Diálogos entre a Hermenêutica Filosófica e o Neoconstitucionalismo: Entre Arbítrios e Correções

Saulo Tarso Rodrigues[1]

Nuria Belloso Martín[2]

Resumo: O constitucionalismo do pós-Segunda Guerra Mundial caracteriza-se por um profundo reconhecimento da força normativa das constituições, remodelando a atuação das instituições do Estado. Na Europa, essa transformação no direito constitucional repercutiu no que ficou conhecido como movimento neoconstitucionalista, que, dentre outros aspectos, modificou o papel do Judiciário, a partir da admissão de elementos discricionários nas decisões judiciais. Neste contexto, o presente artigo visa a demonstrar a contradição democrática que existe na aceitação da discricionariedade na atuação do Judiciário. Assim, a proposta, a partir da matriz teórica de Lenio Streck, objetiva se afastar das teses neoconstitucionalistas. Para tanto, é feita uma retomada da crítica ao positivismo, a fim de que se possa demonstrar as relações existentes entre a proposta neoconstitucionalista e o positivismo jurídico, especialmente no que diz respeito aos parâmetros da subjetividade e arbitrariedade.

Abstract: Post-II World War constitutionalism is characterized by a deep recognition of the normative force of constitutions, remodeling the role of state institutions. In Europe, this transformation in constitutional law reflected in what became known as neoconstitucionalist movement, which, among other things, changed the role of the judiciary, from the admission discretionary elements in judicial decisions. In this context, this article aims to demonstrate the democratic contradiction in the acceptance of discretion in the judiciary acting. Thus, the proposal aims to move away from neoconstitucionalist theses, including as a democratic requirement to build a theory of judicial decision. Therefore, it is made a resumption of the debate between natural law and positivism, so that it can be demonstrated the relationship between the neoconstitutionalist proposal and legal positivism, especially with regard to decision-making parameters.

1 INTRODUÇÃO

A dogmática jurídica brasileira instrumentaliza o direito sob um paradigma liberal-individualista. Não houve a devida filtragem constitucional[3] e democrática, e continuamos presos numa areia movediça de disputas interindividuais. Como sustentar isso com um novo paradigma pluralista[4], banhado por interesses transindividuais[5]? De um lado, temos uma sociedade carente de realização de direitos, e, de outro, uma Constituição que garante estes direitos de forma ampla. No meio, uma dogmática inadequada. “Esta é a crise de Direito, dominante nas práticas jurídicas de nossos tribunais, fóruns e na doutrina[6].

Para Streck, o direito deve “(…) ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para implantação das promessas modernas[7]. Para o hermeneuta e constitucionalista gaúcho, compreendemos de forma inadequada a forma democrática e o papel da jurisdição constitucional. Por vezes, cumprir a lei é um avanço considerável, quando esta estiver conforme a Constituição. E isto não se trata de uma atitude positivista.

2 O POSITIVISMO E O NEOCONSTITUCIONALISMO

A história do positivismo se inicia com um positivismo primitivo, da escola da exegese, que separava direito e moral, confundindo texto e norma, direito e lei, vigência e validade, fundado na crença pós-revolução francesa de proibição de interpretação do juiz. Posteriormente, surge o positivismo normativista, que, ao se deparar com a impossibilidade de fechamento semântico do sistema, trata o problema da interpretação jurídica como uma questão menor[8]. Aqui, o problema não está no modo como os juízes decidem, mas nas condições de validade da norma jurídica[9]. Lenio defende que o problema comum dos positivismos é a discricionariedade, “(…) que acaba não se fixando sequer nos limites da moldura semântica[10]. Dado o nosso salto de um legalismo rasteiro para uma concepção de legalidade que só se constrói sob o manto da constitucionalidade, obedecer à risca o texto da lei democraticamente construído[11] não tem nada a ver com a exegese do positivismo primitivo[12].

Para Streck o uso de princípios para “abrir” o sistema demonstra uma atitude solipsista, pan-principiologista, e deveras positivista:

Utilizar os princípios para contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais – sem lançar mão da jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) – é uma forma de prestigiar tanto a irracionalidade constante no oitavo capítulo da TPD de Kelsen, quanto homenagear, tardiamente, o positivismo discricionário de Herbert Hart. Não é desse modo, pois, que escapamos do positivismo[13].

Filia-se Streck a um substancialismo com reservas (antiativista e antidecisionista), pugnando a superação do positivismo racionalista através da hermenêutica filosófica, junto com uma função diferenciada do poder judiciário[14], chamando este movimento de Constitucionalismo Contemporâneo (para se diferenciar do neoconstitucionalismo)[15].

No Brasil, não haveria adesão nem ao substancialismo[16], em face da inefetividade da expressiva maioria dos direitos sociais previstos na Constituição, e da postura abstencionista liberal-individualista do Judiciário (vide as posturas ante o Mandado de Injunção e a Ação Direta e Inconstitucionalidade por Omissão), além da falta de uma filtragem hermenêutico-constitucional[17] das normas anteriores; nem ao procedimentalismo, pela submissão do Congresso à reiterada utilização indiscriminada de Medidas Provisórias por parte de um executivo napoleônico[18], promovendo a executivização da Constituição[19], distante dos ideais de Habermas[20], de criação democrática de direitos e da garantia da preservação dos procedimentos legislativos aptos a estabelecer a autonomia dos cidadãos[21].

Outrossim, a doutrina e a prática brasileira não internalizaram a mudança de paradigma, da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem. Há uma nova concepção da Constituição do sentido. Esse sentido não pode mais ser pensado como algo que uma consciência produz para si independentemente de um processo de comunicação, mas deve ser compreendido como algo que nós, enquanto participantes de uma práxis real e de comunidades linguísticas, sempre comunicamos reciprocamente. A linguagem passa a ser entendida, em primeiro lugar, como ação humana, ou seja, a linguagem é o dado último enquanto uma ação fática, prática, intersubjetiva[22].

O horizonte a partir de onde podemos e devemos pensar a linguagem não é o do sujeito isolado ou da consciência do indivíduo, que é o ponto de referência de toda a filosofia moderna da subjetividade, mas a comunidade de sujeitos em interação. As palavras estão, pois, sempre inseridas numa situação global, e é precisamente por esta razão que o problema semântico, o problema da significação das palavras, não se resolve sem a pragmática, ou seja, sem consideração dos diversos contextos de uso: “No plano da interpretação/aplicação do Direito, isso é facilmente detectado na admissão do poder discricionário dos juízes, no livre convencimento e na livre apreciação das provas[23].

Dito de outro modo: A análise da crise paradigmática do Direito não pode mais ficar restrita à crítica ao velho exegetismo. É verdade que, em um primeiro momento, apostamos na superação do positivismo primitivo através do campo da crítica do Direito, com concepções tanto voluntaristas-axiologistas, como posturas analíticas, que a partir da linguagem, buscavam enfrentar o dedutivismo dominante no imaginário jurídico. Nessa toada, Lenio denuncia que diversas teorias críticas do direito não conseguem superar o positivismo exegético, presos à primeira fase do linguistic turn (triunfo do neopositivismo lógico), ausente a recepção do giro ontológico-linguístico[24].

Prossegue Streck, referindo-se ao positivismo normativista, sustentando que Kelsen apostou na discricionariedade do intérprete[25], na aplicação do direito, como uma fatalidade, e as teorias pós-kelseniana não interpretaram corretamente (sic) que, o que para Kelsen era uma fatalidade (a aplicação do direito como ato de vontade do juiz, não ato de conhecimento[26]), passou a ser a salvação, através da cura dos males do direito pelo juiz discricionário[27].

Lenio entende que a aposta na racionalização do subjetivismo (como a racionalização da carnavalização da ponderação, aqui defendida), é um retorno à velha jurisprudência dos conceitos. Os juristas que se inserem nesse contexto admitiriam múltiplas respostas na hora da decisão, uma pluralidade de sentidos, e isso denuncia a cisão entre interpretar e aplicar. Alexy, o maior avanço desse pensamento, entenderia que casos simples se resolvem por subsunção, e na colisão de princípios, apelando para a ponderação, que seria a mesma coisa que discricionariedade.

Voltando ao debate neoconstitucionalista, Lenio entende que os autores que endossam tal pensamento, tentaram superar o antigo positivismo, mas incorreram em um equívoco, ao cindirem casos fáceis e casos difíceis e apostarem nos princípios como porta de entrada da moral no direito, agravando-se tal situação quando no Brasil se usa o sopesamento de princípios sem qualquer fidedignidade com a ponderação alexyana, repousando tal contexto em um subjetivismo incontrolável[28]. Assim, o neoconstitucionalismo não é uma autêntica ruptura com o velho positivismo, mas sim uma continuidade[29].

Acreditar na discricionariedade e dizer ser pós-positivista são atitudes incompatíveis, para Streck. Somente seria pós-positivista se houvesse a superação do positivismo kelseniano e hartiano. Discricionariedade e positivismo normativista seriam faces da mesma moeda, e a culpa a baixa constitucionalidade presente no Brasil seria por conta desta atitude decisionista, olhando o novo (a Constituição) com os olhos do velho (modelo liberal-individualista junto com o positivismo normativista), e importando acriticamente teorias alienígenas. A salvação seria a adoção do “real” pós-positivismo desvelado pela hermenêutica filosófica[30]

Ao tentar superar-se o juiz boca da lei positivista, apostou-se no protagonismo judicial, ao afirmar que sentença viria de sentire, e as decisões seriam proferidas a partir da consciência do juiz, o triunfo do juiz solipsista, que coloca o sujeito da relação Sujeito-Objeto como o senhor dos sentidos, passando do objetivismo positivista para o subjetivismo[31].

Aprofundando em sua crítica, Streck remonta à história do positivismo para embasar seu entendimento. Num primeiro momento, chamado de positivismo legalista (positivismo exegético ou primitivo), entendia-se que o direito bastava no texto, com a junção necessária entre texto e norma, por meio das grandes codificações. Em um segundo momento, surge o positivismo normativista, com seu maior expoente em Kelsen[32]:

Certamente, Kelsen não quer destruir a tradição positivista que foi construída pela Jurisprudência dos Conceitos. Pelo contrário, é possível afirmar que seu principal objetivo era reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas de modo a responder ao crescente desfalecimento do rigor jurídico que estava sendo propagado pelo crescimento da Jurisprudência dos Interesses e da Escola do Direito Livre – que favoreciam, sobremedida, o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na interpretação do direito. Isto é feito por Kelsen a partir de uma radical constatação: o problema da interpretação do direito é muito mais semântico do que sintático[33].

O problema da interpretação do direito seria o descrito por Kelsen em seu fatídico capítulo VIII da Teoria Pura do Direito[34]. A interpretação kelseniana é fruto da cisão entre ato de vontade e ato de conhecimento. A interpretação como ato de vontade produz, no momento de sua aplicação, normas, e essa interpretação autêntica seria a capaz de criar direito, não por intermédio de um conhecimento puro, mas no exercício da política jurídica, influenciada por noções de justiça, moral, etc. Já a descrição dessas normas daria-se de forma neutra e objetiva, por meio da interpretação como ato de conhecimento, produzindo apenas proposições.

Kelsen não tentou fazer uma Ciência do Direito pura, ausente de ideias como direito justo, correto. Tentou ele fazer uma Ciência pura do Direito através da despolitização da Ciência, não do direito, que deveria descrever o mundo jurídico de forma geral, constante em qualquer tempo e espaço. A Teoria Pura do Direito seria uma metalinguagem da linguagem objetiva, para correção da indeterminação dos sentidos do direito[35].

Na aplicação kelseniana do Direito, haveria sempre espaço para o intérprete, pois a interpretação seria um ato de vontade, fora da Ciência do Direito, uma escolha de qualquer das possibilidades normativas elencadas pela Ciência do Direito na moldura normativista, inexistindo forma (in)correta de interpretar ou respostas corretas. Posteriormente, Streck defende que Kelsen propugna a possibilidade do órgão julgador decidir de modo completamente diverso das significações enunciadas pela Ciência Jurídica, produzindo novo direito[36].

O positivismo de Kelsen está relacionado com seu relativismo, para o qual os valores absolutos estariam além do conhecimento racional[37], e como a moralidade social era mutável, o direito só poderia ser visto como o positivo, produzido por atos humanos, pela vontade, e a vontade sofreria influências diversas. A aplicação do direito, fatalmente, não seria suscetível de controle, eivando-se de subjetivismo e solipsismo. Para Streck, no período pós-revolução francesa, o legislador possuía total liberdade, elemento central da discricionariedade. Com o crescimento da jurisdição constitucional, essa discricionariedade é deslocada para o poder judiciário, sob o pálio de princípios, método de introdução de valores, para o neoconstitucionalismo, como se as regras não traduzissem valores, ética ou política[38]. Logo, a admissão da discricionariedade no neoconstitucionalismo seria uma forma de positivismo.

3 HANS KELSEN E O PROBLEMA DA DISCRICIONARIEDADE

A discricionariedade no modelo normativista kelseniano reside no fato de que o órgão aplicador poderia escolher qualquer possibilidade de significado dentro da moldura normativa, e para Streck, esta característica é tributária do realismo jurídico, dentro do qual o direito é aquilo que os tribunais dizem que é.

Nesse contexto, de desligamento do direito livre, surge a chamada jurisprudência dos interesses[39], que criticava o excessivo conceitualismo da jurisprudência dos conceitos, que levava o juiz para um terreno abstrato, o que era pugnado pelo direito livre. O mote principal da jurisprudência dos interesses é a premissa de que a norma jurídica tem como finalidade a resolução de conflito de interesses, e na tarefa interpretativa, caberia ao juiz recompor os interesses em conflito[40]. Nos casos de lacuna, deveria o juiz proceder a seu preenchimento a partir de uma ponderação de interesses[41].

No segundo pós-guerra, surge a jurisprudência dos valores, tentativa voluntarista de revelação dos valores da sociedade para além do direito escrito, desenvolvida principalmente no Tribunal Constitucional da Alemanha. É exatamente neste ponto que surge a Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy[42], tentativa de racionalizar a jurisprudência dos interesses, tida como irracional[43].

Aqui, Streck diz que o Brasil andou mal. Ilustra a situação com o exemplo do discurso de que o juiz não pode mais ficar inerte e simplesmente reproduzir o discurso legislativo, valorando as situações para encontrar a melhor solução com base na ponderação de princípios colidentes[44], terreno fértil para o surgimento do neoconstitucionalismo. Nas palavras do gaúcho: “(…) neoconstitucionalismo, que embora tenha proporcionado alguns avanços, deu azo, no Brasil, ao pan-principiologismo (…) contribuindo para a corrupção do próprio texto da Constituição[45], criticando posturas antiformalistas, formando a versão mais contemporânea da jurisprudência dos valores, apostando todas as esperanças de realizações desse direito na loteria do protagonismo judicial, a partir da filosofia da consciência[46].

Utilizar os princípios para contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais, sem lançar mão da jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) ou de uma interpretação que guarde fidelidade à Constituição, é uma forma de prestigiar tanto a irracionalidade constante no oitavo capítulo da teoria pura do direito de Kelsen[47], quanto homenagear, tardiamente, o positivismo discricionário de Herbert Hart, e de seus sucedâneos mais radicais, como os “neoconstitucionalismos[48].

Ao olhar para os princípios, estes antes eram utilizados para fechamento do sistema, como defendido por Dworkin, contra o positivismo hartiano[49], e agora surgem como uma abertura do sistema, delegando a atividade legislativa ao judiciário, de clara índole positivista kelseniana-hartiana[50].

Estas são as feridas positivistas no interior do neoconstitucionalismo, que fortalecem o papel do aplicador, deixando tudo à mercê de decisões tribunalícias, abrindo caminho para discricionariedades e decisionismos. O direito não é o que o intérprete quer que ele seja; não é aquilo que o tribunal diz que é; não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa[51], atribuindo sentidos de forma arbitrária aos textos, como se texto e norma estivessem separados, numa existência autônoma. Todas as formas de decisionismo e discricionariedades devem ser afastadas.

Streck defende que o Supremo, no julgamento da ADI 4277 (caso da União Homoafetiva), não poderia colmatar lacunas, nem do poder constituinte originário, nem do derivado, sob pena de produção de um terceiro turno constituinte, em que o judiciário criaria uma Constituição paralela, eivada de subjetividades. A resolução das querelas relativas às uniões homoafetivas não deveria ser feita, enquanto não emendada a Constituição ou elaborada lei ordinária, pelo Supremo. Alegar que o legislativo não possuía interesse na causa, a curto prazo, por sua visão conservadora, é ir contra a democracia representativa, posto que ao legislativo é conferida a tarefa de elaborar as leis ou emendas constitucionais. O fato de o judiciário corrigir a legislação, através do controle de constitucionalidade, não significa que ele possa reescrever a Constituição, com decisões legiferantes. Não há um lado “b” da Constituição a ser descoberto axiologicamente. A resposta correta para esse caso depende de alteração legal-constitucional[52].

Já para neoconstitucionalistas como Barroso[53], Sarmento[54] e Bolzan[55], o caso concreto demonstra a violação de direitos básicos da pessoa humana, grave discriminação que estigmatiza ainda mais uma minoria debilitada, eterna perdedora do jogo majoritário. Deixar a solução desse caso nas mãos do legislador seria o mesmo que negar tais direitos, posto que a atual composição do legislativo é altamente conservadora, além dos problemas da executivização da Constituição[56] e da fantochização da política.

Para Jorge Luiz[57], negar a possibilidade de uma entidade familiar homossexual e de uma união estável homossexual, que embora não numerada, estaria presente na Constituição, seria negar que a família deve ser regulamentada de maneira coerente com o princípio de liberdade, presente em nosso ordenamento, quanto à sua constituição e de igualdade, também presente em nosso ordenamento, quanto à possibilidade de acesso a diferentes casais, independentemente de sua orientação sexual[58]. Seria entender que todas as famílias são livres e iguais, mas algumas são mais livres e iguais que outras, como na Fazenda dos Bichos de George Orwell, onde todos os bichos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros[59].

A abertura principiológica, relacionada aos direitos fundamentais, permitiria uma proteção de minorias contra decisões da maioria que as afetem de maneira antijurídica, de modo ínsito à democracia constitucional. A teoria constitucional em que se baseia nosso governo não é uma simples teoria da supremacia das maiorias. A Constituição destina-se a proteger os cidadãos (ou grupo de cidadãos) contra certas decisões que a maioria pode querer tomar, mesmo quando essa maioria age visando o que considera ser o interesse geral ou comum.

Não se poderia submeter a uma discussão de maioria a possibilidade ou não de casais homossexuais terem uma constituição familiar reconhecida pelo Direito. Esse reconhecimento já existiria como decorrência de uma interpretação adequada, voltada para a afirmação de pluralidade, igualdade e liberdade, que nada tem de meramente moral, tampouco pode ser retirada (ou negada) pela simples vontade da maioria[60].O direito à união estável homossexual já se encontraria garantido no ordenamento jurídico com base nos princípios elencados.

Reconhecer a possibilidade da união estável homossexual seria consequência da garantia da igualdade como forma de proteção da diferença e da diversidade, permitindo, por conseguinte, o exercício de um desenvolvimento livre de vida, inclusive quanto à possibilidade de escolha da forma de proteção jurídica às diversas formas de relacionamento existentes, algo já protegido e previsto em nosso ordenamento, como uma garantia contramajoritária à diferença, não sendo possível de se submeter a uma decisão política da maioria[61].

Nos votos individuais, vislumbramos argumentos como o da vedação da discriminação com base no sexo em razão da finalidade de promoção do bem de todos; a não vedação constitucional da constituição da União Homoafetiva; a liberdade de escolha sexual, com respeito a todos os projetos de vida, reconhecendo o cidadão como um ser livre e autônomo; a preferência e atividade sexual são tuteladas pelos direitos fundamentais à privacidade e à intimidade; princípios como liberdade, intimidade, dignidade e igualdade protegem ontologicamente o afeto e a vontade de convivência duradoura de uma família, independentemente de sua opção sexual, não cabendo a ninguém diferenciá-las, nem mesmo uma interpretação literal da Constituição[62].

Dimitri Dimoulis demonstra que as teses aventadas ilustravam como a largueza dos princípios fundamentais impõe a interpretação de normas concretas e excludentes de maneira que permitam a tutela dos direitos de todos, e a letra do art. 226 da Constituição[63] não pode matar o seu espírito, discriminando os homossexuais[64].

Isto posto, caberia ao judiciário, em sua função de garantia, como policymaker[65], através de um ativismo judicial, que não seria a mesma coisa que discricionariedades arbitrária, pois dentro das balizas da Constituição, proteger os direitos básicos do cidadão, conferindo igual similitude e legitimidade às uniões homoafetivas, através de uma interpretação extensiva do art. 1 da Constituição[66], que institucionaliza a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e do caput do art. 5[67], que veda discriminações e lesões à igualdade com base no sexo.

Streck entende que o fato de não existir um método que possa dar garantia à correção do processo interpretativo não dá azo para uma interpretação kelseniana de ausência de resposta correta, substituindo o texto pela interpretação de um sujeito solipsista, de acordo com sua vontade. Não é permitida a atribuição arbitrária de sentidos[68].

Os princípios são normas e têm um sentido deontológico. Os princípios não se constituem em álibis teóricos para suplantar problemas metodológicos oriundos da insuficiência das regras. Não dão, pois, mandados de otimização[69] ou postulados interpretativos[70]. Esta tese neoconstitucionalista é os efeitos colaterais do voluntarismo da jurisprudência dos valores, onde a ponderação se tornou o canal de legitimação de uma ampla discricionariedade[71].

É equivocado pensar que os princípios constitucionais representam a positivação de valores. O direito é um sistema de regras e princípios, onde ambos são normas. A diferença é que a regra está contida nos princípios. Na medida em que o mundo prático não pode ser dito no todo, porque sempre sobra algo, o princípio traz à tona o sentido que resulta desse ponto de encontro entre texto e realidade, em que um não subsiste sem o outro. A regra não subsiste sem o princípio. Do mesmo modo, não há princípio que possa ser aplicado sem o atravessamento de uma regra. O princípio desnuca a capa de sentido imposta pela regra, ele é a enunciação do que está enunciado[72].

A adoção do neoconstitucionalismo acarreta numa fábrica de princípios, o pan-principiologismo, também denunciado por Ferrajoli, para quem a “(…) proliferação de princípios não passa de argumentações morais, que conduzem inexoravelmente à fragilização do Direito[73]. Este é o maior problema da equiparação de princípios com valores, mostrando-se, em verdade, ser um sucedâneo dos princípios gerais do direito, vide o incontável elenco de princípios[74] utilizados largamente na cotidianidade dos tribunais e da doutrina, nítida pretensão retórico-corretiva, além de tautológica.

Ainda sobre princípios, o jurista gaúcho tece comentários sobre a proporcionalidade, no sentido de que ela não pode ser alçada à plenipotenciaridade principiológica, como uma metarregra para solução de problemas não resolvidos pelos demais princípios. A proporcionalidade deve estar presente, em princípio, em toda applicatio. Qualquer decisão deve obedecer uma equanimidade. O sentido da proporcionalidade divide-se em dois: Proibição de proteção excessiva e proibição de proteção insuficiente, e a desproporcionalidade decorreria da violação da isonomia ou da igualdade. O sentido da proporcionalidade somente poderá ser dado mediante a obediência da integridade e da coerência do direito, e não da subjetividade pura e simples do aplicador, ad hoc, afinal, o princípio da proporcionalidade não é instrumento para decisionismos[75].

4 CONCLUSÃO

Conforme exposto, a doutrina, de modo geral, se divide entre a hermenêutica filosófica, defendendo que apelar para um ativismo judicial seria apostar na bondade dos bons, ocasionando arbítrio judicial. D’outro lado, a vertente neoconstitucional aposta no judiciário, em sua atuação como policymaker, para colmatar as vicissitudes do Estado Democrático de Direito, imputando limites, mas em uma versão mais fluida e flexível, permitindo a Consertação da Executivização da Constituição e Fantochização da Política. Cabe ao leitor decidir qual versão adotar, afinal, diga-me qual sua concepção de Constituição e Interpretação tens, e te direi quem tu és.

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Notas de Rodapé

[1] Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Uppsala – Suécia. Doutor em Sociologia do Direito na disciplina de direitos humanos pela Universidade de Coimbra, sob orientação do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos. Pesquisador colaborador do Centro de Estudos Sociais CES – da Universidade de Coimbra no Núcleo, Democracia, Cidadania e Direito. Professor participante das atividades do programa doutoral: Human Rights in Contemporary Society do CES-Coimbra na unidade Curricular: History of Human Rights and North-South Divide. Professor Adjunto da UFMT. Professor efetivo do programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da UFMT na disciplina “direito das sociedades indígenas, novo constitucionalismo latino-americano, e pós-colonialismo. Diretor do Núcleo de Pesquisa MINGA – Novo constitucionalismo latino-americano, novas intersubjetividades e emancipação Social. Pesquisador membro do GPMSE (Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação) da Universidade Federal do Mato Grosso, Pesquisador colaborador do programa de Mestrado e Doutorado em Educação do IE da UFMT, membro do Grupo de Pesquisa “A Efetividade Dos Direitos Humanos” da Universidade Federal de Rio Grande (RS), pesquisador no grupo de pesquisa TEDEPES – Teoria do Direito, Educação Popular e Economia Solidária, do(a) Universidade do Estado de Mato Grosso, pesquisador no grupo de pesquisa Direitos dos Conhecimentos, do(a) Universidade Federal do Amazonas.

[2] Es Catedrática Acreditada de Filosofía del Derecho en la Universidad de Burgos (España). Es Directora del Departamento de Derecho Público. Es Coordinadora del Máster en Derecho de la Empresa y de los Negocios. Es Directora del Curso de Especialista en Mediación Familiar. Es Directora de Relaciones Internacionales y Cooperación del Grupo de Investigación “Minga. Constitucionalismo democrático latinoamericano, novas intersubjetividades e emancipação social” (Brasil).

[3] SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Op. cit., p. 74.

[4] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. Op. cit.

[5] BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Do direito social aos interesses transindividuais: o estado e o direito na ordem contemporânea. Op. cit.

[6] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit. p. 46.

[7] Idem, p. 48.

[8] Kelsen seria o maior exemplo deste positivismo normativista.

[9] Problema exposto quando tratamos das ideias de Ferrajoli.

[10] Discordamos desta ideia, posto que nem toda discricionariedade se localiza fora da moldura. Se balizada, esta discricionariedade é legítima, e não arbitrária.

[11] Para Bolzan, vivemos uma fantochização da política e executivização da Constituição, levando à máculas altamente lesivas, principalmente para as culturas minoritárias que não possuem voz ativa no jogo político, devendo o judiciário assumir sua função de garantia para a “concertação” do Estado Democrático de Direito, através da jurisprudencialização da Constituição (BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Crise do Estado, Constituição e Democracia Política: A “realização” da ordem constitucional em países “periféricos”. Op. cit., p. 21).

[12] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit. p. 46.

[13] Idem, p. 51.

[14] Para Streck, isto não é uma proposta simplista de judicialização da política e das relações sociais. TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2013. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 60-61.

[15] Idem, p. 59-60.

[16] Ideias discutidas no capítulo 2, sobre o neoconstitucionalismo.

[17] SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Op. cit., p. 74.

[18] ARAGÃO, Alexandre Santos de. As agências reguladoras independentes e a separação de poderes: uma contribuição da teoria dos ordenamentos setoriais. Op. cit.

[19] BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Crise do Estado, Constituição e Democracia Política: A “realização” da ordem constitucional em países “periféricos”. Op. cit., p. 21.

[20] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Op. cit., p. 317-318.

[21] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 61.

[22] Idem, p. 75-76.

[23] Idem, p. 77.

[24] Idem, p. 78.

[25] Como exposto no capítulo 1, sobre Kelsen, há autoresa que não sustentam esta visão. A discricionariedade em Kelsen seria feita a partir de certos limites, a moldura da Constituição.

[26] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit.

[27] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 79.

[28] A vertente neoconstitucional discorda deste pensamento, pois defende que o ativismo judicial é balizado pela moldura da Constituição. Ativismo e arbitrariedade seriam conceitos diferentes. Até certo ponto, o subjetivismo seria inevitável, o preço a se pagar para uma leitura pluralista, dúctil, e multicultural da Constituição.

[29] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 81.

[30] Idem, p. 84.

[31] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 118.

[32] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit.

[33] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 125-126.

[34] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit.

[35] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit. p. 127.

[36] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit. p. 128.

[37] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit., p. 31.

[38] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 129.

[39] Surge em 1905, na Alemanha, por meio de um de seus principais autores, Philipp Heck, em contraste à teoria do direito livre, encabeçada por Gustav Radbruch. Inclusive, a Heck é dada a autoria da palavra ponderação, no sentido hoje utilizado.

[40] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 132.

[41] Com isso a jurisprudência dos interesses negava a possibilidade de interpretação contra legem, presente no direito livre.

[42] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Op. cit.

[43] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 132.

[44] Idem, p. 132.

[45] Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Op. cit., p. 169.

[46] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit. p. 133-134.

[47] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit.

[48] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 136.

[49] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Op. cit., p. 63-64.

[50] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 136.

[51] Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Op. cit., p. 169.

[52] Cf. STRECK, Lenio Luiz. BARRETTO, Vicente de Paulo; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Ulisses e o canto das sereias: sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um “terceiro turno da constituinte”. Op. cit.; STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 167-168.

[53] BARROSO, Lui´s Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento juri´dico das relaço~es homoafetivas no Brasil. Revista Dia´logo Juri´dico, Salvador, n. 16, 2007. Disponi´vel em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/diferentes_iguais_lrbarroso.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2014.

[54] SARMENTO, Daniel. Casamento e União Estável entre Pessoas dos Mesmo Sexo: Perspectivas Constitucionais. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flavia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro. Lumen Iuris, 2010. p. 661.

[55] BOLZAN DE MORAIS, Jose´ Luis. A jurisprudencializaça~o da Constituiça~o. A construça~o jurisdicional do Estado Democra´tico de Direito. Op. cit.

[56] BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. A democracia dos modernos. Crise de representação e novas formas e lugares para as práticas democráticas. Op. cit.

[57] MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. Interpretar a Constituição não é ativismo judicial (ou “ADPF 132 e ADPF 178 buscam uma interpretação adequada de direitos já existentes na Constituição”. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=554>. Acesso em: 09 jan. 2015.

[58] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Op. cit., p.256-257.

[59] ORWELL, George. A revolução dos bichos. São Paulo: Globo, 1994.

[60] MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. Interpretar a Constituição não é ativismo judicial (ou “ADPF 132 e ADPF 178 buscam uma interpretação adequada de direitos já existentes na Constituição”. Op. cit., p. 4.

[61] Idem, p. 8-9.

[62] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). ADI 4277/DF. Rel. Min. Ayres Brito, j. em 05.05.2011, DJ de 14.10.2011.

[63]Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Cf. BRASIL. Constituiça~o (1988). Constituiça~o da Repu´blica Federativa do Brasil. Brasi´lia, 05.10.1988. Disponi´vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 20 ago. 2014.

[64] DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a união de pessoas do mesmo sexo. In: FILHO, Robério Nunes dos Anjos (Org.). STF e Direitos Fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 145.

[65] BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Crise do Estado, Constituição e Democracia Política: A “realização” da ordem constitucional em países “periféricos”. Op. cit., p. 21.

[66] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana. BRASIL. Constituiça~o (1988). Constituiça~o da Repu´blica Federativa do Brasil. Brasi´lia, 05.10.1988. Disponi´vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 11 dez. 2014.

[67]Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. BRASIL. Constituiça~o (1988). Constituiça~o da Repu´blica Federativa do Brasil. Brasi´lia, 05.10.1988. Disponi´vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 11 dez. 2014.

[68] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 168.

[69] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Op. cit. p.

[70] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Op. cit.

[71] Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Op. cit.

[72] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit., p. 170.

[73] Cf. FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Op. cit., p. 37.

[74]Veja-se, nesse sentido, o incontável elenco de “princípios” utilizados largamente na cotidianidade dos tribunais e da doutrina – a maioria deles com nítida pretensão retórico-corretiva, além da tautologia que os conforma. Podem ser citados o princípio da simetria (menos um princípio de validade geral e mais um mecanismo ad hoc de resolução de controvérsias que tratam da discussão de competências), princípio da precaução (nada mais, nada menos que a institucionalização de uma tautologia jurídica; afinal, por que a “precaução” – que poderíamos derivar da velha prudência – seria um “princípio”?), princípio da não surpresa (não passa de um enunciado com pretensões performativas, sem qualquer normatividade; de que forma uma demanda é resolvida utilizando o princípio da não surpresa?); princípio da confiança (trata-se, nada mais, nada menos, do que a possibilidade do direito manter a sua força deontológica, o que, registre-se, é muito bom; mas, a historicidade do direito já não demanda essa compreensão do intérprete?); princípio da absoluta prioridade dos direitos da Criança e do Adolescente (interessante nesse standard retórico é a expressão “absoluta”…); princípio da afetividade: (esse prêt-à-portêr nada mais faz do que escancarar a compreensão do direito como subsidiário a juízos morais; daí a perplexidade: se os princípios constitucionais são deontológicos, como retirar da “afetividade” essa dimensão normativa?; princípio do processo tempestivo (mais uma amostra de uma “principiologia” ad hoc e sem limites, que confunde meros argumentos ou pontos de vista com princípios jurídicos); princípio da ubiquidade (um simples exame na legislação ambiental e na Constituição, assim como em regulamentos dos mais variados acerca da preservação do meio ambiente, aponta para a existência de diferentes modos de proteção ao meio ambiente, inclusive no que tange à relação entre causa e efeito, para dizer o menos); princípio do fato consumado (ora, se por vezes uma situação já consolidada deve ser mantida – fazendo soçobrar a “suficiência ôntica” de determina regra – isso não transforma a “consumação” de um fato em padrão que deva ser utilizado “em princípio”; fosse válido esse “princípio”, estaríamos diante de um incentivo ao não cumprimento das leis, apostando na passagem do tempo ou na ineficiência da justiça); princípio do deduzido e do dedutível (basta aqui lembrar que de há muito a filosofia – inundada que foi pela linguagem – superou o “dedutivismo”; numa palavra e admitida, ad argumentandum tantum a “validade” do aludido princípio, ficaria ainda a pergunta: nos demais raciocínios/interpretações não se fariam “deduções”?); princípio da instrumentalidade processual (trata-se de uma clara herança da filosofia da consciência e de uma leitura equivocada das teses de Von Büllow); princípio da alteridade (em termos normativos, em que circunstância essa alteridade, representada pelo “colocar-se no lugar do outro” pode resolver o problema da aplicação de um preceito constitucional?); princípio da cooperação processual (aqui, cabe a mais singela pergunta: em que condições um standard desse quilate pode ser efetivamente aplicado? Há sanções no caso de “não cooperação”? Qual será a ilegalidade ou inconstitucionalidade decorrente da sua não aplicação?); princípio da confiança no juiz da causa (serve para justificar qualquer decisão: para manter alguém preso e para soltar); princípio da humanidade (esse standard dispensa comentários, pela sua simploriedade); princípio do autogoverno da magistratura (trata-se de uma clara tautologia em relação à autonomia administrativa e financeira assegurada pela Constituição ao Poder Judiciário)? princípio da situação excepcional consolidada (está no Top Five do pamprincipiologismo que assola o direito de terrae brasilis; cabe a pergunta: um fato consumado supera uma prescrição normativa? Quem vai eleger as circunstâncias excepcionais? O Judiciário? Pensando-se num caráter de “universalização do princípio” ou na sua importância hermenêutica, surge, ainda, a seguinte indagação: quando se poderia reconhecer a normatividade da situação excepcional consolidada? Não poderia ela sempre ser reconhecida quando se pretende uma desoneração da força normativa da Constituição?); princípio da felicidade (neste ponto o direito brasileiro se torna insuperável. Por esse standard, a Constituição garante o direito de todos serem felizes…); princípio lógico do processo civil (se isso é um princípio, a pergunta que se põe é: o que não é um “princípio”?); princípio da elasticidade ou adaptabilidade processual (mais um “princípio” ensejador do protagonismo/ativismo judicial); princípio da inalterabilidade ou da invariabilidade da sentença (um breve exame do Código de Processo Civil aponta claramente para essa garantia; parece evidente que uma sentença, depois de publicada, não pode ser alterada. Por que esse princípio daria essa “segurança” ao utente?); princípio da adequação (em que circunstância esse princípio poderia ser aplicado com caráter de normatividade? E como ele seria/será aplicado? A “escolha” é do juiz? E de que modo se poderia recorrer da violação do aludido princípio?).

Efetivamente, a lista é longa. Diria, interminável. Poder-se-ia acrescentar outros, como o da rotatividade, o lógico, o econômico, da gratuidade judiciária, da aderência ao território, da recursividade, do debate, da celeridade, da preclusão, da preferibilidade do rito ordinário, da finalidade, da busca da verdade, da livre admissibilidade da prova, da comunhão da prova, da avaliação da prova, da imediatidade, da sucumbência, da invariabilidade da sentença, da eventualidade, da ordenação legal, da utilidade, da inalterabilidade, do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo, da elasticidade, da adequação do procedimento, para citar apenas estes.

Desnecessário também elencar os princípios já consolidados no senso comum teórico, como o do livre convencimento do juiz, da íntima convicção e da verdade real, os quais se colocam na contramão dos avanços proporcionados pela viragem linguística. Os citados “princípios” nada mais são do que a confissão da prevalência do esquema sujeito-objeto. Por isso a desnecessidade de uma crítica mais alongada”. (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Op. cit. p. 171-174)

[75] Idem, p. 175.