Obesidade e Direito – Entre a Estética e a Saúde: A Cirurgia Bariátrica e a Fulguração por Argônio para o Enfrentamento da Gordofobia
DOI: 10.19135/revista.consinter.00014.21
Recebido/Received 15.10.2020 – Aprovado/Approved 25.03.2021
Andréa Arruda Vaz[1] – https://orcid.org/0000-0001-9177-2740
Marco Antônio Lima Berberi[2] – https://orcid.org/0000-0002-5132-6452
Tais Martins [3]– https://orcid.org/0000-0002-7494-6961
Resumo
A cirurgia bariátrica e as subsequentes fulgurações por argônio aparecem num discurso dicotômico, que demonstra que a tão esperada solução definitiva para o problema da obesidade não tem sido eficaz. A saúde e a obesidade são temas de estudo e pesquisa instigantes em diferentes campos do saber; seja na Moda, na Ciência, na Psicologia, na Estética, no Direito, na Literatura e na Dramaturgia, todos eles estão ligados, de certa forma, ao culto do corpo e à busca de padrões estéticos. A mídia e as redes sociais direcionam a um controle de peso que tem como foco o mercado de consumo, seja de moda, saúde ou beleza. Servem como organizadores das escolhas diretas e indiretas dos indivíduos no que tange aos alimentos, à vestimenta, à ingestão do álcool ou utilização de suplementos alimentares. Em tese culminariam em um corpo equilibrado e aceitável aos padrões de consumo, mas nem sempre saudável. A gordofobia não está somente nas revistas de moda – pouco ou nada inclusivas. Ela está também no ambiente de trabalho e em todos os lugares, pois assim é o preconceito que espreita as relações sociais sem ser notado e muitas vezes permeado banalizado pelas falas falsamente inclusivas. O Direito como agente promotor da inclusão e do respeito à igualdade diante dos contornos do Direito Constitucional.
Palavras-chave: Obesidade; Direitos Humanos; Cirurgia Bariátrica; Gordofobia; Fulguração por Argônio; Exclusão Social; Representações Sociais
Abstract
Bariatric surgery and the subsequent flashes of argon appear in a dichotomous discourse, which demonstrates that the long-awaited definitive solution to the problem of obesity has not been effective. Health and obesity are subjects of study and research that are thought provoking in different fields of knowledge; be it in Fashion, Science, Psychology, Aesthetics, Law, Literature and Dramaturgy, all of them are linked, in a certain way, to the cult of the body and the search for aesthetic standards. The media and social networks aim at weight control that focuses on the consumer market, be it fashion, health or beauty. They serve as an organizer of individuals’ direct and indirect choices regarding food, clothing, alcohol intake or use of dietary supplements. In theory they would culminate in a balanced body that is acceptable to consumption patterns, but not always healthy. Gordophobia is not just in fashion magazines – little or nothing inclusive. It is also in the workplace and everywhere, because it is prejudice that lurks in social relations without being noticed and often permeated by trivialized statements. Law as an agent that promotes inclusion and respect for equality in the face of constitutional law
Keywords: Obesity; Human Rights; Bariatric Surgery; Gordophobia; Argon Glare; Social Exclusion; Social Representations.
Sumário: 1. Introdução; 2. O contorno da obesidade entre a teoria das Representações Sociais e o direito; 3. A gordofobia e os limites do direito; 4. A obesidade e o mercado da fragilidade; 5. O corpo que se presta ao consumo entre as representações sociais e o direito; 6. Os direitos de personalidade e a obesidade; 7. Considerações finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta uma reflexão sobre a obesidade como um fenômeno multifatorial que exige uma abordagem clínica, mas também jurídica sobre o que é a patologia da obesidade e quais as análises fundamentais que tramitam no seio da sociedade. O corpo muitas vezes surge como um objeto de consumo – seja pela estética, pela mídia e pelos incontáveis tratamentos de beleza que são oferecidos. No entanto a prevalência do assunto acaba muitas vezes divorciado da manutenção da saúde e passa a ser um tema pertinente ao mercado de consumo da beleza e do “suposto bem-estar”.
A obesidade é um problema universal e justamente por sua amplitude dificulta recortes mais precisos – uma vez que se apresenta como uma seara de conhecimentos interdisciplinares.
A obesidade é um problema de saúde que atinge grande parte da população mundial. Pode ser amenizada por meio de tratamentos cirúrgicos, que vêm sendo utilizados por pessoas que não obtêm sucesso com tratamentos convencionais. A cirurgia bariátrica surge como uma promessa de solução definitiva para a obesidade, mas muitas pessoas voltam a ganhar peso após a sua realização. Diante do reganho de peso, surge uma nova possibilidade: a fulguração por argônio, que se apresenta como forma de manutenção de peso através da inserção de um gás na cavidade gástrica que diminui a anastomose e consequentemente acaba por restringir a ingestão de alimentos.
A cirurgia bariátrica e as subsequentes fulgurações por argônio aparecem num discurso dicotômico, que demonstra que a tão esperada solução definitiva para o problema da obesidade não tem sido eficaz.
A saúde e a obesidade são temas de estudo e pesquisa instigantes em diferentes campos do saber; seja na Moda, na Ciência, na Psicologia, na Estética, no Direito, na Literatura e na Dramaturgia, todos eles estão ligados, de certa forma, ao culto do corpo e à busca de padrões estéticos.
Para determinar o IMC, deve-se dividir o peso do indivíduo (massa) pela sua altura ao quadrado. A massa deve ser definida em quilogramas (kg) e a altura em metros. Portanto, esta é a fórmula de cálculo: IMC = massa / (altura x altura). Para ser considerado obeso esse valor deve ser maior ou igual 30,0 para obesidade grau I; maior ou igual a 35,0 para obesidade grau II e maior ou igual a 40,0 para obesidade grau III.
O corpo magro e esbelto costuma estar associado à maior realização e, muitas vezes, é utilizado como sinônimo de sucesso nas propagandas de bancos, de cerveja e dos filmes de aventura. Até mesmo nos desenhos animados essa dinâmica é retratada, pois o que está acima do peso é a figura abobalhada e atrapalhada das cenas. Essas situações, aparentemente inofensivas, estabelecem também ligações com os sentimentos sobre aceitação ou rejeição social entre aquilo que o indivíduo deseja para si de modo individual e o que o sujeito escolhe em relação ao coletivo.
Porém, os dados são calculados via IMC e não apresentam o contorno psicológico dessa obesidade. O corpo é medido e quantificado, mas por certo não se constrói através de um vácuo social (Saraiva; Coutinho, 2012).
A mídia e as produções científicas mostram o surgimento da gordofobia e como ela tem um entrelaçamento com a construção do saber social e as realidades da vida social. As situações relatadas e vivenciadas propiciam a construção do objeto de estudo que não pode ser divorciado da realidade individual de cada entrevistado e tampouco dos contextos estabelecidos por meio de cada um deles nas relações de trabalho, afeto e lazer (Araújo et al., 2018).
Este estudo perpassará pela conceituação e definição de fobias, obesidade, assim como trabalhará os seus contornos tanto pela psicologia, como sob o viés jurídico. Ademais, tais conjugações podem de forma tranquila perpassar as duas áreas de estudo, qual seja, o viés do sofrimento, das angústias, assim como a dor externa do preconceito e da segregação social sofrida diariamente por pessoas acima do peso. Por fim, a metodologia utilizada na construção do artigo será a pesquisa bibliográfica, descritiva, exploratória e metodológica.
2. O CONTORNO DA OBESIDADE ENTRE A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O DIREITO
A luta contra o excesso de peso começou a ganhar fôlego no campo da saúde nos anos 2000 e 2010. A partir de então, os conteúdos referentes à saúde corporal passam a receber maior espaço nas agendas de saúde e na discussão sobre as políticas públicas sobre obesidade (Dias et al., 2017).
Na fala do antropólogo Le Breton citado na obra de Falabretti:
(…) As técnicas do corpo incorporam em um mesmo ente, o corpo simbólico, o mecanismo e a psicologia. Portanto, na perspectiva antropológica sobre o corpo, conforme Le Breton (2007), fundado no imaginário social de diferentes sociedades, o corpo é “uma estrutura simbólica, superfície de projeção passível de unir as mais variadas formas culturais (LE BRETON, 2020, p. 172).
A obesidade é um problema de saúde, mas também social, pois há uma gama de enfermidades que a ela está associada, e além dos aspectos corporais há também os aspectos emocionais diante dos sentimentos da pessoa obesa frente à sociedade na qual ela está inserida (Araújo et al., 2018).
Embora a obesidade seja considerada uma doença de etiologia complexa e multideterminada, o comportamento alimentar e seu contexto histórico alçam algumas das principais causas para o ganho de peso; no entanto não se constitui somente um elemento volitivo. O comércio alimentar, os hábitos culturais e a própria história da alimentação contribuíram para que o seu descontrole promovesse a obesidade de um problema de pequenas proporções para um de proporções globais (Marchesini, Antunes, 2017; Polli et al., 2018).
Diante da crescente epidemia de obesidade nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o controle do peso traz em seu bojo aspectos sociais, culturais, psicológicos, jurídicos e históricos. Afinal, quando uma pessoa resolve perder peso, o seu foco de atenção pode ser diversificado em vários pontos: saúde, bem-estar, estética e até mesmo emocional. A sociedade exige uma perfeição corporal, mas que nem sempre tem os olhos voltados à saúde, mas sim ao padrão estético (Witt, Schneider, 2011).
No entanto, algumas dietas e programas de emagrecimento têm como objetivo a produção de lucro e não a disseminação da saúde.
A mídia e as redes sociais direcionam a um controle de peso que tem como foco o mercado de consumo, seja de moda, saúde ou beleza. Servem como organizador das escolhas diretas e indiretas dos indivíduos no que tange aos alimentos, à vestimenta, à ingestão do álcool ou utilização de suplementos alimentares. Em tese culminariam em um corpo equilibrado e aceitável aos padrões de consumo, mas nem sempre saudável.
Os tratamentos convencionais muitas vezes não conduzem a uma perda de peso significativa, ou à manutenção do peso desejado após sua conquista. Diante do insucesso do tratamento convencional, os pacientes com IMC maior que 35 kg/m² e afetados por doenças como diabetes, apneia do sono, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, doenças osteoarticulares e doenças como hérnias de disco, artroses e inúmeras outras doenças podem se submeter ao tratamento propiciado pela cirurgia bariátrica (SBCBM, 2017). A cirurgia torna-se saída imediata para um problema que se estabelece de modo paulatino na vida da pessoa obesa.
Surge então uma interface com a norma social que novamente confronta o corpo magro ao corpo saudável e que subjetivamente e por vezes erroneamente apontaria a magreza como critério de saúde. O sucesso e o insucesso dos procedimentos cirúrgicos podem estar associados a processos de alcoolemia, drogadição e depressão, estabelecendo um ciclo vicioso e interminável (Koelzeret et al, 2016; Lima ,Oliveira, 2016; Willian et al. 2015).
Pessoas que compartilham a experiência de fracasso na primeira cirurgia bariátrica compõem um grupo que pode ser mais ou menos coeso, mantendo contato direta ou indiretamente. O fato de compartilharem experiências e modos de vida também as faz compartilhar pensamentos socialmente construídos. Mesmo que as pessoas obesas não convivam ou tampouco estejam no mesmo ambiente, elas compartilham experiências e Representações Sociais, portanto, pode-se dizer que constituem uma comunidade.
A Teoria das Representações Sociais (TRS) se alinha a esses propósitos ao proporcionar que os pensamentos compartilhados pela comunidade de pessoas obesas sejam conhecidos e trazidos à discussão. As representações sociais são pensamentos e conhecimentos compartilhados por pessoas que fazem parte de um grupo social, elas são importantes para compreender as práticas sociais (Jodelet, 2001), uma vez que é através delas que estabelecer-se-ão as relações identitárias, a função de orientação, a função justificadora e a função do saber. Essas funções são determinantes para compreender os valores que perfilham as pessoas a essas Representações Sociais construindo algo que diferencia esse grupo de pessoas dos demais grupos (Justo, 2016).
A premissa essencial é trilhar o caminho da vulnerabilidade e dos riscos sociais diante da obesidade no que concerne à opção pela nova intervenção, também nominada fulguração por argônio. A decisão pela fulguração surge quando os demais métodos para a perda e manutenção do peso já fracassaram. A prevenção e controle da obesidade exigem um cuidado integral do indivíduo, mas esse processo deve ser contínuo e permanente, pois o reganho de peso pode reconduzir aos problemas já conhecidos e consequentemente a uma nova cirurgia com a mesma finalidade, e que provavelmente está fadada ao insucesso.
Considerando a obesidade um problema de saúde que atinge uma parcela significativa da população, e que indivíduos que sofrem com essa doença compartilham um sentimento de pertencimento comunitário, a Teoria das Representações Sociais permite adentrar nesse universo socialmente construído.
3. A GORDOFOBIA E OS LIMITES DO DIREITO
Em estudo sobre a obesidade e mídia, Felippe et al. (2004) descrevem representações sociais acerca do sujeito com obesidade, caracterizando-o como desacreditado, desprovido de amor-próprio, à margem dos padrões estéticos estabelecidos, marginalizados pelos conceitos de beleza contemporâneos e que os retratam como um problema social produto da gula, da negligência e da inércia, gerando estereótipos discriminatórios sobre esse grupo.
De acordo com Rangel (2018), o conceito de gordofobia em estudos brasileiros, ainda embrionários, pode ser utilizado “para denominar o preconceito, estigmatização e aversão englobados por meio de uma opressão estrutural que atinge as pessoas gordas na sociedade”. Assim, na conceituação do termo, ainda muito novo no vocabulário da ciência e até mesmo em estudos a respeito, retrata justamente a concretização do preconceito e da estigmatização das pessoas obesas, o que reflete em sofrimento, dor e isolamento.
E a mesma autora continua, explicando que “a gordofobia é utilizada para denominar o preconceito, estigmatização e aversão englobados por meio de uma opressão estrutural que atinge as pessoas gordas na sociedade” (RANGEL, 2018). Nesse sentido, é importante se avançar nos estudos a respeito de tal temática, cada vez mais recorrente no Estado contemporâneo, cujos contornos cada dia mais contribuem para a construção de uma sociedade acima do peso. Ademais, a alimentação e as políticas públicas voltadas à proteção ao direito à saúde e qualidade de vida, nem sempre conseguem proporcionar às pessoas de um modo geral, uma vida saudável e livre do excesso de peso.
Nesse sentido surge o culto ao corpo que é construído pela mídia. E os padrões estéticos restam ligados com o consumo alimentar da população, pois esse também recebe a interferência da mídia (Mendes, Vilhena, 2016), uma onda de internet fomentada pelas “blogueiras fitness” que estimulam novos padrões de beleza e produzem conteúdos e contextos sobre os hábitos alimentares. No estudo quantitativo realizado por Magalhães et al. (2017), com 150 sujeitos de idades entre 18 e 50 anos, é possível avaliar a influência que as “blogueiras fitness” promovem em relação à população nas redes sociais e como o culto ao corpo é construído e fomentado através desses padrões de saúde e beleza produzindo e formulando novas opiniões sobre os hábitos alimentares, que confluem para o estudo e análise da obesidade. Os autores destacam um sofrimento psíquico do sujeito obeso e abordam também os vários contextos em que o corpo é observado na contemporaneidade.
O artigo elaborado por Araújo et al (2018) também aborda as questões da internet sobre o corpo e contextualiza as Representações Sociais sobre a gordofobia. O texto foi construído a partir de uma pesquisa documental nas publicações feitas na revista Superinteressante através da análise de alguns panoramas comuns, por exemplo: o gordo versus o magro; ou se a gordofobia seria uma invenção ou uma realidade. Os autores concluem que há escassez de dados sobre o tema, o que faz crer que o peso no Brasil é um assunto envolto em preconceito e até mesmo na inferiorização de um grupo sobre o outro, como por exemplo, na superioridade do grupo de pessoas magras sobre o grupo de pessoas obesas.
No que concerne às Representações Sociais e à sua interação entre imagem e corpo, bem como a interação do corpo com o espaço público, seja esse corpo obeso ou não obeso, há uma descrição acerca dos padrões estéticos sobre essas representações sociais e o estudo apresentado por Goetz et al (2008) oferece um panorama sobre as representações sociais do corpo na mídia impressa. Os autores apontam que o corpo envolve muitas situações que transitam entre a esfera pública e a privada. A mídia, a moda, as novelas e as relações socais são elementos que revelam as várias formas de lidar com o corpo, seja ele obeso ou não. Os padrões estéticos são estabelecidos socialmente e mesmo que velada há uma intolerância com a fuga dos padrões. Nessa pesquisa documental feita através da análise das Revistas Boa Forma, Estilo & Saúde, entre os anos de 2005 e 2006, os resultados colhidos apontaram que as representações sociais do corpo destacam dois principais aspectos: o primeiro, prático, destacando aspectos eminentemente físicos, relativos à estética e à saúde corporal; e o segundo, de caráter mais subjetivo, representa o corpo como uma unidade físico-psíquica, que prioriza o equilíbrio e o bem-estar para se alcançar uma vida mais saudável.
Ainda sobre as Representações Sociais da obesidade em relação à mídia, merece destaque o trabalho elaborado por Araújo et al. (2018) na abordagem sobre o preconceito e a mídia impressa. Foram analisadas 21 matérias veiculadas pelo Jornal Folha de São Paulo e verificou-se que as Representações Sociais da obesidade transitam no domínio das ciências médicas, razão pela qual a tratativa tem uma concentração na resolução da obesidade através da medicalização para adaptar o corpo aos padrões sociais esteticamente aceitáveis.
Noutro artigo também versando sobre o preconceito, Koelzer et al. (2016) descrevem a análise de 172 comentários associados à expressão de preconceito. Há uma contextualização do “olhar preconceituoso” com as representações sociais pautadas nas fotografias nas redes sociais. Nesse trabalho surge uma conotação de gênero, uma vez que 50% dos comentários pertenciam aos representantes do sexo masculino. Surgiu nesse estudo “um contexto social e ideológico, o lugar ocupado pelo indivíduo no grupo, na sua história, os determinantes sociais, sistemas e valores influenciam essa organização significante chamada representação social” (Koelzer et al. 2016, p. 433). Ou seja, a beleza resta associada ao corpo magro e tudo quanto estiver fora da magreza, por essa lógica, não obedece ao padrão de beleza. Surge então a exclusão feminina na sua forma mais frequente, por assim dizer, o corpo não se perfaz na individualidade, mas se constitui através de um meio de interação social. Tão logo, não é possível estudar a obesidade sem estudar o corpo e as suas implicações sociais. Um tema está necessariamente ligado ao outro, da mesma forma que a alimentação e o comportamento alimentar são interfaces do mesmo conteúdo, pois diante deles a obesidade se constitui, evita ou descontrói.
Importante aqui situar a questão da gordoaversão, palavra cujo dicionário define como “substantivo feminino Aversão a pessoas gordas que se efetiva pelo preconceito, intolerância ou pela exclusão dessas pessoas. Etimologia (origem da palavra gordofobia). Gordo + fobia”. (DICIO). Assim, é preciso estudar tal instituto, de modo a buscar políticas públicas que propiciem as pessoas maior qualidade de vida, mais saúde e condições de evitar o excesso de peso. Ademais, evitar o excesso de peso, é também combater o preconceito e a discriminação em função da obesidade, entre outras aversões, como o próprio conceito define. Até porque, em um sistema em que muitas vezes as pessoas não possuem sequer acesso a alimentação para saciar a fome, não se pode imaginar que tais pessoas consigam pensar em uma dieta saudável, o que soa até irônico. Tal temática está intrinsecamente atrelada ao direito fundamental e humano, a qualidade da alimentação e é assim que deve ser pensado.
Para complementar esse raciocínio, um texto de Gelsleichter, Zucco (2017) aborda um estudo sobre gênero, pobreza e obesidade. O trabalho identificou 13 artigos tratando a obesidade e a implicação dessa obesidade sobre o feminino. Esse estudo aponta que “a face feminina da obesidade exige um debate emergencial, pois, além da predominância de mulheres com excesso de peso, os julgamentos sociais condenatórios aparecem de modo mais frequente sobre o corpo feminino” (GELSLEICHTER, 2017, p. 112). De modo análogo podemos conjugar também Araújo et al. (2018) na abordagem sobre o preconceito e a mídia impressa, em especial quando a abordagem desse escrito recai sobre a mulher que sofre para ajustar o corpo ao padrão considerado ideal, pois o corpo magro é o corpo saudável, conforme já destacado nos estudos de Justo (2016); estética e saúde podem e devem caminhar conjuntamente e Araújo et al. (2018) corroboram essa afirmativa ao asseverarem em seu artigo que para as razões estéticas não estão opostas as questões médicas.
Nesse panorama, Araújo et al. (2018) destacam que as determinantes sociais da obesidade surgem e tramitam nas questões de imagem e da abordagem da mídia sobre essa imagem. Os artigos exploraram questões sobre o peso em vários contextos, seja da alimentação, da aceitação ou não aceitação do corpo obeso e a obesidade relacionada com as questões de gênero, mas o fator que não pode ser descartado dessa análise é a saúde e as suas dimensões, sejam elas estéticas ou socionormativas. Os dados apontam para uma preocupação com a aceitação do corpo através do padrão estético da magreza, pois o corpo obeso é o corpo que sofre com as rejeições – sejam elas afetivas ou sociais. O corpo magro não resta separado de um corpo saudável. Uma coisa não está separada da outra, pois o corpo magro pode resultar em saúde se forem adotadas as práticas saudáveis.
Para Justo (2016):
(…) Os padrões de beleza são colocados como ensejadores de frustrações, pois o que se deseja, muitas vezes, é reverter o quadro da obesidade, pois a mesma está na contramão dos padrões sociais e estéticos conhecidos e destacados pela mídia, pois surge uma dimensão contra-nomativa, ou seja, a necessidade de reverter a situação da obesidade, logo, a necessidade de emagrecer; e o quanto ela está na contramão dos padrões estéticos presentes na cultura atual e difundidos pela mídia. Dentro dessa dimensão, os obesos são pessoas que não conseguem diminuir o peso e que teriam necessidade de enfrentar diferentes tipos de intervenções médicas e /ou psicológicas para ter sucesso no seu emagrecimento, sendo que dentre elas a redução de estômago aparece como uma solução possível. Essas ideias aparecem com maior frequência dentre os participantes com excesso de peso (Justo, 2016, p. 155).
Justo, Camargo e Boulsfield (2018) apresentam considerações importantes acerca desse tema. Realizaram uma pesquisa com 20 homens e 20 mulheres, com idades entre 30 e 57 anos que apresentavam sobrepeso, através de entrevistas semidiretivas. Esse levantamento revelou que a gordura é tratada com distanciamento afetivo e reflete nas diferentes formas de internalização de padrões corporais. No referido artigo surgem as representações sociais das práticas de controle de saúde ancoradas em normas de saúde.
4. A OBESIDADE E O MERCADO DA FRAGILIDADE
A cirurgia bariátrica desponta como alternativa que promete a solução definitiva para o problema da obesidade. O número de cirurgias bariátricas no Brasil aumentou 7,5% em 2016 em comparação com o ano de 2015. Os dados são da SBCBM (2017) e indicam que em 2016 cerca de 100 mil pessoas fizeram a cirurgia. A análise dos dados da SBCBM direciona para os enfrentamentos que uma pessoa acima do peso precisa superar.
Contudo, atualmente se sabe que, mesmo após a realização da cirurgia bariátrica, muitas pessoas voltam a ganhar peso, o que causa frustração não só para o paciente, mas também para toda a equipe multidisciplinar (Baretta, 2013). Os mecanismos que levam a isso são incertos e inúmeros fatores podem ter influência, como a ingestão calórica abusiva, sedentarismo, fatores metabólicos, mudanças hormonais, escolha errada da técnica pelo cirurgião, fístulas gastro-gástricas, perda da função do anel restritivo quando presente, dilatação do pouch gástrico e dilatação da anastomose gastrojejunal (Barhouch et al., 2010).
Notoriamente os índices de reganho de peso apontam para um debate necessário sobre a ausência de acompanhamento psicológico, para o comportamento alimentar e para um conjunto de sentimentos controversos e conturbados, uma vez que os obesos constantemente sentem um estigma de rejeição e de discriminação (Spahlholz, et al., 2015). Já Moliner e Rabuske (2008) verificaram que pacientes operados fizeram acompanhamento psicológico mínimo e na maior parte das vezes mantiveram a crença de que a diminuição do peso seria a solução para todos os problemas de suas vidas. Enquanto Marchesini e Antunes (2017) e Magalhães, Brasil e Tiengo (2017) indicaram que pacientes que passaram pela cirurgia bariátrica mencionam as dificuldades de modificar seus hábitos alimentares e acabam mantendo o desejo de comer o mesmo tipo e quantidade de alimento que ingeriam antes da realização da cirurgia, e mesmo que o medo de readquirir peso exista, os velhos hábitos alimentares ainda permanecem funcionando como gatilhos emocionais.
Muitas pessoas optam pela cirurgia após terem fracassado em tentativas anteriores de perder peso e acreditam que o problema da obesidade estará solucionado definitivamente, mas, em média, entre cinco e 10 anos após a realização da primeira cirurgia bariátrica, algumas pessoas voltam a engordar (Baretta, 2013). Ao voltar a adquirir peso, algumas buscam novas alternativas cirúrgicas para perder o peso readquirido. Atualmente o procedimento de argônio tem sido uma alternativa adotada nestes casos.
O procedimento de argônio consiste na inserção do gás no estômago do paciente com a intenção de diminuir a anastomose – ou seja, a abertura estomacal que permite a ingestão de alimentos e regula a sua intensidade. A estética e a aceitação social representam um elemento decisório para os indivíduos que se submeteram à cirurgia, uma vez que diante do ganho de peso decidem submeter o corpo a uma nova incisão cirúrgica sem que isso signifique uma mudança de hábitos.
A tratativa sobre o mundo hipermoderno. Para Lipovetski:
O mundo hipermoderno, tal como se apresenta hoje, organiza sim torno que desenho a fisionomia dos novos tempos. Essas axiomáticas são: hipercapitalismo, motores da globalização financeira; hipertecnicização, grau superlativo da universalidade técnica moderna; hiperindividualismo, espiral do átomo individual daí em diante desprendido das coerções comunitárias à antiga; o hiperconsumo, forma hipertrofiada e exponencial do hedonismo mercantil. Essas lógicas em constantes interações compõem o universo dominado pela tecnização universalista, a desterritorialização acelerada e uma crescente comercialização planetarizada. É nessas condições que a época ver triunfar uma cultura globalizada ou globalista, uma cultura sem fronteiras cujo objetivo não é outro senão na sociedade universal de consumidores (LIPOVETSKY, 2011, p. 32).
A economia não se presta ao papel de Vetor Social Fundamental, e essa salvaguarda já foi posicionada na Constituição Federal; o poder jurídico não subjaz ao poder econômico. No entanto é muitas vezes o poder econômico que corrompe o entendimento sobre o que é Direito, o que é acessibilidade aos direitos.
5. O CORPO QUE SE PRESTA AO CONSUMO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS – RS E O DIREITO
As interações sociais e o desenvolvimento humano se constituem por meio da linguagem. Essa interação constrói RS, uma vez que estabelece significados entre os indivíduos. Há uma busca pela personalização. Dessa forma o sujeito social se aproxima ou se afasta da comunidade diante das suas concordâncias e dissonâncias com as relações sociais (Lane, 1984).
Para Jodelet (2001), os conhecimentos compartilhados de forma comum estruturam um modelo de comunidade. Através das RS existe a constituição de um senso comum. Há uma relação que é dialética, pois as relações humanas são compreendidas por meio de informações, comportamentos que de forma conflituosa ou amena são partilhados e essa partilha aponta para o contexto das representações sociais. O domínio das informações promove processos reflexivos que constroem a apropriação da realidade social e tão logo as impressões sobre o mundo externo seguem paulatinamente internalizadas nos indivíduos, e essa apropriação constitui as RS.
As Representações Sociais são formadas por três dimensões, a saber: 1) informação; 2) atitude; 3) campo de representação ou imagem. Essas dimensões apontam para o fato de que existe um modelo social que possui uma unidade. Essa unidade pode se apresentar de três modos: 1) hegemônicas; 2) emancipadas; 3) polêmicas. Significa dizer que é possível que haja situações em que a unidade entre as pessoas aponte para uma RS facilmente identificável, mas que ainda assim é possível que o antagonismo diante de cada comunidade aponte para um contexto de não integração, mas sim de exclusão (Vala, Castro, 2013).
A identidade social pode ser entendida como a influência dos grupos no pensamento de seus membros, até que possam então desenvolver os seus próprios pensamentos (Jodelet, 2001). Os grupos têm influência sobre o pensamento de seus membros e desenvolvem até o mesmo estilo de pensamento distinto. Tão logo as representações preenchem funções de manutenção da identidade social que resta entremeada pelo equilíbrio sociocognitivo (Jodelet, 2001). As Representações Sociais são estudadas através da articulação de elementos mentais, sociais e afetivos. E esses elementos são integrados por meio da cognição, da linguagem e da comunicação. As relações sociais afetam as representações sociais e interferem sobre elas, pois através de uma realidade material surge uma interação recíproca e permanente entre o que se compreende da realidade e como essa realidade se apresenta para cada sujeito, uma vez que os elementos afetivos e de comunicação são variáveis entre o grupo e isoladamente (Jodelet, 2001).
A comunidade apresenta um traço dinâmico. O binômio indivíduo-sociedade recebe a influência dos processos socioculturais. O homem se insere no processo histórico, mas não representa somente um papel determinado, se torna agente da história, pois transforma a sociedade em que vive (Lane, 2006). Por sua vez, Martin-Baró (1989) chama a atenção para a ligação da realidade como processo. Nesse ponto surge a responsabilidade do psicólogo social diante da sua contribuição na construção das identidades pessoais e do fortalecimento do grupo. Para Wienselfeld (2014), a comunidade não é apenas um corpo ou um objeto, mas uma construção ideológica que se corporifica através do sentimento de pertencimento.
Sawaia (2013) indica que o conceito de comunidade é tão antigo quanto a humanidade. Para ela, esse conceito apresenta o confronto entre os valores coletivos e individuais que podem ser observados por meio do pensamento social. Historicamente, a década de 1970 restou fundamental para o fomento do corpo teórico da Psicologia. Sua estruturação no campo metodológico no que tange a psicologia comunitária apontou para categorias fulcrais na análise sobre a exclusão social e a ética do bem viver (Sawaia, 2013).
6 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE E A OBESIDADE
A gordofobia também pode ser entendida como uma pressão estética que desloca o sujeito a individualidade. No entanto é necessário destacar que a pressão estética se espraia sobre todas as pessoas, pois sempre há quem repare e recrimine a velhice, a magreza, a ausência de cabelo, o seio volumoso, o bumbum sem grandes protuberâncias. Dessa feita é possível dizer que em nome da jocosidade corriqueira muitas pessoas desenvolvem quadros destrutivos e depressivos no processo de desenvolvimento humano (Araújo et al. 2018).
No entanto é função do direito – conjuntamente com a psicologia, compreender esses fenômenos e impor limites as condutas que se caracterizarem como ato ilícito. Uma tarefa nada fácil, pois muitas vezes as pessoas agredidas normalizam a conduta, pois sentem culpa pelo seu estado corporal. E mesmo que a igualdade de direitos seja uma máxima constitucional – usufruir desses direitos não parece uma coisa tão simples de assegurar e aplicar
O mercado da beleza fagocita a obesidade quando existe a possibilidade de monetarização do sofrimento. Curas rápidas e milagrosas são prometidas. No entanto sem comprovações científicas e muitas vezes colocando em risco a saúde e o bem-estar das pessoas. O descortinamento desse problema não é o foco das políticas públicas, pois nas cartilhas do SUS existe sempre um encaminhamento para a manutenção do peso e redução de doenças – sem que a obesidade seja o foco principal dessa proteção. O Obeso é visto como consumidor e não propriamente como sujeito.
Leia-se o seguinte Recurso especial (STJ – REsp: 1645762 BA 2016/0237735-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 12.12.2017, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18.12.2017):
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. OBESIDADE MÓRBIDA. INTERNAÇÃO EM CLÍNICA MÉDICA ESPECIALIZADA. POSSIBILIDADE. INSUCESSO DE TRATAMENTOS MULTIDISCIPLINARES AMBULATORIAIS. CONTRAINDICAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA. DOENÇA COBERTA. SITUAÇÃO GRAVE E EMERGENCIAL. FINALIDADE ESTÉTICA E REJUVENESCEDORA. DESCARACTERIZAÇÃO. MELHORIA DA SAÚDE. COMBATE ÀS COMORBIDADES. NECESSIDADE. DISTINÇÃO ENTRE CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO E SPA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos n. 2 e 3/STJ). 2. Ação ordinária que busca o custeio de tratamento contra obesidade mórbida (grau III) em clínica especializada de emagrecimento, pois o autor não obteve sucesso em outras terapias, tampouco podia se submeter à cirurgia bariátrica em virtude de apneia grave e outras comorbidades, sendo a sua situação de risco de morte. 3. É possível o julgamento antecipado da lide quando as instâncias ordinárias entenderem substancialmente instruído o feito, declarando a existência de provas suficientes para o seu convencimento (art. 130 do CPC/1973), sendo desnecessária a produção de prova pericial. 4. A obesidade mórbida é doença crônica de cobertura obrigatória nos planos de saúde (art. 10, caput, da Lei n. 9.656/1998). Em regra, as operadoras autorizam tratamentos multidisciplinares ambulatoriais ou as indicações cirúrgicas, a exemplo da cirurgia bariátrica (Resolução CFM n. 1.766/2005 e Resolução CFM n. 1.942/2010). 5. O tratamento da obesidade mórbida, por sua gravidade e risco à vida do paciente, demanda atendimento especial. Em caso de indicação médica, poderá ocorrer a internação em estabelecimentos médicos, tais como hospitais e clínicas para tratamento médico, assim consideradas pelo Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde – CNES (art. 8º, parágrafo único, da RN ANS n. 167/2008). Diferenças existentes entre clínica de emagrecimento e SPA. 6. A restrição ao custeio pelo plano de saúde de tratamento de emagrecimento circunscreve-se somente aos de cunho estético ou rejuvenescedor, sobretudo os realizados em SPA, clínica de repouso ou estância hidromineral (arts. 10, IV, da Lei n. 9.656/1998 e 20, § 1º, IV, da RN ANS n. 387/2015), não se confundindo com a terapêutica da obesidade mórbida (como a internação em clínica médica especializada), que está ligada à saúde vital do paciente e não à pura redução de peso almejada para se obter beleza física. 7. Mesmo que o CDC não se aplique às entidades de autogestão, a cláusula contratual de plano de saúde que exclui da cobertura o tratamento para obesidade em clínica de emagrecimento se mostra abusiva com base nos arts. 423 e 424 do CC, já que, da natureza do negócio firmado, há situações em que a internação em tal estabelecimento é altamente necessária para a recuperação do obeso mórbido, ainda mais se os tratamentos ambulatoriais fracassarem e a cirurgia bariátrica não for recomendada. 8. A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o médico ou o profissional habilitado – e não o plano de saúde – é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta. 9. Havendo indicação médica para tratamento de obesidade mórbida ou severa por meio de internação em clínica de emagrecimento, não cabe à operadora negar a cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado ao paciente, ou que não teria previsão contratual, visto que tal terapêutica, como último recurso, é fundamental à sobrevida do usuário, inclusive com a diminuição das complicações e doenças dela decorrentes, não se configurando simples procedimento estético ou emagrecedor. 10. Em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo, portanto, mero dissabor, ínsito às hipóteses correntes de inadimplemento contratual. 11. Há situações em que existe dúvida jurídica razoável na interpretação de cláusula contratual, não podendo ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, a conduta de operadora que optar pela restrição de cobertura sem ofender, em contrapartida, os deveres anexos do contrato, tal qual a boa-fé, o que afasta a pretensão de compensação por danos morais. 12. Recurso especial parcialmente provido.
A realidade da pessoa obesa é sempre uma perspectiva de um tratamento reparador de um dano. A prevenção da obesidade não tem funcionado e nessa falha surgem as Clínicas e os múltiplos tratamentos que muitas vezes são onerosos para os sujeitos e em muitas oportunidades também dispendioso ao Estado.
O Estado não cumpre a sua função. Prova disso conforme já mencionado no presente artigo é justamente o fato de que a Obesidade é uma pandemia mundial. As medidas paliativas cada vez mais deixam a deriva quem precisa ter os seus direitos assegurados. Surge então a cirurgia bariátrica como resposta e posteriormente a aplicação de argônio para a salvaguarda da manutenção do peso. Mas novamente surge o ponto nevrálgico do debate. A preocupação está na saúde ou o cerne está na possibilidade de uma intervenção cirúrgica que ao menos temporariamente vai sanar o problema?
Há uma gama de direitos que deve ser revistada – seja à lume dos Direitos de Personalidade, ou seja, pelas diretrizes da Constituição Federal e até mesmo pelo Direito do trabalho, pois cada vez a rejeição de um posto de trabalho pode levar a uma aposentadoria precoce e quiçá até uma invalidez. Os problemas carreados pela obesidade apresentam panoramas que muitas vezes são ignorados, pois à pessoas deixa de trabalhar porque tem pressão alta, problemas cardíacos ou diabetes, pois existe preconceito com o termo obesidade e muitas vezes ela não é mencionada nos afastamentos dos postos de trabalho.
Eis uma decisão que corrobora nossa assertiva. Processo: RR-39100-07.2009.5.21.0011 – Fase atual Ag-E-ED-RR:
Portador de obesidade mórbida e com problemas de saúde que o impediam de exercer atividades que exigissem maiores esforços físicos, um empregado da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) conseguiu na Justiça do Trabalho a sua reintegração, após ter sido demitido por justa causa por abandono de emprego. Segundo a empresa, ele não retornou ao trabalho apesar de inúmeras convocações feitas durante meses, após cessar o auxílio doença do INSS e de ter sido negado o seu pedido de reconsideração. Ao julgar o caso, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho não proveu agravo em embargos interpostos pela Petrobras. Com isso, prevalece a decisão que reconheceu o direito do trabalhador à reintegração, porque informou, por meio de atestado médico, a necessidade de permanecer afastado para de tratamento de saúde.
Outrossim, é notório que o direito à igualdade compõe a proteção fundamental do sujeito. O art. 5º da Constituição não deixa dúvidas sobre esse viés. Mas o panorama de garantia da igualdade esbarra na efetividade e seguem as clínicas de estética e de emagrecimento fazendo uso da fragilidade humana e fazendo proveito das condenações sociais sofridas pelas pessoas obesas. A gordofobia não está somente nas revistas de moda – pouco ou nada inclusivas. Ela está também no ambiente de trabalho e em todos os lugares, pois assim é o preconceito que espreita as relações sociais sem ser notado e muitas vezes permeado e banalizado pelas falas falsamente inclusivas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca do corpo perfeito e a luta para perder peso geram um processo de exclusão e de discriminação,saindo da esfera individual e atingindo a coletividade. Tão logo, mesmo que as localidades sejam distintas, os gêneros sejam diversos e as histórias sejam individuais, a comunidade emerge. E através do sentimento de pertencimento e do sentimento de identidade as pessoas obesas encontram um possível modelo de desenvolvimento humano que permite que esse grupo encontre uma igualdade que lhe é negada no seio social.
As relações dentro da comunidade são fundamentais para o processo identitário e por meio desse processo acontecem as transformações sociais. As pessoas obesas sofrem exclusão, se identificam e passam a compor uma comunidade. A alimentação e a imagem corporal restam conjugadas em vários artigos consultados. A alimentação oferece uma elaboração entre consumo, imagem corporal e cultura.
Na história da alimentação o consumo alimentar exacerbado era sinônimo de riqueza e status. Quando o assunto é a problemática da obesidade e sua luta por corpos esteticamente melhores, a pesquisa demonstra que a dificuldade está justamente na ineficiência dos métodos de solução, qual seja, na dificuldade de uma prática de reeducação alimentar e qualidade alimentar, combate à compulsividade, prática de hábitos saudáveis, atividades físicas, e até mesmo a condição para realização de cirurgia bariátrica ou fulguração por argônio.
Todos esses distúrbios e dificuldades com o ganho de peso e a perda do corpo considerado ideal pela indústria da moda, da beleza e pela cultura da magreza, causam dor, sofrimento físico e emocional, desapegados do conceito de saúde. Até porque, muitas dessas pessoas precisam ao longo do tempo, de acompanhamento psicológico e/ou psíquico.
Sob tal perspectiva, importante compreender todo o contexto que obesidade enseja, diante do que é percebido como transtornos alimentares e acesso à alimentação saudável, que culminam numa redução simplória de uma epidemia. Os conceitos são conexos e controversos, pois de um lado se a ideia de falta de alimentos suficientes para se pensar em uma dieta equilibrada e de outro uma alimentação desprendida de um controle de qualidade, que em muito se presta aos tamponamentos emocionais e até mesmo dores de ordem psicológica e não corporais, como por exemplo, a não superação de um luto, perdas, exclusão em processos seletivos, entre outros. Ademais, não se pode esquecer, que alguns problemas relacionados à obesidade, nada tem de relação efetiva com a alimentação, mas com outros transtornos emocionais e/ou biológicos, que por vezes se resolvem com um procedimento cirúrgico, outras vezes não, pois podem culminar na morte.
A rejeição da imagem traz para as pessoas entrevistadas uma sensação de impotência e de desconformidade com o mundo exterior que permeia a crença pessoal de que ser gordo compromete a competência pessoal para o exercício profissional, ou seja, mesmo ocupando cargos que não dependem de um corpo esbelto e a ausência desse corpo magro que traduz a insatisfação com outros aspectos da vida pessoal.
Diante dos fracassos com variados procedimentos, como dietas low carb, jejum intermitente, dieta sem gordura e açúcar, dietas com sopas, dieta com retirada total de carboidratos para a perda de peso e manutenção do corpo magro, a cirurgia bariátrica e o procedimento com argônio surgem como salvaguardas para eliminação e manutenção do peso corporal.
Outrossim, é importante a verticalização do tema, bem como o surgimento de novos estudos a respeito. Ademais, a temática encontra uma série de limitações teóricas, dada a pouca quantidade de materiais conclusivos e pesquisas humanizadas na área. Para finalizar, a pesquisa demonstrou os principais problemas envolvendo a obesidade, assim como a prática da gordofobia, cada dia mais presente na sociedade.
Enfim, é preciso pensar a obesidade de modo a enxergá-la no contexto social e toda a sua conjuntura, na perspectiva da cultura, beleza, magreza, exclusão e da segregação de pessoas acima do peso. Não se pode esquecer da perspectiva da pessoa obesa, no enfrentamento da dor, uma vez que o sofrimento e as angústias diárias das pessoas que padecem da segregação, da humilhação, ou de quaisquer tipos de situações ou jocosas ocasionadas pelo peso, ainda têm que se submeter ao diário crivo público do preconceito e da segregação, senão da aversão, conforme a pesquisa demonstrou.
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Notas de Rodapé
[1] Doutoranda em Direito pelo UniBrasil, Mestre em Direito pelo Centro Universitário do Brasil – UniBrasil, turma 2013. Professora de direito e processo do trabalho. Pesquisadora nas Áreas de Direitos Fundamentais, Direito Internacional do Trabalho, Direito Constitucional e Direitos Humanos. E-mail: andrea@andreavaz.adv.br.
[2] Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2018). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2002). Professor na graduação e pós-graduação Centro Universitário Autônomo, do Brasil – UniBrasil. Graduado na Universidade Federal do Paraná – UFPR (1993). E-mail: marcoberberi@gmail.com.
[3] Doutoranda em Direito na UniBrasil. Mestre em Direito (2006-2008); Mestre em Psicologia (2016-2018). Graduada em Direito (2000). Graduada em Psicologia (2017). Professora e Coordenadora do Curso de Direito UniFaesp. E-mail: taisprof@hotmail.com.