O estabelecimento do marco inicial da idade para o reconhecimento do período rural

The establishment of the initial age milestone for the recognition of the rural period

DOI: 10.19135/revista.consinter.00020.16

Recebido/Received 08/12/2023 – Aprovado/Approved 05/02/2024

Carla Benedetti[1] – https://orcid.org/0000-0002-5232-159X

Daniele de Mattos Carreira Turqueti[2] – https://orcid.org/0000-0001-8019-3751

Resumo

A comunidade rural no Brasil enfrentou por muito tempo discriminação, resultando na privação de direitos previdenciários. Com a promulgação da Constituição de 1988 e as Leis 8.212/91 e 8.213/91, estabeleceu-se a igualdade entre as populações urbana e rural. Este estudo analisou a evolução legislativa e jurisprudencial, focando na análise do limite etário rural para conquista da aposentadoria, tanto por idade como por tempo de contribuição. A pesquisa, baseada em revisão bibliográfica e documental, abordou mudanças legislativas, como a Constituição e as leis mencionadas, destacando a igualdade entre as populações. A análise documental incluiu casos judiciais sobre o marco etário para reconhecimento do trabalho rural. A pesquisa também explorou a aposentadoria por idade híbrida, evidenciando legislação pertinente e mudanças pela Reforma de 2019. A metodologia distinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição da por idade híbrida, convergindo com jurisprudência e aplicação do INSS no reconhecimento do trabalho rural de qualquer idade. Essa abordagem forneceu uma compreensão crítica e abrangente do tratamento previdenciário da comunidade rural, contribuindo significativamente para o entendimento dessa temática complexa.

Palavras-chaves: Tratamento igualitário; Atividade rural; Idade Mínima; Constituição de 1998; Lei 8.213/1991; Direitos Previdenciários; Proteção ao menor.

Resume

The rural community in Brazil has long faced discrimination, resulting in the deprivation of social security rights. With the promulgation of the 1988 Constitution and the enactment of Laws 8,212/91 and 8,213/91, equality was established between urban and rural populations. This study analyzed legislative and jurisprudential evolution, focusing on the analysis of the rural age limit for acquiring retirement, both by age and by contribution time. The research, based on a comprehensive review of literature and documents, addressed legislative changes, such as the Constitution and the mentioned laws, emphasizing equality between populations. Documentary analysis included legal cases regarding the age threshold for the recognition of rural work. The study also explored hybrid retirement, highlighting relevant legislation and changes due to the 2019 Reform. The methodology distinguished between retirement based on contribution time and hybrid retirement, aligning with jurisprudence and INSS application in recognizing rural work at any age. This approach provided a critical and comprehensive understanding of social security treatment for the rural community, significantly contributing to the comprehension of this complex issue.

Keywords: Equal treatment; Rural activity; Minimum age; 1988 Constitution; Law 8.213/1991; Social security rights; Protection of minors.

Sumário: 1      . Introdução; 2. Breve histórico da legislação previdenciária dos trabalhadores rurais; 3. Requisitos para reconhecimento de período rural: aposentadoria por idade do trabalhador rural: RGPS – alterações da EC 103/2019; 4. Aposentadoria por idade híbrida; 5. Averbação de período rural para aposentadoria por tempo de contribuição; 6. Marco inicial da idade para reconhecimento de período rural; 7. Conclusão; 8. Referências.

1  INTRODUÇÃO

A comunidade rural foi por longo período alvo de tratamento discriminatório, o que resultou na privação de vários de seus direitos previdenciários. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a subsequente regulamentação pelas Leis 8.212/91 e 8.213/91, foi estabelecido o princípio de tratamento igualitário entre as populações urbana e rural, proporcionando à população rural garantias mais eficazes de seus direitos previdenciários. Embora a Lei 8.213/91 tenha delineado os critérios e a forma de comprovação da atividade rural, no âmbito judicial, o reconhecimento excedeu os limites estabelecidos pela legislação. Uma área de controvérsia que emergiu e discute o marco etário inicial para o reconhecimento da atividade rural.

A aposentadoria por idade híbrida, uma modalidade de benefício previdenciário destinada aos trabalhadores que atuaram tanto na zona rural quanto na urbana, representa um reconhecimento e valorização do esforço daqueles que, cujas trajetórias profissionais foram realizadas em ambos os ambientes de trabalho. Instituída pela Lei n. 11.718/2008, que alterou o art. 48, § 2º da Lei de Benefícios (8.213/1991), essa forma de aposentadoria considera tanto o trabalho na zona rural quanto o urbano.

A aposentadoria por idade, regida pelo art. 48 da Lei 8.213/91, é concedida ao segurado que, cumprida a carência estipulada, atinge a idade de 65 anos (homens) ou 60 anos (mulheres). A peculiaridade da aposentadoria por idade híbrida está na possibilidade de incluir o tempo de trabalho em ambas as áreas, com requisitos semelhantes aos da aposentadoria por idade. Existem jurisprudências consolidadas que estabelecem que essa modalidade não exige o desempenho imediato de atividade rural no momento anterior ao requerimento.

A Reforma da Previdência de 2019 promoveu modificações nos requisitos da aposentadoria por idade urbana, estabelecendo uma exigência de 15 anos de contribuição e estabelecendo a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Além disso, houve uma alteração no cálculo da renda mensal, agora baseado em 60% da média dos salários de contribuição, com acréscimos proporcionais ao tempo que ultrapassar os requisitos mínimos.

No âmbito da averbação do período rural para aposentadoria por tempo de contribuição, ocorre uma distinção em relação à aposentadoria por idade híbrida. Enquanto, na primeira, a utilização do tempo de serviço do trabalhador rural está restrita ao período anterior à Lei 8.213/1991, na segunda essa limitação não existe, permitindo então o reconhecimento sem o recolhimento, inclusive para o tempo laborado depois dessa legislação.

Essa mudança legislativa e jurisprudencial reflete a compreensão de que a proibição constitucional do trabalho em idade específica não deve privar os segurados que exerceram atividade laboral nessa fase do reconhecimento de seus direitos previdenciários. A jurisprudência brasileira e a aplicação administrativa do INSS convergem para reconhecer o labor rural de qualquer idade como requisito para a obtenção da aposentadoria por idade híbrida.

Esta pesquisa teve como objetivo realizar uma análise crítica da evolução legislativa e jurisprudencial relacionada ao tratamento previdenciário da comunidade rural no Brasil. Ao abordar as mudanças normativas e as decisões judiciais ao longo do tempo, pretendeu-se não apenas elucidar os aspectos técnicos e legais desse benefício previdenciário, mas também compreender a dinâmica que envolve a inclusão do tempo de trabalho em ambas as áreas.

A metodologia empregada nesta pesquisa baseou-se em uma revisão bibliográfica e documental abrangente, explorando a evolução do tratamento previdenciário da comunidade rural no Brasil. Iniciou-se com uma análise criteriosa da literatura, englobando artigos acadêmicos, obras especializadas e documentos legais, para compreender as mudanças legislativas marcantes, como a Constituição Federal de 1988 e as Leis 8.212/91 e 8.213/91, que estabeleceram princípios de igualdade entre as populações urbana e rural.

A pesquisa documental focou na Ação Civil Pública Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, que repercutiu em decisões judiciais que desafiaram os limites legislativos, especialmente a controvérsia em torno do marco etário inicial para o reconhecimento da atividade rural. Uma análise crítica da aposentadoria por idade híbrida foi incorporada, destacando a legislação pertinente, como a Lei n. 11.718/2008, e as mudanças trazidas pela Reforma da Previdência de 2019. O estudo examinou jurisprudências que moldaram essa modalidade, especialmente quanto à inclusão do tempo de trabalho em ambas as áreas, sem a imediata necessidade de atividade rural.

A distinção entre a averbação do período rural para aposentadoria por tempo de contribuição e a aposentadoria por idade híbrida foi analisada, enfatizando a convergência entre a jurisprudência brasileira e a aplicação administrativa do INSS em relação ao reconhecimento do trabalho rural de qualquer idade. Essa abordagem metodológica proporcionou uma compreensão crítica e abrangente das nuances do tratamento previdenciário da comunidade rural, culminando em conclusões fundamentadas e contribuições substanciais para o entendimento dessa temática complexa.

2  BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS TRABALHADORES RURAIS

Foi em 02 de março de 1963, por meio da Lei n. 4.214 que os trabalhadores rurais foram abrangidos pela primeira vez pela legislação previdenciária. Nessa lei, consta o Estatuto do Trabalhador, que criou, por sua vez, o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL).

O Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural tinha por objetivo custear à prestação de assistência médico social ao trabalhador rural e seus dependentes e instituiu contribuição sobre a comercialização da produção rural. Dentre os benefícios aos quais os segurados ou dependentes rurais foram contemplados seriam assistência à maternidade; auxílio-doença; aposentadoria por invalidez ou velhice, pensão aos beneficiários em caso de morte, assistência médica e auxílio-funeral.

O Plano Básico de Previdência social, por meio do Decreto-Lei n. 564, de 01 de maio de 1969, destinado a assegurar a empregados não abrangidos pelo sistema geral da Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960, trouxe como segurados obrigatórios os empregados do setor rural da agroindústria canavieira.

Ainda em 1969, em 24 de julho, o Decreto-Lei n. 704, ampliou o Plano Básico de Previdência Social aos empregados das empresas produtoras e fornecedores de produto agrário in natura. Além disso, realizou alterações no sistema de contribuição, a qual permaneceu sendo recolhida como percentual da comercialização rural.  Nesse caso, a obrigação do recolhimento passou a ser do adquirente e não mais do produtor, exceto nos casos em que o produtor realizasse o processo de transformação do próprio produto. Tal medida visava facilitar a fiscalização dos recolhimentos.

Por sua vez, Decreto-Lei n. 65.106, de 05 de setembro de 1969, aprovou o Regulamento da Previdência Social Rural, e estabeleceu:

Art. 1 O Plano Básico da previdência social, instituído pelo Decreto lei nº 564, de 1º de maio de 1969, e alterado pelo Decreto lei nº 704, de 24 de julho de 1969, abrange os empregados:

I – do setor agrário da empresa agroindustrial, excetuados os de que trata o artigo 5º do Decreto lei nº 704, de 24 de julho de 1969;

II – da empresa produtora e fornecedora de produto agrário in natura;

III – do empreiteiro ou da organização que, embora não constituídos sob a forma de empresa que utilizem mão-de-obra para produção e fornecimento de produto agrário in natura;

IV – safristas, assim considerados os empregados, inclusive trabalhadores rurais, cujos contratos tenha sua duração dependente de variações estacionais da atividade agrária[3].

Em 25 de maio de 1971, em substituição ao Plano Básico de Previdência Social a Lei Complementar n. 11, houve a instituição do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), o qual consistia na prestação dos benefícios de aposentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão, auxílio-funeral, serviço de saúde e serviço de social, e trouxe como beneficiários o trabalhador rural e seus dependentes.

A referida Lei Complementar considerou como trabalhador rural, para efeitos da Lei, a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregados, mediante remuneração de qualquer espécie, e o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

Em 19 de dezembro de 1972, o Decreto n. 69.919 aprovou o Regulamento do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, instituído pela Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971.Já a Lei n. 6.195, de 19 de dezembro de 1974 atribuiu ao FUNRURAL a concessão de prestações por acidente do trabalho.

O Decreto n. 75.208, de 10 de janeiro de 1975 estendeu aos garimpeiros autônomos os benefícios do PRORURAL e extinguiu a Fundação de Assistência aos Garimpeiros, enquanto o Decreto n. 77.514, de 29 de abril de 1976 aprovou o Regulamento da Lei n. 6.260, de 06 de novembro de 1975, que instituiu benefícios da previdência e assistência social a favor de empregados rurais e seus dependentes.

Já entre as décadas de 1960 a 1980, ocorreu um fenômeno socioeconômico, que foi o êxodo da população rural, em razão do processo de industrialização do país e a mecanização do campo. Frisa-se, todavia, que não havia um tratamento igualitário entre a população urbana e rural do ponto de vista previdenciário, assim, para reparar essa situação, foi que a Constituição Federal, em 1988, trouxe à tona o princípio da universalidade na cobertura e no atendimento, a fim de que houvesse igualdade de atendimento entre as populações urbanas e rurais. 

A determinação trazida pela Constituição de 1988 teve sua regulamentação realizada pelas Leis n. 8.212/1991 e 8.213/1991.

3  REQUISITOS PARA RECONHECIMENTO DE PERÍODO RURAL: APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR RURAL: RGPS – ALTERAÇÕES DA EC 103/2019

Para que o benefício fosse concedido, no período anterior à 12.11.2019, promulgação da EC 103/19 e, portanto, direito adquirido, há a necessidade do cumprimento de dois requisitos, quais sejam: idade igual ou superior a 65 anos para o homem, e igual ou superior a 60 para mulher, além da comprovação da carência, ou seja, demonstrar que contribuiu no mínimo por 180 meses para o INSS.

Após a reforma da previdência, a carência, de acordo com a regra definitiva, será de 15 anos e a idade da mulher muda para 62 anos, permanecendo a do homem em 65 anos. Quanto ao benefício de aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais, a EC103/2019 não definiu requisitos necessários. Portanto, entende-se que prevalecem as regras inscritas na Lei de Benefícios (Lei 8.213/1991).

Exige-se para a conquista da aposentadoria por idade do trabalhador rural a comprovação de 180 meses de carência seja constituído por contribuições ou utilização de período de labor na qualidade de trabalhador rural e segurado especial (art. 25, II, Lei 8.213/1991), bem como haja o cumprimento de uma idade mínima de 55 anos para a mulher e 60 anos para o homem.

O art. 39, I, da Lei 8.213/1991 exige para o segurado especial, a fim de substituir a carência, a comprovação do mesmo número de meses de atividade rural, que continua sendo aplicável mesmo após a reforma de 2019.

São considerados trabalhadores rurais enquanto segurados especiais aqueles que laborem em regime de economia familiar, ou seja, em condições de mútua dependência e colaboração com sua família, estando--se incluídos o produtor rural; garimpeiro e pescador artesanal.

A Lei 8.213/1991, ao disciplinar a figura do segurado especial, esclarece que:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (Redação dada pela Lei 8.647, de 1993)

[…] VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

b) […] c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei 11.718, de 2008) […].

A Lei 8.213/1991, ao disciplinar a figura do segurado especial, esclarece que:

O § 2º do art. 55 do mesmo diploma normativo assim determina: § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

Para comprovar o trabalho exercido na zona rural, deve-se apresentar prova documental.  É possível a apresentação de documentos que comprovem o exercício de atividade rural, podendo ser:

a) Blocos de nota de produtor rural;

b) Contrato de arrendamento ou parceria; meação ou comodato rural, cujo período da atividade será considerado somente a partir da data do registro ou do reconhecimento de firma do documento em cartório; 

c) Certidões civis como de casamento ou nascimento, além de óbito de algum membro familiar, contendo a atividade de lavrador (a) do titular ou de algum membro da família, participe do regime de economia familiar;

d) Ficha do sindicato dos trabalhadores rurais;

e) Certidão do RG constando a profissão;

f) Certidão de reservista constando a profissão de lavrador quando da dispensa da prestação de serviço militar, dentre outros documentos que demonstrem que o segurado, bem como os membros de sua família, desempenha atividades rurícolas em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de maquinários ou empregados.

Além de provas materiais, também se admite como prova de exercício de trabalho exercido na zona rural a Justificação Administrativa (prevista no art. 574, Instrução Normativa 77 – IN77/15 e seguintes), bem como a realização de audiência para a oitiva de testemunhas, já em fase de processo judicial.

A averbação de trabalho na zona rural é importante na medida em que garante ao segurado a possibilidade de gozar de uma renda de aposentadoria mais favorável, além de somar mais tempo de contribuição, que muitas vezes se torna necessário para conquista da aposentadoria. Além disso, é um direito e uma forma de valorização do trabalho dos trabalhadores rurais, que muitas vezes enfrentam condições difíceis e desafios únicos em suas atividades laborais, tais como o trabalho braçal, na poeira, no sol, na chuva, em muitos casos sem locais apropriados para se alimentar.

4  APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA

A aposentadoria por idade híbrida é uma opção de benefício previdenciário destinado aos trabalhadores que laboraram tanto na zona rural quanto na urbana, e permite que eles se aposentem com base em todo o tempo de contribuição, independentemente do local onde trabalharam. Para se beneficiar da aposentadoria por idade híbrida, é necessário cumprir os requisitos estabelecidos pela lei.

Essa modalidade de aposentadoria é uma forma de reconhecer e valorizar o esforço e o trabalho dos trabalhadores que tiveram trajetórias profissionais que se dividiram entre os dois ambientes.

A aposentadoria por idade híbrida ou mista, foi criada pela Lei n. 11.718/2008, que deu nova redação ao art. 48, § 2º da Lei de Benefícios (8.213/1991). Nesta modalidade de benefício, conhecido por aposentadoria por idade híbrida ou mista, considera-se o trabalho desempenhado em zona rural e o trabalho urbano.

Observa-se que esta modalidade está inteiramente ligada ao benefício de aposentadoria por idade, com requisitos semelhantes, admitindo a utilização de períodos trabalhados na zona rural como parte do cumprimento dos requisitos. Vejamos:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.  

No caso em questão, admite-se a possibilidade de aposentadoria híbrida, todavia, deve o trabalhador cumprir a mesma idade do período urbano, qual seja, de 65 anos para o homem, e 60 anos para a mulher.

Os meios de comprovação deste trabalho desempenhado em zona rural se darão como para qualquer outra modalidade de benefício, incluídos os destaques acrescidos pela Lei nº 13.846/2019, que são, basicamente, as listadas no artigo 106 da Lei de Benefícios. As novidades são: autodeclaração de atividade rural e documentação complementar.

Muito se questiona sobre o exercício de atividade urbana no momento do requerimento administrativo, que já fora motivo de controvérsia pacificada em Memorando-Circular Conjunto publicado pelo INSS; bem como acerca de tempo de atividade rural descontínuo e remoto, julgado e pacificado, portanto, ao Tema n. 1007 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

O Memorando-Circular Conjunto nº 01/DIRBEN/PFE/INSS, tornado público em 04 de janeiro de 2018, consolida o entendimento jurisprudencial que há muito é consolidado sobre a não exigência de que o segurado esteja exercendo atividade rural no momento imediatamente anterior à data de entrada do requerimento (DER).

Seria a Ação Civil Pública de n. 5038261-15-4.04.7100, julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tornou a matéria a Súmula n.º 103. Redigida abaixo:

SÚMULA 103. A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, §3º, da Lei nº 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período.

Desta maneira, superada a discussão, passa a não ser exigido o exercício imediatamente anterior ao requerimento administrativo de atividade rural, podendo o segurado exercer tranquilamente atividade urbana e utilizar de trabalho desempenhado em zona rural no passado para cumprir os requisitos da aposentadoria por idade híbrida.

O Tema n. 1.007 do STJ – Superior Tribunal de Justiça – assegura o direito à averbação do tempo rural exercido a qualquer tempo mesmo que este seja descontínuo, ao se tratar de requerimento de benefício de aposentadoria por idade híbrida.

O Tema n. 1.007 tem força de Súmula Vinculante, portanto, possui aplicação geral e imediata em todo o âmbito judicial. Vejamos sua redação completa:

O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei nº 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

Nesse sentido, o tempo de trabalho rural pode ser desempenhado a qualquer tempo, ainda que de forma descontínua.

Com a vigência da Reforma da Previdência de 2019 a aposentadoria por idade urbana sofreu alterações. Os requisitos são: a exigência de 15 anos de tempo de contribuição para ambos os sexos e idade de 62 anos para as mulheres (regra permanente) e 65 anos para os homens.

O cálculo da renda mensal deste benefício, para quem atinge os requisitos antes da Reforma da Previdência de 2019 é: calcula-se inicialmente o salário-de-benefício, correspondente à média aritmética simples dos 80% maiores salários desde 07/1994. Após, aplicava-se o coeficiente de 70% sobre o salário-de-benefício auferido, com acréscimo de 1% para cada ano de contribuição a mais do requerido como mínimo, não ultrapassando o limite de 100%.

Após a EC nº 103/2019, no entanto, o cálculo da renda mensal do benefício será: 60% da média de todos os salários de contribuição a partir de 07/1994, com acréscimo de 2% a cada ano que exceda 20 anos do tempo de contribuição para homens e 15 anos de tempo de contribuição para mulheres, assim como no benefício de aposentadoria por idade, com a ressalva de que o período em que o segurado tenha desempenhado atividade rural seja considerado no cálculo como se fosse de contribuição pelo valor mínimo.

5  AVERBAÇÃO DE PERÍODO RURAL PARA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

Como observado no decorrer do artigo, a utilização do período de atividade rural é permitida em mais de uma espécie de benefício, quais sejam: aposentadoria por tempo de contribuição; aposentadoria por idade do trabalhador rural e aposentadoria por idade híbrida.

A principal diferenciação da utilização do tempo de atividade rural na aposentadoria por tempo de contribuição e nas aposentadorias por idade acima mencionadas é o fato de que na aposentadoria por tempo de contribuição a possibilidade de cômputo do tempo de serviço do segurado trabalhador rural, independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes, é limitada ao período anterior à vigência da Lei 8.213/1991, enquanto nas aposentadorias por idade rural e híbrida não há essa limitação, sendo possível o reconhecimento, sem o respectivo recolhimento, ainda que referente a tempo posterior à vigência da referida lei.

O §2º do artigo 55 da Lei 8.213/1991 assim determina:

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento[4].

A Súmula 24 da Turma Nacional de Uniformização confirma esse entendimento:

O tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser considerado para a concessão de benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto para efeito de carência, conforme a regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213/91[5].

Frisa-se, como já citado, que para ser reconhecido o trabalho rural do segurado especial, deve este trabalhar para sustento próprio ou de sua família, em regime de economia familiar. De acordo com o art. 11, § 1º da Lei nº 8.213/1991, entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

É possível utilizar os documentos de familiares para comprovação de período rural. Tendo em vista as próprias características do chamado “regime de economia familiar”, somado às dificuldades encontradas pelos trabalhadores rurais e à informalidade existente à época, a jurisprudência é firme no sentido de admitir como início de prova material documentos em nome de outros membros da família como forma de comprovar o trabalho rural. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, através da Súmula nº 73, possui o entendimento de que “admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental”.

Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei nº 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural.

Com relação ao período posterior à vigência da Lei nº 8.213/1991, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial ou assemelhado comprovar o recolhimento das contribuições previdenciárias, como segurado facultativo, tendo em vista a exigência legal.

Faz-se possível estender a condição de rurícola ao cônjuge, desde que a atividade principal do grupo familiar seja o rurícola e evidencie-se, por meio de prova documental e testemunhal, a prestação dos serviços agrícolas.

Quanto à comprovação do período rural, verifica-se que a partir de 01.01.2023 esta ocorrerá exclusivamente por meio de cadastro, porém o §2º do mesmo dispositivo informa que para o período anterior a essa data, o segurado especial comprovará o tempo de exercício de atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas.

O §3º do artigo 55 da mesma Lei traz a possibilidade de comprovação de atividade mediante a realização de justificativa administrativa ou judicial, mas ressalta que está só produzirá efeitos se baseada em início de prova material contemporânea aos fatos, não admitindo a prova exclusivamente testemunhal, exceto nas hipóteses de motivo de força maior ou caso fortuito.

O rol trazido pela legislação vincula a Administração Pública, porém, na via judicial se admite outros meios de prova, não sendo considerado um rol taxativo. Portanto, a comprovação do trabalho exercido na atividade rural exige, em regra, a apresentação de prova documental que comprove o efetivo exercício da atividade, a qual pode ser corroborada por meio da oitiva testemunhal.

6  Marco Inicial da Idade para Reconhecimento de Período Rural

O exercício de atividade rural, especialmente na infância, na maioria dos casos, a partir dos 8 anos de idade, pode ser computado aos benefícios de aposentadoria e a utilização do período de atividade rural é permitida em mais de uma espécie de benefício, quais sejam: aposentadoria por tempo de contribuição; aposentadoria por idade do trabalhador rural e aposentadoria por idade híbrida.

A principal diferenciação da utilização do tempo de atividade rural na aposentadoria por tempo de contribuição e nas aposentadorias por idade acima mencionadas é o fato de que na aposentadoria por tempo de contribuição a possibilidade de cômputo do tempo de serviço do segurado trabalhador rural, independente do recolhimento das contribuições correspondentes, é limitada ao período anterior à vigência da Lei 8.213/1991, enquanto nas aposentadorias por idade rural e híbrida não há essa limitação, sendo possível o reconhecimento, sem o respectivo recolhimento, ainda que referente a tempo posterior à vigência da referida lei.

Em relação ao marco inicial etário para o cômputo de período de exercício de atividade rural, é notório que a população rural, durante muitos anos, teve seus direitos previdenciários privados. Com o advento da CF/88 e da sobre valência do Princípio da Universalidade na Cobertura do Atendimento e Uniformidade e Equivalência dos Benefícios às Populações Urbanas e Rurais é que houve a determinação da igualdade de atendimento, regulamentado pela Lei de Benefícios.

No ano de 2018 o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, através de decisão proferida na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, determinou que, para fins previdenciários, o trabalhado exercido em qualquer idade pode ser considerado, inexistindo assim um marco etário mínimo para o cômputo do tempo.

Ainda que houvesse a decisão acima emitida, o entendimento não vinha sendo aplicado de forma majoritária pela jurisprudência, a qual seguia aplicando o marco inicial de 12 anos de idade para fins de reconhecimento de atividade rural.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, através de decisão publicada pela Primeira Turma no Agravo em Recurso Especial nº 956.558, confirmou o entendimento, e admitiu, por unanimidade, o reconhecimento do comprovado exercício de atividade rural anterior aos 12 anos de idade do segurado para fins previdenciários.

Por fim, no próprio âmbito da administração pública, a publicação da Portaria Conjunta nº 7, de 09 de abril de 2020, o qual estabelece orientações para cumprimento da Ação Civil pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, passou a permitir o reconhecimento do trabalho, tanto rural quanto urbano, desde que comprovado, exercido em qualquer idade. Portanto, o cômputo do tempo em que o segurado laborou em meio rural é determinação legal, bastando a comprovação da existência do labor.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui entendimento no sentido de que não há idade mínima em relação ao cômputo de período do trabalho, com o intuito da proteção previdenciária da criança, o qual foi consolidado no julgamento da Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. 1. O interesse processual do MPF diz respeito à alteração de entendimento da autarquia no tocante às implicações previdenciárias decorrentes do exercício laboral anterior àquele limite etário mínimo, consubstanciadas inclusive na Nota 76/2013. Em que pese efetivamente constitua aquela Nota importante avanço no posicionamento do INSS sobre a questão, não torna ela despicienda a tutela jurisdicional pleiteada, já que admite aquela Nota que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo, permanecendo – não bastasse a já referida necessidade prévia de reconhecimento trabalhista – a não admitir a proteção para as demais situações de exercício laboral por menor de 16 anos, referidas na contestação como externadas de forma voluntária. Não bastasse isto, restaria ainda a questão referente à documentação e formalidades exigidas para a comprovação de tal labor, o que evidencia a permanência da necessidade de deliberação e, por consequência, a existência do interesse de agir. 2. Não há falar em restrição dos efeitos da decisão em ação civil pública a limites territoriais, pois não se pode confundir estes com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que se estende a todos aqueles que participam da relação jurídica. Isso porque, a imposição de limites territoriais, prevista no art. 16 da LACP, não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual. 3. Logo, inexiste violação ao art. 16 da Lei nº 7.347/1985, como aventou o INSS, porquanto não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a aplicação de normas distintas a pessoas detentoras da mesma condição jurídica. 4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz.

5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicultura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social – MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 – todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos.

14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/ 8), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018).

O Superior Tribunal de Justiça também firmou entendimento no sentido de que o tempo de serviço em atividade rural realizada por trabalhador com idade inferior a 14 anos em regime de economia familiar, ainda que não vinculado ao Regime de Previdência Social, pode ser averbado e utilizado para o fim de obtenção de benefício previdenciário.

Conforme os seguintes julgados citados na Ed. 94 da Jurisprudência em Teses, vislumbra-se abaixo o entendimento da referida corte na decisão proferida no agravo regimental citado, REsp 1150829, na qual confirma a possibilidade do reconhecimento de atividade rural anterior aos 12 anos de idade. Veja-se:

AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. É assente nesta Corte que a via especial não se presta à apreciação de alegação de ofensa a dispositivo da Constituição da República, ainda que para fins de prequestionamento, não sendo omisso o julgado que silencia acerca da questão. 2. Impossível o conhecimento de questão não suscitada nas razões do recurso especial, no âmbito do agravo interno, sob pena de inovação recursal. 3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade. 4. Agravo ao qual se nega provimento.

Ainda, o Superior Tribunal de Justiça, através de decisão publicada pela Primeira Turma no Agravo em Recurso Especial nº 956.558, confirmou o entendimento, e admitiu, por unanimidade, o reconhecimento do comprovado exercício de atividade rural anterior aos 12 anos de idade do segurado para fins previdenciários.

No âmbito da via administrativa, posteriormente ao julgamento da Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, o entendimento sobre a possibilidade do reconhecimento de trabalho, rural ou urbano, prestado em qualquer idade, restou consolidado com a publicação da Portaria Conjunta nº 7, de 09 de abril de 2020, o qual dispõe:

PORTARIA CONJUNTA Nº 7, DE 9 DE ABRIL DE 2020

Estabelece orientações para cumprimento provisório de sentença da Ação Civil Pública nº 5031617- 51.2018.4.04.7100/RS

[...] Art. 1º Estabelecer orientações para o cumprimento provisório de sentença da Ação Civil Pública nº 5031617-51.2018.4.04.7100/RS, que determinou ao INSS que passe a aceitar, para todos os fins de reconhecimento de direitos de benefícios e serviços previdenciários (tempo de contribuição, carência, qualidade, etc), de acordo com cada categoria de segurado obrigatório, trabalho comprovadamente exercido na categoria de segurado obrigatório de qualquer idade, exceto o segurado facultativo, bem como, devem ser aceitos os mesmos meios de prova exigidos para o trabalho exercido com a idade permitida.

Art. 2º O disposto nesta Portaria se aplica aos benefícios com Data de Entrada de Requerimento-DER a partir de 19/10/2018 e alcança todo o território nacional.

Art. 3º Para o cumprimento da decisão judicial deverão ser observadas as orientações a seguir:

I – o período exercido como segurado obrigatório realizado abaixo da idade mínima permitida à época deverá ser aceito para todos os fins de reconhecimento de direitos de benefícios e serviços previdenciários, devendo o benefício ser habilitado no sistema PRISMA com motivo de requerimento "ACP", conforme vigência de idade mínima descrita abaixo:

[...] II – para a comprovação a que se refere o art. 1º, devem ser aceitos os mesmos meios de prova exigidos para o trabalho exercido com a idade legalmente permitida, vigentes na data da comprovação.

Parágrafo único. Os documentos comprobatórios do exercício de atividade idade inferior à legalmente permitida deverão atender aos mesmos requisitos necessários para a comprovação da atividade em idade permitida.

Tendo por base as decisões judiciais abordadas, bem como portaria acima mencionada, aplicada na própria via administrativa pelo INSS, verifica-se que a regra constitucional que veda o trabalho de determinada idade, não pode ser interpretada em prejuízo do menor, uma vez que o objetivo da norma é a proteção do menor, de forma a evitar a exploração do trabalho infantil, sob pena de privar o menor que exerceu atividade laboral da obtenção de seu direito previdenciário. 

De forma que não é razoável, presumir, sem análise do caso concreto, que não houve o trabalho rural anterior aos 12 anos de idade, privando os segurados que efetivamente exerceram atividade rural em idade anterior, de computarem o período para fins de obtenção de benefício previdenciário. 

Portanto, o reconhecimento do labor rural de qualquer idade, mesmo que de menor abaixo dos limites legais, é uma tendência jurisprudencial brasileira, e inclusive, vem sendo aplicado pelo INSS na via administrativa.

7  CONCLUSÃO

O marco legal para o reconhecimento do período rural evoluiu significativamente. Vimos que em 2018, o TRF4 determinou que o trabalho exercido em qualquer idade pode ser considerado para fins previdenciários, superando a limitação anterior de 12 anos. O STJ reafirmou essa posição e permitiu o reconhecimento do trabalho rural mesmo antes aos 12 anos.

A Portaria Conjunta nº 7, de 2020, orienta o reconhecimento do trabalho rural e urbano em qualquer idade, desde que devidamente comprovado. Essa mudança legislativa e jurisprudencial reflete a compreensão de que a proibição constitucional do trabalho em idade específica não deve privar os segurados que exerceram atividade laboral nessa fase do reconhecimento de seus direitos previdenciários.

Importante ressaltar que a jurisprudência e a normativa administrativa se alinham para garantir a justa aplicação desse direito, proporciona segurança jurídica e igualdade de tratamento para aqueles que contribuíram para o desenvolvimento do país em diferentes contextos.

O reconhecimento do labor rural de qualquer idade, mesmo que de menor abaixo dos limites legais, é uma tendência jurisprudencial brasileira, e inclusive, vem sendo aplicado pelo INSS na via administrativa.

8  REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] União, Brasília, 05.10.1998. Disponível em www.planalto.gov.br Acesso em 23 mai. 2020.

BRASIL. Lei 8.213, de 24.07.1991. Dispõe sobre os planos da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, 25.07.1991. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 mai. 2020.

BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Súmula 24. Súmulas TNU. Disponível em: <www.cjf.jus.br>. Acesso em: 30 mai. 2020.

BRASIL. Lei 8.213, de 24.07.1991. Dispõe sobre os planos da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, 25.07.1991. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 mai. 2020.

BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Súmula 05. Súmulas TNU. Disponível em <www.cjf.jus.br>. Acesso em: 03 jun. 2020.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ação Civil Pública 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA. Relatora para Acórdão: SALISE MONTEIRO SANCHOTENE. Pesquisa de Jurisprudência, Inteiro Teor, 12 abr 2018. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br>. Acesso em: 03 jun. 2021.

BRASIL. DECRETO LEI Nº 65.106, DE  05 DE SETEMBRO DE 1969. Aprova o Regulamento da Previdência Social Rural e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mai. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 1150829 SP 2009/0144031-0. Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP). Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 04 out 2010. Disponível em: < http://www.stj.jus.br >. Acesso em: 03 jun. 2021.

BRASIL. Portaria Conjunta nº 07, de 09.04.2020. Estabelece orientações para cumprimento provisório de sentença da Ação Civil Pública nº 5031617-51.2018.4.04.7100/RS. Diário Oficial [da] União, Brasília, 14.04.2020. Disponível em: <www.pesquisa.in.gov.br>. Acesso em 01 jun. 2020.

Caderno TNU. Número 36 – janeiro a abril de 2016. Publicação da Assessoria de Comunicação Social do CJF.

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BENEDETTI, Carla; AMARAL, Manoela Plácido do. Reforma da previdência na prática: impactos da EC 103/2019.  Curitiba: Juruá, 2021. Pág. 29 a 31.

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SERAU JR, Marco Aurélio. Comentários à lei de benefícios da previdência social: Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Curitiba: Juruá, 2020, p. 27.

Notas de Rodapé

[1]     Jornalista, formada pela Universidade Estadual de Londrina e advogada graduada pela PUC-PR. Mestre em Direito Previdenciário na PUC-SP e doutoranda em Direito Constitucional também pela PUC-SP. Professora e Coordenadora de cursos de Pós-Graduação. Membro da Academia de Ciências, Letras e Artes de Londrina. E-mail: carlabenedetti.adv@gmail.com. CEP 05014-901 – SP – BR – Pontifícia Universidade Católica. carlabenedetti.adv@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5232-159X.

[2]     Bacharel em Direito, Mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP e Doutora em Direito Previdenciário pela PUC-SP. Membra da Academic Union Oxford. Autora de obras e artigos em sua área de atuação. Advogada. E-mail: daniele@carreiraadvogados.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8019-3751.

[3]         Decreto Lei Nº 65.106, De  05 De setembro De 1969. Aprova o Regulamento da Previdência Social Rural e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mai. 2020.

[4]         BRASIL. Lei 8.213, de 24.07.1991. Dispõe sobre os planos da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, 25.07.1991. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 30 mai. 2020.

[5]      BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Súmula 24. Súmulas TNU. Disponível em <www.cjf.jus.br>. Acesso em 30 mai. 2020.