Ainda Somos os Mesmos e Vivemos como os Nossos Pais? Reflexões sobre a Responsabilidade Civil Parental em Caso de Bullying

Vitor de Medeiros Marçal[1]

Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral[2]

Resumo: O presente trabalho aborda a responsabilidade civil dos genitores por atos dos filhos que estejam sob a vigilância da instituição de ensino e, nessa condição, causem danos a outrem por meio de condutas bullying. Analisa situações em que a conduta da criança ou adolescente seja advinda da deficiência educacional dos responsáveis ou de circunstâncias ocorridas no âmbito doméstico, e que acabam, desde que presente a causalidade, influenciando a prática de atitudes agressivas no contexto da instituição de ensino. Desenvolve as particularidades e complexidades que envolvem o fenômeno bullying, sem se limitar à ciência do Direito, mas também ingressando em conceitos interdisciplinares e doutrina especializada, todos relacionados ao bullying escolar.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Bullying escolar. Ato de terceiro. Dever de vigilância. Dever de cuidado.

Abstract: This study addresses the liability of parents for their children’s actions that are under the surveillance of the educational institution and, in this condition, causing damage to others through bullying behaviors. It analyzes situations where the conduct of the child or adolescent is arising of educational deficiency of those responsible or circumstances occurring domestically, and that with the causality, influencing the practice of aggressive attitudes in the context of the educational institution. It develops the particularities and complexities involving the bullying phenomenon, not limiting to the science of law, but also joining interdisciplinary concepts and doctrine specialized, all related to school bullying.

Keywords: School Bullying. Responsibility of the educational institution. Parents responsibility. Due diligence. Duty of care. Civil liability.

INTRODUÇÃO

O aumento paulatino dos problemas desencadeados pelo bullying escolar é responsável pela popularização do fenômeno, que se torna objeto de estudo de diversas ciências, inclusive a jurídica. As decisões judiciais relacionadas à responsabilidade civil por atos de bullying escolar devem ser fundamentadas levando-se em consideração a complexidade que reveste o comportamento intimidador. Considera-se inicialmente que, para o Direito e, especificamente, para a responsabilidade civil, os atos de agressão, as ofensas e os danos psicológicos, morais e materiais advindos de atos ilícitos não podem ser considerados propriamente uma novidade. Contudo, diante do caráter interdisciplinar do bullying, algumas questões devem ser revisitadas e abordadas, levando-se em conta as particularidades do problema em questão.

Em regra, aquele que possui a vigilância, a custódia e o cuidado do infante – como a escola no período em que o aluno figura em seu espaço interno – é o responsável pelos atos lesivos dos custodiados causadores de ilícitos, contra terceiros ou à si próprio, na medida em que o ordenamento jurídico presume que tais agentes não possuem maturidade ou discernimento para compreenderem as consequências danosas de suas condutas, declarando-os relativa ou absolutamente incapazes.

Ocorre que o fenômeno bullying encontra fundamento de existência nas mais diversas situações do cotidiano, dentre as quais se incluem, sem prejuízo de outras, as agressões entre crianças ou adolescentes. A violência aparece com certa frequência no interior dos educandários, sendo perpetradas por meio físico ou verbal ou, ainda, indiretamente, por atitudes veladas, justificadas pela disputa de poder entre os personagens do fenômeno. O início das agressões se dá pelos mais diversos motivos, enquadrando-se, dentre eles, aqueles relacionados aos problemas familiares, tais como lares desestruturados, excesso ou inexistência do poder familiar, contexto que engloba a transmissão de educação, exigência de respeito e transferência de valores moralmente adequados para a vida em sociedade como cidadão.

Sendo assim, a presente pesquisa tem como escopo analisar o fenômeno bullying, objetivando verificar os aspectos legais relacionados à responsabilidade civil dos genitores quando, mesmo o bullying não ocorrendo sob sua vigilância, custódia e cuidado, encontra fundamento em atitudes intradomiciliares, como a instrução axiológica antidemocrática, alienação parental, excesso de rigor e punição ao menor etc.

Para tanto, o suporte teórico do trabalho consiste na análise de abalizada doutrina sobre a responsabilidade civil e obras interdisciplinares especializadas, capazes de demonstrar cientificamente as razões e justificativas das condutas bullying.

1 Noções Sobre o Fenômeno Bullying

O bullying não é um fenômeno recente em nossas relações sociais. Sempre esteve presente na dinâmica da sociedade, ainda que aparentemente camuflado por atitudes que, aos olhos da maioria, eram qualificadas como brincadeiras sem maiores reflexos na pessoa da vítima. Dessa forma, nas últimas décadas, em virtude dos mais diversos acontecimentos ocorridos em nome da “vingança” da vítima do bullying[3], além das consequências pessoais desencadeadas nas vítimas[4] do fenômeno, v.g., queda no desempenho escolar, mudança radical de hábitos já internalizados no âmbito familiar e social, além das consequências desencadeadas que atingem terceiros, seu estudo se disseminou.

Hodiernamente, o bullying continua a ocorrer em todos os âmbitos da sociedade, porém, no escolar é que as preocupações tomam maior relevância, visto que, tradicionalmente, atinge crianças e adolescentes, seres humanos em peculiar condição de desenvolvimento, que necessitam de estrutura e atenção para que possam se desenvolver plenamente, a fim de, num momento vindouro, poderem integrar efetivamente a sociedade e contribuir para o bem de todos e a proliferação de bons valores. Conforme afirma Gomes (2011, p. 249),

Cabe lembrar que o “pleno desenvolvimento da pessoa” significa que todas as suas dimensões devem ser trabalhadas pelo processo educacional, não bastando para tanto a mera formação técnica. Trata-se da aquisição não só de habilidades para o exercício de uma profissão, mas, sobretudo, da formação da consciência a respeito da própria condição humana, de suas possibilidades e limitações, de sua liberdade, de seus limites e das consequências decorrentes do exercício de tal liberdade, tanto no que concerne a si mesmo como em relação a toda humanidade. Somente tal consciência possibilitará a configuração do sujeito democrático, capaz de adotar um modo ser e de viver democráticos.

Todavia, o contrário vem ocorrendo: crianças e adolescentes estão atingindo a maioridade, constituindo famílias, educando seus filhos e integrando a sociedade com cicatrizes irreparáveis da infância, muitas delas surgidas por atos de bullying[5]. O fenômeno ocorre, principalmente, no ambiente escolar, pois é um espaço aberto a convivência de crianças e adolescentes com características diversificadas que, em regra, pela imaturidade derivada da tenra idade, não conseguem assimilar o famoso jargão propagandístico “ser diferente é normal”[6], despejando, (in)conscientemente, sobre os ombros do considerado como diferente, seja mediante atitudes exteriorizadas ou internalizadas, mas que possibilitem ocasionar os efeitos do ato na vítima, toda sua maldade, como atesta Silva (2011, p. 135):

A pouca habilidade em lidar com suas emoções e afetos, bem como a reduzida competência para racionalizar as consequências de seus atos, fazem dos adolescentes indivíduos com grandes chances de cometer atos egoístas, impulsivos, irresponsáveis e até delinquentes.

Entretanto, o número de atingidos é muito maior do que, à primeira vista, se pode constatar, pois impera a lei do silêncio entre os envolvidos[7], além do fato de as testemunhas presenciarem e, inegavelmente, sofrerem com os efeitos do bullying, mesmo que não tenham sido diretamente vitimadas – já que o simples presenciar do fenômeno lhe causa consequências negativas –, circunstâncias que impedem uma verdadeira análise quantitativa do fenômeno e desaguam numa espécie de cifra negra da conduta bullying.

Sendo assim, surge a pergunta crucial: Qual é o motivo, fato ou acontecimento que faz emergir o fenômeno bullying? Para que a questão seja desvendada, primeiramente, cumpre ressaltar a impossibilidade de se apresentar uma resposta fechada, uma vez que a pesquisa sobre o fenômeno ainda é embrionária, além de, pacificamente, existirem diversas causas[8], e não somente uma especificamente.

No entanto, nesse particular aspecto o estudo de Dan Olweus (2006, p. 59), aponta que:

En primer lugar, la actitud emotiva básica de los padres hacia el niño, em especial la de la persona que más cuida de él (normalmente la madre), es muy importante, quizá sobre todo la actitud emotiva durante los primeiros años. Una actitud básica negativa, caracterizada por carencia de afecto y de dedicación, sin duda incrementa el riesgo de que el chico se convierta más tarde em uns persona agressiva y hostil con los demás. Un segundo factor importante es la grado de permisividad del primer cuidador del niño ante conductas agressivas de éste. Si el cuidador suele ser permisivo y “tolerante” y no fija claramente los limites de aquello que se considera comportamiento agresivo con los compañeros, hermanos y adultos, es probable que el grado de agresividad del niño aumente. Un tercer factor que, según los resultados de las investigaciones, aumenta el grado de agresividad del niño es el empleo por parte de los padres de métodos de “afirmación de la autoridade”, como el castigo físico y los exabruptos emocionales violentos. Esta conclusión corrobora la ideia de que la “violencia engendra violencia”.

No mesmo tom, encontra-se a visão no sentido de que não são raras as oportunidades em que os pais possuem parcela de responsabilidade pelos atos intimidadores dos filhos no espaço escolar:

Existe um consenso de que métodos parentais de criação, isto é, a forma como os pais educam seus filhos, podem ser responsáveis pelo desencadeamento de atitudes violentas na escola. Dessa forma, crianças que habitam lares desestruturados e convivem com pais hostis, agressivos e sem laços afetivos harmoniosos tem uma chance aumentada de desenvolver condutas também marcadas pela agressividade. (…) outro padrão familiar que colabora para o desenvolvimento de atitudes agressivas na infância é a falta de limite e a permissividade dos pais quanto aos comportamentos hostis dos filhos em relação a irmãos, amigos e colegas de escola, por exemplo. (TEIXEIRA, 2011, p. 51 usque 52)

Verifica-se, então, que o ocorrido no interior dos estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, usualmente tem início fora daquele ambiente, iniciando-se, em alguns casos, nos próprios lares dos agressores, seja por ausência de afeto ou falta de imposição de limites, mas também pela presença de pais autoritários, intolerantes quanto a outras opções religiosas, essencialmente preconceituosos com negros, pobres, índios, deficientes. Por espelhamento, os filhos, absorvendo os valores culturais e sociais daquele ambiente domiciliar, reproduzem, no espaço escolar, os mais diversos atentados contra os que julgam diferentes, ou seja, praticam, impiedosamente, condutas bullying.

2 Noções sobre a responsabilidade civil em casos de bullying

O bullying escolar caracteriza-se pela reiteração de condutas agressivas praticadas por crianças e adolescentes e consumadas no interior do colégio ou mesmo fora dele quando os atos possuem estrita continuidade com as condutas ocorridas em seu espaço[9], causador de abalos físicos e psicológicos às vítimas, que não apresentam características toleradas e aceitas pelos alunos agressores. Caracterizado o dano, salvo raras exceções, v.g., art. 188, inc. I, do CC/02, surge o dever de ressarcir integralmente a lesão suportada, seja ela de índole patrimonial material ou extrapatrimonial, englobando todas as suas espécies, dentre elas o dano moral.

A incapacidade legal do aluno, seja criança ou adolescente, não faz com que o dever de indenizar desapareça; pelo contrário, com uma posição flagrantemente protecionista à vítima, o próprio artigo 928, caput, do CC/02, afirma que o incapaz responderá pelos danos ocasionados a outrem, desde que a indenização não o faça ser cerceado do necessário para viver e desenvolver-se para o convívio social. Ademais, como, em regra, não possuem patrimônio, somente serão compelidos ao ressarcimento da vítima do ato ilícito quando os respectivos responsáveis não o puderem fazer, ressalvando-se, também para eles, o limite indenizatório.

A responsabilidade dos pais fundamenta-se no dever de vigilância, educação e cuidado que devem ter com os filhos, sendo responsáveis objetivamente por seus atos. É o que a doutrina consagrou com a expressão “responsabilidade por fato de outrem[10].

Sendo assim, quando na companhia e vigilância dos pais, são eles responsáveis pelas ações danosas decorrentes da conduta bullying de seus rebentos, pela decorrência lógica de que devem os genitores, objetivamente, responder pelos atos voluntários e involuntários de seus filhos. Em igual sentido, Alexandre Saldanha Tobias Soares (2014, p. 94) assevera:

[…] os pais são responsáveis exclusiva e solidariamente pelo bullying praticado por seus filhos quando praticado durante o período em que seus filhos estão sob guarda e vigilância. Um exemplo disso é o Cyberbullying que, na maioria das vezes, ocorre no período em que os filhos estão sob a companhia dos pais.

Em sentido inverso, quando o dever de vigilância estiver entregue a outrem, os progenitores, em regra, não serão responsabilizados por atos ilícitos cometidos pelos filhos, já que a responsabilidade transfere-se para aquele que detém o poder de vigilância e falhou em seu dever, isto é, absteve-se de agir com a cautela necessária para impedir a ocorrência do ato lesivo[11].

No dever de vigilância, a conduta do responsável, nas palavras de Jeovanna Viana (2004, p. 47),

Pode ser valorada segundo dois critérios: o primeiro deles tem como parâmetro a própria conduta do responsável, ou melhor, a diligência que ele costuma aplicar em seus actos (culpa em concreto); o segundo critério baseia-se na comparação da conduta do responsável com a de um homem “normal”, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso, a quem os romanos davam a designação de bonus pater famílias.

Antes mesmo do advento do CC/02, o Código de Defesa do Consumidor – diploma legal aplicável à relação entre os genitores e seus filhos e o educandário privado – já havia prescrito a responsabilização nas hipóteses de defeito na prestação do serviço. Assim, no caso do bullying, restando inadimplido o dever de segurança legitimamente esperado da instituição de ensino na hipótese de dano causado a terceiros ou aos estudantes, surge o dever de reparar o dano.

A objetivação da responsabilidade pode também ser vista quando o educandário for público, seja ele municipal, estadual ou federal, pois a omissão do ente público na proteção e vigilância dos alunos enseja responsabilização sem culpa, na esteira do artigo 37, § 6º, da CF/88[12].

Em caso de defesa de existência de responsabilidade objetiva sob todas as óticas, cabe à instituição escolar, seja pública ou privada, agir eficazmente de forma preventiva ou repressiva, mediante auxílio de profissionais capacitados, dos responsáveis dos alunos e por intermédio de uma política pedagógica de combate à discriminação, com a adoção de conteúdos que abordem a necessidade do respeito ao diferente, bem como com ações de acolhimento aos novos alunos e daqueles com dificuldades inatas, sejam elas pedagógicas ou sociais, visando, com tais medidas, ocasionar o rompimento do nexo de causalidade. Tomando tais atitudes de forma eficaz, inexistirá omissão, descaracterizando a própria responsabilidade, visto que ausente elemento imprescindível ao dever de indenizar.

Em arremate, os atos de bullying merecem ressarcimento integral[13], seja pelos danos sofridos pelo lesado de natureza extrapatrimonial, ou mesmo no campo patrimonial material, pela necessidade de atendimento e tratamento médico-psicológico para que o infante se liberte – quando existente a possibilidade – das marcas, visíveis ou não, que o bullying ocasionou.

3 Aspectos críticos sobre a responsabilidade civil dos genitores por atos de bullying ocorrido sob vigilância escolar

O bullying caracteriza-se por atos de violência física ou psicológica, capazes de gerar danos extrapatrimoniais, v.g., dano existencial, psicológico, moral, além de danos patrimoniais materiais (danos emergentes e lucros cessantes) estando presentes as características da (i) reiteração; (ii) inexistência de motivação evidente; e (iii) disputa de poder entre sujeitos em desigualdade de condições, sejam elas físicas, psicológicas, culturais ou sociais. Ademais, a dificuldade no trato do fenômeno dificulta consideravelmente sua cessação, visto que seu fundamento ou causa de existência nem sempre é conhecido ou revelado.

Não se pode negar que a responsabilidade da instituição de ensino deve subsistir objetivamente, seja pelo fundamento do Código de Defesa do Consumidor[14], pela responsabilidade pelo risco administrativo ou pelo disposto no artigo 934, IV, do CC/02, dispositivo que consagra a responsabilidade por fato de outrem. Todavia, essa não é a única questão que merece ser discutida no âmbito jurídico; ao revés, questões como a ação regressiva ou a responsabilidade exclusiva dos genitores ou da instituição de ensino vigilante devem ser enfrentadas com a seriedade que o fenômeno, por seu alto grau lesivo e suas particularidades, merece.

O dever de vigilância da escola deve consagrar-se pela ótica do homem médio, isto é, não se pode exigir da instituição de ensino que ultrapasse os limites médios, normais e cotidianamente necessários ao cuidado de seus alunos. Obviamente, quando o estudante necessitar de cuidados especiais, normalmente com escopo de inclusão social ou perigo de comprometimento físico ou psicológico em razão de enfermidade, deve o educandário cooperar com seus responsáveis e auxiliar no que for necessário para que seja o vigilando substancialmente tratado de forma igualitária[15].

Situação diversa é aquela em que o vigilando necessita de cuidados especiais em razão de fatos, em sua maioria, voluntariamente sigilosos, como a separação conturbada de seus genitores, principalmente em casos com suspeita de alienação parental[16], bem como fatos explícitos e que atentam contra o mínimo ético social. Não seria uma novidade a afirmação de que crianças e adolescentes aprendem por espelhamento, absorvem costumes e valores ditados cotidianamente na ambiência familiar ou de convivência.

Em trabalho defendido na Universidade de Coimbra, Portugal, país onde a responsabilidade se dá mediante culpa presumida, Jeovanna Viana (2004, p.49), mutatis mutandis, afirma que “não pode o abrigado a vigiar ser responsabilizado em consequência de actos ilícitos que aqueles, sujeitos passivos, desta vigilância, pratiquem além do campo da normalidade e contrários aos princípios que pelos vigilantes lhes são insuflados” e conclui dizendo que “se da parte de tal obrigado houver os cuidados normais, o seu dever fica cumprido, com a consequente irresponsabilização pelos resultados danosos de actos do sujeito passivo da vigilância, que sejam anti-jurídicos”.

O bullying, em regra, não se perfaz mediante um ato isolado[17]. Usualmente, a reiteração indica que o agressor é acometido de valores discriminatórios, indiferença ou impiedade para com o semelhante. Da mesma forma, a busca pela dominação do poder aponta para um sujeito despreocupado com noções axiológicas realmente importantes, quais sejam, amizade, respeito, solidariedade e cooperação, comportamentos que apontam frontalmente para o seu berço, seu lar, ou seja, para seus progenitores.

Compreende-se a afirmação de que a criança ou adolescente em idade escolar ainda está no desabrochar de sua personalidade, agindo, por diversas vezes, impulsivamente. Entretanto, igualmente, estudos apontam que os agressores possuem maior probabilidade de tornarem-se, futuramente, criminosos, conforme se pode observar da lição de Gustavo Teixeira (2011, p. 56 usque 57):

Identificamos que esses estudantes apresentam mais chances de fazer uso abusivo de álcool e drogas, maior envolvimento em brigas e com o crime, podem andar armados, apresentar problemas com a justiça e atitudes delinquentes, como furtos, agressões e destruição de patrimônio público, por exemplo. Outro dado importante é que o padrão agressivo de comportamento demonstrado no colégio tende a se repetir na faculdade, no ambiente de trabalho e na vida adulta de uma forma geral.

Sendo assim, parece ser o ato bullying, em parcela dos casos, decorrência direta de uma educação deficiente[18], ou sintoma de algum tipo de ruído externo à instituição de ensino, cujos responsáveis, pela ótica da justiça, deveriam também responder por atos lesivos relacionados ao fenômeno. Pensando de forma similar, Paulo Nader (2014, p. 168) diz:

Seriam os pais responsáveis pelos atos praticados por seus filhos menores, quando em atividade na escola? Entendemos que sim, em princípio, pois agressões a colegas ou depredações revelam falhas no processo educacional e, por via de consequência, induzem à responsabilidade dos pais.

No exercício do poder familiar, ambos os pais devem, na dicção do artigo 1.634, I, do CC/02, se dedicar à educação dos filhos, buscando transmitir boa educação, valores corretos e socialmente aceitos, visando sempre à inevitável inserção dos infantes na sociedade.

Portanto, aos pais, detentores do poder familiar e do exercício do direito de guarda e proteção em relação à pessoa dos filhos menores, compete o dever de incutir princípios morais rígidos na formação de seus filhos, dentre eles, respeito e consideração aos seus semelhantes, e orientar para que esses integrem a escola e nela interajam para uma convivência social e de construção da civilidade e cidadania, além de exercer sobre eles vigilância contínua para que sua prole não cause prejuízo a outrem. (ALKIMIN; NASCIMENTO, 2012, 78 usque 79)

Quando o direito/dever de bem exercitar o poder familiar, em especial na seara do dever de educação, não é executado de maneira correta, inevitavelmente, a vigília sobre o menor deverá ser exercida com maior atenção, buscando compensar as deficiências advindas do âmbito doméstico, isto é, a instituição de ensino deverá atentar para as peculiaridades da criança, buscando adequar sua ausência de instrução com a socialização que está inserida no educandário, mas, que fique claro, não deverá suportar ônus superior ao que, corriqueiramente, exerce e, zelando pelo dever de segurança, deva suportar. Parece correto que a instituição de ensino se adeque para detectar e reprimir atos de bullying derivados de situações normais da idade, p. ex., a chegada de um aluno novato[19], ou mesmo a dificuldade pedagógica ou esportiva de uns em detrimento de outros, mais eficientes nas avaliações ou exímios esportistas. Todavia, agressões bullying relacionadas à religião, à opção sexual, à etnia ou mesmo à cor de pele, a nosso ver, demonstram uma plena deficiência educacional, devendo também os responsáveis por ela se responsabilizarem pelos atos danosos derivados dessa lacuna principiológica-educacional.

Desse modo, cristalinamente, percebe-se que nos casos em que o menor pratica o fenômeno bullying por instrução, mesmo que involuntária, advinda de seu lar, seus progenitores ou similares, inicialmente, serão responsáveis pelos atos lesivos, mesmo que, na espécie, estejam os infantes sob vigilância da instituição de ensino, pois o dever do colégio não pode ser superior ao que corriqueiramente se espera de uma escola. Ou seja, não pode ele responsabilizar-se por condutas de alunos que afrontam comportamentos normais da idade. Melhor explicando, foge da normalidade que crianças e adolescentes pratiquem bullying contra outros menores adeptos de religiões tradicionalmente africanas, bem como foge da normalidade quando o fenômeno tem fundamento em questões de gênero, como os transexuais, ou mesmo no caso de casamento homossexual dos pais do menor vitimado.

Sobre o tema, Arnaldo Rizzardo (2011, p.116) afirma que,

Entrementes, o dever de vigilância que passa para a escola não é absoluto, no sentido de conter os impulsos do internado, de refrear sua agressividade, de anular a sua índole para o mal. Incumbe à escola, e, assim, aos educadores, a orientação, a manutenção da disciplina interna e, sobretudo, ministrar o ensino, ou preparar o aluno para uma profissão. Não está dentro de suas finalidades formar o caráter, a personalidade, e afastar o ímpeto para o mal. No que diz com a ordem, o ambiente propício a ministrar o ensino, o respeito aos colegas e professores, insere-se realmente nas atribuições da instituição de ensino, não podendo ir além de sua missão.

Porém, em segunda análise, seria possível argumentar, como majoritariamente se faz, que, como o bullying somente se caracteriza pela reiteração das condutas, a instituição de ensino que não o detectar falhou em seu dever de vigilância, pois ações lesivas, sucessivamente, ocorreram em seu espaço interno sem que medidas eficazes fossem efetivamente tomadas e exercidas visando à mitigação dos efeitos da conduta ou mesmo seu término, sendo, portanto, a única responsável pelo ocorrido à vítima[20].

Mesmo sendo o posicionamento que atualmente impera na jurisprudência, a instituição de ensino possui o direito de reaver o que havia sido ressarcido à vítima, dos genitores do incapaz ou mesmo do próprio aluno[21], posicionamento que encontra guarida em autores da envergadura de Maria Helena Diniz (2012, p. 573), que afirma:

Se um aluno de 2º grau ferir gravemente seu colega de recinto escolar, ou o agredir, intencional e repetidamente, intimidando-o, haverá responsabilidade objetiva do colégio, se pertencente a uma pessoa jurídica, ou de seu diretor, se for o proprietário, pelo ressarcimento daquele dano. A escola, que pagou o dano, terá ação regressiva contra os pais do aluno que praticou o ilícito ou contra o próprio aluno se ele for maior de 16 anos, ante o disposto no Código Civil, arts.934 e 928 e parágrafo único.

E Arnaldo Rizzardo (2011, p. 116), segundo o qual

A responsabilidade objetiva não afasta o direito de regresso contra aquele que causou dano. Nessa ótica, o hospedeiro ou dono do estabelecimento legitima-se em buscar o ressarcimento junto ao causador, mesmo que menor, situação frequente nas escolas. Na eventualidade, pode agir contra os pais, que respondem pelos danos que os filhos causarem, com fulcro no inc. I do art. 932.

Mesmo com a possibilidade de ação regressiva, defendida pela maior parte da doutrina, parece correto afirmar que, se a instituição de ensino realizar atos de combate ao bullying, sejam eles preventivos ou repressivos, desde que se mostrem medianamente eficazes ao combate do fenômeno, inexistirá responsabilidade por parte do educandário, pois não será verificado o nexo causal, restando somente a responsabilidade do menor ou de seus representantes. No mesmo sentido, aqueles atos que fujam ao medianamente esperado por alunos da idade do agressor, a responsabilidade subsistirá para seus responsáveis.

Em arremate, Maria Aparecida Alkimin e Grasiele Augusta Ferreira (2012, p. 93) ressaltam que a questão é polêmica e de dificultosa solução, mas abrem a possibilidade para que subsista responsabilidade solidária entre os responsáveis pelo menor e o colégio vigilante, visto que,

Os pais ou responsáveis legais têm o dever jurídico de educar seus filhos ou representados para o bem-viver em sociedade, evitando-se, assim, condutas ilícitas que venham causar dano a outrem, havendo, portanto, um resquício para a responsabilidade dos genitores/representantes do autor do bullying, ainda que sob a forma solidária.

Expostos os principais pontos do fenômeno bullying, bem como sua dificuldade de tratamento, aliados à diversidade de entendimentos na indicação de um culpado e, consequentemente, responsável pela indenização à vítima, ressalta-se que, a nosso ver, o deslinde do caso concreto norteará a sorte da demanda indenizatória, devendo o julgador analisar as motivações do bullying, além da conduta efetivamente exercida pelo menor agressor em face da vítima, verificando, sempre que possível, as atitudes dos pais e da instituição de ensino para que aponte um culpado, ou mesmo de ambos, solidariamente.

Não restam dúvidas de que a instituição de ensino deve se pautar ativamente, principalmente nos casos em que o bullying decorre de atitudes normais da idade ou das particularidades do aluno. Para tanto, deve buscar atuar sempre que for necessário e recomendável, bem como realizar parcerias com instituições sociais, com o poder público e com os responsáveis dos alunos para que possam concretizar sua real função em um ambiente agradável e livre de qualquer intimidação. Agindo assim, a atividade que legitimamente se espera do educandário restará satisfeita, inexistindo, portanto, qualquer espécie de responsabilidade indenizatória. De outro lado, devem os progenitores executar as obrigações decorrentes do poder familiar da melhor maneira possível, visando formar o caráter e despertar valores democráticos em seus filhos.

CONCLUSÃO

O caráter complexo do fenômeno, sua abrangência interdisciplinar e os diversos pontos de vista construídos pela doutrina acerca da responsabilização civil da instituição de ensino nos casos de bullying escolar nos impedem de criar uma fórmula definitiva para o dever de ressarcimento do dano consumado pelo menor no âmbito escolar. Porém, a despeito da situação de incerteza desenhada, a sistemática civil consagra a regra de que, caso presente o dano, deverá aquele que injustamente o cometeu, em razão da violação ao dever de se comportar conforme pactuado ou de maneira contrária à lei, ou seu responsável, reparar ou compensar a lesão.

Tem-se delimitado somente o local da concretização da lesão ao espaço escolar, inexistindo, porém, a priori, certeza de onde brotaram as causas do fenômeno, restando, nessa incerteza, a dificuldade da conclusão do presente texto. Por outro lado, não há dificuldade em afirmar que a escola deve se preocupar com as atitudes próprias e esperadas de seus alunos, levando-se em conta seu público, além da idade e da perspectiva de seu corpo discente, suportando a responsabilidade por ausência de vigilância sobre eles, até mesmo em função de desenvolverem atividade, em âmbito privado, de forma remunerada, bem como atividade de risco, suportando, assim, a responsabilidade independentemente de culpa.

As dificuldades tomam corpo no momento de se apontar o responsável quando a conduta decorre de uma educação deficiente ou contrária aos costumes e valores aceitos pela maioria da sociedade, restando, nesse aspecto, resquícios da responsabilidade dos responsáveis pela educação e inserção de instruções axiológicas no menor, quais sejam, os genitores ou quem o faça às vezes.

Fora a dificuldade de apontar a exclusividade ou solidariedade da responsabilidade, o direito da instituição de ensino regressar contra os responsáveis pelo menor ainda é discutível, visto que a guarda física, com a consequente obrigação de vigilância e cuidado, pertenciam à instituição de ensino e não aos pais do agressor.

Sendo assim, parece correto afirmar que o dever de indenizar dependerá da análise do caso concreto, das circunstâncias que permeiam o fenômeno bullying, as motivações e atitudes desenvolvidas pelos responsáveis escolares ou da família, pois, familiarizando-se com as características do caso concreto, será possível, em primeiro plano, aferir se o educandário realmente omitiu-se em seu dever de agir, isto é, mediou o conhecimento e zelou pela incolumidade física e psicológica dos alunos. No mesmo sentido, o magistrado poderá ponderar se o ato praticado encontra relação com questões presumidamente derivadas de deficiência dos deveres do poder familiar, especialmente os relacionados à educação e instrução, mas também será possível verificar se a falta decorreu do dever de vigilância escolar, nitidamente nos casos típicos de conflitos escolares ou decorrentes da corriqueira imprudência ou negligência das crianças e adolescentes.

Resta dizer que muito ainda deve ser refletido sobre o tema para que se trilhe um caminho seguro a respeito das balizas do fenômeno bullying e seus reflexos jurídicos. Não se pode afirmar com convicção se a responsabilidade nesses casos possui natureza solidária ou exclusiva, ou se há ou não o direito regressivo por parte da instituição de ensino em prejuízo dos pais dos alunos, embasado exclusivamente na educação deficiente ou em falhas no dever de vigilância e cuidado do menor. Trata-se, pois, de campo verdadeiramente fértil para novas e acaloradas discussões acadêmicas, ficando a cargo da doutrina, num primeiro momento, traçar as linhas gerais e o caminho a ser percorrido.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 336 p. (Coleção Direito Civil, 4).

Notas de Rodapé

[1] Especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual de Londrina. Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: vmmarcal@adv.oabsp.org.br

[2] Doutora em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestra em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professora e Vice-Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: anaclaudiazuin@live.com

[3] Ana Beatriz Barbosa Silva (2011, p. 42) denomina de vítima agressora aquela que “reproduz os maus-tratos sofridos como forma de compensação, ou seja, ela procura outra vítima, ainda mais frágil e vulnerável, e comete contra esta todas as agressões sofridas”.

[4] Crianças e adolescentes alvos de bullying podem apresentar insônia, baixa autoestima, depressão e podem também desenvolver transtornos como a fobia escolar, um medo exagerado de frequentar a escola que pode prejudicar os estudos. Outra grave consequência do bullying é a prevalência de índices elevados de pensamentos de morte e ideação suicida. Nesses jovens, o risco aumentado de tentativas de suicídio existe, principalmente, quando há um quadro depressivo instalado e quando os níveis de estresse são muito elevados (TEIXEIRA, 2011, p. 56).

[5] Alexandre Saldanha Tobias Soares (2013, p. 53) afirma que “Pode-se compreender como bullying toda e qualquer forma de agressão intencional praticada repetidamente e adotada sem motivo real por uma ou mais pessoas contra outro, causando-lhe uma extrema angústia”.

[6] Tematizando os aspectos necessários para que uma criança ou adolescente seja escolhida vítima do bullying, Ana Beatriz Barbosa Silva (2011, p. 37) afirma que “qualquer coisa que fuja ao padrão imposto por um determinado grupo pode deflagrar o processo de escolha da vítima do bullying”.

[7] Lélio Braga Calhau (2011, p. 30) diz que “É comum que a vítima mantenha a lei do silêncio, pois, na maioria das vezes, as agressões são apenas morais e não deixam vestígios. Ela tem medo e vergonha de falar sobre as humilhações e, em muitos casos, teme que o problema se agrave se for tornado público. Outras vítimas temem, inclusive, a reação desproporcional ou escandalosa dos pais e preferem ficar em silêncio. Por último, muitas vítimas temem que a escola não possa fazer nada para ajudá-las”.

[8] Lino Adriano de Lima Ferreira (2013, p. 02) chega a afirmar que o surgimento do bullying deve-se à influência do capitalismo, como podemos observar: “O sistema capitalista nasceu e junto a ele uma série de fatores que são alimentados constantemente para que sua reprodução seja assegurada, dentre esses fatores estão à competição e o individualismo, provocando influências no comportamento dos indivíduos, tornando-se fatores determinantes ao possível aparecimento e agravamento de atitudes violentas, dentre elas a mais implícita e menos perceptível, conhecida como bullying”.

[9] Lélio Braga Calhau (2011, p. 41) afirma que “Pode ser que os atos de bullying sejam praticados sem violência dentro da escola e com violência fora dela (ex.: saída do colégio), havendo uma conexão dos fatos, que em tese, são uma mesma ocorrência do processo (dinâmico) do bullying, a instituição deve ser responsabilizada”.

[10] Segundo a lição de Sergio Cavalieri Filho (2014, p. 236), “A responsabilidade pelo fato de outrem constitui-se pela infração do dever de vigilância. Não se trata, em outras palavras, de responsabilidade por fato alheio, mas por fato próprio decorrente da violação do dever de vigilância”.

[11]Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (…) IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”.

[12] Necessário é informar que parcela da doutrina afirma que, no caso de responsabilidade civil decorrente de omissão do ente público, como os derivados do fenômeno bullying, a responsabilidade se caracterizaria na modalidade subjetiva. Contudo, com a diferença entre responsabilidade civil por omissão nas modalidades genérica e específica, sendo essa última tal qual a responsabilidade por comissão, objetiva, cremos que a responsabilidade, mesmo ocorrendo por omissão, seja objetiva.

[13] Não pairam dúvidas, portanto, de que o bullying conduz à responsabilidade civil em razão do dano gerado à vítima, a qual poderá invocar tutela jurídica em razão do direito subjetivo violado e reclamar a reparação pecuniária, ou seja, indenização. É fato, pois, que essa tem por fundamento a reparação integral do dano causado à vítima, visando devolver a essa o status quo ante, ou seja, restaurar a situação anterior antes da ocorrência do evento danoso (ALKIMIN; NASCIMENTO, 2012, p. 64 usque 65).

[14] Com diversas ressalvas de nossa parte, parece ser a opinião de Alexandre Saldanha Tobias Soares (2013, p. 65) ao afirmar que o art. 14 do CDC “pode ser aplicado aos casos de bullying porque este tipo de violência só ocorre por conta da prestação de serviço educacional inadequada da instituição de ensino, que não disponibiliza profissionais capazes de zelar adequadamente pela incolumidade física e psíquica de seus alunos, nem prevenir as práticas violentas de forma efetiva”.

[15] Assim, uma especial vigilância apenas deverá ocorrer quando houver motivos que a justifiquem. Na sua ausência, quando o comportamento do menor não apresentar características fora da normalidade ou os objetos utilizados pelo menor não apresentarem qualquer perigo, deve ser admitida uma liberdade que estimule uma maior independência e desenvolvimento da sua intelectualidade (VIANA, 2004, p. 66).

[16] Rolf Madaleno (2015, p. 39, negrito nosso) afirma que “Os pais, numa disputa judicial, muitas vezes imputam condições que desqualifiquem ou fragilizem o outro, demonstrando, assim, que suas qualidades são superiores, propiciando a situação de o menor vivenciar a circunstância de ter que escolher entre o pai ou a mãe, gerando uma crise de lealdade. Ainda, dentre os principais efeitos estão os problemas escolares, pois, devido ao trauma vivenciado pela criança, ela passa a não se concentrar, apresentar desinteresse e desmotivação, além de comportamento agressivo, hostil e irritadiço, inclusive com mentiras ou pequenos furtos”.

[17] É imperioso diferenciar uma agressão física ou psíquica pontual ou isolada do bullying. Para caracterização daquela, basta um ato único, embora possa ser extremamente danoso ao agredido. Já quanto ao bullying, tal requer uma repetição da conduta que macule a imagem e autoestima da vítima (ALKIMIN; NASCIMENTO, 2012, p. 55).

[18]Observa-se […] que a educação do menor não consiste apenas nos conhecimentos escolares, técnicos e profissionais. Consiste também na transmissão de valores morais e cívicos, fundamentais para se viver bem na sociedade. Nos primeiros anos de vida do menor, será o exemplo dos pais a sua maior fonte de ensinamentos”. (VIANA, 2004, p. 53)

[19] Traçando um perfil da vítima de bullying, Lélio Braga Calhau (2011, p. 10) afirma que o novato é uma potencial vítima, pois “são pessoas que transferidas de outras escolas, cidades e empresas e que, pela própria situação de ser novo no ambiente ficam muito fragilizados em situações de bullying”.

[20] Esse é o pensamento que predomina, isentando os pais responsáveis da obrigação de indenizar, inclusive, pelos prejuízos causados ao estabelecimento, como estragos, furtos, demolições por vandalismo, ferimentos em colegas, ofensas, agressões (RIZZARDO, 2011, p. 116).

[21] Em sentido oposto, Caio Mário da Silva Pereira (1990, p. 107 usque 108) defende que “não é possível à ação regressiva da instituição de ensino para se ressarcir do dano causado contra o aluno causador do dano ou contra seus pais, pois o estabelecimento de ensino tem o dever de vigiar o aluno sob sua guarda”.