Imputação objetiva e o caso do engraçado arrependido

Objective imputation and the case of the funny repentant guy

DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.23

Recebido/Received 25/09/2023 – Aprovado/Approved 15/02/2024

Paulo Bueno de Azevedo[1] – https://orcid.org/0000-0001-9440-4580

Resumo

O presente trabalho tem por finalidade a análise da imputação objetiva, por meio do estudo de um caso hipotético, inspirado em um conto de Monteiro Lobato e utilizado como exemplo de meio psíquico de execução de homicídio por dois grandes penalistas brasileiros já falecidos: Edgard Magalhães Noronha e Nelson Hungria. Analisaremos o acerto ou desacerto do exemplo, recorrendo ao exame do dolo e às teorias da conditio sine qua non, da causalidade adequada, do domínio do fato e da imputação objetiva, investigando, ainda, qual teoria traz o resultado mais acertado. Para este estudo, foi utilizado o método lógico-dedutivo, com a aplicação das citadas teorias ao caso proposto.

Palavras-chave: Dolo. Teorias do nexo causal. Imputação objetiva.

Abstract

The purpose of this work is to study objective imputation through the study of a hypothetical case, inspired by a short story by Monteiro Lobato, and used as an example of a psychic means of executing homicide by two great Brazilian criminalists who have already died: Edgard Magalhães Noronha and Nelson Hungria. We will analyze the correctness or incorrectness of the example, using the examination of intent (mens rea) and the theories of conditio sine qua non, domain of fact and adequate causality and objective imputation, also investigating which theory brings the most correct result. For this study, the logical-deductive method was used, applying the aforementioned theories to the proposed case.

Keywords: Intent (mens rea). Causal nexus theories. Objective imputation.

Sumário: 1. A ciência do Direito Penal e seus casos; 2. Contextualização e problematização do caso; 3. Resolvendo o caso pela teoria da conditio sine qua non (equivalência dos antecedentes; 4. Resolvendo o caso pelas teorias da causalidade adequada e do domínio do fato; 5. Resolvendo o caso pela teoria da imputação objetiva. 6. Conclusões; 7. Referências.

1  A CIÊNCIA DO DIREITO PENAL E SEUS CASOS

Já se disse que a Ciência do Direito Penal se interessaria menos pelos crimes reais praticados por agentes do que por aqueles inventados pelos penalistas[2]. A afirmação talvez seja exagerada, porém, é certo que o desenvolvimento do Direito Penal, particularmente de suas teorias, se dá com a resolução de casos “práticos”, amiúde fruto da elucubração de autores e professores da matéria.

Quem nunca ouviu falar do famoso caso de autoria colateral, em que dois agentes, sem qualquer conhecimento da ação um do outro, resolvem, ao mesmo tempo, atirar contra um terceiro, vindo a matá-lo, sem que seja possível saber qual dos dois foi o responsável pelo disparo mortal? De certo, o público em geral não, mas os estudantes de Direito Penal provavelmente já tiveram que solucionar tal problema. Nem se diga que se trata de mero diletantismo intelectual, porquanto tal exercício serve para ilustrar a relevância do in dubio pro reo.

Não obstante a prática forense nem sempre demonstre isso, é justamente essa dita Ciência[3] do Direito Penal que, pelo menos, busca propiciar uma maior racionalidade da Justiça Criminal, apesar de, infelizmente, quase sempre esquecida e tratada como se fosse apenas um conhecimento formal, sem utilidade prática. Contudo, o mau procedimento de alguns operadores, que cedem ao decisionismo e outras arbitrariedades, não pode ser fundamento para se ignorar as Ciências Criminais, assim como maus profissionais de outras áreas não justificam o abandono das respectivas Ciências, Médicas, Exatas, Biológicas etc.

Nessa ordem de ideias, gostaríamos de trazer à baila um caso que nos causa perplexidade desde os primeiros anos da Faculdade de Direito. O primeiro dado é o de que ele não foi abordado como um problema, mas sim como um exemplo, ou seja, como uma questão já solucionada e de fácil compreensão. Todavia, em nossa experiência docente, em sala de aula, os fatos já não parecem tão exatos, encontrando opiniões diversas entre o alunato. Pensamos, então, que esse exemplo, que a partir de agora trataremos como caso, pode servir como teste da teoria da imputação objetiva em crimes dolosos.

O autor responsável pela introdução do presente problema foi o já falecido professor de Direito Penal Edgard Magalhães Noronha, quando tratava dos meios de execução do homicídio:

Não só por meios materiais – o que é a regra – pode dar-se morte a alguém. Também são idôneos os psíquicos. A violenta emoção, provocada dolosamente por outrem e que ocasiona a morte, é meio de homicídio. Lembre-se, v.g., de um filme – As diabólicas – em que um homem, depois de fazer crer a sua mulher que ela o havia assassinado, aparece-lhe, durante a noite, em uma casa deserta e lúgubre, fulminando-a com uma síncope. É meio psíquico ainda o usado pelo personagem de Monteiro Lobato, fazendo o amigo apoplético explodir em estrondosa gargalhada e, assim, o matando, por efeito de hábil anedota, contada após lauta refeição[4].

Vê-se que Noronha trouxe das Artes dois exemplos de meios imateriais de execução do homicídio: um da sexta (Literatura) e outro da sétima arte (Cinema)[5]. Quanto ao caso do filme, não o focaremos no presente estudo, senão como meio de comparação com o caso do engraçado arrependido, como o chamaremos, aproveitando justamente o título do pequeno conto escrito por Monteiro Lobato[6].

Até porque, na hipótese cinematográfica, tem-se mais credibilidade no meio executório. Fazer crer a uma pessoa que está efetivamente morto e, posteriormente, aproveitar-se da doença cardíaca desse alguém, pregando-lhe um grande susto, como se fosse um morto ressuscitado ou um fantasma, é um meio mais crível, embora mirabolante, de cometimento de homicídio. Sem contar que toda a trama é imersa em ilicitude, forjando-se uma morte e assustando uma pessoa de saúde frágil.

Todavia, seria assim também no caso do engraçado arrependido? Alguém pode ser capaz de matar outrem, simplesmente contando uma piada? Haveria, efetivamente, o nexo causal, ainda que houvesse o dolo? A ação seria realmente adequada para tal finalidade, ou o resultado adveio de uma infeliz coincidência ou “sorte” (ou má sorte, a depender do ponto de vista)? A anedota, durante a refeição, seria uma conduta ilícita, proibida ou arriscada? Seria, de fato, o caso de se responsabilizar penalmente por homicídio o autor do chiste?

Magalhães Noronha não trouxe o caso como problema, mas sim como exemplo. Sua certeza foi compartilhada com Nelson Hungria:

Não padece dúvida a praticabilidade do homicídio por meios morais, embora difícil, senão muitas vezes impossível, a prova da causalidade. Numa de suas novelas, Monteiro Lobato nos diz de um indivíduo que ocasionou intencionalmente a morte de outro, de temperamento apoplético, provocando-lhe, com uma anedota habilmente contada, após lauto repasto e farta vinhaça, um acesso de hilariedade. O fato é perfeitamente possível na realidade[7].

Hodiernamente, também adere a essa solução Rogério Sanches Cunha, que, ao tratar dos meios de execução do crime de homicídio, transcreve, ipsis litteris, a lição de Noronha[8].

No entanto, os questionamentos acima formulados parecem trazer dúvidas suficientes acerca da correta solução dogmática a ser dada ao caso, de modo que é legítima a sua elevação à categoria dos famosos casos difíceis e um tanto quanto improváveis do Direito Penal. Daí porque a sua solução também será comparada às de outros casos igualmente célebres, como o do assassinato cometido por meio de um raio ou de uma viagem de trem ou avião.

Com o emprego do método lógico-dedutivo, no presente artigo, tentar-se-á aferir a resposta para o problema apresentado, com o objetivo de aprimorar e tentar aferir a melhor teoria para o problema da causalidade no âmbito penal.

2  CONTEXTUALIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO DO CASO

Não obstante a descrição já feita por Magalhães Noronha, o caso do engraçado arrependido pode ser mais bem visualizado com detalhes vindos do próprio conto de Monteiro Lobato.

Em primeiro lugar, anote-se que o protagonista do conto é Francisco Teixeira de Souza Pontes, um sujeito naturalmente engraçado, que sempre foi conhecido pela sua “veia cômica”, sabendo de cor a “Enciclopédia do riso e da galhofa”, de Fuão Pechincha[9].

Ocorre que Pontes[10], com o passar do tempo, verificou que necessitava de uma atividade mais bem remunerada, vindo a cobiçar um cargo na Coletoria Federal, ocupado pelo Major Bentes. Para isso, o engraçado contava com o estado de saúde frágil do Major, acometido de um grave aneurisma, e com a ajuda de um parente no Governo, que lhe garantiu a indicação para o lugar de Bentes após o seu falecimento.

Mas, para isso, o Major tinha que morrer, e Pontes já se impacientava com a demora. Assim, neste momento do conto, Lobato descreve o nascimento e o desenvolvimento da ideia criminosa de Pontes:

Ora, Pontes, mentalmente dono daquela sinecura, impacientava-se com o equilíbrio desequilibrador dos seus cálculos. Como desembaraçar o caminho daquela travanca? Leu no Chernoviz o capítulo dos aneurismas, decorou-o; andou em indagações de tudo quanto se dizia ou escreveu a respeito; chegou a entender da matéria mais que o autor Iodureto, médico da terra, o qual, seja dito aqui à puridade, não entendia de coisa nenhuma desta vida. O pomo da ciência, assim comido, induziu-o à tentação de matar o homem, forçando-o a estourar. Um esforço o mataria? Pois bem, Souza Pontes o levaria a esse esforço! “A gargalhada é um esforço”, filosofava satanicamente de si para si. “A gargalhada, portanto, mata. Ora, eu sei fazer rir...” Longos dias passou Pontes alheio ao mundo, em diálogo mental com a serpente. – Crime? Não! Em que código fazer rir é crime? Se disso morresse o homem, culpa era da sua má aorta. A cabeça do maroto virou picadeiro de luta onde o “plano” se batia em duelo contra todas as objeções mandadas ao encontro da consciência. Servia de juiz à sua ambição amarga, e Deus sabe quantas vezes tal juiz prevaricou, levado de escandalosa parcialidade por um dos contendores. Como era de prever, a serpente venceu, e Pontes ressurgiu para o mundo um tanto mais magro, de olheiras cavadas, porém com um estranho brilho de resolução vitoriosa nos olhos[11].

Veja-se, pois, que, no iter criminis, Pontes, sabedor da doença do Major Bentes, passa a, inclusive, estudar a doença (aneurisma) em livros de Medicina, chegando à conclusão de que a provocação de um esforço repentino, por uma gargalhada, poderia ser a causa da morte.

É igualmente certo que Pontes também faz um cálculo jurídico de seus atos, concluindo que não seria crime fazer alguém rir, e, se a morte viesse, culpa seria da má aorta de Bentes. Sobre o acerto ou desacerto desse tirocínio, falaremos mais adiante.

Fato é que, na batalha da consciência, após a vitória da serpente, Pontes inicia o planejamento do crime propriamente dito, convidando Bentes para jantar, e, com uma meticulosa observação da futura vítima, buscava superar um obstáculo ao seu plano: o Major não costumava rir de nada. Entretanto, Pontes, nas diversas visitas de conhecimento, acaba encontrando o ponto fraco de Bentes: histórias de ingleses e frades. Após saber disso, Pontes elabora, com esmero, calibrando a “dose de malícia”, a sua piada mortal, e, por fim, durante o jantar, inclusive com outros convidados, finalmente põe o seu plano em prática:

A anedota correu capciosa pelos fios naturais até as proximidades do desfecho, narrada com arte de mestre, segura e firme, num andamento estratégico em que havia gênio. Do meio para o fim a maranha empolgou de tal forma o pobre velho que o pôs suspenso, de boca entreaberta, uma azeitona no garfo detida a meio caminho. Um ar de riso – riso parado, riso estopim, que não era senão o armar bote da gargalhada – iluminou-lhe o rosto. Pontes vacilou. Pressentiu o estouro da artéria. Por uns instantes a consciência brecou-lhe a língua, mas Pontes deu-lhe um pontapé e com voz firme puxou o gatilho. O Major Antonio Pereira da Silva Bentes desferiu a primeira gargalhada da sua vida, franca, estrondosa, de ouvir-se no fim da rua, gargalhada igual à de Teufalsdröckh diante de Jean Paul Richter. Primeira e última, entretanto, porque no meio dela os convivas, atônitos, viram-no cair de bordo sobre o prato, ao tempo em que uma onda de sangue avermelhava a toalha. O assassino ergue-se alucinado; aproveitando a confusão, esgueirou-se para a rua, qual outro Caim. Escondeu-se em casa, trancou-se no quarto, bateu dentes a noite inteira, suou gelado. Os menores rumores retransiam-no de pavor. Polícia? Semanas depois é que entrou a declinar aquele transtorno da alma que toda gente levara à conta de mágoa pela morte do amigo. Não obstante, trazia sempre nos olhos a mesma visão: o coletor de bruços no prato, golfando sangue, enquanto no ar vibravam ecos da sua derradeira gargalhada[12].

Nesse trecho, belamente narrado por Monteiro Lobato, descreve-se a morte do Major e o motivo pelo qual o engraçado tornou-se arrependido. Acerca do arrependimento, é claro que, amiúde, a consciência é muito mais severa do que os parâmetros das leis penais, de modo que o sentimento de culpa nem sempre reflete uma efetiva culpa penal.

Mas, aproveitaremos esse arrependimento do protagonista para criar um caso passível de ser apreciado pela dogmática penal, apenas lançando novos detalhes a mais do que os já trazidos por Magalhães Noronha.

Fica proposto, assim, o seguinte caso a ser analisado neste trabalho: Francisco Pontes, notório piadista, deseja o cargo ocupado pelo Major Bentes, antevendo uma indicação política após o falecimento do último. Pontes sabe que Bentes tem um grave aneurisma na artéria aorta, não sendo recomendado pelos médicos qualquer esforço. Impaciente, Pontes resolve planejar o homicídio de Bentes, estudando, inclusive, livros de Medicina, chegando à conclusão de que o esforço causado por uma forte risada poderia ocasionar o óbito. Assim, Pontes gasta dias elaborando uma anedota irresistível, observando os gostos pessoais da futura vítima, para que lhe leve a uma estrondosa gargalhada, afetando o seu aneurisma e, assim, causando a sua morte. De fato, durante um jantar, preparado por Pontes com muita comida, e com várias pessoas, dentre elas o Major, o engraçado conta a sua piada mortal, concebida e executada com muita malícia, provocando, efetivamente, uma estrondosa gargalhada do Major, no mesmo instante em que terminava de mastigar, e o subsequente rompimento da artéria aorta, advindo a sua morte. Contudo, diante do sucesso do seu plano, Pontes é acometido de um profundo arrependimento, decidindo entregar-se à Polícia, contando todos os detalhes do planejamento e da execução do assassinato do Major Bentes. As testemunhas confirmam a morte de Bentes logo após a gargalhada estrondosa. Francisco Pontes deve realmente ser responsabilizado no âmbito penal?

Fica criado, pois, o caso do engraçado arrependido, obviamente inspirado no interessantíssimo conto de Monteiro Lobato e na sua lembrança por Magalhães Noronha, que o utilizou como exemplo de meio psíquico de execução de homicídio. Note-se que o final do caso acima proposto foi inventado para fins didáticos, propiciando uma discussão mais tranquila das soluções para o problema, evitando-se pensamentos fugidios, tais como o ceticismo sobre como tal crime seria descoberto pelas autoridades. Porém, não é o final do conto de Monteiro Lobato, cuja leitura recomendamos, não só para satisfação da curiosidade, como também, é claro, para apreciação do texto de um dos grandes autores da literatura brasileira.

3  RESOLVENDO O CASO PELA TEORIA DA CONDITION SINE QUA NON (EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES)

A teoria da equivalência dos antecedentes ou da condição sine qua non considera como causa toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, sendo adotada pelo Código Penal brasileiro, em seu artigo 13, caput[13].

Uma das principais críticas feitas a essa teoria é justamente a sua amplitude, levando, por consequência lógica do seu enunciado, ao regresso ao infinito. Assim, os pais de um assassino também teriam dado causa ao resultado, na medida em que, se não tivessem tido o filho, não existiria o autor do crime. É evidente, porém, que a adoção dessa teoria nunca chegou a esse extremo, sendo limitada por outros elementos, como a necessidade do nexo subjetivo, isto é, a necessidade do dolo. Logo, os pais do assassino não teriam o dolo de que o seu filho, depois de chegar à idade adulta, cometesse um homicídio.

Porém, como será que essa teoria, com o limitador subjetivo, resolveria o caso do engraçado arrependido?

Vamos fazer um paralelo com a solução do assassinato cometido por meio do raio. Na versão aqui utilizada[14], um sobrinho, querendo que o tio morra, para receber uma herança, pede-lhe que vá, em uma tarde chuvosa, até um bosque, onde costumam cair raios, sendo que, ali, efetivamente, o tio é atingido por um raio e vem a falecer.

Note-se que, pelo prisma da causalidade pura, se não tivesse o sobrinho induzido o tio a passear no bosque, na tarde chuvosa, ele não teria falecido. À primeira vista, poder-se-ia objetar que o sobrinho não poderia ter certeza de que o tio efetivamente seria atingido por um raio. Contudo, essa incerteza, em rigor, poderia se estender a qualquer caso, mesmo com instrumentos adequados. O que dizer de um agente que desfere cinco tiros na vítima, em regiões passíveis de causar a morte, sendo ela, milagrosamente, salva no hospital? Ou o que dizer de quem sabota os freios de um veículo, esperando que a vítima sofra um acidente fatal por não conseguir parar o veículo? A falta de certeza absoluta, nesses casos, não seria suficiente para a exclusão do dolo.

Schroeder lembra que Von Buri resolveu o caso do bosque pela ausência do dolo, eis que não poderia ser confundido com o mero desejo ou esperança, que exigiria a consciência da idoneidade da ação[15]. Todavia, há que se ter uma certa cautela com tal argumento. O dolo, enquanto consciência e vontade, também implica expectativas, maiores ou menores, a depender dos meios utilizados, de que o resultado se produza. Contar com uma certa dose de sorte não afasta necessariamente o dolo. Se A planeja matar B, a uma grande distância, com um único tiro, ele pode estar contando com pouca ou muita sorte, a depender de sua habilidade na pontaria. Ainda que ele seja um péssimo atirador e mesmo assim arrisque o disparo, pode-se afirmar que ele cometerá homicídio doloso, consumado ou tentado, conforme consiga ou não o seu objetivo.

No caso do bosque, é certo que o sobrinho está contando com uma grande sorte. Porém, não se pode negar completamente que ele tenha consciência da idoneidade do raio para matar o seu tio. A propósito, note-se que a Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde brasileiro recomenda que a pessoa não fique em locais abertos durante tempestades, para evitar acidentes com raios[16]. Se é recomendação das autoridades de saúde evitar locais abertos para não correr o risco de sofrer um acidente com raio durante uma chuva, seria correto reduzir o induzimento do sobrinho a um mero desejo? Contar com uma certa dose de sorte (ou de azar da vítima) excluiria completamente o nexo subjetivo?

A resposta, em nosso ver, é negativa, razão pela qual não se poderia excluir a responsabilidade do sobrinho com base na ausência do dolo. Dolo houve, ainda que a consumação do crime fosse altamente improvável (embora, de fato, tenha ocorrido no caso hipotético). Aliás, Hans Welzel também sustentava que, nesse exemplo do bosque, haveria o nexo causal, mas não o dolo, solução que careceria de fundamentação convincente, conforme Claus Roxin: “[...] é indiscutível que o autor subjetivamente queria exatamente aquilo que produziu objetivamente; e o planejamento e o curso real coincidem entre si”[17].

Voltando ao caso do engraçado arrependido, também parece que Pontes contou com uma certa dose de sorte, ao fazer com que o velho Bentes gargalhasse com tanta intensidade que acabasse, literalmente, morrendo de rir. No entanto, a sorte ou o azar não exclui a consciência da possibilidade do resultado nem a vontade de produzi-lo.

Em verdade, ele contou justamente com o problema de saúde da vítima para produzir o resultado. Conforme lição de Hans Welzel, uma ação não deixa de ser causal por conta da especial constituição física ou psíquica do ofendido[18]. Logo, utilizar a piada, no momento da refeição, como gatilho do rompimento do aneurisma, não afastaria a relação de causalidade, tal como no filme As diabólicas, em que o marido supostamente morto conta com os problemas cardíacos da esposa, suposta viúva, para aparecer à noite como se fosse um fantasma vingativo, causando-lhe intenso pavor e, por conseguinte, o ataque fatal do coração[19].

Não se pode, assim, falar em ausência de dolo, como já advertira Roxin no caso do bosque, eis que a morte ocorreu assim como antevista pelo engraçado arrependido. Não se pode falar em mero desejo, quando as coisas, embora improváveis, acontecem tal como foram anteriormente pensadas.

Diante disso, havendo consciência da possibilidade do resultado, do planejamento e da execução, com sucesso, da ação causadora da morte, concluímos assistir razão a Magalhães Noronha e a Nelson Hungria, quando usam o conto de Monteiro Lobato como exemplo de homicídio por meio psíquico. Evidente que existem inúmeras outras objeções, porém, no tocante ao âmbito exclusivo da equivalência das condições e do nexo subjetivo, concluímos pela punibilidade do engraçado arrependido.

4  RESOLVENDO O CASO PELAS TEORIAS DA CAUSALIDADE ADEQUADA E DO DOMÍNIO DO FATO

Contra a excessiva amplitude da teoria da conditio sine qua non, atribui-se a Von Kries a concepção da teoria da causalidade adequada[20]. Conforme ensina Antonio Luis Chaves Camargo, de acordo com essa tese, “a fórmula adotada é a seguinte: causa é a condição que conforme a experiência é adequada ao resultado produzido[21].

Vê-se, pois, que a causalidade adequada, na prática, substitui a causalidade do caso concreto, com a pergunta se a conduta era capaz de, não só concretamente, mas, também abstratamente, causar o resultado do crime na maioria das vezes em que praticada. Para Claus Roxin, essa não é propriamente uma teoria causal, mas sim uma teoria de imputação[22]. Isso porque a teoria se basearia em um juízo posterior, colocando-se o intérprete no lugar de um observador objetivo sobre a conduta que provocou o resultado.

De acordo com Chaves Camargo, essa teoria não foi adotada no Brasil, posição compartilhada pela maioria da doutrina[23]. Segundo Paulo José da Costa Júnior e Fernando José da Costa, o Código Penal brasileiro, no artigo 13, § 1º[24], adotou a teoria da causa como condição adequada[25]. De fato, o citado dispositivo limita o regresso ao infinito da teoria da equivalência das condições, ao mencionar uma causa superveniente e relativamente independente. É o clássico exemplo do sujeito que dá uma facada na vítima, sendo ela socorrida ao hospital, ali morrendo queimada por um incêndio que se iniciou naquele nosocômio. Contudo, com a devida vênia, não parece que essa limitação seja por conta da causalidade adequada, mas sim pela interrupção do nexo causal por uma outra causa que, por si só, ensejou o resultado. Assim, se a vítima estava ferida pela faca, recebendo o tratamento adequado e já fora de perigo no hospital, e acaba morrendo carbonizada por um incêndio que se iniciou na casa de saúde, não está em questão se foi a facada um meio adequado para se causar o incêndio.

Na causalidade adequada, o que se discute é a possibilidade, conforme a experiência, de se causar o resultado, não havendo questionamento sobre fatos supervenientes.

Aliás, o caso do raio no bosque é diferente do caso do incêndio após a facada. No primeiro, a intenção do agente é que a vítima morra fulminada por um raio, diante da incidência significativa do fenômeno no local. No caso da facada, pode-se dizer que a intenção do agente era ferir ou matar por meio do golpe dado com o objeto cortante, sendo o incêndio um acontecimento posterior não previsto.

As críticas feitas à teoria da causalidade adequada concentram-se na sua imprecisão conceitual. Aplique-se a adequação ao caso do bosque. Ora, o meio em si é adequado para causar o óbito, eis que muitas pessoas efetivamente atingidas por raios acabam falecendo. Agora, quanto ao induzimento a ir a um bosque em um dia chuvoso, a questão poderia ser vista por diversos prismas. Se considerarmos a advertência acima mencionada do Ministério da Saúde brasileiro, poder-se-ia entender como não recomendável o passeio em um bosque aberto durante uma tempestade.

A advertência estatal para se evitar locais abertos, em si, já poderia ensejar a interpretação de que o meio utilizado pelo sobrinho foi sim adequado para a provocação do homicídio do tio, ainda que tenha contado com certa dose de sorte. Mesmo a versão mais refinada dessa teoria, de acordo com Claus Roxin, parece deixar a mesma dúvida. Conforme o insigne penalista alemão, hodiernamente, a causalidade adequada deve constatar se a conduta do agente aumentou a possibilidade do resultado de modo não irrelevante, se não era altamente inverossímil que o resultado viesse a ocorrer[26]. Ora, pode realmente ser considerado inverossímil uma conduta expressamente não recomendada pelas autoridades?

De outro prisma, também no caso do engraçado arrependido haveria a mesma imprecisão. A veia cômica de Pontes, aliada à comida, à idade e à doença da vítima, poderia gerar a impressão de que a piada seria um meio adequado para o homicídio. Também entram nesse cálculo estatístico de adequação todo o planejamento e o estudo da doença e das preferências humorísticas da vítima. Enfim, consideradas todas as circunstâncias do caso concreto, como saber o que seria ou não adequado? Pensar se o mesmo fato poderia ser repetido outras vezes? E se a piada fosse contada como meio de fazer a vítima morrer engasgada durante o jantar, aproveitando de sua condição de disfagia (dificuldade de engolir)? Haveria margem de dúvida razoável para a possibilidade de cometimento do delito por meios análogos, de modo que a causalidade adequada, em termos dogmáticos[27], não afasta a responsabilidade penal no caso em apreço. Seria altamente inverossímil, conforme o apontamento de Roxin, para a versão mais refinada da teoria em questão? O planejamento meticuloso da anedota e o estudo da doença teriam provocado a morte do Major Bentes. Aliás, o mero fato da efetiva ocorrência do resultado já põe em xeque a teoria da causalidade adequada.

Outra forma de resolver o caso seria pela teoria do domínio do fato, consoante mencionado por Friedrich-Christian Schroeder[28], em relação ao caso do raio no bosque. Aqui, o raciocínio é deveras singelo: o sobrinho não tinha o poder de controlar raios. Será que essa mais do que singela resposta resolve a questão? Não nos parece tão simples.

Nenhuma teoria pode partir da premissa de um controle absoluto dos elementos e ações típicas. Veja-se a hipótese comentada por Max Ernst Mayer, acerca do domador que prende um desafeto na jaula do leão[29]. Poderia ter ele certeza absoluta de que o animal mataria o seu inimigo? Existe, é claro, uma grande probabilidade, mas não se poderia falar em um domínio total dos fatos, envolvendo um ataque de um animal irracional. Tudo, então, acabaria voltando à adequação da causa. Prender alguém junto com um animal perigoso seria uma conduta idônea para matar. Mesmo em situações mais simples, o domínio da ação não é total, tanto que existe a figura do crime tentado.

É certo, portanto, que, tanto no caso do raio no bosque quanto no do leão na jaula, o agente não tem domínio sobre onde o raio cai nem sobre o comportamento do animal, embora efetivamente o último seja mais provável. Perceba-se, então, que há um retorno à causalidade adequada e esta já foi colocada em dúvida até diante da mencionada recomendação do Ministério da Saúde para não sair em locais abertos por ocasião de tempestades. A menos que os técnicos tenham tomado conhecimento e se impressionado com o caso do raio no bosque, parece real a possibilidade de ser atingido por raios em tempestades.

Para o caso do engraçado arrependido, é evidente que Francisco Pontes não tinha controle ou domínio sobre o aneurisma do Major Bentes. Mas, após estudar a doença e os gostos da futura vítima, ele criou todas as condições propícias para a morte, realmente ocorrida. Logo, em tese, a teoria do domínio do fato também não afasta a responsabilidade penal de Pontes.

Derradeiramente, iremos avaliar o caso pela teoria da imputação objetiva.

5  RESOLVENDO O CASO PELA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

A teoria da imputação objetiva ainda é muito recente entre nós, devendo-se a introdução de sua discussão no Brasil a pioneiros Professores de Direito Penal, como Damásio de Jesus[30] e Antonio Luis Chaves Camargo[31], ambos influenciados pela dogmática penal alemã.

Antecedentes da teoria vêm desde Hegel, devendo-se a Karl Larenz a utilização da imputação no âmbito da responsabilidade civil, sendo o tema, posteriormente, trazido à seara penal por Richard Honig[32]. Mais tarde, a imputação objetiva foi resgatada por Claus Roxin, que desenvolveu uma das vertentes mais estudadas dessa teoria[33].

De acordo com Roxin:

[...] a imputação ao tipo objetivo se produz conforme a dois princípios sucessivamente estruturados: a) Um resultado causado pelo agente só se pode imputar ao tipo objetivo se a conduta do autor criou um perigo para o bem jurídico não coberto por um risco permitido e esse perigo também se realizou no resultado concreto. Assim, por exemplo, no caso da tormenta mencionado no nº 36 falta uma ação homicida no sentido do § 212 porque o fato de enviar alguém a um bosque não cria um perigo juridicamente relevante de matar [...]; b) Se o resultado se apresenta como realização de um perigo criado pelo autor, por regra geral é imputável, de modo que se cumpre o tipo objetivo. [...] Em resumo, pois, pode-se dizer que a imputação ao tipo objetivo pressupõe a realização de um perigo criado pelo autor e não coberto por um risco permitido dentro do alcance do tipo[34].

Como reforço, transcreva-se, ainda, a lição-síntese de Luís Greco:

Sintetizando: a teoria da imputação objetiva é algo por um lado simples, porque ela enuncia o conjunto de pressupostos que fazem de uma causação objetivamente típica; e estes pressupostos são a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco no resultado[35].

Tem-se, aqui, então, uma espécie de normativização da relação de causalidade, vale dizer, não se trata de verificar apenas se uma ação causou um resultado no plano naturalístico. É preciso verificar se a ação criou ou incrementou um risco juridicamente proibido e se esse risco terminou por efetivamente realizar-se no resultado típico.

Conforme já se observou na transcrição da lição de Roxin, essa teoria resolve juridicamente o caso do raio no bosque. Não se trata de risco juridicamente proibido incentivar alguém a passear no bosque durante uma tormenta. A solução não é diferente nem mesmo com a recomendação acima vista do Ministério da Saúde, para que se evitem locais abertos durante tempestades. Isso porque, de fato, trata-se de uma mera recomendação, e não de uma proibição da conduta. Não se poderia olvidar, ainda, que a vítima, de certo modo, também se autocolocou em perigo[36], pois decidiu sair na chuva de livre e espontânea vontade.

Já o caso do engraçado arrependido levanta a seguinte perplexidade: não seria um risco proibido contar uma anedota para alguém com estado frágil de saúde, da mesma forma como seria vedado o médico receitar um remédio ao paciente, sabedor de sua forte alergia a determinados componentes daquele medicamento, com o que fatalmente viria a morrer se ingerida a droga, o que, de fato, ocorre instantes após a ingestão? Havendo o dolo do médico, haveria certamente o crime de homicídio.

Veja-se que receitar um remédio não é crime. Contudo, o médico que trata de um paciente há anos, sabendo já de todas as suas alergias específicas, inclusive as mais fortes, pode ser acusado de homicídio, se receitar uma dose que sabe será fatal. O risco, de qualquer forma, é proibido diante do dever de médico de propiciar tratamento adequado a seus pacientes. Entretanto, em nosso entender, criaria um risco proibido mesmo o leigo que soubesse da reação alérgica fatal. Um genro, por exemplo, sabedor de uma terrível alergia de sua sogra a camarões, resolve oferecer peixe para almoço, omitindo o fato de que é preparado com molho de camarão, com o intuito de prejudicar-lhe a saúde. Ela come o prato oferecido e acaba realmente passando muito mal, devido a uma reação alérgica ao molho de camarão. O risco proibido é criado, porquanto se sabe que certa substância ou alimento é nociva para determinada pessoa.

Pois bem, seria também essa a solução do caso do engraçado arrependido? A resposta nos parece negativa. Muito embora também tenha havido um estudo das questões de saúde por parte do agente, é certo que contar uma anedota não cria nem incrementa um risco juridicamente proibido, mesmo para uma pessoa doente. Note-se que não existe, nem poderia existir, uma proibição de rir ou dar sonoras gargalhadas. Caso houvesse, o paciente teria que, praticamente, ficar isolado e internado em um hospital, e não participando de jantares sociais, nos quais se supõe ser a ocasião apropriada para descontração e risos. Assim, ainda que o engraçado arrependido tenha agido dolosamente e efetivamente provocado a morte do Major Bentes, tal como por ele planejado, deve a sua ação ser considerada atípica do ponto de vista penal, por não ter ultrapassado a fronteira dos riscos juridicamente permitidos, como no caso do passeio no bosque.

A aplicação da teoria da imputação objetiva, portanto, leva a uma conclusão diferente daquela imaginada por Magalhães Noronha e Nelson Hungria. Porém, cumpre indagar: o que torna a conclusão da teoria da imputação objetiva mais correta do que aquela preconizada pelas demais? Afinal, Francisco Pontes agiu com dolo e a conduta teve relação causal com a morte do Major Bentes.

Para responder a essa pergunta, sugerimos o método de eliminação hipotética do dolo, a fim de verificar se, ainda assim, poder-se-ia cogitar a punição pelo crime culposo. Mais exatamente, no caso proposto, apaguemos apenas o dolo, quanto ao aspecto vontade, de Francisco Pontes. Mas, suponhamos que ele tenha se tornado amigo do Major Bentes e tenha tomado conhecimento do aneurisma e se informado, por curiosidade, sobre o assunto, chegando à conclusão de que Bentes poderia morrer por um esforço causado por uma gargalhada. Não obstante, durante um jantar entre amigos, Francisco Pontes acaba por não resistir à sua veia cômica e conta uma hábil anedota que provoca a estrondosa gargalhada do Major, o que acaba rompendo o aneurisma e provocando a sua morte. Nesse caso, Pontes poderia responder por homicídio culposo?

A resposta só pode ser negativa, eis que contar uma anedota não ensejaria uma violação do dever de cuidado, nem mesmo para com uma pessoa com uma determinada doença cardíaca. Seria um comportamento juridicamente permitido, de modo a se afastar a ideia de imprudência ou negligência. Idêntica solução ocorreria no caso do passeio do bosque. Ainda que fosse estranho aconselhar a alguém a andar no bosque no meio de uma tormenta, não se pode dizer que teria havido uma violação do dever de cuidado, ou uma imprudência no sentido jurídico-penal do termo.

Também haveria diferença no tocante aos casos anteriormente propostos da substância ou alimento alérgico. Uma vez conhecida a forte alergia do paciente a certo remédio, poder-se-ia dizer que o seu médico teria sido imperito ou, no mínimo, imprudente ao receitá-lo, sem se atentar para a composição química do medicamento. Da mesma forma, o genro, sabedor da alergia da sogra, oferece-lhe uma refeição contendo tal ingrediente, por negligência ou imprudência, achando que, desta vez, não fará mal algum, ao contrário de todas as outras vezes.

O caso retratado no filme As diabólicas também passaria no teste, a nosso ver. Alguém, sabedor da doença cardíaca de uma pessoa, forja a própria morte, apenas para, em uma noite lúgubre e escura, aparecer como se fosse um fantasma, pregando uma peça e gravando um vídeo com o intuito de viralização nas redes sociais. Seria, no mínimo, imprudente provocar um susto de tal magnitude em uma pessoa com problemas cardíacos.

Conclui-se, pois, pela maior exatidão na aplicação da teoria da imputação objetiva para o caso do engraçado arrependido e para os demais comentados ao longo deste trabalho. Contudo, é oportuno mencionar a advertência de Janaina Conceição Paschoal, no sentido de que a imputação objetiva não pode simplesmente substituir os demais parâmetros do Direito Penal:

Na complexa sociedade moderna, como bem pondera Carlo Piergallini, a ânsia de construir proteção, de controlar os riscos, multiplica o elenco de candidatos a culpados. Com o reinado da imputação objetiva, esses pudores, juntamente com muitos outros, enfraqueceram-se, parecendo natural e justo responsabilizar a mãe pelo estupro da filha, uma vez que, ao levar um novo companheiro para o lar, criou o risco do resultado. No que toca aos crimes comissivos por omissão, a imputação objetiva tem reflexos tão relevantes que, segundo Jesús Maria Silva Sánchez, ao considerar o critério do incremento do risco como um substitutivo da relação de causalidade, resta sem sentido pretender punir mais severamente os resultados imputados a uma ação que a uma omissão, como propugnam diversos autores e alguns ordenamentos[37].

A crítica é justa, não obstante o exemplo formulado pela ilustre penalista não pareça o mais adequado. De fato, aplicando-se a teoria da imputação objetiva ao caso da mãe, não se considera um risco juridicamente proibido ter um novo relacionamento com outra pessoa que não o pai da criança, valendo isso para namoro, união estável ou mesmo um segundo casamento. Logo, responsabilizar a mãe pelo simples fato de ter tido um novo relacionamento e pela agressão sexual do novo companheiro equivaleria a uma forma de responsabilidade objetiva. Entretanto, a partir do momento em que essa mãe tomasse conhecimento de que o seu novo companheiro cometera abuso sexual contra a sua filha, e, aí, ela se omitisse, estaria, então, violando o dever de proteção dos filhos e criando, ou incrementando, um risco juridicamente proibido de que novos crimes sexuais pudessem ocorrer.

Apesar disso, a advertência é relevante quanto aos perigos de se pretender a pura e simples substituição do nexo causal pela imputação objetiva. Não seria a melhor solução, sob pena de se incorrer até mesmo em punições descabidas. Volte-se ao caso do médico e de seu paciente alérgico. Se o médico prescreve remédios com o potencial de causar uma crise alérgica fatal, mas, posteriormente, o óbito ocorre em decorrência da própria doença, não tendo relação com o medicamento, é certo que, apesar da criação de um risco juridicamente proibido, não houve nexo causal, ocorrendo a morte por causa independente do risco proibido provocado pelo agente. Aluda-se, ainda, aos recentes casos ocorridos durante a pandemia de COVID-19, em que se cogitou a imputação do crime de epidemia[38] para quem saiu de casa ou descumpriu ordens sanitárias de lockdown. Pela teoria da imputação objetiva, em um estado de pandemia, difícil falar em causar epidemia pelo mesmo vírus, vale dizer, não haveria como se incrementar o risco ou como provocar uma epidemia em um contexto que já é de pandemia. Além disso, não se prescindiria da comprovação do nexo causal, não bastando o mero descumprimento de normas administrativo-sanitárias de contenção da pandemia[39].

Com a teoria da imputação objetiva, devidamente entendida como mais um requisito dogmático, aliada ao nexo causal e ao nexo subjetivo, tem-se uma melhor apuração da responsabilidade penal, evitando punições a situações em que não se criou nem incrementou risco juridicamente proibido, ainda que as condutas sejam moralmente reprováveis.

Francisco Pontes quis matar e efetivamente matou. Porém, para tanto, não praticou nenhuma conduta proibida. A sua consciência e a causalidade do caso concreto fizeram-no arrepender-se. No entanto, por mais que o universo tenha conspirado pelo sucesso de seu plano, ele não pode ser punido pelo simples fato de contar uma piada[40]. Isso equivaleria à punição do pensamento e do mero acaso, vale dizer, no específico caso concreto, houve o dolo de cometimento do crime e o nexo causal puramente físico ou natural, mesmo sem o cometimento de uma conduta penalmente proibida.

Se um dos convivas do jantar tivesse se antecipado a Pontes, contando, inocentemente (sem dolo), uma piada que arrancasse as mesmas gargalhadas, e com o mesmo resultado morte do Major Bentes, não haveria qualquer dúvida sobre a atipicidade do fato, ainda que se reconhecesse que o ofendido morreu devido ao esforço das risadas durante a refeição. Isso porque contar uma piada não se enquadraria como conduta criadora de risco juridicamente proibido.

Punir Pontes por conta do dolo equivaleria, então, a punir o mero pensamento (desejo de cometer o crime, contando uma piada), porque a conduta em si seria plenamente autorizada pelo Direito. Entendemos que essa não seria a solução mais adequada: o Direito Penal não pode prestar-se ao controle de condutas juridicamente permitidas, ainda que moralmente reprováveis. O contrário seria abrir as portas à possibilidade de um Direito Penal autoritário, o que não pode ser aceito.

Essa é a nossa solução para o caso do engraçado arrependido.

6  CONCLUSÕES

No presente trabalho, tivemos a pretensão de demonstrar a utilidade da dogmática para a resolução de casos criminais hipotéticos, tornando mais racional a aplicação da lei penal.

O foco do estudo foi o caso do engraçado arrependido, citado por dois grandes penalistas brasileiros, já falecidos, Magalhães Noronha e Nelson Hungria, como exemplo de meio psíquico ou moral de execução do crime de homicídio.

Analisamos essa conclusão de acordo com as teorias da equivalência dos antecedentes (conditio sine qua non), da causalidade adequada e do domínio do fato, chegando à conclusão de que, conforme as mencionadas teses, seria cabível, em princípio, a responsabilização penal de quem contou a anedota que provocou a morte da vítima, pré-possuidora de um aneurisma.

Contudo, alcançamos solução diversa mediante a aplicação da teoria da imputação objetiva. Com a necessidade de criação ou incremento de risco juridicamente proibido, com a realização desse risco no resultado, chegamos à conclusão de que o fato de contar uma piada não seria uma conduta juridicamente proibida. Com isso, ainda que tenha havido o dolo e o nexo causal físico ou natural, não se poderia cogitar a responsabilização penal pelo homicídio.

Dada a divergência entre as teorias, procuramos um método de apurar qual seria a mais correta ou, em palavras mais simples, a mais justa. Utilizamos o método da eliminação hipotética do dolo, ao menos quanto ao seu elemento volitivo (vontade). Se o agente tivesse os mesmos conhecimentos da doença da vítima, e, ainda assim, contasse a piada, gerando o mesmo episódio do aneurisma e a subsequente morte, haveria crime culposo? Concluímos que não, porquanto o fato de contar uma piada não seria uma conduta juridicamente proibida.

Enfim, o presente caso hipotético foi deveras interessante para demonstrar a relevância das teorias penais e de seus efeitos em situações concretas. A mera punição do dolo e do nexo causal físico, sem a realização de uma conduta juridicamente proibida, não se coadunaria com um Direito Penal que se pretende democrático e garantista.

Por fim, resta-nos render homenagens a Monteiro Lobato, Edgard Magalhães Noronha e Nelson Hungria, que inspiraram o presente estudo, nossa pequena contribuição aos debates sobre a teoria da imputação objetiva.

7  REFERÊNCIAS

AS DIABÓLICAS, Direção de Henry-Georges Clouzot, França, 1955, 1 DVD (112 min).

BRASIL, Ministério da Saúde, Biblioteca Virtual em Saúde, Acidentes com raios, Brasília, DF, Ministério da Saúde, dez. 2014, Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/acidentes-com-raios/, Acesso em: 14 set. 2023.

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SOUZA, Luciano Anderson de, Direito penal: volume 4: parte especial: arts. 235 a 311-A do CP, 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2022.

WELZEL, Hans, Derecho penal: parte general, Traducción de Carlos Fontán Balestra, Buenos Aires, Depalma Editor, 1956.

Notas de Rodapé

[1]     Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito Penal na Universidade de Mogi das Cruzes e na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Juiz Federal na Seção Judiciária de São Paulo/SP. E-mail: pbuenojud@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9440-4580.

[2]     Comentário feito pelo criminólogo Herbert Jäger, de acordo com SCHROEDER, Friedrich-Christian, El rayo como instrumento de asesinato, Traducción de Marcelo Alberto Sancinetti, Buenos Aires, Hammurabi, 2020, p. 46.

[3]     Não se desconhece a controvérsia acerca do caráter científico ou não do Direito em geral. Sem embargo, no presente estudo, o termo “ciência” será utilizado no sentido de saber organizado, com princípios e teorias próprias.

[4]     MAGALHÃES NORONHA, Edgard, Direito penal, 28. ed. rev. e atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, São Paulo, Saraiva, 1996, vol. 2, p. 18.

[5]     O italiano Ricciotto Canudo escreveu, em 1923, o Manifesto das sete artes, concebendo o Cinema como a sétima arte, sendo que a sexta seria a Literatura. Vide COVALESKI, Rogério Luiz, “Artes e comunicação: a construção de imagens e imaginários híbridos”, Galaxia, São Paulo, n. 24, pp. 89-101, dez. 2012, p. 93.

[6]     Pode ser encontrado na obra Urupês e outros contos, Jandira, SP, Ciranda Cultural, 2019, pp. 17-26.

[7]     HUNGRIA, Nelson, FRAGOSO, Heleno Cláudio, Comentários ao Código Penal, 5. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, vol. V (arts. 121 a 136), p. 63.

[8]     CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal: parte especial: volume único, 16. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, JusPodivm, 2023, p. 50.

[9]     LOBATO, Monteiro, Urupês e outros contos, Jandira, SP, Ciranda Cultural, 2019, p. 17.

[10]    Iremos aqui chamar o protagonista simplesmente de Pontes, tal como Monteiro Lobato, no conto em apreço.

[11]    LOBATO, Monteiro, Urupês e outros contos, Jandira, SP, Ciranda Cultural, 2019, pp. 21-22.

[12]    LOBATO, Monteiro, Urupês e outros contos, Jandira, SP, Ciranda Cultural, 2019, p. 25.

[13]    “Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.

[14]    Conforme Friedrich-Christian Schroeder, o caso do passeio no bosque e do raio sofreu algumas alterações desde a sua concepção original, uma delas inserindo o desejo de recebimento de herança. Cf. El rayo como instrumento de asesinato, Traducción de Marcelo Alberto Sancinetti, Buenos Aires, Hammurabi, 2020, p. 29. Aqui, apenas optamos por esta versão, que vem sendo utilizada atualmente, como observado por Antonio Luis Chaves Camargo (CAMARGO, Antonio Luis Chaves, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, São Paulo, Cultural Paulista, 2001, p. 63).

[15]    SCHROEDER, Friedrich-Christian, El rayo como instrumento de asesinato, Traducción de Marcelo Alberto Sancinetti, Buenos Aires, Hammurabi, 2020, p. 21.

[16]    BRASIL, Ministério da Saúde, Biblioteca Virtual em Saúde, Acidentes com raios, Brasília, DF, Ministério da Saúde, dez. 2014, Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/acidentes-com-raios/, Acesso em: 14 set. 2023.

[17]    ROXIN, Claus, Derecho penal: parte general: tomo I: Fundamentos. La estructura de la teoría del delito, Traducción de la 2ª edición alemán y notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz, Garcedo Conlledo y Javier de Vicente Remesal, Madri, Civitas, 2008, p. 362, tradução nossa. Trecho original, em Espanhol: “[...] pues es indiscutible que el autor subjetivamente quería exactamente aquello que ha producido objetivamente; y la planificación y el curso real coinciden entre sí”.

[18]    WELZEL, Hans, Derecho penal: parte general, Traducción de Carlos Fontán Balestra, Buenos Aires, Depalma Editor, 1956, pp. 49-50.

[19]    AS DIABÓLICAS, Direção de Henry-Georges Clouzot, França, 1955, 1 DVD (112 min).

[20]    SCHROEDER, Friedrich-Christian, El rayo como instrumento de asesinato, Traducción de Marcelo Alberto Sancinetti, Buenos Aires, Hammurabi, 2020, p. 61.

[21]    CAMARGO, Antonio Luis Chaves, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, São Paulo, Cultural Paulista, 2001, p. 56.

[22]    ROXIN, Claus, Derecho penal: parte general: tomo I: Fundamentos. La estructura de la teoría del delito, Traducción de la 2ª edición alemán y notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz, Garcedo Conlledo y Javier de Vicente Remesal, Madri, Civitas, 2008, p. 360.

[23]    CAMARGO, Antonio Luis Chaves, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, São Paulo, Cultural Paulista, 2001, p. 55.

[24]    “Art. 13. [...]. § 1º. A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.

[25]    COSTA JR., Paulo José da, COSTA, Fernando José da. Curso de direito penal, 12. ed. rev. e atual., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 126. No mesmo sentido: “Cabe razão, por conseguinte, a PAULO JOSÉ DA COSTA JR., para o qual o nosso Código perfilha a teoria da condicionalidade adequada, graças à qual é necessário que a condição, para ser considerada como causa do evento, seja concretamente reconhecida como idônea à sua consecução através de uma ‘valoração póstuma’” (REALE JÚNIOR, Miguel, Fundamentos de direito penal, 5. ed. rev., atual. e reform., Rio de Janeiro, Forense, 2020, p. 200).

[26]    ROXIN, Claus, Derecho penal: parte general: tomo I: Fundamentos. La estructura de la teoría del delito, Traducción de la 2ª edición alemán y notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz, Garcedo Conlledo y Javier de Vicente Remesal, Madri, Civitas, 2008, p. 360.

[27]    Dizemos em termos dogmáticos, pois a função da Ciência Penal é justamente a de encontrar critérios seguros para a solução de casos concretos. Em termos processuais, poder-se-ia, sim, invocar o princípio do in dubio pro reo, no entanto, caberia lembrar que um caso de homicídio doloso, no Brasil, seria decidido pelo Tribunal de Júri, se possível a responsabilização penal do agente. O que decidiria um jurado, que não precisa fundamentar o seu voto, conhecendo todas as circunstâncias do caso do engraçado arrependido?

[28]    SCHROEDER, Friedrich-Christian, El rayo como instrumento de asesinato, Traducción de Marcelo Alberto Sancinetti, Buenos Aires, Hammurabi, 2020, pp. 41-42.

[29]    MAYER, Max Ernst, Derecho penal: parte general, Traducción de Sergio Politoff Lifschitz, Montevideo, Editorial BdeF, 2007, p. 174.

[30]    JESUS, Damásio de, Imputação objetiva. 3. ed., 2. tir., São Paulo, Saraiva, 2008.

[31]    CAMARGO, Antonio Luis Chaves, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, São Paulo, Cultural Paulista, 2001.

[32]    CAMARGO, Antonio Luis Chaves, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, São Paulo, Cultural Paulista, 2001, pp. 61-64.

[33]    O presente estudo baseia-se, principalmente, na concepção de Claus Roxin.

[34]    ROXIN, Claus, Derecho penal: parte general: tomo I: Fundamentos. La estructura de la teoría del delito, Traducción de la 2ª edición alemán y notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz, Garcedo Conlledo y Javier de Vicente Remesal, Madri, Civitas, 2008, pp. 363-364, tradução nossa. Trecho original, em Espanhol: “[...] la imputación al tipo objetivo se produce conforme a dos principios sucesivamente estructurados: a) Un resultado causado por el agente solo se puede imputar al tipo objetivo si la conducta del autor ha creado un peligro para el bien jurídico no cubierto por un risco permitido y ese peligro también se ha realizado en el resultado concreto. Así p.ej. en el caso de la tormenta mencionado en el núm. 36 falta ya una acción homicida en el sentido del § 212 porque el hecho de enviar a alguien al bosque no crea un peligro jurídicamente relevante de matar. [...] b) Si el resultado se presenta como realización de un peligro creado por el autor, por regla general es imputable, de modo que se cumple el tipo objetivo. [...] En resumen, pues, se puede decir que la imputación al tipo objetivo presupone la realización de un peligro creado por el autor y no cubierto por un riesgo permitido dentro del alcance del tipo”.

[35]    GRECO, Luís, Um panorama da teoria da imputação objectiva, Rio de Janeiro, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2004, p. 17.

[36]    Seguimos a orientação de Luís Greco: “Nos limites deste trabalho, contento-me com a afirmação de que inexiste risco juridicamente desaprovado caso o autor se limite a contribuir para que a vítima se autocoloque em perigo [...]”. Cf. Um panorama da teoria da imputação objectiva, Rio de Janeiro, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2004, p. 63.

[37]    PASCHOAL, Janaina Conceição, Ingerência indevida: os crimes omissivos e o controle pela punição do não fazer, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2011, p. 137.

[38]    “Art. 267. Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos: Pena – reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990). § 1º. Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro. § 2º. No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos”.

[39]    Nesse sentido, a lição de Luciano Anderson de Souza: “[...] quanto à relação entre o presente delito e a epidemia de Covid-19, mostra-se pouco viável a aplicabilidade do art. 267 nesse contexto, dado que todas as regiões brasileiras, em curto espaço de tempo, passaram a revelar casos confirmados de Covid-19 com transmissão comunitária, sendo fantasioso responsabilizar alguém pela disseminação da doença”. Cf. Direito penal: volume 4: parte especial: arts. 235 a 311-A do CP, 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 314.

[40]    Cumpre apenas lembrar e esclarecer que o presente texto não versa sobre piadas contadas com o intuito específico de humilhação e discriminação racial contra pessoas pertencentes a minorias, com o que se teria aqui, eventualmente, a criação de um risco juridicamente proibido, em relação ao crime de injúria racial ou mesmo de preconceito racial, caso houvesse o intuito específico de discriminar.