O ativismo judicial como meio de mitigação da prática do dumping social e instrumento de colaboração para a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho
Judicial activism as a means of mitigation of the practice of social dumping and a collaboration instrument for the full effectiveness of the fundamental right to work
DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.42
Recebido/Received 26/07/2023 – Aprovado/Approved 04/03/2024
Lincoln Zub Dutra[1] – https://orcid.org/0000-0002-9833-4134
Resumo
Este artigo aborda o tema o ativismo judicial como meio de refutar à prática do dumping social e propiciar a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho, haja vista a imperiosa importância e discussão inerente ao mesmo, em especial no meio jurídico e político-social. A consumação do Poder Judiciário como Poder do Estado, trouxe à tona uma organização do Estado do Direito, que observada sob à ótica do constitucionalismo e emancipação da dignidade da pessoa humana com o pós guerras, elevou os limites de atuação das instituições, com a necessária observância do princípio da legalidade, vez que passou a exigir uma maior participação, fiscalização e correção entre os poderes, a fim de não só promover a estrita legalidade, eficiência e efetividade, mas concretizá-las. Desse modo, através do método hipotético dedutivo, da revisão bibliográfica, do direito comparado e da análise econômica constitucional do direito do trabalho, busca-se através do presente artigo demonstrar a relevância do ativismo judicial como instrumento transformador do Estado Democrático e Social de Direito, tanto quanto como meio de refutar o descumprimento reiterado das normas trabalhistas e viabilizador da eficácia plena do direito fundamental ao trabalho, ou seja, tanto na relação entre Estado e particulares como entre particulares.
Palavras-chaves: Ativismo Judicial. Estado Democrático e Social de Direito. Dumping Social. Direito Fudamental ao Trabalho.
Abstract
This article deals with judicial activism as a means to refute the practice of social dumping and to promote the full effectiveness of the fundamental right to work, given the imperative importance and discussion inherent in it, especially in the juridical and socio-political environment. The consummation of the Judiciary Power as a State Power, brought to light an organization of the Rule of Law, which, observed from the perspective of constitutionalism and emancipation of the dignity of the human person with the post wars, raised the limits of the institutions' performance, with the necessary observance of the principle of legality, since it began to demand greater participation, inspection and correction between the powers, in order not only to promote strict legality, efficiency and effectiveness, but to materialize them. Thus, through the hypothetical deductive method, literature review, comparative law and constitutional economic analysis of labor law, this article seeks to demonstrate the relevance of judicial activism as a transformative instrument of the Democratic and Social Rule of Law, as much as a means of refuting the repeated non-compliance with labor standards and enabling the full effectiveness of the fundamental right to work, that is, both in the relationship between state and particulars as between individuals.
Keywords: Judicial Activism. Democratic and Social State of Law. Social Dumping. Fudamental Labor Right.
Sumário: 1. Introdução; 2. Contextualização Histórica do Ativismo Judicial; 3. O Ativismo Judicial na atual perspectiva constitucional; 4. O Ativismo Judicial como meio de refutar a prática do Dumping Social e propiciar a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho; 6. Considerações Finais; 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O ativismo judicial passou a ser concebido desde o início do século XX nos Estados Unidos, tendo sido incorporado pela doutrina brasileira recentemente, especialmente após a Constituição de 1988, tendo em vista o surgimento de uma sucessão de novos, relevantes e polêmicos direitos, advindos das liberdades previstas na Constituição Federal de 1988, mas que, tratados abstratamente na Carta Magna, carecem de regulamentações específicas e políticas públicas capazes de efetivar a sua realização.
A importância do tema em apreço, vem conquistado cada vez mais atenção dos operadores do direito, tanto quanto da própria sociedade, vez que se correlacionam diretamente com os direitos e garantias constitucionais consubstanciados pela Constituição de 1988 e, por conseguinte, com o Estado Democrático e Social de Direito.
Em que pese o ativismo judicial esteja sendo debatido nos meios acadêmicos das ciências sociais, designado pelas terminologias abertas da “judicialização da política” e “politização do direito”, insofismável é que as mesmas se referem à intervenção na arena política pela atuação proativa dos juízes, tribunais, principalmente da Corte Constitucional, razão pela qual vêm sendo severamente criticada por não estabelecer critérios, limites e dados empíricos na área das ciências sociais e da teoria do direito.
Compreender o ativismo judicial como uma forma de criação judicial do Direito é uma forma simples, rasa e repleta de vicissitudes, especialmente pelo fato de que o poder criador do juiz, não só encontra respaldo legal, mas concede justamente a dinâmica e abrangência necessária a um direito positivado, estático e que muitas vezes não consegue acompanhar o desenvolvimento da sociedade.
Todavia, isto não retira do instituto a quantidade de dificuldades de aceitação de sua existência, legalidade, legitimidade, abrangência, aplicabilidade e pacificação doutrinária, tal como se pretende investigar por meio da presente pesquisa.
De igual sorte, far-se-á necessário vislumbrar se o ativismo judicial não ofende e separação dos poderes e a soberania popular atinente ao Estado Democrático, tanto quanto se seria um instrumento, ainda que paliativo, para concretização de direitos fundamentais.
Sendo assim, no atual cenário, o Poder Judiciário se encontra em um severo dilema, qual seja, trazer para si a incumbência de assegurar estes direitos e lhes entregar a devida efetividade, sob o risco ser retaliado pela prática desacerbada de ativismo judicial, ou mantém o padrão clássico liberal, de mera aplicação da norma e seja criticado por ser um mero espectador, sem relevante papel social e subserviente aos demais poderes, haja vista que diante a voraz evolução e reconstrução do direito, impõe-se cada vez mais resposta aos anseios da sociedade e dos jurisdicionados.
Outrossim, não se pode negar que, lastimavelmente, ainda impera certa parcela de lentidão, inércia e omissão por parte dos poderes Legislativo e Executivo no Brasil, especialmente no que tange a políticas públicas viabilizem a concretização de direitos fundamentais e, por conseguinte, do direito fundamental ao trabalho, sendo, portanto, indispensável que para o progresso e desenvolvimento do Estado Democrático e Social de Direito idealizado no texto constitucional, haja a tutela pelos anseios sociais decorrentes dessa evolução, com a mesma rapidez e intensidade, motivo pelo qual o ativismo judicial seria um instrumento legítimo e hábil na persecução da eficácia da prestação estatal.
Assim sendo, através do método hipotético dedutivo, da revisão bibliográfica, do direito comparado e da análise econômica constitucional do direito do trabalho, buscar-se-á analisar o ativismo judicial, como instrumento próprio para se atingir a eficácia da prestação estatal de maneira harmônica e equilibrada, respeitando-se os limites constitucionais, apontando, consequentemente, os reflexos práticos que essa judicialização política tem proporcionado para a construção do novo Estado Democrático e Social de Direito, em especial no tange a refutação da prática do descumprimento reiterado das normas trabalhista, ou seja, do dumping social, tanto quanto a fim de tutelar para a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO ATIVISMO JUDICIAL
Afastando por completo qualquer comparação possível com o controle difuso de constitucionalidade, intitulado judicial review (BARBOZA; KOZICKI, 2016, p. 735), tanto quanto com o fenômeno de criação judicial do Direito, encontraremos nos Estados Unidos da América a origem do ativismo judicial (TEIXIEIRA, 2012), mais precisamente, na decisão Lochner v. New York[2], vez que neste caso a Suprema Corte daquele país entendeu que o princípio de liberdade contratual estava implícito na noção do devido processo legal (due processo of law) consagrada pela seção 1 da 14ª Emenda à Constituição dos EUA, o que resultou na declaração de inconstitucionalidade de uma lei do Estado de Nova York que estabelecia 60 horas como limite para a jornada de trabalho semanal dos padeiros, sob o pálio de que se estaria limitando a liberdade individual de contratar, o que, entendeu-se ser irrazoável, desnecessário e arbitrário.
Sendo assim, além de representar aquilo que veio a ser chamado de “Era Lochner”-1897-1937 (BARBOZA; KOZICKI, 2016, p. 740), na qual as intervenções estatais no domínio econômico foram reiteradamente refutadas pela Suprema Corte dos EUA, pode ser considerado também um dos primeiros casos de flagrante ativismo judicial exercido por aquela Corte (SUNSTEIN, 1987).
Todavia, foi com o historiador Arthur Schlesinger Jr., em uma matéria da revista Fortune intitulada The Supreme Court: 1947, que o termo judicial actvism entrou no léxico não apenas jurídico, mas sobretudo político e popular (KMIEC, 2004).
Desse modo, o judicial review americano pode ser considerado como o maior exemplo de ativismo judicial da história constitucional moderna, haja vista que, mesmo sendo baseado em uma constituição rígida, porém sintética, e calcado em princípios e valores substantivos abertos, permitiu e permite à jurisdição constitucional a definição material ou substantiva das cláusulas de conteúdo aberto presentes na Constituição.
Entretanto, mesmo no sistema jurídico americano o protagonismo do Judiciário, intitulado de ativismo judicial não pode ser entendido tão somente como o quanto uma Corte é ocupada, mas como o quanto seus juízes estão dispostos a desenvolver o direito.
Na Alemanha, por sua vez, subsiste a figura da Jurisprudência dos Valores (LAREZ, 1997), que por estar inserida em contextos sociais e políticos distintos do ativismo judicial estadunidense sequer poder ser categorizado como tal. Ela se demonstra como forma de rompimento com o Positivismo Jurídico e adequamento do direito ao Estado Democrático de Direito, sendo que uma de suas principais atribuições seria em oferecer uma alternativa ao problema que o Positivismo se exacerbara e se mostrava incongruente com o novo Estado: o ativismo. Afinal, enquanto no Positivismo se deixava a cargo do juiz as decisões que não podiam se engradar na moldura interpretativa, a Jurisprudência dos Valores busca impor limites para os casos de difícil solução, não deixando margem para um ato do magistrado, mas estabelecendo as condições em que a decisão seja legítima, ou seja, resultado de um processo interpretativo intersubjetivo (OLIVEIRA; FARIA; CURTOLO; TEODORO; VELUDO, 2011).
Todavia, olvidar não se deve que a Jurisprudência dos Valores não se mostra eficiente para evitar o ativismo judicial, mas este pode ser constatado de maneira diferente, motivo pelo qual indubitável é a relevância do estudo em testilha.
No Brasil, a temática relativa ao ativismo judicial só ganhou expressão com a entrada em vigor da Constituição de 1988 em virtude do extensivo rol de direitos fundamentais (LIMBERGER; NOGUEIRA, 2017), tanto quanto pelo fato de ter atribuído uma série de prerrogativas ao magistrado, impulsionando-o, inevitavelmente, a um atuação mais presente a sociedade e, em consequência, com mais repercussão midiática; veja-se, por exemplo, todos os milhares de casos em que se faz necessário assegurar direitos fundamentais que não encontram previsão legal em condições de lhes dar regulamentação.
Sendo assim, pode-se conceber o ativismo judicial como um modo de interpretação dos mandamentos constitucionais que busca sua aplicação direta, todavia, estendendo o seu alcance e sentido. Assim, ele decorreria, em regra, de uma ineficiência dos demais Poderes, o Executivo, e, sobretudo, o Legislativo, na solução de conflitos entre classes políticas e sociais, dando, por conseguinte, espaço para a atuação indevida do Poder Judiciário (LIMBERGER; NOGUEIRA, 2017).
Após refutar as interpretações mais atuais sobre o ativismo judicial e partindo do pressuposto de que muitas decisões judiciais não são supervisionadas por outros órgãos governamentais, Craig Green aduz que o ativismo judicial deveria ser reconhecido como o abuso do poder não supervisionado que é exercido fora dos limites do papel do judiciário (GREEN, 2009).
Entretanto, infere-se que o ativismo judicial justamente correspondente como a efetiva tutela jurisdicional do Estado, que frente a omissão legislativa ou descompasso legislativo com os anseios da sociedade, busca concretizar de maneira plena o direito pretendido ainda que por meio de uma hermenêutica jurídica expansiva, mas que atenda, ao certo, todos os preceitos e garantias constitucionais, tais como o da prestação jurisdicional do Estado, celeridade processual, segurança jurídica, entre outras.
Sendo assim, esta ampliação do exercício do judiciário encontra amparo justamente perante o princípio da supremacia do interesse público geral, haja vista que sua inércia, lentidão ou omissão, justamente inviabiliza a devolutiva da pretensa justiça à sociedade (TEIXEIRA, 2012).
Dentre as formas de ativismo judicial inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se destacar o ativismo contra majoritário que seria aquele onde subsiste a relutância contra às decisões dos poderes diretamente eleitos, o ativismo formal ou jurisdicional onde há a resistência das cortes em aceitar limites legalmente estabelecidos para a sua atuação, o ativismo material ou criativo, que resulta de novos direitos e teorias na doutrina constitucional e, por fim, o ativismo remediador que é caracterizado pelo uso do poder judicial para impor atuações positivas dos outros poderes governamentais ou controlá-los como etapa de um corretivo judicialmente imposto (BORGES; NETO, 2016).
Todavia, independentemente das formas ou classificações alhures, não se deve confundir o termo ativismo judicial com o instituto conhecido como judicialização, pois embora próximos, enquanto o ativismo judicial anseia extrair ao máximo o potencial da Constituição sem, contudo, invadir o palco da criação do direito, a judicialização, por sua vez, impõe a transferência de decisão dos poderes Executivo e Legislativo para o poder Judiciário o qual passa, normalmente, dentre temas polêmicos e controversos, a estabelecer normas de condutas a serem seguidas pelos demais poderes.
Desse modo, tem-se que enquanto o ativismo judicial se encontra correlacionado a um ato de vontade do órgão judicante a judicialização se encontra associada a questões políticas ou sociais e, portanto, não depende desse ato volitivo do Poder Judiciário, haja vista que decorre do próprio desenvolvimento da sociedade e da crise da democracia, que tende a produzir uma quantidade imensurável de regulamentações judiciais e que encontram guarida no judiciário e, especialmente, nas questões que englobam um ato de jurisdição constitucional (OLIVEIRA; FARIA; CURTOLO; TEODORO; VELUDO, 2011).
Assim, pode-se concluir que o ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz depende do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário de a travar (GARAPON, 1998).
Em suma, enquanto a judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política, o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance, a fim de que ante a retração ou omissão dos Poderes Legislativos e Executivo, haja a viabilidade de que demandas sociais ou outras normas fundamentais possam ser atendidas de maneira efetiva pelo Poder Judiciário (BARROSO, 2012).
Diante disso, pode se dizer que o ativismo tem como principal argumento justificado a máxima promoção e prospecção dos direitos fundamentalmente assegurados (PEREIRA, 2007), motivo pelo qual se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas (BARROSO, 2012).
Ademais, insta destacar que, a referida ascensão política que marcou o surgimento do ativismo judicial, originou-se de fatos históricos importantes para a sua compreensão, oriundos da evolução e organização do Estado no mundo, como a doutrina da separação dos poderes concebida, primeiramente, por Aristóteles[3] na antiguidade, por John Locke[4] através da construção sistemática de uma teoria da separação dos poderes, com surgimento do Parlamento em meados do século XVI que deu uma nova concepção de separação de poderes do Estado[5], pela sistematização da separação dos poderes que foi acolhida pelo mundo moderno no século XVIII[6], e pelo sistema de freios e contrapesos que aparece como forma de robustecimento do constitucionalismo, frente à rigidez da separação dos poderes pregada por diversos filósofos e cientistas políticos.
Com efeito, indubitável é uma releitura do conceito de separação de poderes, mais condizente com a realidade atual. Assim, com a proliferação de direitos fundamentais nas modernas Constituições e a assunção de que eles são princípios que podem colidir em casos específicos, sendo uma exigência social a máxima aplicação de cada um dos direitos fundamentais, uma nova concepção de separação de poderes é necessária. Não mais se entende que direito e política são campos totalmente separados e cuja conexão deve ser reprimida para o bom funcionamento do Estado. (FELLET; PAULA; NOVELINO, 2011).
Diante disso, feita uma singela contextualização histórica quanto ao ativismo judicial, compete-nos darmos prosseguimento ao tema proposto e analisá-lo dentro da atual perspectiva constitucional.
3 O ATIVISMO JUDICIAL NA ATUAL PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL
O rompimento com o Estado Liberal e a consequente passagem ao Estado de Direito, propiciou a valorização e adoção de normas cada vez mais abertas que pautadas na principiologia constitucional, corrobora para uma verdadeira transferência de atribuições entre os poderes.
Desse modo, o Poder Legislativo que se atinha de forma detalhada a previsão normativa de regras fechadas e inflexíveis, vem se amoldando ao contexto a atual, o que implica, por conseguinte, na atuação mais ativa do Poder Judiciário no que tange a interpretação constitucional das normas abstratas, tanto quanto ponderando os aspectos valorativos e políticos atinentes a cada caso.
Neste sentido, podemos nos apropriar da justificativa de Peter Harbele a fim de perceber a constante mutação e transformação do Estado, senão vejamos:
O tipo do Estado Constitucional ocidental livre e democrático não é, como tal, imutável. Séculos foram necessários para se moldar o conjunto dos elementos estatal e democrático, de direitos fundamentais individuais e, por fim, sociais e culturais, e o futuro continuará a desenvolvê-los. (FELLET; PAULA; NOVELINO, 2011, p. 273)
Diante disso, se nos Estados Unidos o ativismo judicial possui longa data e continua gerando polêmica, no Brasil esse fenômeno é relativamente novo e ainda deverá ter muitos desdobramentos.
Todavia, antes de analisarmos o ativismo judicial como instrumento de transformação do Estado Democrático e Social de Direito, necessário se faz contrapor as controversas relativas há existência ou não de ofensa a separação dos poderes, bem como quanto a soberania popular.
Quanto a alegação de que o ativismo judicial violaria a separação dos poderes, infere-se que a mera analise da evolução histórica da posição do Poder Judiciário na organização do Estado contemporâneo, aliado ao crescimento do constitucionalismo mundial, impõe a negação a esta compreensão (LIMBERGER; NOGUEIRA, 2017) e (STREK, 2011).
Nesta toada, podemos perceber que o quanto o direito constitucional passou a ter papel de destaque após a promulgação da Constituição de 1988:
ao longo da história brasileira, sobretudo nos períodos ditatoriais, reservou-se ao direito constitucional um papel menor, marginal. Nele buscou-se, não o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce. A Constituição de 1988, com suas virtudes e imperfeições, teve o mérito de criar um ambiente propício à superação dessas patologias e à difusão de um sentimento constitucional, apto a inspirar uma atitude de acatamento e afeição em relação à Lei Maior. (AMARAL, 2010, p. 2)
Como corolário, não se pode mais conceber a separação dos poderes com a mesma severidade que se tinha durante o Estado Liberal, onde o estrito cumprimento da norma, excluía qualquer possibilidade de participação ampla dos poderes entre si, bem como da população, o que por meio da inclusão dos direitos fundamentais no texto constitucional e a crescente preocupação com a ampliação e a facilitação do acesso à justiça, restou superado, dando ensejo, portanto, ao fortalecimento da própria democracia (JACOB, 2018).
Diante disso, tem-se que a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade, motivo pelo qual a sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na faticamente (HESSE, 1991).
Nesta toada, no que tange suposta separação absoluta e rígida entre dos Poderes, esclareceu o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, no relatório do julgamento da ADI 3367, que:
em coerência com seus pressupostos teóricos e objetivos práticos, MONTESQUIEU jamais defendeu a ideia de uma separação absoluta e rígida entre os órgãos incumbidos de cada uma das funções estatais. Antes, chegou a fazer referência a mecanismos de relacionamento mútuo entre os poderes, a fim, precisamente, de lhes prevenir abusos no exercício[7].
Como corolário, perecem os argumentos daqueles que elencam o ativismo judicial como um mau ao Estado Democrático e Social de Direito, tanto quanto o refutam sob o pálio de que o mesmo afrontaria a separação de poderes, vez que as críticas acerca de suposta violação que já nem existe mais, partem, lastimavelmente, dos Poderes Executivo e Legislativo que, usualmente, exercem funções atípicas, a exemplo das medidas provisórias, por parte do Executivo, e os julgamentos de seus pares, realizados pelo Legislativo.
De igual sorte, quanto a suposta ofensa à soberania popular (JACOB, 2018), ou seja, a ilegitimidade do Poder Judiciário para decidir questões de larga repercussão política e social, vez que não passam pelo processo eleitoral, tampouco pela periodicidade inerente ao mesmo, cumpre destacar que:
o Judiciário tem características diversas da dos outros Poderes. É que seus membros não são investidos por critérios eletivos nem por processos majoritários. E é bom que seja assim. A maior parte dos países do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado por agentes públicos selecionados, com base no mérito e no conhecimento específico. Idealmente preservado das paixões políticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis. Mas o poder de juízes e tribunais, como todo poder em um estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. (ALMEIDA, 2011)
Com efeito, demonstra-se no mínimo incoerente suscitar a ilegitimidade dos membros do Poder Judiciário, até mesmo pelo fato que os membros do Poder Judiciário necessitam, obrigatoriamente, submeter-se a critérios constitucionais, razão pela qual, por si só, gozam de legitimidade atribuída pela soberania popular direta.
Sendo assim, não há como menosprezar a contribuição do Poder Judiciário para o fortalecimento da democracia, tanto quanto para efetividade dos direitos e garantias constitucionais, vez que uma concepção tradicional da postura dos magistrados até então concebida como neutra, imparcial e passiva, já não satisfaz os anseios de uma sociedade que se encontra em constante transformação. (MARIONI, 2000)
Desse modo, não há que se falar em deturpação das teorias estrangeiras de autores como Alexy e Dworkin para calcar a aplicação do ativismo judicial pelo Poder Judiciário (LIMBERGER; NOGUEIRA, 2017), vez que de fato, a norma jurídica sempre conterá um espaço jurídico “vazio” a ser preenchido pelo intérprete ou aplicador, isto é, uma situação real que demanda a aplicação da norma, ainda inexista previsão prévia.
Sendo assim, a expansão da interpretação do Poder Judiciário acaba produzindo efeitos concretos que não se encontram expressamente previstos na legislação em razão do vácuo deixado pelo Congresso Nacional em determinados temas, motivo pelo qual ante a essa desarmonia dos sistemas, o ativismo judicial se incumbe tanto pela criação de normas como também de novas hipóteses de incidência para as previsões constitucionais, sempre fundadas em bases teóricas da hermenêutica.
Demonstrando alguns dos motivos para que se enfrente referidas lacunas, bem como o próprio ativismo judicial, tem-se que o simples fato de que dentre as inúmeras causas que justifiquem esta conduta afirmativa do Poder Judiciário, a de maior relevância seria a necessidade indubitável de concretização dos preceitos constitucionais, muitas vezes transgredidos e vilipendiados por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. (MELLO, 2008). Assim, o ativismo judicial se torna uma necessidade institucional, ante as omissões ou negligências dos órgãos do Poder Público em cumprir o próprio estatuto constitucional.
Portanto, o ativismo judicial ora defendido corresponde a uma participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores, preceitos e fins constitucionalmente previstos (BAROSSO, 2012).
Nesse sentido, tem-se que o ativismo judicial é resultado de um novo constitucionalismo que busca, prioritariamente, a efetivação dos anseios sociais e de justiça consubstanciados em nossa Constituição, razão pela qual subsiste há insofismável participação mais ampla e intensa do Judiciária na concretização dos valores e fins constitucionais (CUNHA; COUTO, 2017). Assim, impõe-se que não basta mais a positivação de direitos humanos no seio das Constituições, se os mesmos não são detentores do mais absoluto respeito e se, na prática, não são concretizados (WERLE; KUNTZ, 2017).
Nesse sentido, infere-se que a atividade do aplicador do direito vinculado à lei, aos precedentes, ou, a ambos, não pode ser diferenciada, do ponto de vista de seus limites substanciais, da do legislador, cujo poder de criação do direito se encontra sujeito aos vínculos ditados por uma constituição escrita e pelas decisões de justiça constitucional (CAPPELLETTI, 1993), haja vista que mesmo o fiel respeito incondicional às formalidades legais pode incidir em injustiças
Sendo assim, ante a insofismável omissão dos Poderes Legislativos e Executivo, cabe ao Judiciário, superar tais formalismos em prol da efetiva concretização e efetividade dos direitos fundamentais e constitucionais para que seja, enfim, alcançado o ideal de justiça.
Diante disso, infere-se que tão pouco a rejeição sumária do ativismo judicial tanto quanto uma postura de autocontenção[8] (KOERNER, 2013), por parte do Poder Judiciário, não permitem a concretização plena de direitos fundamentais sociais, razão pela qual nos resta analisarmos tal fenômeno como meio de refutar a prática do dumping social e propiciar a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho.
4 O ATIVISMO JUDICIAL COMO MEIO DE REFUTAR A PRÁTICA DO DUMPING SOCIAL E PROPICIAR A EFICÁCIA PLENA DO DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO
A dificuldade para a concretização dos direitos sociais, demonstra-se como um problema de ordem global, mas, lastimavelmente, no Brasil se denota como índices alarmantes.
Entretanto, indubitável é que nosso Estado Democrático de Direito (HARBELE, 2007) tem como mandamento propiciar o desenvolvimento econômico em compasso com valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, tanto quanto o respeitos a todos os direitos trabalhistas mínimos inseridos no artigo 7º da Constituição de 1988, visando assim, além da eficácia plena dos direitos fundamentais dos trabalhadores, ou seja, tanto em relação vertical (Estado x Privado), como entre os particulares, relação horizontal, a igualdade social e a concretização da justiça social, quer seja através do cumprimento do direito posto, ou através até mesmo de certa parcela de ativismo judicial, rechaçando, assim, a lastimável prática do dumping social (JÚNIOR; PINTO, 2013)[9]/[10].
Desse modo, diferentemente do compreendido pelo princípio da supremacia da lei, que no Estado Liberal acreditava que a atividade legislativa se demonstrava como algo perfeito e acabado, infere-se que em nossos dias, compete ao aplicador do direito, ou seja, ao Poder Judiciário, dar à norma geral e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação conforme à Constituição, a fim de viabilizar a melhor forma de tutelar os direitos fundamentais.
Diante disso, tem-se que o ativismo judicial ser perfaz justamente na necessidade de cumprimento dos preceitos constitucionais por parte do Poder Judiciário ante a sua legitimidade conferida pela Constituição de 1988, não configurando, assim, qualquer ilegalidade, ilicitude ou extrapolamento de sua competência, vez que a fim de que os direitos sociais sejam efetivados, tal como o direito fundamental ao trabalho, as normas necessitam de providências mesmo que situadas fora ou além do texto constitucional (ÁVILA; MIRANDA, 2017), carecendo, portanto, de medidas de ordem material para sua concretização (RAMOS, 2010).
Entretanto, ainda que existam contrários ao ativismo judicial, olvidar não se deve que dentro da perspectiva de um Estado Democrático e Social de Direito, compete ao aplicador do direito viabilizar a eficácia plena das disposições constitucionais, à medida que:
(...) a Constituição, atualmente, é o grande espaço, o grande locus, onde se opera a luta jurídico-política. O processo constituinte é um processo que se desenvolve sem interrupção, inclusive após a promulgação, pelo poder constituinte, de sua obra. A luta, que se travava no seio da Assembleia Constituinte, transfere-se para o campo da prática constitucional (aplicação e interpretação). Afirmar esta ou aquela interpretação de determinado dispositivo constitucional, defender seu potencial de execução imediata ou apontar a necessidade de integração legislativa, constituem comportamentos dotados de claríssimos compromissos ideológicos que não podem sofrer desmentido.
No Brasil contemporâneo, constitui missão do operador jurídico produzir a defesa da Constituição. A Constituição brasileira, tão vilipendiada, criticada e menosprezada, merece consideração. Sim, porque aí, nesse documento mal escrito e contraditório, o jurista encontrará um reservatório impressionante de argumentos justificadores de renovada ótica jurídica e da defesa dos interesses que cumpre, para o direito alternativo, defender. (AMARAL, 2010, p. 4)
Como corolário, mesmo diante das lacunas (KELSEN, 1999) legislativas existentes a tarefa hermenêutica do aplicador do direito se demonstra complexa e inderrogável, tal como preceituam o artigo 5.º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988[11] e o artigo 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro[12].
Sendo assim, indubitável é o papel do Poder Judiciário no processo de interpretação e concretização do Direito, revelando assim sua capacidade criadora, à medida que:
Os principais criadores do direito (...) podem ser, e frequentemente são, os juízes, pois representam a voz final da autoridade. Toda vez que interpretam um contrato, uma relação real (...) ou as garantias do processo e da liberdade, emitem necessariamente no ordenamento jurídico partículas dum sistema de filosofia social; com essas interpretações, de fundamental importância, emprestam direção a toda atividade de criação do direito. As decisões dos tribunais sobre questões econômicas e sociais dependem da sua filosofia econômica e social, motivo pelo qual o progresso pacífico do nosso povo, no curso do século XX, dependerá em larga medida de que os juízes saibam fazer-se portadores duma moderna filosofia econômica e social, antes de que superada filosofia, por si mesma, produto de conciliações superadas. (CAPPELLETTI, 1993, p. 20 a 25)
Assim, denota-se que um perfil ativo, participativo e criativo do aplicador do direito no processo interpretativo, corrobora a uma prestação de uma tutela jurisdicional mais justa, tempestiva, eficaz e efetiva (KOERNER, 2013).
Assim, munindo-se dos ensinamentos de Herbert Hart sobre o papel do intérprete na tomada de decisões judiciais, infere-se que subsiste uma oposição epistemológica entre os sistemas da commom law e da civil law (HART, 1994), motivo pelo qual há dois contextos distintos para a resolução de um conflito. O primeiro deles seria o da tomada de decisão, ao passo que o segundo seria o da descoberta de justificação e racionalidade da decisão, por meio da argumentação jurídica utilizara a fundamentação da mesma (CUNHA; COUTO, 2017). Isso porque, enquanto ambos os sistemas depende de suas respectivas tradições e culturas jurídicas que, por conseguinte, podem gerar formas muito diferenciadas de atuação de um aplicador do direito, vez que os métodos indutivo e pragmático são típicos dos Estados anglo-saxônicos, enquanto os métodos dedutivo e sistemático, que busca alcançar uma lógica, racionalidade e coerência, são típicos do sistema romano-germânico (CUNHA; COUTO, 2017).
Nesse sentido, afirma Humberto Ávila que:
É preciso substituir a convicção de que o dispositivo identifica-se com a norma, pela constatação de que o dispositivo é o ponto de partida da interpretação; é necessário ultrapassar a crendice de que a função do intérprete é meramente descrever significados, em favor da compreensão de que o intérprete reconstrói sentidos, quer o cientista, pela construção de conexões sintáticas e semânticas, quer o aplicador, que soma àquelas conexões as circunstâncias do caso a julgar; importa deixar de lado a opinião de que o Poder Judiciário só exerce a função de legislador negativo, para compreender que ele concretiza o ordenamento jurídico diante do caso concreto. (ÁVILA, 2006, p. 34)
Nesta toada, o magistrado, em todas as instâncias jurisdicionais, é chamado em nossos dias a devolver a tutela dos jurisdicionados rompendo com o padrão de racionalidade jurídica, bem como às técnicas hermenêuticas e decisórias, que fundamentavam a era do apogeu do positivismo jurídico ocidental, durante o século XIX e a primeira metade do século XX (CARBONELL, 2005), culminando, assim, em uma nova ideia de racionalidade jurídica (TEIXEIRA, 2012).
Apesar do reconhecimento da importância atribuída à interpretação realizada pelos juízes, não defende uma discricionariedade sem limites, haja vista que em que pese o juiz seja inevitalmente criador do direito, não se encontra completamente livre de vínculos. Desse modo, subsiste insofismavelmente limites à liberdade judicial, tanto processuais quanto substanciais (CAPPELLETTI, 1993), motivo pelo qual, mesmo diante do ativismo judicial, o papel do juiz carece de nítidos contornos legislativos (BAUR, 1982).
Neste sentido, infere-se que tanto o Projeto de Lei 1.615, de 15 de junho de 2011[13], como qualquer outra norma infraconstitucional antidumping ou até mesmo determinado ativismo judicial por parte do Poder Judiciário, por buscarem compor o sistema de proteção a direitos sociais e fundamentais (SILVA, 2017), certamente assumirão os contornos de norma de direito fundamental, vez que as normas de direitos fundamentais podem ser tanto as estabelecidas na Constituição, dentro o fora do catálogo, como em disposições infraconstitucionais. (ALEXY; BAEZ; SILVA, 2015).
Sendo assim, denota-se que a prática do dumping social atinge a toda a sociedade, por desrespeitar direitos e garantias fundamentais, tanto quanto a ordem econômica vigente, haja vista que propicia a vantagem indevida frente à concorrência, bem como pode transformar-se até mesmo em escravidão uma vez que deixa o trabalhador acorrentado ao emprego, ao mesmo tempo que lhe fornece condições indignas de labor e de ínfima remuneração, quando essa ocorre, razão pela qual impede a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho (MARDERS, 2015).
Sendo assim, em que pese a relação de emprego seja firmada entre empregado e empregador, ou seja, uma relação jurídica entre particulares, a mesma indiscutivelmente está sujeita à proteção e à tutela (CARVALHO; LIMA, 2015) dos direitos fundamentais, especialmente daqueles relacionados ao trabalhador, parte indiscutivelmente mais frágil na relação em testilha (RAMOS, 2016).
Diante disso, a prática do dumping como ato ilícito contrário à ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, depende apenas da criação de normas regulatórias e punitivas, não obstante já preexistirem meios repressivos mediante a utilização da interpretação e aplicação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro; na verdade, carece de um sistema com medidas de prevenção e de efetivação do Direito posto, com fiscalização eficiente por parte do Poder Executivo através do seu poder regulatório, além do estabelecimento de políticas públicas de conscientização e ações antidumping.
Desse modo, a fim de se alcançar a eficácia plena dos direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores, subsiste a necessidade do Estado tutelar, garantir, fiscalizar e dar efetividade aos mesmos, tanto em relação aos particulares, como entre eles.
Outrossim, cumpre esclarecer que independemente de ausência de previsão legal expressa na legislação trabalhista acerca do dumping social, tal fato não poderá ser utilizado como óbice para a sua configuração e condenação em situações concretas, pois o ordenamento jurídico deve ser interpretado sempre de maneira sistemática, a fim de que os bens jurídicos afetados por essa prática que se encontram previstos tanto no texto constitucional como na legislação ordinária, recebam a devida proteção por parte do Estado.
Diante disso, independente do posicionamento quanto à legalidade ou ao limite do denominado ativismo judicial, o aplicador do direito é conduzido à superação do modelo tradicional (LEITE, 2011) quanto à reparação, a fim de que possa redimensionar a abrangência da responsabilidade em si em prol da tutela da totalidade dos atuais conflitos sociais (LOBATO JÚNIOR; PINTO, 2013), devendo, assim, exercer as funções de prevenção de danos (SILVA, 1991), a punitiva e a pedagógica.
Sendo assim, compete ao Estado buscar mecanismos de mitigação de práticas como a do dumping social, tanto quanto propiciar a eficácia plena do direito fundamental ao trabalho, razão pela qual o ativismo judicial, em se tratando de normas de direitos fundamentais sociais, aparece como um caminho para a efetivação de dignidade e igualdade para todos (SILVA, 2017).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, infere-se que qualquer argumento quanto eventual afronta a separação dos poderes, desrespeito a soberania popular, má utilização de teorias externas, por meio do denominado ativismo judicial, resta perfeitamente superados.
Desse modo, o rompimento com a compreensão de que o Direito posto seria algo perfeitamente acabado, carente de lacunas e completamente normatizado, vem dado espaço a compreensão de que o mesmo se encontra em constante mutação e renovação, à medida que novos direitos e anseios socais se demonstram inerente a própria condição do Estado Social e Democrático de Direito.
Ademais, em prol da efetividade plena dos direitos fundamentais, dentre eles do direito fundamental ao trabalho, percebe-se que compete ao Poder Judiciário, ou seja, ao aplicador do Direito, através de interpretação jurídico-racional do caso concreto, dar a devida tutela aos jurisdicionados.
Diante disso, o ativismo judicial hoje praticado no sistema jurídico brasileiro, reflete a uma necessidade, capaz de transformar-se em um instrumento de transformação do Estado Democrático de Direito, à medida que a concepção de ativismo nesse trabalho sugerida, não corresponde a uma faculdade irresponsável e ilimitada do aplicador de direito, tampouco qualquer intenção de atentar à lei e às demais fontes do direito.
Sendo assim, não se trata de afronta a separação proposta pelo constituinte, tão pouco ilegitimidade para tanto, à medida que referido encontra guarida na própria Constituição de 1988. Todavia, o ativismo judicial deve ser concebido como um poder discricionário mitigado, haja vista que carece do respeito mútuo aos demais limites e previsões constitucionais.
Neste sentido, a fim de refutar qualquer prática reiterada de desrespeito as normas trabalhistas que, além da vantagem econômica-concorrencial, favorecem a precarização das relações de emprego, compete ao Estado rechaçar a prática do dumping social, ainda que por meio do ativismo judicial, ante a ausência de legislação própria, a fim de salvaguardar direitos e garantias sociais constitucionalmente previstas, dentre elas o direito fundamental ao trabalho.
Ante ao exposto, infere-se que para o exercício legítimo da função jurisdicional estatal, o juiz deve respeitar os valores e fins colimados na Constituição de 1988, sempre em observância aos direitos e garantias fundamentais de ambos os jurisdicionados e atento à realidade social que os cercam, para que, assim, sua atividade, ainda que ativista, seja legítima e justa.
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[1] Pós Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2022/2023). Pós doutor em Direitos Humanos, Direitos Sociais e Direitos Difusos pela Universidade de Salamanca/ESPANHA (2021/2022). Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UNIBRASIL. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/PR. Pós-graduado em Direito Tributário pela PUC/RS. Graduado em Direito pela PUC/PR. Professor do programa de Mestrado em Direito da Must University (Master of Science in Legal Studies, Emphasis on International Law). Professor convidado em programas de pós-graduação. Escritor e Coordenador de obras jurídicas. E-mail: lincoln.zub@gmail.com. Lattes: https://lattes.cnpq.br/2548744364420720. https://orcid.org/0000-0002-9833-4134
[2] Lochner v. People of New York, 198 US 45, 1905.
[3] A separação de poderes proposta por Aristóteles concebia um Estado composto de três funções: o deliberativo, encarregado de deliberar sobre os negócios do Estado, entregue a uma assembleia, que era dotada de competência para decidir sobre a paz e a guerra, estabelecer ou romper alianças, e ainda, fazer ou revogar leis; o executivo, exercido pelas magistraturas governamentais teria prerrogativas e atribuições a determinar em cada caso; e o judiciário, o que administra a justiça.
[4] Em sua concepção de separação dos poderes, Locke considerava o legislativo como o poder supremo, ao qual os outros dois poderes estariam subordinados, estando o legislativo submetido apenas ao poder do povo. O poder executivo e o poder federativo, entretanto, seriam exercidos pela mesma pessoa. O que se buscava com esse método seria, essencialmente, a separação entre legislativo e executivo.
[5] Neste diapasão, “dentre os reinos bem governados e bem-organizados de nossos tempos, conta-se a França, onde se encontram inúmeras instituições boas, das quais depende a liberdade e a segurança do rei. A principal delas é o parlamento e sua autoridade, pois quem organizou aquele reino, conhecendo as ambições e a insolência dos poderosos, e julgando necessário pôr lhes um freio para corrigi-los e, por outro lado, conhecendo o ódio da população contra os grandes devido ao medo que esses lhe inspiravam, e pretendendo protegê-la, não quis que essa preocupação específica recaísse sobre o rei, a fim de poupá-lo de ser acusado pelos grandes de proteger o povo e de ser acusado pelo povo de favorecer os grandes. Por isso, instituiu um terceiro juiz com a função de controlar os grandes e favorecer os pequenos sem comprometer o rei. Não poderia esta instituição ser melhor nem mais prudente, sendo ela a maior razão da segurança do rei e do reino. Daí se pode extrair uma outra observação: a de que os príncipes devem fazer os outros aplicarem as punições e eles próprios concederem as graças”. Ver em: MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 90.
[6] Neste sentido “Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade; porque é de temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas, para executá-las tiranicamente.
Tampouco há liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estiver unido ao poder legislativo será arbitrário o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos; pois o juiz será legislador. Se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se um mesmo homem ou um mesmo corpo de principais ou de nobres ou do povo exercesse estes três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou os litígios dos particulares”. Ver em: MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das leis – Montesqueiu. São Paulo. Editora Martin Claret, 2009, p. 169.
[7] Ver Julgamento da ADIN 3367. Disponível do endereço eletrônico: http://redir.stf.jus.br.paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363371. Acesso em 11 jul. 2023.
[8] Esta como aquela que o Poder Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes, ou seja, quando os Juízes e Tribunais evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário.
[9] Dumping social entendido como a prática reiterada e inescusável de descumprimento do ordenamento trabalhista com o intuito vantagem econômica e, por conseguinte, por meio da superexploração do trabalho humano.
[10] O Projeto de Lei n.º 7.070/2010, de autoria do Deputado Carlos Bezerra, apresentava um conceito sucinto de dumping social, nos seguintes termos: “Art. 1.º Configura dumping social a inobservância contumaz da legislação trabalhista que favoreça comercialmente a empresa perante sua concorrência”. Previa a imposição de multa pela sua prática: “Art. 2.º A prática de “dumping social” sujeita a empresa a: a) pagamento de indenização ao trabalhador prejudicado equivalente a 100% (cem por cento) dos valores que deixaram de ser pagos durante a vigência do contrato de trabalho; b) pagamento de indenização à empresa concorrente prejudicada equivalente ao prejuízo causado na comercialização de seu produto; c) pagamento de multa administrativa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por trabalhador prejudicado, elevada ao dobro em caso de reincidência, a ser recolhida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT”, e, por fim e seu terceiro artigo dispunha, inclusive, que o dumping social poderia ser declarado de ofício em algumas possibilidades: “Art. 3.º O juiz pode declarar de ofício a prática de ‘dumping social’, impondo a indenização e a multa estabelecidas nas alíneas ‘a’ e ‘c’ do art. 2.º”. Todavia, a proposta foi rejeitada em 31/01/2011, tendo sido arquivada pela Mesa da Câmara dos Deputados em 5 de março de 2012. Disponível em: <http://www. camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=751937&filename=PL+7070/2010>. Acesso em 11 jul. 2023.
[11] Que assim dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 11 jul. 2023.
[12] Que prevê que: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 11 jul. 2023.
[13] Primeiramente, apresentado pelo Deputado Carlos Bezerra como Projeto de Lei n.º 7.070/2010, mas rejeitado em 31/01/2011, tendo sido arquivado pela Mesa da Câmara dos Deputados em 5 de março de 2012. Disponível em: <http://www.camara gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=751937&filename=PL+7070/2010>. Acesso em 11 jul. 2023. Todavia, foi novamente proposto em 15/06/2011 pelo Deputado Carlos Bezerra, agora como Projeto de Lei n.º 1.615/2011 e atualmente se encontra em tramitação na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP). Ele que dispõe sobre o dumping social e tem como objetivo fixar indenização e multa administrativa para a empresa praticante de concorrência desleal através do descumprimento da legislação trabalhista, e, consequentemente, oferecer seu produto com preço melhor.
Esse projeto de lei antidumping é composto por três artigos que disciplinam a prática do dumping social e respectiva sanção civil e administrativa, sendo que o primeiro artigo trata da configuração do dumping social como sendo a inobservância contumaz da legislação trabalhista que favoreça comercialmente a empresa perante sua concorrência. Disponível em: <http://www.camara. gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=509413>. Acesso em 11 jul. 2023.