício da competência específica da União para legislar sobre vigilância epidemiológica, a qual deu ensejo à elaboração da Lei 13.979/2020, não restringiu a competência própria dos demais entes da Federação para a implementação de ações no campo da saúde. Nesse sentido, citou acórdão unânime do Plenário do STF na ADPF 672/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes (BRASIL, 2021).

Urge destacar também a ADPF n. 709-DF proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e por seis partidos de oposição ao governo atual, cuja preocupação é necessidade premente de aprovação do Plano Geral de Enfrentamento à COVID-19 para Povos Indígenas, em razão do avanço da pandemia, em que o Supremo Tribunal Federal decidiu em 21.10.2020, pela homologação parcial, inclusive com determinação de elaboração de Plano de Isolamento de Invasores e vacinação prioritária de indígenas localizados em terras não homologadas e urbanas sem acesso ao SUS, dentre outras medidas.

Na data de 08.04.2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu (em sua maioria – 9 votos a 2) que estados e municípios podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia de COVID-19, como medida preventiva para reduzir a disseminação do coronavírus. Na ocasião, o partido PSB e Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811 – requereram a derrubada de decreto estadual de São Paulo que proibiu cultos e missas presenciais em templos e igrejas. A maioria dos ministros entendeu que é constitucional um decreto do governador de São Paulo, João Dória, que determinou o fechamento dos centros religiosos para evitar aglomerações. Apresentaram votos divergentes (a favor da liberação dos cultos em todo território nacional) os Ministros Nunes Marques e Dias Toffoli, desde que respeitados os protocolos definidos pelo Ministério da Saúde[14].

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a decisão que predispôs autonomia para que os estados e municípios decidissem sobre restrições durante a pandemia.

Do mesmo modo, os tribunais estaduais têm decidido questões atinentes ao direito de autopreservação à saúde, principalmente em relação à adoção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia: isolamento social, imposição de distanciamento, quarentena, suspensão de aulas, restrição de comércio, circulação de pessoas, toque de recolher, abertura de igrejas, dentre outros.

Em Mandado de Segurança em que a empresa Impetrante se insurgia contra o Decreto Estadual 47.891/2020, publicado em 20.03.2020 – que determinava a suspensão das atividades de transporte rodoviário intermunicipal e interestadual de passageiros –, bem como da Deliberação do Comitê Extraordinário COVID-19 nº 17, publicado em 22.03.2020 – que vedava a realização de excursões com mais de 30 (trinta) pessoas, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que não há irregularidade ou ilegalidade na regulamentação de medidas restritivas de circulação no território do Estado, necessárias à mitigação das consequências da pandemia, conforme ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE INTERESTADUAL COLETIVO. COVID-19. PANDEMIA. SAÚDE PÚBLICA. REGULAMENTAÇÃO. MEDIDAS SANITÁRIAS. CONTENÇÃO DA DISSEMINAÇÃO. RESTRIÇÃO DE LOCOMOÇÃO. ESTADO. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR. LEGALIDADE.

– O mandado de segurança é meio processual adequado à proteção de direito líquido e certo, violado ou na iminência de ser violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data“, cuja comprovação não dependa de dilação probatória.

– Direito líquido e certo deve ser entendido como aquele que independerá de dilação probatória, ou seja, cujos fatos restarem comprovados documentalmente na inicial.

– A pandemia resultante da propagação do Novo Coronavírus (COVID-19) importou a regulação, nas esferas federal, estadual e municipal, de medidas para a contenção da propagação do vírus.

– No julgamento da Medida Cautelar na ADI 6343, o Supremo Tribunal Federal admitiu que o Estado pode adotar medida mais restritiva de isolamento do que a estabelecida no âmbito federal, desde que observados os limites de sua competência, ressalvando-se o fechamento de fronteiras.

De acordo com o STF, os Estados-Membros e Municípios, seguindo uma linha de competência suplementar e observada a hierarquia administrativa nas esferas federal, estadual e municipal de forma sucessiva, podem criar medidas mais restritivas do que aquelas impostas pela União sem, contudo, afrouxar o isolamento ou distanciamento social.

– Medidas sanitárias para a contenção de proliferação do vírus podem ser adotadas pelos Estados, sobretudo no que diz respeito ao transporte coletivo interestadual.

– Inexiste ilegalidade nas medidas estabelecidas pelo Estado para restringir o transporte intermunicipal e interestadual. (TJMG – Mandado de Segurança 1.0000.20.035849-7/000, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch, órgão especial, j. em 26.08.0020, publicação da súmula em 10.09.2020) (Grifou-se)

No Sistema Estadual de Saúde do Estado de Minas Gerais (ao adotar a onda roxa) restou determinado que ficaram suspensas apenas as cirurgias e os procedimentos cirúrgicos de caráter eletivo. Contudo, restando comprovadas a emergência, com consequente risco de morte de paciente, cabe o poder público imediatamente realizar o procedimento pleiteado, conforme inúmeras decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, dentre as quais merece destaque:

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DIREITO À SAÚDE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL ESPECIALIZADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PANDEMIA. SUSPENSÃO DOS PROCEDIMENTOS ELETIVOS. CIRURGIA DE CARÁTER EMERGENCIAL. DIREITO FUNDAMENTAL – PRIORIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LISTA DE ESPERA. MANIFESTAÇÃO DO JUDICIÁRIO. PROVOCAÇÃO. Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental à saúde. Em decorrência da pandemia do Covid-19, ficaram suspensas, no Sistema Estadual de Saúde, apenas as cirurgias e os procedimentos cirúrgicos de caráter eletivo. Comprovada a possibilidade de perda irreversível de órgãos ou de funções orgânicas e risco de morte da paciente, o procedimento é classificado como de emergência e, como tal, não teve sua realização suspensa. O direito à saúde deve ser preservado prioritariamente pelos entes públicos, vez que não se trata apenas de fornecer medicamentos e atendimento aos pacientes, mas, também, de preservar a integridade física e moral do cidadão, a sua dignidade enquanto pessoa humana e, sobretudo, o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico Pátrio: a vida. Ainda que outras pessoas que também necessitam de tratamento médico e fornecimento de medicamentos estejam sofrendo com a desídia do Poder Público em atendê-las, somente se encontra ao alcance do Poder Judiciário decidir favoravelmente aos cidadãos que buscam em sua manifestação a proteção para seus direitos fundamentais. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.20.051220-0/002, Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes, 4ª CÂMARA CÍVEL, j. em 19.11.2020, publicação da súmula em 20.11.2020) (grifou-se)

No caso dos autos, destacou o Desembargador Relator Dárcio Lopardi Mendes que demonstrada a enfermidade do autor, bem como a imprescindibilidade e a urgência do tratamento prescrito, considerando a gravidade do seu problema de saúde, não há como desobrigar o requerido do seu dever constitucional de transferir a paciente para hospital especializado e de proporcionar o tratamento adequado. Pontuou que a saúde não é um conceito matemático, não havendo como se prever, entre casos graves, aqueles em que um medicamento ou tratamento pode representar a salvação da vida do paciente, ou aqueles em que o paciente sobreviverá de forma saudável, mesmo sem a utilização daquele tratamento indicado.

4 CONCLUSÃO

O direito à saúde é um direito fundamental que tem o intuito de efetivar a dignidade da pessoa humana.

O SUS é considerado o maior sistema público de saúde do mundo, devendo assegurar acesso universal, gratuito, igualitário e integral, instituído pela Constituição de 1988 e regulado pelas Leis 8.080, de 1990, 8.142, de 1991 e Lei Complementar 141, de 2012.

A Lei 8.080, de 1990 trata da saúde como direito coletivo que será atendido por meio de políticas públicas por todos os entes da federação (Estados, União, Distrito Federal e Municípios).

Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas, sociais e econômicas, com acesso universal e igualitário.

Consequentemente, para que haja um sistema de saúde eficaz, cabe ao Estado definir políticas públicas adequadas, principalmente no tocante ao direcionamento das prioridades e do orçamento destinados à saúde.

Todavia, no Brasil há uma disparidade entre a realidade e o garantido constitucionalmente.

Diante da precariedade do sistema público de saúde, aliada ao insuficiente fornecimento de medicamentos gratuitos (muitos previstos na lista do SUS e negligenciados pelo Estado ou aqueles não concedidos pelo poder público, como os de caráter experimental), tratamentos médicos, procedimentos cirúrgicos, transferência hospitalar e vagas em leitos de UTIs, ocasionou-se o nascimento do fenômeno da “judicialização da saúde”, para determinar que o ente público cumpra com determinada prestação na área da saúde.

No contexto da pandemia COVID-19, as demandas judiciais, principalmente para a concessão de medicamentos, internação hospitalar e vagas em leitos de UTIs são cada vez mais frequentes, sendo uma consequência nítida da deficiência do sistema de saúde proposto pelo Estado, que tem fornecido apenas alguns medicamentos previamente listados pelo SUS.

Não se desconhece que o Direito à Saúde por vezes esbarra na escassez de recursos e na escolha de prioridades do administrador público e que a judicialização gera impacto no orçamento.

Entretanto, cabe ao poder público enfrentar os problemas advindos da pandemia, em busca de políticas públicas que visem à melhoria das condições de saúde da população, quiçá considerando a realidade de cada região e/ou cidade, inclusive com medidas voltadas para prevenção da doença.

Tendo em vista que no contexto atual da pandemia COVID-19, não há uniformidade da política pública de enfrentamento da crise sanitária, uma vez que alguns Estados e Municípios têm adotado medidas mais restritivas que a própria União, faz-se necessária a intervenção do Judiciário para defender o direito fundamental à saúde.

Os julgados analisados no decorrer do trabalho foram escolhidos diante do atual contexto da crise sanitária, no intuito de demonstrar a relevância da judicialização da saúde durante esse período da pandemia, quais sejam: a) a garantia de tratamento imediato com uso de cloroquina ou hidroxicloroquina; b) a competência acerca das medidas restritivas relacionadas ao enfrentamento da pandemia; c) a doação de sangue por homossexuais; d) vacinação compulsória; e) autonomia dos entes públicos para realização de campanhas locais de vacinação, bem como restrições de locomoção durante a pandemia e realizações de procedimentos médicos pleiteados durante a crise sanitária.

A judicialização à saúde tem sido a via adequada para resolver os problemas advindos da pandemia, desde acesso a medicamentos, procedimentos médicos, vagas para internação no SUS e hospitais privados e, principalmente, concessão de leitos em UTIs.

Todavia, o excesso da judicialização da saúde pode levar ao comprometimento do SUS, com o consequente prejuízo, ainda maior, para a população mais carente, principalmente levando-se em conta o atual contexto da pandemia COVID-19.

Diante disso, verificou-se que os tribunais estaduais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal têm assumido um papel de atores protagonistas visando à concretização do direito fundamental à saúde, que deve se sobressair a demais interesses estatais e/ou privados, priorizando, dessa forma, pela vida.

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Notas de Rodapé

[1] Pós-doutora em Direitos Humanos e Sociais pela Universidade de Salamanca/Espanha. Doutora em Direito Público pela PUC MINAS. Mestre em Direito das relações econômico-empresariais pela UNIFRAN-SP. Professora Universitária. Autora de obras jurídicas.

[2] Concluem os autores que crescem assustadoramente os desafios na relação entre o Estado, a sociedade e o Judiciário no processo de efetivação do direito à saúde. O Judiciário tenta estabelecer parâmetros, no intuito de assegurar um direito à saúde que realmente se coadune com os mandamentos constitucionais (CARVALHO FILHO; LEÃO, 2019, p. 38).

[3] No caso em tela, a família juntou ao pedido opiniões de médicos a favor da administração dos remédios logo nos primeiros dias do quadro infeccioso, sustentando que a vida do paciente estaria sendo colocada em jogo por “mera burocracia, consubstanciada em protocolos de pesquisa”. Ao analisar o pedido, a ministra assusete magalhães afirmou que não foi indicado qual ato de efeitos concretos do ministro da saúde teria violado direito líquido e certo do paciente. (Disponível em: <www.stj.jus.br> in questionamentos contra distanciamento social foram frequentes desde o início da pandemia. Especial notícias de 21 mar. 2021. Acesso em: 12 abr. 2021).

[4] BRASIL. Ministro assegura que Estados, DF e Municípios podem adotar medidas contra a pandemia, Notícias STF, 2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo= 441075>.

[5] BRASIL. STF reconhece competência concorrente de Estados, DF, Municípios e União no combate à Covid-19. 2020, Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441447& ori=1>.

[6] Ministério da Saúde, Portaria 158, de 04.02.2016, art. 64, inc. IV: Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e-ou as parceiras sexuais destes.

RESOLUÇÃO 34/2014, DA ANVISA Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: […] XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 ([…]) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se: […] d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes; […].

[7] O autor explica que a origem desta vedação se relaciona ao início da epidemia de AIDS, que atingiu em seus primeiros anos a população masculina homossexual de maneira muito mais pronunciada, a ponto de vir a ser conhecida como “peste gay” ou “câncer gay”. (CARDINALI, 2018, p. 160).

[8] Após o voto do Ministro Edson Fachin julgando procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, o julgamento foi suspenso. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 19 fev. 2020.

[9] A Ação Indireta de Inconstitucionalidade – ADI n. 5543 foi ajuizada pelo PSB em 2016 para questionar a Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a Resolução 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que restringem a doação dependendo da orientação sexual. O voto de relatoria de Ministro Edson Fachin foi acompanhado pelos Ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. A divergência foi aberta pelo Ministro Alexandre de Moraes que, embora concorde com a inconstitucionalidade dos dispositivos, ressalvou que o sangue doado deve ter um tratamento especial (ele defendeu a liberação, contanto que o material fique guardado para testes até o momento em que se verificar que não há qualquer risco de contaminação). Também divergindo, o ministro Marco Aurélio apontou que embora o risco na coleta de sangue de homossexuais “não decorra da orientação sexual, a alta incidência de contaminação observada, quando comparada com a população em geral, fundamenta a cautela implementada pelas autoridades de saúde, com o fim de potencializar a proteção da saúde pública”. O Ministro Ricardo Lewandowski abriu outra linha de divergência, para ele, o Supremo Tribunal Federal deve adotar postura de contenção sobre determinações das autoridades sanitárias, ou seja, as normas não são discriminatórias e cabe às autoridades sanitárias definir a janela imunológica. “quando estas forem embasadas em dados técnicos e científicos devidamente demonstrados”. Lewandowski foi seguido pelo Ministro Celso de Mello.

[10] VALENTE, Fernanda, STF declara inconstitucionais normas que proíbem gays de doar sangue. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 maio 2020.

[11] VALENTE, Fernanda. Op. Cit.

[12] Na ação proposta, a OAB diz que a dispensa de autorização pela agência reguladora (ANVISA) deve valer para imunizantes que tiverem obtido registro em renomadas agências de regulação no exterior. (STF autoriza Estados e municípios a comprar vacina. Disponível em: <www.em.com.br>. Acesso em: 24 fev. 2020).

[13] No que tange ao combate à crise de COVID-19, o STF já tinha determinado que os entes federativos descentralizados têm competência para adotar medidas administrativas e normativas no julgamento da ADI-MC-Ref 6.341, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 13.11.2020.

[14] Destaque-se a fragmento da decisão do Ministro Alexandre de Moraes: “Onde está a empatia de todos nesse momento?… Estamos com 4.000 mortos por dia e parece que algumas pessoas não conseguem entender o momento gravíssimo dessa pandemia. Ausência de leitos, insumos, oxigênio, as pessoas morrendo sufocadas. Mortes dolorosas e cruéis em vários estados da federação. Pessoas inclusive morrendo no estado mais rico da federação, estado de São Paulo, aguardando vagas na UIT (Unidade de Terapia Intensiva).” (MILITÃO, Eduardo, TEIXEIRA, Lucas Borges. Por 9 votos a 2 STF decide que estados e municípios podem vetar cultos, Disponível em: <www.noticias.uol.com.br>. Acesso em: 09 abr. 2021).