Sobrejornada: Um Olhar a Partir da Função Social do Empregador na Prevenção ao Dano Existencial

Robert Carlon de Carvalho[1]

Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr[2]

 

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo avaliar a função social do combate ao dano existencial causado ao empregado celetista em razão da submissão deste ao regime de sobrejornada no trabalho. O estudo aborda temas, como a teoria do contrato de trabalho, as limitações constitucionais e as regras celetistas acerca da jornada de trabalho, em face ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais, sociais e humanos previstos em favor do trabalhador, como o direito fundamental à saúde, ao lazer e ao convívio social, pressupostos da existência digna. O papel da Organização Internacional do Trabalho para o estabelecimento de uma jornada digna de trabalho e pleno emprego, o valor social do trabalho e da relação de emprego, bem como o dano existencial causados ao trabalhador em consequência do labor em regime de sobrejornada, são apresentados como pressupostos do exercício da função social da empresa.

Palavras-chave: Dano existencial; Dignidade da pessoa humana; Relação de emprego; Sobrejornada; Função social da empresa.

Abstract: This study aims to evaluate the employee’s social role in the fight against existential damage to the CLT employee because of submission to sobrejornada these arrangements work. The study addresses important issues such as the theory of employment; the constitutional limitations and CLT about working hours. All against the constitutional principle of human dignity. Evaluates likewise fundamental rights, social and provided the human worker, as the fundamental right to health, leisure and social life, as a precondition of dignified existence. Also evaluates the role of the International Labour Organization to establish a decent day’s work and full employment. Evaluates the social value of work and the employment relationship as well as the existential damage caused to the employee as a result of labor in sobrejornada regime. Finally, it presents study on the social function as the company’s social role in the elimination of moral and existential damage caused by excessive working day.

Keywords: Existential damage; Human dignity; The employment relationship; Excess journey; The social function of the company.

INTRODUÇÃO

O tema escolhido coloca em foco o instituto da Sobrejornada de Trabalho.

O estudo do tema proposto se delimitará a Função Social do Empregador na prevenção do Dano Existencial, em face da sobrejornada laboral do empregado celetista.

A importância do tema revela-se pelo aspecto social, vez que o trabalho em jornada suplementar, além de aumentar o desemprego, pois menos trabalhadores são contratados, acaba por dificultar um contato maior do empregado com a família, com os estudos, com o lazer, dentre outros direitos fundamentais constitucionalmente garantidos e necessários à vida digna. A supressão do direito limitador da jornada de trabalho afronta os Direitos Humanos, Sociais e Fundamentais do trabalhador.

A importância dos Direitos do Trabalho é ressaltada na Constituição da República Federativa do Brasil ao serem elevados ao patamar de Direitos Fundamentais. Muito embora campanhas para a sua flexibilização busquem a desregulamentação ou derrogação de normas de proteção ao trabalhador, problema a ser enfrentado sob a ótica além do direito local vez que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, se consagrou dentre os Princípios Fundamentais do Direito do Trabalho e da Seguridade Social, regulamentados pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU em 1966.

A declaração, determina a observância pelas nações dos direitos humanos, vez que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos e devem agir em relação umas com as outras com o espírito de fraternidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1o, III instituiu como fundamento do Estado Democrático de Direito a Dignidade da Pessoa Humana, princípio que, nos termos do artigo 60, parágrafo 4o, constitui cláusula pétrea entre os direitos e garantias do cidadão.

Ao avaliar o conteúdo do Título I da Constituição Cidadã de 1988, tem-se por manifesto que os direitos ao trabalho, ao lazer e a família ocupam todas as esferas da afirmação jurídica existentes no plano constitucional, existindo para além do direito positivado, e norteado pela Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, norma de natureza ética cuja observância se faz necessária, e compreende a Função Social da Empresa.

Não obstante a atual preocupação do legislador com o bem-estar do trabalhador, o que se denota do cenário atual é uma invariável ocorrência de doenças laborais, notadamente as psicolaborais, afligindo o trabalhador como resultado de um meio ambiente laboral hostil e indigno. Reflexo do abuso do poder de direito do empregador ao expor o trabalhador a jornadas exorbitantes de trabalho.

O objetivo geral deste trabalho é analisar os efeitos da jornada excessiva de trabalho imposta ao empregado celetista e a função social do empregador na prevenção de tal dano.

Os marcos teóricos, questionamentos e soluções avaliados e/ou sugeridos são fruto de pesquisas realizadas no ambiente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, entre 2013 e meados de 2015.

Abordar-se-á o tema através do método dedutivo e dialético, ou seja, a partir do estudo sobre a definição e aplicação das garantias constitucionais.

A relevância do tema consiste em que o presente trabalho visa: a) embasar a atuação dos empresários e operadores do direito; b) possibilitar a sociedade pleno conhecimento dos direitos fundamentais sociais frente à jornada de trabalho; c) esclarecer os danos causados e tutelados pelo direito visando a garantia à efetividade dos direitos sociais por meio da atividade empresarial e da colaboração da sociedade.

1 O CONTRATO DE TRABALHO E A RELAÇÃO DE EMPREGO

Existirá contrato de trabalho sempre que uma pessoa física se comprometer a prestar serviços para outra, e sob sua dependência, durante um certo período, determinado ou indeterminado, mediante uma contraprestação.

Na legislação brasileira, segundo o artigo 442 da CLT, contrato individual de trabalho “[…] é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, todavia este conceito tem sido criticado pela doutrina e pela jurisprudência em razão de não corresponder à relação de emprego, mas sim por criar esta relação.

O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica, nota típica (BARROS, p. 236-237).

Ressalta Martins (2008, p. 97) que “é pacto laboral um contrato típico, nominado, com regras próprias, distinto do contrato de locação de serviços do Direito Civil, de onde se desenvolveu e se especializou”. Ainda traz que, mesmo no regime em que a legislação estabelece cotas para admissão do empregado, como de deficientes, de aprendizes, o empregado só irá trabalhar na empresa se assim o desejar, indicando também o ajuste de vontades entre as partes.

O contrato de trabalho é o instrumento jurídico por meio do qual se estabelece a relação de emprego na qual o empregado subordina-se juridicamente a empregador, estabelecendo-se entre eles direitos e deveres recíprocos.

A relação de emprego advém de um contrato de trabalho e possui características próprias. Deriva, portanto, de um negócio jurídico.

Da combinação dos artigos 2º, e 3º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, pode-se relacionar como requisitos caracterizadores da relação de emprego o trabalho por pessoa física, a pessoalidade, a não eventualidade, a subordinação, a onerosidade bem como a assunção dos riscos pelo empregador.

Das características trazidas pelos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho tem-se que o empregado sempre será pessoa física, importando dizer que somente o empregador poderá ser pessoa jurídica ou física, jamais o empregado.

Além de ser pessoa física, para caracterizar a relação de emprego, esta relação deverá ser intuitu personae. O empregado não poderá se fazer substituir por outro durante a prestação de serviços.

Na relação de emprego o trabalho deve ser prestado também de forma habitual ou não eventual. É por si um contrato de trato sucessivo, de duração, que perdura no tempo. A não eventualidade significa dizer que a prestação de serviços será habitual, em caráter permanente, ainda que por curto espaço de tempo. A permanência do trabalhador na empresa deverá, portanto, ter ânimo definitivo.

A onerosidade traz que na relação de emprego há prestações e contraprestações recíprocas entre as partes.

Nesta relação o empregado exerce suas atividades com dependência diretiva, ou seja, está subordinado. A subordinação jurídica faz com que o empregado acolha o poder diretivo do empregador quanto ao modo de realização da prestação dos serviços. Fala-se, aqui, em limitar a autonomia da vontade do empregado, conferindo ao empregador o poder/dever de decisão e direção sobre o negócio e a função do empregado, devendo, pois, no seu exercício, respeitar as normas de proteção ao trabalhador.

A subordinação jurídica do empregado às ordens do empregador (colocando à disposição desta sua força de trabalho) de forma não eventual é a mais evidente manifestação da existência de uma relação de emprego.

1.1 O Contrato de Trabalho como um Negócio Jurídico

Negócios Jurídicos são declarações de vontade destinadas a produzir o efeito jurídico almejado pelos seus agentes. Assentam-se, portanto, na vontade específica e objetiva dos agentes que devem atuar em conformidade com os preceitos legais.

O negócio jurídico é a expressão de vontade dirigida a um determinado fim. Para que produza seus efeitos é necessário que seja revestido de certos requisitos quanto à pessoa dos agentes, ao objeto da relação e quanto à forma da emissão da vontade.

Nos termos do artigo 104 do Código Civil, para que seja válido o negócio jurídico é necessário que se tenha agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

Por agente capaz entende-se ser aquele emancipado para os atos da vida civil.

Quanto a licitude tem-se que o objeto do ato seja conforme a ordem jurídica. Seus fins tem que ser legítimos, possíveis, determinados ou determináveis, pois, quando não o forem, o negócio será ilegítimo ou ilícito.

Cumpre ainda observar que todo negócio jurídico tem forma, sendo ela livre (regra geral) ou especial. (art. 107 CCB/02).

A relação de emprego, espécie da relação de trabalho, é um contrato firmado entre empregado e empregador, na qual aquele presta serviços a este.

O contrato de trabalho é, portanto, um Negócio Jurídico. “[…] ato no qual uma ou mais pessoas, em virtude de declaração de vontade, constituem uma relação jurídica, segundo os limites legais. A vontade instaura o vínculo […]”. (NASCIMENTO, 2010, p. 596).

A relação de emprego é um contrato cujo conteúdo é a lei, possuindo como sujeitos, de um lado, o empregado (pessoa natural), que presta serviços, e de outro, o empregador, em função de quem os serviços são prestados de forma subordinada, habitual e mediante salário. (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2004, p. 249).

As partes envolvidas na relação de emprego, portanto, firmam entre si um contrato de trabalho, no qual um dever do empregado corresponde a um dever do empregador (MARTINS, 2008 p. 101).

Assim, o vínculo de emprego é uma relação jurídica estabelecida pela livre expressão de vontade das partes. É negocial, na qual de um lado o empregado compromete-se a prestar o serviço, e de outro o empregador a remunerá-lo. A vontade das partes está, obrigatoriamente, presente no momento da formação do vínculo.

2 A JORNADA DE TRABALHO NA RELAÇÃO DE EMPREGO CELETISTA

Jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato.

É, desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade do obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho que os vincula (DELGADO, 2003, p. 824).

A Constituição da República Federativa do Brasil, fixou a jornada diária em 8 (oito) horas, e a semanal em 44 (quarenta e quatro) horas (art.7, XIII), facultando a compensação de horários ou a redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva. Fixou ainda, aos trabalhadores expostos a regimes de turno de revezamento, em 6 (seis) horas diárias (XIV). O trabalho por turno é aquele em que grupos de trabalhadores se sucedem na empresa, cumprindo horários que permitam o funcionamento ininterrupto da empresa. No turno ininterrupto de revezamento, os trabalhadores são escalados para laborar em diferentes períodos de trabalho, em forma de rodízio.

A Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 também trata do tema ao dispor a limitação da jornada de trabalho em 8 (oito) horas diárias. (art. 58)

A fixação da jornada de trabalho revela-se importante, tendo em vista que, por meio dela pode ser auferida a remuneração do trabalhador, a qual é fixada levando-se em conta o tempo trabalhado ou à disposição do empregador. Também é essencial para preservar a saúde do trabalhador, tendo em vista que o trabalho excessivo, como ver-se-á adiante, é um gerador de doenças profissionais. Logo, o controle da jornada diária e semanal do trabalhador constitui eficaz medida para reduzir a ocorrência de doenças profissionais e acidentes de trabalho. Também é meio para que o trabalhador possa, visando inclusive à sua saúde, usufruir de lazer, do convívio com a família, amigos e do convívio com a sociedade que o reconhece como um ser existente. A fixação e limitação da jornada de trabalho tem papel fundamental para a salvaguarda dos direitos constitucionais e fundamentais à saúde, higiene, segurança, lazer e família, dispostos nos artigos 6o e 7o da Constituição da República Federativa do Brasil.

Com o escopo de resguardar a incolumidade física e psíquica do trabalhador e aumentar a sua qualidade de vida, o Direito do Trabalho coibiu o trabalho em sobrejornada, tido, pois, como aquele superior a duas horas diárias a partir do limitador constitucional de jornada, salvo em casos excepcionais decorrentes de força maior.

Tais garantias buscam evitar jornadas extenuantes que privem o trabalhador do convívio social e familiar, prática de lazer, atividades culturais, estudos, entre outros.

2.1 A Jornada Laboral Prevista no Decreto-Lei 5.452, de 1o de Maio de 1943, Frente ao Abuso do Poder de Direito

Apesar de o artigo 7o da Constituição da República Federativa do Brasil, em seus incisos XIII e XIV, tratar de norma de saúde pública, a legislação trabalhista vigente prevê que a jornada de trabalho ainda poderá, mediante remuneração extraordinária, ser acrescida de até duas horas diárias, ao teor do artigo 59.

Ainda, dois tipos de empregados são indicados na CLT, nos incisos I e II do artigo 62, como categoria, não sujeita ao controle de jornada. É o caso do trabalhador que exerce atividade externa incompatível com a fixação de horários de trabalho, e, daqueles trabalhadores que exercem cargo de gestão, respectivamente.

Com fulcro nas presentes exceções e na falta de fiscalização que, mesmo com a limitação legal, trabalhadores laboram por mais de 10 horas diárias. E ainda, é comum que os empregados que exercem cargos de gestão, sejam compelidos por seus empregadores a trabalhar sem saber a hora de chegada ou de saída do trabalho, fato este que caracteriza uma irregularidade trabalhista decorrente do abuso do poder de direito do empregador.

Reza o Código Civil, em seu artigo 187, que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes”.

O Código Civil de 2002 acrescenta elementos valorativos ao direito, a fim de se compreender o direito de modo aberto. A avaliação do abuso do direito passou a observar se, ao exercer o direito, o seu titular excedeu a finalidade econômica e/ou social do bem, os bons costumes, a boa-fé, dentre outras cláusulas gerais que demandam valoração.

Trata-se, pois, de um ato ilícito em sentido amplo.

Para Venosa (2004, p. 604) “no abuso de direito, pois, sob a máscara de ato legítimo, esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito, mas que, levando a efeito se a devida regularidade, ocasiona resultado tido como ilícito”.

O abuso do direito é um ilícito em sentido amplo. Não afronta diretamente a lei, mas de forma indireta, vez que a pessoa possui o direito subjetivo e o exerce em confronto à sua finalidade social, bons costumes e boa-fé.

Ao contrariar a finalidade social ou econômica de um instituto, os bons costumes ou a boa-fé, o agente de direito comete referido abuso. Vez que age dentro das prerrogativas legais, porém ultrapassa os valores e as finalidade desse mesmo direito.

Da interpretação do artigo 187 do Código Civil, nota-se que é imprescindível que o agente esteja no exercício do seu direito, mas que tal uso não atenda à finalidade econômica e social do direito, à boa-fé, ou aos bons costumes, causando, assim, dano a um terceiro.

Cumpre observar que o Código Civil não exige como requisito que o agente almeje prejudicar ou lesar o terceiro. Resta claro, portanto, a adoção da Teoria Objetiva para caracterização do abuso.

A Teoria do abuso de direito visa cercear o exercício de um direito subjetivo buscando com isso um equilíbrio social, limitando o poder dos agentes mesmo investidos de direitos legais, conciliando estes direitos as da coletividade.

Importante ressaltar, que a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 8º, parágrafo único, reza que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.

Entende-se por direito comum qualquer ramo do direito vigente, quando aplicáveis ao caso em questão.

Por princípios fundamentais do direito do trabalho entendem-se serem aqueles que norteiam e propiciam a existência deste, dentre os quais, cumpre destacar o Princípio da Proteção o qual tem por pressuposto a constatação e erradicação da desigualdade das partes, no momento do contrato e durante o seu desenvolvimento.

O referido princípio não impede a aplicação da teoria do abuso do direito nas relações trabalhistas, portanto, compatível e aplicável ao direito do trabalho.

Trabalhar sem saber a hora do início e do fim do exercício diário laboral é uma irregularidade trabalhista. Mesmo assim, sua exigência é prática dos empregadores, que sobrecarregam seus empregados obrigando-os a jornadas de trabalho abusivas, afastando-os do convívio familiar e, consequentemente trazendo prejuízos aos trabalhadores.

2.2 A Jornada Laboral Prevista no Decreto-Lei 5452 de 1o de Maio de 1943 e a Violação ao Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

Os elementos essenciais para que se possa ter uma noção do que é dignidade humana, podem ser elencados do seguinte modo: primeiro, trata-se de um direito personalíssimo, uma qualidade de cada ser humano; segundo, surge do respeito por parte das pessoas, da própria sociedade; terceiro, cumpre ao Estado o respeito e a consideração à dignidade da pessoa humana, garantindo a todos, condições existenciais mínimas para uma vida digna.

Nesse raciocínio, Brito Filho (2006, p. 135) traz que “a dignidade deve ser considerada como atributo do homem, algo que dele faz parte e, portanto, o faz merecedor de um mínimo de direitos”. Não obstante isso, Sarlet (2001, p. 34), afirma que a dignidade “como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado”.

A dignidade da pessoa humana é princípio constitucional que deve ser observado e respeitado pelo Estado e por toda a sociedade brasileira. A dignidade é um valor inerente à pessoa humana, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida. Trazendo consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos Direitos Fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

O trabalho em jornada excessiva atenta contra a dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, uma das graves formas de violação aos direitos humanos. Dessa forma, entende Lotto (2008, p.40) que o trabalhador envolvido nessa situação é privado da sua condição de ser humano, deixa de ser destinatário dos bens e produtos por ele produzidos para assumir a condição de instrumento de trabalho, perde sua dignidade, sua imagem e, não raramente, sua própria identidade, uma vez que se vê desprovido até de laços de família e dos valores de cidadania, sendo que seu trabalho perde o valor social e humano estampado no art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil.

As pessoas são dotadas de dignidade, na medida em que têm um valor intrínseco, sendo o acesso e a fruição de seus Direitos Sociais (saúde, lazer, família) a base da dignidade humana, estando diretamente relacionada à ideia de pleno emprego. Submeter o trabalhador empregado a jornada abusiva surge como negação do valor da dignidade humana, da autonomia e da liberdade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que todos nascem iguais em dignidade e direitos (art. 1o), e principalmente, livres, podendo exigir a satisfação dos seus direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis (art. 22o).

Adiante, prevê que toda pessoa tem direito ao trabalho digno (art. 23o), ao repouso e ao lazer (art. 24o), cabendo para tanto uma limitação razoável da duração do trabalho.

Já a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 7º, estabelece a jornada máxima diária de trabalho de 8 horas e jornada especial para os trabalhadores em turno de revezamento, de 6 horas diárias.

O trabalho em excesso de jornada constitui violação da dignidade da pessoa humana. Logo, todas as relações de trabalho devem respeitar os princípios balizadores dos direitos humanos, por se tratar de um direito fundamental garantido constitucionalmente, o qual deve estar presente na vida das pessoas de modo a garantir a sua dignidade.

3 O VALOR SOCIAL DO TRABALHO

O valor social do trabalho também está previsto na Constituição brasileira como Princípios Fundamental.

Como destacam garcia e Reis (2014, p. 82), face à extrema importância do trabalho, a Constituição Federal de 1988 deu-lhe a devida atenção: no artigo 1º, destaca que a República Federativa do Brasil se fundamenta nos valores sociais do trabalho na livre-iniciativa; no artigo 170 e em seu inciso III, reafirma que a ordem econômica se fundamenta na valorização do trabalho, tendo como princípio a busca do pleno emprego; no artigo 193, enfatiza que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social.

De fato, o trabalho foi adquirindo seu devido espaço ao longo dos anos. Todavia, não tem se observado no decorrer da história o real cumprimento deste princípio quando se trata de trabalho em regime de sobrejornada.

Quando se fala em “valor social do trabalho”, refere-se não somente às condições de trabalhado oferecidas ao obreiro, mas também busca-se promover sua função principal, prevista como valor máximo na Constituição: a dignidade da pessoa humana. Leite (2007, p. 40) diz que “não se pode ignorar que o ‘valor social do trabalho’, na acepção mais ampla do termo, constitui postulado básico da dignidade da pessoa humana e corolário da própria cidadania”.

Salienta-se que é por meio do trabalho que o trabalhador garante a sua subsistência e a da sua família. Além do mais, o crescimento de um país depende necessariamente do tipo de trabalho realizado por seus habitantes. Nesse sentido, tem-se que é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e da atividade econômica depende o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador ao mesmo tempo que a liberdade de iniciativa.

Por isso, pelo valor social do trabalho, pela dignidade da pessoa humana, compete ao Estado assegurar a todos que seus direitos sejam garantidos de forma plena, e principalmente, que sejam respeitadas as atividades laborais exercidas pelos cidadãos, levando em consideração que é intrínseca a cada trabalhador a sua dignidade.

Em outras palavras, cumpre ao Estado garantir condições mínimas e necessárias para que todos os cidadãos tenham oportunidade de trabalhar de forma digna, com qualidade, evitando que pessoas sejam excluídas. Assim, é dever do Estado adotar políticas que não deixem de lado a dignidade da pessoa humana, já que se busca a real efetivação do valor social do trabalho.

Tanto o princípio da dignidade humana, quanto o princípio do valor social do trabalho, devem caminhar lado a lado, sendo que compete ao Estado promover a realização desses princípios, como forma de garantir trabalho digno ao homem.

3.1 Direito Humano e Fundamental ao Lazer e ao Convívio Social como Pressuposto da Existência Digna

Os Direitos Sociais visam garantir aos cidadãos condições dignas de vida, daí compreendido o Direito ao Lazer, o qual passou a ser reconhecido no ano de 1948 pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil prevê o direito ao lazer um direito de libertação, opondo-se à angústia e ao peso que acompanham as atividades não escolhidas livremente; compensação das tensões e agitações da vida cotidiana do trabalho; afirmação do indivíduo como cidadão e exercício da recreação como meio de restauração biopsíquica.

Para Lunardi (2010, p. 17) a concepção do direito ao lazer como direito fundamental apresenta-se não só no plano dos Direitos Sociais, mas também no contexto da figura do Estado Democrático de Direito, como um direito que garante a qualidade de vida através da análise da sua função de desenvolvimento social e individual.

O parágrafo 3º do artigo 217 da Constituição da República Federativa do Brasil determina a competência do poder público para o incentivo ao lazer como forma de promoção social, estabelecendo um dever ao Poder Legislativo e à administração pública e o conceito de lazer está relacionado ao desenvolvimento do ser humano através da ocupação do seu tempo livre, com atividades de recreação, com participação política na sociedade, com qualidade de vida e atividades criativas em geral.

Silva (2001, p. 318) relata que o lazer e recreação tem natureza social e decorre do fato de constituírem prestações estatais que interferem com as condições de trabalho e com a qualidade de vida, relacionando-se com o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.

De acordo com o texto constitucional, o dia do descanso deve ser preferencialmente aos domingos, não podendo ser vendido pelo empregado ao empregador em busca de uma renda extra, porque o dia de descanso semanal remunerado não pertence a ambos, por ser um direito fundamental. Assim, o lazer é um direito fundamental assegurado pela Constituição brasileira por dignificar o cidadão.

A Organização Internacional do Trabalho, tem cumprido um papel relevante na promoção e proteção da maternidade, infância e família na qual estão inseridos os trabalhadores. Tem apresentado preocupação constante com a saúde, convívio familiar, o bem-estar do trabalhador e de sua família.

Vale observar as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho que regulam a jornada digna de trabalho, direito reconhecido pela comunidade internacional, cuja tendência deve ser seguida pelo direito brasileiro.

3.2 A importância da Organização Internacional do Trabalho no Combate à Sobrejornada

As convenções criadas pela Organização Internacional do Trabalho transitam por várias temáticas, dentre elas a liberdade de associação, discriminação no emprego, trabalho forçado, segurança e saúde, inspeções trabalhistas, previdência social, relações industriais, trabalho de mulheres e crianças e condições de trabalho.

Sendo assim, importante tratar neste momento, sobre as convenções da Organização Internacional do Trabalho que versam sobre a jornada de trabalho.

A primeira convenção da Organização Internacional do Trabalho acerca da jornada de trabalho foi a Convenção n. 01, datada de 1919, e que dispõe sobre as horas de trabalho na indústria. Esta convenção estabeleceu o princípio de “oito horas por dia e 48 (quarenta e oito) horas por semana” para o setor manufatureiro.

Segundo Lee, McCann e Messenger (2009, p. 1), não se sabe ao certo quais as motivações subjacentes à adoção dessa Convenção, mas, naquela época, um conjunto complexo de fatores parece ter influenciado, não sendo possível determinar hoje quais foram preponderantes.

No ano de 1921 estabeleceu-se o princípio do descanso mínimo semanal de um dia, inicialmente na indústria.

No ano de 1930 foi editada a Convenção 3 (três) tratando sobre as horas de trabalho no comércio e em escritórios, estendendo a semana de trabalho de 48 horas a esses trabalhadores.

Em 1935 a Convenção 47 (quarenta e sete) veio a estabelecer um novo padrão de semana de trabalho de 40 horas.

Na Convenção 106, datada do ano de 1957, estabelecem-se as regras concernentes ao trabalho noturno e às férias remuneradas.

Tais convenções representam a preocupação da comunidade internacional com os efeitos da duração da jornada de trabalho na vida pessoal e familiar do trabalhador, com a sua saúde, segurança e higiene do trabalho e orientam a promoção da igualdade e da dignidade.

No Brasil, a jornada de trabalho excessiva está relacionada a fatores como a situação de pobreza e às condições de vida da população, trabalhos não regulamentados e informais, além de jornada excessiva.

Outrossim, cumpre frisar que a ausência de fiscalização por parte do poder público, a impunidade dos empregadores, a ineficácia e a demora do órgão jurisdicional para julgar estes casos e a ausência de políticas sociais, também contribuem para o aumento a realização de trabalhos em jornadas abusivas.

Sob a ótica da Convenção 1 da Organização Internacional do Trabalho, que se refere à jornada semanal de 48 horas, que o Brasil tem observado, a limitação da jornada laboral em 44 horas, sendo discutida a proposta de redução desta jornada para 40 horas.

A Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil, apesar de fixar a jornada de trabalho semanal em 44 horas, e diária em 8 horas, em consonância com a Constituição também permite que essa jornada seja prorrogada em até 2 horas diárias, o que pode ensejar em um trabalho legal, mas de salubridade questionável de até 56 (cinquenta e seis) horas semanais. E mais, exclui determinadas categorias profissionais do controle de jornada, tais como já vistos, os gestores e trabalhadores externos, fazendo com que venham a trabalhar por jornadas superiores a 56 horas semanais.

Como destacam Lee, McCann e Messenger (2015, 3) frequentemente são expressas preocupações em dizeres como “pressão do tempo”, “penúria de tempo” e “karoshi” (morte por excesso de trabalho). Apesar disso, quanto realmente sabemos a respeito de longas jornadas nos diferentes países?

Estudo recente buscou captar a prática de duração do trabalho em diferentes partes do globo, mostrando que “o quadro geral ainda está longe de ser claro, em parte, devido à não apresentação de relatórios e à falta de dados estatísticos completos” (OIT, 2005, p. 23).

Todavia, deve-se observar também que a literatura sobre duração da jornada de trabalho realizada pela Organização Internacional do Trabalho é voltada para a Europa.

Por isso, o conhecimento da realidade brasileira é limitado. Discussões “globais” sobre a jornada de trabalho, referentes, por exemplo, à flexibilização da jornada de trabalho, não raro carecem de importância prática ou de relevância para os países em desenvolvimento, principalmente em razão das diferenças entre esses países e os industrializados. Os meios tradicionais para flexibilizar a jornada (como as horas extras) estão disponíveis em países como o Brasil e o emprego informal é difundido.

O mercado fala em desregulamentação e a flexibilização. Mas até que ponto este argumento é salutar para o trabalhador e para a sociedade?

Antes de se falar em flexibilização da jornada de trabalho deve-se considerar o fato de que pouco se sabe a respeito das falhas de aplicação das leis no Brasil e sobre o modo como elas se relacionam com o desempenho da economia e do mercado de trabalho. Sem sabê-lo, como avaliar o argumento de desregulamentação? Especificamente, qual a extensão do dano causado ao trabalhador, à sua família, à sociedade, quando submetido à jornada excessiva de trabalho?

Cumpre ressaltar que a Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes (1919), tem como objetivo principal, formular normas internacionais que garantam melhores condições de trabalho, com o fim de promover a dignidade humana, o bem-estar de todos e, assim, alcançar a justiça social. Com isto, a Organização Internacional do Trabalho pretende não só melhorar as condições de trabalho, mas também a vida humana como um todo, ou seja, procura proteger não só os trabalhadores, mas todos os seres humanos em suas relações com o universo laboral.

3.3 A Dignidade da Pessoa Humana e a Limitação Constitucional à Jornada Laboral

Avaliando-se as Constituições do século XX, verifica-se a intervenção do Estado nas relações sociais em substituição à política liberal, visando a estabelecer igualdade entre os homens, sem prejuízo dos direitos econômicos, sociais e culturais. As constituições liberais, trouxeram em seu cerne a tutela da liberdade e da propriedade, enquanto as de tino social tem por escopo permitir a intervenção do Estado, para reformular as instituições públicas e privadas, no campo social, notadamente como garantia efetiva da liberdade, da justiça e da paz. Estas são condições fundamentais para que se atinja o objetivo maior, qual seja, a valorização da dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente após a consagração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), momento em que o ser humano tornou-se detentor de garantias de liberdade e igualdade, e o Estado obrigado a fornecer recursos e inciativas que possibilitem a concretização desse princípio.

De acordo com Moraes (2009, p. 85) o substrato material da dignidade assim entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem garantia de não vir a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica- da liberdade e da solidariedade.

O direito à dignidade da pessoa humana está consagrada no texto constitucional, no artigo 1º, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, sendo considerado valor supremo dos cidadãos, pois é um atributo inerente a todo ser humano como qualidade própria, e não um direito conferido exclusivamente.

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe como direito fundamental o respeito à dignidade humana e sua intimidade, expressos no artigo 5o, incisos III, V e X, assim como no artigo 6o, no que diz respeito à saúde, incluindo a mental dos seres humanos.

O princípio da dignidade humana disposto no texto constitucional serve para que as normas sejam criadas em consonância com os direitos do homem, interferindo no campo social quando tutela o direito a uma vida digna, no econômico e político, pois para viver em dignidade, o ser humano necessita de um labor que lhe traga possibilidades de sobrevivência adequada na sociedade e no campo jurídico quando interfere diretamente na criação das normas.

Sarlet (2002, 92) esclarece que se entende por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

A consagração da dignidade da pessoa humana, prevista nos fundamentos da República, desencadeou a proteção de interesses existenciais indispensáveis para a efetivação de uma vida digna para os seres humanos.

A Constituição da República Federativa do Brasil elenca em seu texto os Direitos Fundamentais e dentre eles os Direitos Sociais, expressos no artigo 6º da CF/88: “são Direitos Sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados”.

Também, o artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil aduz que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Como visto, outorga aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que igualmente integram aquilo que se pode denominar de núcleo essencial da nossa constituição formal e material.

Da mesma forma, sem precedentes em nossa trajetória constitucional, o reconhecimento, no âmbito do direito constitucional positivo, da dignidade da pessoa humana como fundamento de nosso Estado Democrático de Direito (art. 1°, CF/88).

No intuito de garantir tais Direitos Fundamentais, A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada no ano de 1988, fixa a jornada diária de 8 e semanal de 44 horas (art. 7, XIII), bem como a jornada especial de 6 horas para o labor em regime de revezamento (art. 7, XIV).

A jornada de trabalho é tema de relevância histórica e de constantes debates, tanto no âmbito laboral quanto no âmbito acadêmico, eis que trata, diretamente, da valoração da mão de obra obreira, do pleno emprego e da efetivação dos Direitos Sociais.

Atualmente, com os avanços das pesquisas acerca da saúde e da segurança ocupacional, o tema ganhou ainda mais força e relevância, vez que estudos, como o da medicina e da psicologia laboral, têm demonstrado os feitos insalubres da jornada laboral excessiva. Trata-se, pois, a norma reguladora da jornada de trabalho, não de uma norma meramente econômica, mas sim, de uma norma de saúde pública, prevista, inclusive, na Constituição da República Federativa do Brasil , em seu artigo 7º, XXII.

Por tais motivos o estudo da jornada de trabalho está diretamente ligado às normas de segurança e saúde pública. Referidas, visam à redução dos riscos de doença do trabalho (CF, art. 7, XXII, art. 196 e 197 da CLT), a efetivação dos Direitos Sociais ao lazer, à maternidade e à infância, e, consequentemente à família (CF, art. 6º), à existência digna (CF, art. 170), à seguridade social (CF, art. 6 e CLT art. 194), dentre outros.

É certo, pois, que a ordem jurídica vigente reconhece a necessidade de fiscalização mínima e controle pelo empregador sobre o período de disponibilidade do empregado, sob pena de lhe causar danos de natureza moral em decorrência de eventual doença ocupacional, bem como de dano existencial em decorrência da privação aos direitos sociais como ao lazer, o convívio com a família e a sociedade, a privação das realizações de possíveis objetivos pessoais não laborais.

3.4 Dano Existencial: um Reflexo do Labor em Regime de Sobrejornada

Com o escopo de resguardar a incolumidade física e psíquica do trabalhador e aumentar a sua qualidade de vida, o Direito do Trabalho coibiu o trabalho em sobrejornada superior a duas horas diárias, salvo em casos excepcionais (art. 59 da CLT). Tais garantias buscam evitar jornadas extenuantes que privem o trabalhador do convívio social e familiar, prática de lazer, atividades culturais, estudos, entre outros.

Os problemas advindos do trabalho extraordinário habitual vão além da mera inadimplência das parcelas relativas ao elastecimento da jornada, pois impõem ao empregado o sacrifício do desfrute de sua própria existência. Tal circunstância é característica nos casos de labor em sobrejornada além dos limites legais, como nos casos de acúmulo de funções e de alcance de metas rigorosas que envolvem o cotidiano do trabalhador mesmo fora do local de trabalho e após o término do expediente formal. Tais fatos resultam em exaustão física e/ou psicológica do trabalhador de modo que não tenha condições de desfrutar do seu tempo livre.

A consequência dessa exploração do trabalhador resulta em dois tipos de danos. O dano moral em razão das doenças psicolaborais, estresse e ansiedade, resultantes do labor em sobrejornada e o dano causado pela supressão dos direitos sociais, que passou a ser denominada pela doutrina de dano existencial. A racionalidade utilitarista que acarreta o dano existencial fere os valores ínsitos ao trabalho humano e sacrifica a vida pessoal do trabalhador, que se submete a essa exploração pela necessidade de acréscimo salarial ou em face do temor de perder o emprego. Em última análise, o trabalhador se vê despojado de seu direito à liberdade, ao convívio familiar, ao lazer e à dignidade humana.

Assim, caracteriza-se o dano existencial quando o empregador impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, impossibilitando-o de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal. Ressalte-se que a Constituição Federal estabelece em seu art. 6º como direitos sociais fundamentais: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Quanto às relações familiares, a Constituição Federal expressamente estatui que “a entidade familiar, base da sociedade, tem especial proteção do estado” (art. 226).

A fim de manter uma coerência discursiva, é pertinente estabelecer a diferença entre o dano moral e o dano existencial decorrentes do trabalho celetista em regime de sobrejornada.

Quanto aos elementos integrantes do dano existencial, além dos requisitos inerentes a qualquer forma de dano, como o prejuízo, o ato ilícito e o nexo causal, o conceito é integrado por outros dois elementos: o projeto de vida e a vida de relações. Sobre esses requisitos do dano existencial são pertinentes as considerações de Bebber (2009, p.28) que associa a tudo aquilo que determinada pessoa decidiu fazer com a sua vida. Como pondera o aludido autor, o ser humano, por natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades, o que o leva a permanentemente projetar o futuro e realizar escolhas visando à realização do projeto de vida. Por isso afirma que qualquer fato injusto que frustre esse destino, impedindo a sua plena realização e obrigando a pessoa a resignar-se com o seu futuro, deve ser considerado um dano existencial. Ainda sobre o mesmo elemento, Frota (2010, p.276), observa que o direito ao projeto de vida somente é efetivamente exercido quando o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, direcionando sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, aos objetivos e às ideias que dão sentido à sua existência.

Quanto à vida social, o dano resta caracterizado, na sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que impeçam alguém de desfrutar total ou parcialmente, de atividades recreativas e extralaborativas tais quais a prática de esportes, o turismo, a pesca, o mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações recreativas, entre outras. Essa vedação interfere decisivamente no estado de ânimo do trabalhador atingindo, consequentemente, o seu relacionamento social e profissional. Reduz com isso suas chances de adaptação ou ascensão no trabalho o que reflete negativamente no seu desenvolvimento patrimonial. Em suma, o dano à vida de relação, ou dano à vida em sociedade, conforme Almeida Neto (2005, p. 52): “indica a ofensa física ou psíquica a uma pessoa que determina uma dificuldade ou mesmo a impossibilidade do seu relacionamento com terceiros, o que causa uma alteração indireta na sua capacidade de obter rendimentos”.

A carga de trabalho do empregado exposto a regime de sobrejornada, qual seja, excedente aos limites legais, permite a caracterização de dano à existência, eis que é empecilho ao livre desenvolvimento do projeto de vida do trabalhador e de suas relações sociais.

O trabalho prestado em jornadas extenuantes autoriza a conclusão de ocorrência do dano existencial, pois impede a efetiva integração do trabalhador à sociedade e obsta o seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano.

O dano existencial, não se confunde com o dano moral. É um dano extrapatrimonial que acarreta não apenas a vítima, mas a sociedade, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir projetos de vida em face a dificuldade do indivíduo de retomar sua vida de relação de âmbito público ou privado, sobretudo na seara da convivência familiar, profissional ou social.

A classificação do dano existencial teve origem na Itália e relaciona-se diretamente à condição existencial do ser humano e do meio que vive, interferindo na normalidade da vida antes usufruída pela pessoa, alterando negativamente a perspectiva de vida atual e futura do indivíduo, de sua família e consequentemente da sociedade em que vivem.

Júlio Cesar Bebber (2009, p. 28) explica que o dano existencial é aquele que causa prejuízo à liberdade de escolha do indivíduo, ao projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realização como ser humano, que interfere no destino escolhido pela pessoa e no que ela decidiu fazer com a sua vida.

As possíveis situações caracterizadoras de dano existencial em decorrência do excesso de jornada de trabalho são: o abandono parental em momento crucial de desenvolvimento da personalidade; o assédio sexual; o terror psicológico no ambiente de trabalho refletindo no contexto escolar ou na intimidade familiar; a violência rural ou urbana; conflitos e acidentes de trabalho ou de trânsito.

Hirigoyen (2002, p. 17) conceitua o dano existencial como toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavras, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

O dano existencial decorre de um ato muitas vezes lícito, mas de um agir injusto que acarreta consequências na esfera existencial do ser humano, comprometendo sua condição e qualidade de existência e por consequência, prejuízo ao exercício de seu livre-arbítrio quanto ao seu projeto de vida.

Sanseverino (2010, p. 298) explica o dano moral stricto sensu constitui a modalidade mais difundida e prejuízo extrapatrimonial derivado de ofensa à saúde e à integridade corporal, compreendendo a dor ou sofrimento físico ou psicológico padecidos pela vítima direta em consequência do evento danoso. Por envolver a dor física e o sofrimento moral, tem sido qualificado como pretiumdoloris.

O dano existencial não se restringe ao sentimento do ser humano, mas se exterioriza de maneira explícita na alteração da condição e qualidade de vida da pessoa, causando efeitos na qualidade de uma sociedade inteira, pois abala a existência dos indivíduos, interferindo em seus projetos pessoais, em sua rotina e em sua autorrealização.

O Dano Existencial no trabalho conhecido como dano à existência do trabalhador, decorre da conduta do empregador, quando, em razão da sobrejornada, impede o empregado de se relacionar e conviver em sociedade por meio de atividades como: recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão benefícios físicos e psíquicos, impedindo de executar, de prosseguir ou mesmo recomeçar projetos de vidas responsáveis pelo crescimento ou realização profissional, social e pessoal como ser humano.

O dano existencial prejudica a personalidade que impõe uma abdicação forçada das ocupações da vida cotidiana do indivíduo ofendido, prejudicando o direito de escolha, implicando na privação dos princípios e Direitos Fundamentais previstos e assegurados pelo texto constitucional brasileiro, como a liberdade, família, lazer e a dignidade do ser humano.

Costa (2002, p. 426-427), esclarece que, sendo mais ampla, a expressão “danos extrapatrimoniais” inclui, como subespécie, os danos à pessoa, ou à personalidade, constituídos pelos danos morais em sentido próprio (isto é, os danos que atingem a honra e a reputação, os danos à integridade psicofísica, incluso os “danos ao projeto de vida, e ao “livre desenvolvimento da personalidade”, os danos à vida de relação, inclusive o “prejuízo de afeição” e os danos estéticos.

O Dano Existencial decorre da injusta privação do ser humano de manter-se ou tornar-se protagonista de sua própria história, ou seja, implica um não fazer ou realizar um projeto de vida, atingindo toda uma sociedade.

O Dano Existencial é uma lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da sociedade, abrangendo a ordem pessoal do empregado e a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a sociedade, vítima do dano, normalmente, tem como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efetivo lesivo precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir da sua rotina.

CONCLUSÃO

A atividade empresarial está inserida em um universo caracterizado pelos avanços tecnológicos, concorrência, busca incessante pela lucratividade, dentre outros, fatos que conduzem a uma constante e acelerada mutação nos cenários social e econômico mundial, conduzindo uma nova ordem econômica.

A Constituição da República Federativa do Brasil garante ao homem plena liberdade para empregar os meios de produção de que dispõe, da forma que melhor lhe aprouver, com observância aos ditames legais, para produzir bens e serviços de interesse dos consumidores, objetivando contabilizar lucro para seus sócios ou acionistas. Todavia, esse agente empresarial tem as suas ações reguladas pelas leis do mercado, e é alvo dos riscos naturais inerentes a sua atividade profissional.

Ocorre que, além de propiciar ao empregador o amplo direito ao exercício da atividade empresarial e desenvolvimento econômico, o Estado deve se preocupar em proporcionar esta ampla e ilimitada proteção aos direitos sobre a propriedade apenas para aquelas propriedades que atendam à sua função social.

É necessário, pois, que as empresas exerçam suas atividades calçadas não apenas pela finalidade lucrativa, mas também com vistas ao desenvolvimento social e a garantia da dignidade da pessoa humana do trabalhador.

Não há como se admitir a existência de corporações tradicionais que não possuam uma sensibilidade social aguçada e efetiva. Isso significa que a busca do lucro não dá permissão para que seja desprezada a valorização da dignidade da pessoa humana, representada, em síntese, pelo devido respeito ao bem-estar dos empregados e da comunidade do entorno; pela permanente otimização da qualidade de seus bens ou de seus serviços; pela lealdade para com o Estado e fornecedores, e pela preservação do meio ambiente.

A Função Social está positivada no Título VII da Constituição da República Federativa do Brasil; que trata da ‘Ordem Econômica’. Nos termos do artigo 170, a Ordem Econômica deve estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Para que tal ideário seja viabilizado, é imprescindível, assim, que tais ditames sejam observados.

No âmbito empresarial deve se prezar pela convivência do lucro, com a função social, porque esta não inibe aquele.

A responsabilidade social tem estreita ligação com os deveres que as leis impõem na conduta dos negócios da empresa, bem como dos investimentos que tenham como meta o benefício próprio, indiretamente, ainda que aparentemente beneficie a sociedade, alvo fundamental de suas ações espontâneas e positivas. Se a sociedade receber apenas resíduos de ações positivas, ainda que espontâneas, cuja meta maior é o benefício da própria empresa, ou se a ação benéfica dessa empresa limita-se a obedecer às exigências legais, não se está diante de uma responsabilidade social pura. Como regra geral, esta empresa realiza o mínimo, para não sofrer as penalidades que as leis impõem! E isto não é responsabilidade social, nem exemplo de cidadania corporativa! Está instaurada, então, uma dicotomia, que não se soluciona com tanta facilidade, mas que não permite a tomada de decisões simplistas, em detrimento do lado aparentemente mais frágil (ou mais desarticulado), que é o corpo social, como ocorre na grande maioria das oportunidades. E isso se deve ao fato de que a sociedade necessita da empresa, porém, em igual intensidade, a empresa não existiria, e nem teria razão de ser, sem a sociedade. A empresa não é algo estanque, distante da realidade social, mas sim, uma entidade partícipe dessa mesma realidade social, uma vez que está envolvida e recebe as influências positivas e negativas do meio onde está estabelecida.

A empresa está inserida num contexto social e as suas ações devem ser benéficas para a sociedade, contudo, esta mesma empresa recebe um retorno positivo ou negativo das reações dessa sociedade.

Diante de todo esse entendimento, infere-se que os empresários têm a missão de delinear qual é o perfil da sociedade na qual pretendem atuar, como pessoas físicas ou jurídicas, e de pugnarem, de forma efetiva e responsável, com os seus conhecimentos, com a sua estrutura material e com os seus recursos financeiros, em busca não apenas do sucesso econômico, mas também na proteção do trabalhador e promoção da dignidade da pessoa humana. Ignorar essa responsabilidade e transferi-la para o Estado, é atitude que não se coaduna com uma visão civil contemporânea de empresa, mormente após a promulgação do Código Civil de 2002.

A concepção da empresa não acompanha as ideias de que esta existe apenas para obter lucro e servir aos propósitos do empresário e seus acionistas. A empresa está inserida em um contexto social em que existe a preocupação de se analisar os efeitos que a atividade empresarial traz para a comunidade.

Verifica-se no art. 170, da Constituição da República Federativa do Brasil, a determinação de que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na -niciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tem-se, um hibridismo próprio de um Estado sócio-liberal, entre os interesses capitalistas, previstos na valorização da livre-iniciativa, com os interesses sociais, valorização do trabalho e garantia da existência digna.

Vive-se, pois, um tempo de profusão da responsabilidade social, a qual, não mais restringe-se ao Estado. Discute-se a função social da família, a função social da escola, a função social do contrato, da terra, da posse, e porque não se falar em função social do direito e função social da empresa?!

Com o advento da Constituição Cidadã, a empresa, juntamente com o Estado passou a ser responsável pelo bem-estar social. A empresa hoje tem uma grande importância para a sociedade, assim como a família. A empresa como o local que se empregam pessoas, que gera emprego, que produz renda tem uma importância tal qual a família, vez que hoje a legislação traz como exigência a necessidade de se pensar na função social da empresa.

Rompendo conceitos de empresa e capitalismo, a Constituição cidadã veio quebrar paradigmas e dispor que propriedade e função social não são conceitos dissociados, são conceitos interligados, não existindo propriedade sem que ela cumpra sua função social. Se cumprida esta função perde-se a própria propriedade dentro da conjuntura da empresa.

Isto significa a eficácia da aplicabilidade dos direitos fundamentais no Direito privado. A produção de efeito dos direitos fundamentais não apenas no plano vertical mas também no plano horizontal. Não vai mais se pleitear apenas do Estado a efetivação dos preceitos constitucionais, mas também postular-se-ão nas relações particulares, dentro da empresa.

O exercício do direito da livre-iniciativa depende da garantia de que os detentores deste direito proporcionam a valorização do trabalho e a efetiva existência digna ao homem. Este é, portanto, um dos fundamentos, a pedra angular da ordem econômica prevista na Constituição Federal de 1988, uma Constituição social, dirigente e compromissária.

Na realidade, a ideia básica em torno da função social da empresa é de que empresas e sociedades são sistemas interdependentes, não possuindo identidades distintas. É natural, pois, que a sociedade possua certas expectativas em relação ao que seja resultado de uma determinada sociedade, de uma determinada empresa, almejando que sejam, pois, adequados ao desenvolvimento social. Aquilo que era antes só uma visão do Estado, do bem-estar do trabalhador, e uma função social da empresa.

Por tais razões, o Estado garante ao proprietário a posse da propriedade privada (inciso II, do art. 170), desde que esta cumpra a sua função social (inciso III, do art. 170), a fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Com efeito, o conceito de propriedade é relativizado, pois a sua legitimidade apenas é reconhecida na hipótese de ela cumprir a sua função social, de conformidade com os preceitos da justiça social e da dignidade da pessoa humana. É possível admitir que a função social da propriedade consiste precisamente na sua aplicação imediata e direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que vale dizer que se destinam à manutenção da vida humana. É este um princípio que se superpõe mesmo ao da iniciativa privada.

Quando a empresa cumpre, em termos sociais, apenas o que está previsto no direito positivado, em seus estritos limites, ela tem uma visão eminentemente legalista, a que se atribui o nome de função social, ao passo que a efetiva responsabilidade social se inicia justamente a partir desse marco. Ou seja, uma empresa pode ser considerada socialmente responsável quando, além de cumprir as obrigações legais junto aos seus stakeholders, proporcionar um adicional, e oferecer uma cesta variada de benefícios sociais para esse mesmo público, que ultrapassa as fronteiras do direito positivado. É possível dizer, então, que a empresa cumpre a sua função social quando se limita a atender a todas as exigências positivadas nos textos legais, em benefício de seus stakeholders. Por outro lado, somente será considerada uma empresa socialmente responsável se, além de cumprir plenamente a sua função social, proporcionar, por mera liberalidade, porém, sem imposição coercitiva, e de forma regular, perene, uma gama de benefícios sociais para a sociedade, com o intuito de se promover a valorização da dignidade da pessoa humana. Comprometendo-se, inclusive, com o respeito às limitações de jornada laboral previstas nas convenções internacionais e na Constituição da República Federativa do Brasil. Uma atitude fundamental ao exercício da função social da empresa.

O labor em sobrejornada, qual seja aquele que impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, impossibilitando-o de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social, pessoal e muitas vezes causando-lhe doenças psicolaborais, afronta os direitos sociais e fundamentais do trabalhador como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância; a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O dano existencial causado ao trabalhador consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer. Constituem elementos do dano existencial o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações, independentemente da prática de ato ilícito.

Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal que impede o empregado de usufruir das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja, que obstrui a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o seu projeto de vida, incide em violação do seu direito da personalidade, constituindo, assim, no chamado dano existencial.

Convém referir que o direito ao lazer, constitucionalmente previsto no artigo 6º da Lei Maior, decorre de uma necessidade biológica de descanso, um viabilizador da interação social e a oportunidade de rompimento da estrutura hierárquica da sociedade e, no sentido existencial, a possibilidade de acessar informações, cultura, artes e tudo o mais que possa acrescentar valor ao homem, na busca do seu crescimento individual.

É reprovável a conduta da empresa que exige e expõe seus empregados ao regime de sobrejornada de forma habitual, a ensejar os danos morais e existencial. Vez que, durante todo o contrato de trabalho, privada o empregado de realizar projetos de vida, atividades de lazer e contato com a família, razão pela qual merece reparação.

É necessário, pois, que as empresas fundem suas atividades calcadas não apenas pela finalidade lucrativa, mas também com vistas ao desenvolvimento social e a garantia da dignidade da pessoa humana do trabalhador.

O trabalho em regime de sobrejornada ilustra quadros de subemprego e vulnerabilidade a situações de pobreza, afetando inclusive a promoção do pleno emprego. Para além do balanço apresentado, o trabalho em questão, além de demonstrar os danos existenciais causados ao trabalhador exposto ao regime de sobrejornada, aponta linhas mestras para a concretização de metas para o trabalho digno e da função social da empresa, quais seja: redução da jornada de trabalho por meio da proibição do regime de horas extras e/ou sobrejornada, tendo em vista a promoção e concretização de práticas de higiene e segurança no trabalho; conciliação de vida profissional e familiar; promoção de trabalho parcial a nível formal e de qualidade, contribuindo para incrementar a dignidade da pessoa humana e a fixação de uma jornada de trabalho razoável e que permita romper os ciclos de longas jornadas versus baixa remuneração.

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Notas de Rodapé

[1] Advogado, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.

[2] Coordenadora e Professora do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Advogada.