O Sistema de Seguridade Social no Brasil como Importante Alicerce para a Efetivação dos Direitos Sociais

THE BRAZILIAN SOCIAL SECURITY SYSTEM AS AN IMPORTANT base to the effectuation of the social rights

Miguel Horvath Júnior[1]

Aline Fagundes dos Santos[2]

Resumo: Com o advento da Constituição Federal de 1988, os direitos sociais foram guindados à categoria de autênticos direitos fundamentais. Neste contexto, a fim de concretizar o texto constitucional, foi inserida a seguridade social, englobando a proteção da saúde, previdência e assistência social. A seguridade social enquanto política pública que utiliza método de economia coletiva é instrumento vital para a efetivação da proteção social e da dignidade da pessoa humana, pois representa um mínimo existencial indispensável à sua manutenção. A concretização do sistema de seguridade social esbarra na reserva do possível e na limitação orçamentária do país. No momento da efetivação da seguridade social enquanto política pública tem-se percebido a ocorrência de alguns fenômenos como baixa politização e acentuada judicialização. Na tentativa de discutir este fenômeno propõe-se o tema da concretização da seguridade social como alicerce para a efetivação dos direitos sociais no Brasil. A proposta metodológica é a pesquisa bibliográfica e documental para atender a esta inquietação: Esse deslocamento de demandas da seguridade social dos Poderes Legislativo e Executivo, para a solução individual via Poder Judiciário, não compromete a sua efetividade como direito fundamental, tendo em vista tratar-se de direitos sociais que devem ser atendidos a nível coletivo, a partir de escolhas políticas? Entende-se que a concretização da seguridade social via Poder Judiciário pode comprometer a oferta da proteção social a toda a população, o que deve ser objeto de reflexão, tendo em conta o princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Direitos sociais; Seguridade social; Efetividade; Políticas Públicas; Judicialização.

Abstract: With the advent of the 1988 Federal Constitution, the social rights were highed to authentic fundamental rights category. In this context, with the intention of concretizing the Constitution, the Social Security System was inserted, comprehending the protection to health, social security and assistence. The Social Security as a public policy which uses a method of collective economy is a vital instrument to effectiveness of the social protection and human dignity, due to its representation of a minimum indispensable to its maintenance. The concretization of the Social Security System is near the reserve and the budget limit of the country. In the momento of effectuation of the Social Security as a public policy is noteceable the occurence of some phenomenons as the low politicization and the precise judicialization. In an attempt to discuss this phenomenon, it is proposed the concretizing theme of the social security as a base to the effectuation of the social rights in Brazil. The methodological proposal is the bibliographical and documental researches in order to attend the following concerning: Does the demands displacement of the social security of the Legislative and Executive to the individual solution through Judiciary compromisse its effectivenessas a fundamental right, considering they are social rights which must be attended in a collective level from politics choices? It is understood that the concretization of the social security through Judiciary can compromise the offering of these protections to all the population,what needs to na object of reflection, considering the principle of the human dignity.

Keywords: Social Rights; Social Security; Efectiveness; Public Policies, Judicialization.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema central a análise do sistema de seguridade social no Brasil, com uma breve abordagem das áreas que o compõem, saúde, previdência e assistência social, bem como a importância destes direitos para a efetividade dos direitos sociais no país e consequentemente a proteção integral da pessoa humana, garantindo-se a sua dignidade.

O objetivo é realizar uma análise crítica dos direitos sociais no Brasil, em especial daqueles abrangidos pelo sistema de seguridade social, desde o advento da Constituição Federal de 1988, abordando a sua posição no cenário jurídico atual, bem como o tratamento recebimento pelos poderes constituídos, (legislativo, executivo e judiciário), ao longo dos anos.

Para a efetivação de tal proposta, trabalhar-se-á com dados secundários advindos de pesquisa documental e também bibliográfica junto aos trabalhos científicos publicados sobre a temática dos direitos sociais, tendo como base as obras de Piovesan (2003), Streck (2002) e Sarlet (2009), estudos pertinentes à seguridade social, realizados por Balera, (2015) e Horvath Júnior (2014), e ainda de debates sobre o mínimo existencial, e a reserva do possível, travados por Krell (2002), Galdino (2002), e Torres (2002), bem como da análise conferida ao tema pelo Supremo Tribunal Federal.

A fim de orientar a temática partir-se-á dos seguintes questionamentos: Os direitos que compõem a seguridade social no Brasil (saúde, previdência e assistência), receberam qual status após a Constituição Federal de 1988? Atualmente, o deslocamento de demandas envolvendo a seguridade social, que deve se concretizar através de políticas públicas no país, a cargo dos Poderes Legislativo e Executivo primeiramente, para o Poder Judiciário não compromete a sua efetividade como direitos fundamentais, tendo em vista tratar-se de direitos sociais que devem ser atendidos a nível coletivo, a partir de escolhas políticas?

Com o intuito de alcançar o objetivo proposto e responder as questões elencadas, o trabalho apresentado seguirá em quatro partes distintas, sendo a primeira delas a abordagem sobre o caráter fundamental dos direitos sociais no Brasil, após a Constituição Federal de 1988.

No segundo tópico desenvolver-se-á a temática em torno da seguridade social na nova ordem constitucional vigente a partir de 1988, abordando-se características específicas de saúde, previdência e assistência social, bem como algumas de suas principais especificidades.

Na terceira parte do trabalho analisar-se-á a questão que envolve a dignidade da pessoa humana e a efetividade da seguridade social, a partir de conceitos de mínimo existencial e reserva do possível, a fim de identificar o ponto de equilíbrio e também o entendimento do Poder Judiciário.

Na parte final deste ensaio abordar-se-á a situação hodierna que envolve a seguridade social no país em face do nível de politização extremamente baixo, o que acarreta a judicialização crescente e exponencial dos conflitos envolvendo os direitos sociais visando a sua concretização.

Desta forma, o debate se faz necessário.

1 OS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: DE FAVOR A DIREITO FUNDAMENTAL

A Constituição Federal de 1988 representa o encontro do Brasil com a democracia, sendo que seu texto contempla também um vasto catálogo de direitos fundamentais, com inúmeros postulados que visam garantir o desenvolvimento integral do cidadão, com a proteção de direitos civis e políticos, como também de direitos econômicos, sociais e culturais seguindo as mais novas tendências internacionais de proteção dos direitos do homem fruto da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

Neste sentido, Piovesan et al., (2003, p. 92) destacam que a (DUDH) inovou em afirmar que os direitos humanos compõem uma “unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada”, e por isso combina o discurso liberal da cidadania com o discurso social, afirmando que tanto os direitos civis e políticos, como também os direitos econômicos, sociais e culturais hão de ser protegidos.

A partir daí, com o objetivo de conferir efetividade ao texto da (DUDH), foram desenvolvidos dois Pactos de Direitos, o primeiro deles, relativo aos direitos civis e políticos, e o segundo, referente aos direitos econômicos, sociais e culturais, ratificados pelo Brasil através do Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991, e promulgados pelos Decretos 591 e 592, ambos de 06.07.1992.

Sob este viés, Trindade (1997, p. 379) chama a atenção que os dois Pactos firmados pela comunidade internacional, relativos à proteção dos direitos humanos possuem o mesmo valor, e que todos os direitos ali assegurados, têm a mesma força normativa, pois tratam de direitos primeiramente humanos:

Com efeito, a denegação ou violação dos direitos econômicos, sociais e culturais, materializada, e.g., na pobreza extrema, afeta os seres humanos em todas as esferas de suas vidas (inclusive civil e política), revelando assim de modo marcante a interrelação ou indivisibilidade de seus direitos. A pobreza extrema constitui, em última análise, a negação de todos os direitos humanos. Como falar de direito de livre expressão sem o direito à educação? Como conceber o direito de ir e vir (liberdade de movimento) sem o direito à moradia? Como contemplar o direito de participação na vida pública sem o direito à alimentação? Como referir-se ao direito à assistência judiciária sem ao mesmo tempo ter presente à saúde? E os exemplos se multiplicam. Em definitivo, todos experimentamos a indivisibilidade dos direitos humanos no quotidiano de nossas vidas: é esta uma realidade inescapável. Já não há lugar para compartimentalizações, impõe-se uma visão integrada de todos os direitos humanos.

Assim, sob este cenário, o texto constitucional de 1988 em completo acordo com os direitos humanos já reconhecidos a nível internacional, (DUDH, e os dois Planos Internacionais), teve como principal tarefa, organizar estas proteções através de direitos fundamentais, com o intuito de proteger integralmente a dignidade da pessoa humana, elencada inclusive como um dos fundamentos do Estado brasileiro.

Sob esta ótica, Streck (2002, p. 358), assevera que a nova constituição, advinda em 1988, após um longo processo de elaboração, veio atender os anseios da sociedade de massa, eis que contempla uma enorme gama de direitos fundamentais, como nunca antes ocorrido no Brasil:

O texto desse complexo processo sem dúvida representou o mais avançado texto jurídico – político já produzido na história do Brasil. Inspirado nas Constituições do segundo-pós-guerra, o texto da Constituição de 1988, filia-se ao constitucionalismo dirigente, compromissário e social, que tão bons frutos renderam nos países em que foi implantado. O catálogo de direitos fundamentais, os direitos sociais, as ações constitucionais, enfim tudo o que havia sido reivindicado pela sociedade no processo constituinte foi positivado. A Constituição Federal estabelece, já de início, que o Brasil é uma República que se constitui em um Estado Democrático de Direito, trazendo explicitamente seus objetivos de construir uma sociedade mais justa, com a erradicação da pobreza, cumprindo com as promessas da modernidade.

Neste modelo, a Constituição Federal de 1988 surgiu com grandes avanços em relação a garantias e direitos fundamentais, com a proteção de camadas mais vulneráveis da sociedade civil, sendo que passou a ser conhecida como a Constituição cidadã, onde os direitos humanos na sua integralidade ganharam relevo de forma surpreendente, como nunca antes visto em nosso país.

Desta forma, o legislador, após instituir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, no art. 1º, esclareceu alguns dos objetivos do país, no art. 3º, dentre eles o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais”; e logo após, no título II, nomeou um vasto rol de direitos fundamentais[3], dividindo-os em cinco capítulos, conforme suas especificidades: I – Dos direitos e deveres individuais e coletivos; II – Dos direito sociais; III – Da nacionalidade; IV – Dos direitos políticos; e V – Dos partidos políticos.

Neste sentido, as principais críticas que se travaram ao longo dos anos, a respeito dos direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988, relacionavam-se aos direitos sociais, sendo que duas correntes destacaram-se, a primeira delas de juristas e políticos conservadores, que criticavam o caráter dirigente do texto, e condenavam a “inflação de direitos”, principalmente através da extensão dos direitos sociais, e outra, contrária, que adotava uma posição “socialmente progressista”, que reclamava da falta de efetivação dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais (DIMOULIS, 2007, p. 37).

Analisando a questão Sarlet (2009, p. 66), assevera que a inclusão dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio, no catálogo de direitos fundamentais, revela de “forma incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais”, tendo em vista que nas constituições anteriores do país, tais direitos, estiveram sempre incluídos no capítulo pertinente a ordem econômica e social, sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido caráter meramente programático.

Da mesma forma, Piovesan (2003, p. 94), esclarece que:

Em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitivamente afastada a equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos direitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece qualquer reconhecimento. A ideia da não-acionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não científica. Sob a ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais.

Sendo assim, a partir destes questionamentos e posicionamentos, os direitos fundamentais sociais passaram, no decorrer dos anos, pós Constituição Federal de 1998, ser respeitados e interpretados sob o manto da fundamentalidade, principalmente por parte do Poder Judiciário, quando por inúmeras vezes, provocado sobre o tema, superando-se a ideia de que tais prestações configuram favor ou esmola a ser conferida a uma parte da população, sendo que os mesmos devem ser reconhecidos como autênticos e verdadeiros direitos fundamentais.

2 A SEGURIDADE SOCIAL NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL DE 1988: SAÚDE, ASSISTÊNCIA SOCIAL E PREVIDÊNCIA

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, o direito a previdência social no Brasil recebeu o status de direito fundamental social, integrando juntamente com o direito a saúde e a assistência social, o tripé que compõe a seguridade social. Neste cenário cada um dos três direitos corresponde a uma parcela elementar de proteção social, que tem como objetivo último proteger e garantir a dignidade da pessoa humana.

Assim, sob este cenário que desde 1988, se desenvolveu a seguridade social no país, agora com status jurídico de direito humano fundamental, sob a responsabilidade do Estado e da sociedade, não constituindo mais um favor ou esmola, que viesse a socorrer os que não podiam arcar com as necessidades de ordem econômica, social ou cultural, (HERKENHOFF, 2000, p. 88).

Neste contexto torna-se imperioso ressaltar a diferença entre proteção social e seguridade social, o que se faz com apoio na obra de Balera, (2015, p. 45), eis que o autor adverte que não se pode confundir os dois institutos, tendo em vista que protegem direitos distintos, sendo que para ele o termo seguridade social está associado aos direitos sociais relativos às áreas da saúde, previdência e assistência social, enquanto que a proteção social tem conceito mais elástico, compreendendo qualquer direito social.

Ibrahim (2015, p. 5), explica que a seguridade social pode ser conceituada como uma rede de proteção formada pelo Estado e pelos particulares, através de contribuição de todos, incluindo inclusive aquela dos próprios beneficiários dos direitos, no sentido de criar ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando-se assim um padrão mínimo de vida digna.

Neste sentido, a seguridade social, prevista na Constituição Federal de 1988, tem como característica marcante a universalidade:

Com a promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, o sistema de proteção social no Brasil passou por uma significativa alteração. A mudança promovida pela Constituição não é meramente semântica, mas implicou na alteração dos valores e do alcance da proteção social no Brasil. O sistema de proteção passou a ser universal, sendo regido, dentre outros, pelo princípio da universalidade da cobertura e do atendimento. (HORVATH JUNIOR, 2014, p. 64)

O princípio da universalidade, por sua vez vem descrito no inc. I, do art. 194, da Constituição Federal de 1988, desdobrando-se no que diz respeito à cobertura e ao atendimento da população, ou seja, o legislador originário teve por intenção, ampliar o âmbito de proteção, tornando-o acessível a todos.

Todavia, adverte-se que o princípio da universalidade apresenta duas facetas: uma objetiva (universalidade da cobertura), e, outra subjetiva (universalidade do atendimento), eis que na primeira, a intenção do legislador é a de tentar cobrir o maior número de riscos e necessidades sociais que forem possíveis, enquanto que na segunda, a intenção é a de proteger todos os indivíduos que estejam em alguma situação de necessidade (BALERA, 2015, p. 84-86).

Contudo, cada umas das três áreas de proteção social, a que se destina a seguridade social, apresentam características próprias que permitem em maior ou menor medida o implemento do princípio constitucional da universalidade, seja no que diz respeito à cobertura ou ao atendimento da população.

Assim, analisando-se as áreas que envolvem a seguridade social, destaca-se primeiramente, o direito à saúde, que passou por uma considerável reformulação, pois ingressou no texto constitucional de 1988, não somente com o status de direito fundamental, como ainda com o objetivo de alcançar a universalidade de forma integral, eis que o art. 196, daquele diploma assevera que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.

Dentro desta temática, o direito à saúde, conforme explica Sarlet (2009, p. 66), além de representar um importante direito social, também é um direito referencial, “no sentido de ser um direito subjetivo individual a prestações materiais”, devendo constar em qualquer Constituição de um Estado Social ou não, que inclua como seus valores essenciais a humanidade e a justiça.

Desta maneira, no intuito de implementar tal direito social, o constituinte originário previu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo este financiado com recursos dos orçamentos da Seguridade Social, da União, dos Estados e Distrito Federal, e dos Municípios, para atender demandas que venham a promover, proteger e recuperar a saúde da população, independentemente de qualquer contraprestação direta por parte dos atendidos.

No tocante a assistência social, ocorreu o que se chama de revolução paradigmática, eis que o legislador constitucional, não somente trouxe ao mundo jurídico uma proteção social indispensável aos desamparados, e que por muito tempo fora tratada no país como caridade, como ainda conferiu o direito a uma política pública jamais vista no cenário nacional, prevendo a concessão do benefício de amparo assistencial, que posteriormente foi regulamentado pela Lei Federal 8.742/1993.

Moro menciona a importância de tal prestação num Estado Democrático:

(…) direitos como o do benefício assistencial transcendem os objetivos usuais de política redistributiva ou assistencialista, visando não somente a promover a igualdade ou a suprir as necessidades materiais, mas também propiciar aos necessitados as condições reais de participação na vida política e social, o que é imperativo em regime democrático. (2003, p. 158)

Conforme o previsto no art. 203, da Constituição Federal de 1988, também constituem objetivos da assistência social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.

Por último, compondo o tripé de proteção social, a partir do sistema de seguridade social, tem-se a previdência social, organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, conforme art. 201, da CF/1988, e que tem por objetivo a proteção da população em situações de risco social, alguns deles previamente definidos pelo legislador originário, como doença, invalidez, morte, idade avançada, maternidade com especial proteção à gestante, trabalhador em situação de desemprego involuntário e a família de segurados de baixa renda, no caso de reclusão.

Em relação a estes riscos, o legislador constitucional, adotou o princípio da seletividade, e por conta de razões de ordem econômica acabou delimitando o rol de prestações mínimas a serem asseguradas, fazendo constar, o que no seu entendimento era indispensável naquele momento (1988) à proteção da dignidade da pessoa humana.

Desta forma é importante lembrar que:

(…) o legislador seleciona as prestações que serão asseguradas. Trata-se de opção legislativa de natureza política pendente da investigação das necessidades reais da comunidade e das possibilidades financeiras da respectiva implementação. Podemos dizer que estamos diante do binômio necessidade-possibilidade, cabendo à seleção ao legislador, destinatário da norma. (BALERA; ANDREUCCI, 2007, p. 41-42)

Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, e o reconhecimento dos direitos sociais como verdadeiros direitos fundamentais, com o advento do Estado Democrático de Direito opera-se no país “a vontade constitucional de realização do Estado Social”, constituindo assim “um plus normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social de Direito” (STRECK, 2009, p. 35).

Neste contexto, a seguridade social como conformada na Constituição da República Federativa do Brasil passa a ser importante pilar de efetivação do Estado Social. Pilar este, passível de expansão conforme o surgimento de novas necessidades sociais e a possibilidade econômica da expansão do sistema de proteção social (regra da contrapartida).

3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A EFETIVAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: DO MÍNIMO EXISTENCIAL À RESERVA DO POSSÍVEL

A efetivação de direitos sociais, com a instrumentalização da seguridade social, contribui para o fortalecimento da dignidade da pessoa humana, pois visa atender necessidades humanas básicas, indispensáveis para a existência digna de qualquer indivíduo, representando assim um mínimo existencial a ser perseguido por parte do Estado.

Neste sentido, Citadino (1999, p. 13), assevera que a dignidade da pessoa humana, representada na realização dos direitos fundamentais sociais é um valor essencial que dá sentido a própria Constituição Federal, sendo que o legislador orientou a compreensão e interpretação do ordenamento constitucional, pautado pelo critério do sistema de direitos fundamentais.

De outra banda, o atendimento do princípio da dignidade da pessoa é um objetivo da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, através de um texto denso de valores, princípios e regras voltados para a transformação das estruturas econômicas e sociais visando à implantação das políticas do Welfare State, conforme destaca Streck (2002, p. 32).

Por outro lado, para Barroso (2009, p. 253), o princípio da dignidade da pessoa humana insculpido na Constituição Federal de 1988, demarca o sentido nuclear que os direitos fundamentais possuem no texto, sendo que seu âmbito de proteção contempla o mínimo existencial, o qual se compõe de um conjunto de bens e utilidades básicas indispensáveis para o desfrute de outros direitos fundamentais.

Desta forma, o mínimo existencial, exposto na Constituição Federal de 1988 pode ser explicado como aquele “padrão mínimo social”, para uma sobrevivência digna, o que para Krell (2002, p. 63), incluirá sempre um atendimento básico e eficiente de saúde, o acesso a uma alimentação básica e a vestimentas, dentre outras proteções, que irão variar de país para país.

No tocante à seguridade social:

Os sistemas de seguridade social têm por objetivo único a erradicação das necessidades sociais, assegurando a cada um dos integrantes da comunidade o mínimo essencial para a vida em comunidade, tendo seus recursos geridos por órgãos públicos. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social. (HORVATH JÚNIOR, 2014, p. 90)

Neste sentido, percebe-se que por conta de razões econômicas, a prestação deste mínimo existencial, pode em algumas situações, dar-se abaixo das expectativas da população, sendo que muitas vezes o Poder Público condiciona a implementação destes direitos ao fluxo orçamentário do país, o que explica a inefetividade das prestações envolvidas no âmbito da seguridade social (saúde, assistência social e previdência), especificamente.

Contudo, o texto constitucional é claro ao garantir o status de direito constitucional fundamental a todos os direitos sociais, sem nenhuma exceção, tendo em vista o mínimo existencial, o que deve garantir a sua efetividade perante os poderes públicos:

O problema actual dos “direitos sociais” ou direitos a prestações em sentido restrito está em levarmos a sério o reconhecimento constitucional de direitos como o direito ao trabalho, o direito a saúde, o direito a educação, o direito a cultura, o direito ao ambiente. Independentemente das dificuldades (reais) que suscita um tipo de direitos subjectivos onde falta a capacidade jurídica poder (= jurídico, competência) para obter a sua efectivação prática (= accionabilidade). (CANOTILHO, p. 2004, p. 51)

Bobbio (2004, p. 66-67) destaca que a questão dos direitos sociais, está relacionada ao fato de tais direitos exigirem para sua realização prática, para se tornarem reais de fato, para passarem de uma declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, uma conduta ativa do Estado, diferentemente do que ocorreu com os direitos de liberdade, que surgiram para limitar o poder dos governantes, e por consequência exigiam apenas uma conduta de abstenção.

Entretanto Galdino (2002, p. 197), defende que os direitos sociais devem ser tutelados a partir das possibilidades econômicas do país, tendo em vista os altos custos de tais proteções, sendo que tempo e o lugar – definem as prioridades das comunidades, determinando o que seja o direito, residindo aí o problema fundamental quanto ao tema: a escassez de recursos.

Desta forma, diante da falta de condições econômicas para assegurar todos os direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988, através do sistema de seguridade social, na sua integralidade, o legislador e o gestor da máquina pública, se veem diariamente obrigados a sopesar direitos, na busca de atender da melhor forma possível toda a população.

Torres (2002) explica:

As políticas públicas desenham-se a partir da ponderação de princípios, com vista à prevalência de certos interesses. Nas opções orçamentárias, por exemplo, é flagrante a necessidade de o legislador sopesar valores como os da justiça ou da segurança e princípios como os da soberania, dignidade humana ou livre iniciativa, a fim de financiar as políticas públicas que atendam a interesses como saúde, educação, cultura, desenvolvimento econômico, etc. O planejamento administrativo hoje é visto por muitos como campo propício para a ponderação. (p. 439)

Vale lembrar ainda que a realização ou não de um direito, principalmente de cunho social, está vinculada a prévia existência de recursos (regra do prévio custeio), devendo neste aspecto observar a reserva do possível, expressão utilizada pelo Tribunal Constitucional Alemão, e que dela decorre que o Estado, mesmo possuindo recursos financeiros somente estaria vinculado a prestar um direito dentro do razoável.

A reserva do possível é princípio aplicável na legislação alemã, e que posteriormente foi importado para o Brasil, todavia aqui aplicada de forma equivocada, pois por muito tempo foi utilizada pelo Estado como argumento de limitação orçamentária para a restrição de direitos fundamentais, principalmente os de cunho social (KRELL, 2002, p. 52).

Todavia o STF já decidiu que tal argumento somente é possível de ser utilizado, quando ocorrer efetiva comprovação por parte do Estado da falta de condições para oferecer tais direitos ao cidadão:

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência[4].

Desenvolvendo esta ideia Galdino (2002, p. 195-196), assevera que “tomar os direitos a sério significa tomar a sério a escassez dos recursos”, ou seja, é tarefa do administrador público gerenciar de forma correta as finanças para o atendimento dos direitos sociais, dentro das reais possibilidades de cada ente, atendendo assim o princípio da reserva do possível.

O Estado por sua vez tem o dever de implementar políticas públicas, como forma de resgate das promessas não cumpridas da modernidade, algo que vem explícito no texto constitucional de 1988, através de diversas regras e princípios, oferecendo com isto melhores condições de vida a toda comunidade, com a proteção em específico de demandas que envolvem a seguridade social social.

Por sua vez Ohlweiler (2008, p. 323), lembra que é necessário que as políticas públicas, implementadas pelos administradores do país, sejam “sérias, capazes de levar os cidadãos para uma instância de autonomização, na qual eles possam acontecer como cidadãos, com-os-outros cidadãos e na sociedade democrática”.

4 A CONCRETIZAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: DA BAIXA POLITIZAÇÃO À ACENTUADA JUDICIALIZAÇÃO

Neste cenário, um dos grandes problemas da seguridade social, em todas as suas áreas, seja saúde, assistência social ou previdência, diz respeito à insuficiência do Poder Legislativo, em adequar as propostas constitucionais à realidade da sociedade brasileira, o que consequentemente acaba ocasionando outro grande problema que é a judicialização dos direitos sociais.

A falta de uma agenda permanente de discussão sobre os direitos sociais (baixa politização), principalmente daqueles pertinentes a seguridade social, junto ao Congresso Nacional com representantes da sociedade, impede um tratamento político e preventivo sobre o tema, fazendo com que haja uma pressão social junto ao Poder Judiciário com a postulação de demandas individuais, ou seja, ao invés de ocorrer um atendimento coletivo (campo político) ocorre um atendimento individual (campo jurídico) de tais prestações.

O Estado brasileiro para conferir efetividade aos direitos da seguridade social, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, necessita adotar uma agenda política consciente, para o devido debate sobre os temas complexos que envolvem saúde, assistência social e previdência no país, com atenção para assuntos urgentes, como o envelhecimento da população, custo dos direitos sociais, novas tecnologias no campo médico, pobreza extrema e baixa da queda de fecundidade no país, pois todos impactam diretamente neste sistema de proteção, e não são e nem devem ser debatidos na via judicial, pois fazem parte de escolhas políticas da sociedade.

Neste contexto, é preciso, por exemplo, a discussão sobre em que medida a saúde será ofertada no país, levando-se em conta as escolhas constitucionais (promoção, prevenção e recuperação), tendo em vista o aumento da expectativa de vida da população brasileira nas últimas décadas, da mesma forma e pelo mesmo motivo é urgente também o debate sobre o sistema de previdência social do país, e uma possível reforma, para que as próximas gerações tenham no futuro a garantia ao menos de uma proteção mínima, como também da mesma forma é necessário o debate sobre as políticas públicas assistenciais, a fim de que as mesmas possam garantir efetivamente a cidadania de seus usuários, e não sirvam apenas para moeda de troca, entre dominantes e dominados.

Desta forma, todo este debate apontado se faz no campo político, por isso a necessidade de politização dos direitos sociais, para se evitar a sua judicialização excessiva, tendo em vista que no campo jurídico o atendimento é e deve ser individual, o julgador não está vinculado, por exemplo, as próximas gerações.

Contudo, diante da ineficiência do Estado na prestação e atendimento de tais proteções, se vê que a dignidade humana de milhões de brasileiros vem sendo desconsiderada devido muitas vezes à negação completa de direitos sociais, os quais o legislador originário consagrou no texto constitucional, e lhes garantiu fundamentalidade.

Assim, vários são os motivos para o não oferecimento ou baixo oferecimento dos direitos contemplados pela seguridade social à população, desde a falta de legislação infraconstitucional necessária regulando estas prestações ou ampliando-as, como também a própria falha do Poder Executivo na implementação de políticas públicas capazes de garantir esses bens indispensáveis ao desenvolvimento e a própria manutenção da dignidade humana, valor consagrado no texto constitucional.

Desta forma, devido à crise do Estado brasileiro, frente à negação de inúmeros direitos sociais aos cidadãos, devidamente instituídos pela Constituição Federal, pergunta-se como “(começar a) resgatar essa imensa dívida social?” (STRECK, 2002, p. 80).

O fato hoje é que existe uma crise de legalidade no país, uma vez que a própria Constituição Federal de 1988 deixa de ser cumprida, diante da latente inefetividade de seu texto, em vários aspectos, não somente no que trata dos direitos fundamentais, como também do próprio gerenciamento do Estado por seus governantes.

Assim, em decorrência da ineficiência do Estado quanto às questões pertinentes aos direitos fundamentais sociais, sempre que ocorre a violação de algum direito pertinente à seguridade social (saúde, assistência social e previdência), observa-se o deslocamento das postulações para a esfera judicial, de forma individual.

Por conta deste fenômeno, diariamente são propostas inúmeras demandas judiciais pleiteando nos tribunais do país, diversos direitos fundamentais sociais, amplamente prometidos na Constituição Federal de 1988 aos cidadãos, como saúde, assistência social e previdência, todos eles indispensáveis para a manutenção diária da vida de muitos cidadãos.

Contudo, vale mencionar que desde “que o Estado se transformou num Estado-providência os direitos sociais e econômicos passaram a integrar a pauta de direitos da cidadania sob a custódia da magistratura”, conforme destaca Lopes (1997, p. 138), lembrando ainda que tais direitos somente ganharam espaço e força devido “conquistas do trabalho frente ao capital”.

Neste quadro de crise institucional, destaca-se a questão relacionada ao direito à saúde, que diariamente é pleiteada de forma individual junto ao Poder Judiciário, por inúmeras causas da inefetividade de sua prestação pelo Poder Público, desde a postulação de marcação de consultas, exames, cirurgias, até o fornecimento de medicamentos de alto custo, alguns destes algumas vezes até sem comprovação de sua eficiência para o tratamento clínico pretendido.

Desta maneira, diante da provocação do Poder Judiciário para a concessão individual do direito a saúde, alerta-se um ponto relevante em relação a todos os direitos sociais, pois da mesma forma que representam um direito individual, também representam um direito de toda a coletividade, devendo assim ser ofertados a todos os cidadãos do país, e não apenas a um ou alguns cidadãos:

Justamente o que caracteriza um direito como social é a sua não apropriação por um indivíduo, mas estar à disposição de toda a sociedade. De modo que o direito social a saúde é um direito de todos terem um hospital funcionando com um nível x de atendimento, ainda que limitado (por exemplo, a urgências). Não significa o direito de um indivíduo contra todos da sociedade obter um medicamento que poderá provocar o fechamento do posto de saúde. Este não é um direito social ou coletivo, mas individual. (TIMM, 2008, p. 66).

Exatamente aí reside um dos problemas da judicialização do direito a saúde no Brasil, pois apesar de não se desconhecer a dificuldade do julgador de resolver um caso concreto, intitulado de difícil, também não se desconhece que cada vez que um juiz determina um gasto por parte do Poder Público – geralmente muito alto nessas ações – ele está interferindo diretamente na vida de milhares de pessoas (ARAUJO, 2016, p. 50).

Outro exemplo também complexo de judicialização de demandas envolvendo a seguridade social, que diz respeito à previdência, trata-se da controvérsia da desaposentação, pedido relacionado à substituição de um benefício de aposentadoria já recebido, por outro atualmente mais benéfico, em razão da continuidade de contribuições após a aposentação, situação que originou a propositura de inúmeros processos judiciais no país que tramitam há anos junto ao Poder Judiciário, e que atualmente estão aguardando manifestação da Corte Suprema, desde 2011, decorrente de uma repercussão geral.

Sob este viés, a tarefa do Poder Legislativo é de suma importância, a fim de que se concretize o texto constitucional, e se dignifique a pessoa humana, eis que lhe cabe o dever de atuação na criação de leis que determinem a forma de execução dos direitos fundamentais, como no caso da desaposentação – alcançando as regras necessárias para a resolução deste impasse, pois os direitos sociais, conforme adverte Vieira de Andrade (1983, p. 21), não representam apenas normas programáticas, sendo que também vinculam o legislador de forma efetiva.

Mais um caso, de baixa politização dos direitos pertinentes à seguridade social, refere-se à assistência social, na questão envolvendo o benefício de amparo assistencial, que demandou manifestação do STF, no Recurso Extraordinário 580.963, que declarou a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, paragrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), dando conta que o critério adotado pelo legislador não se revelava suficiente para dar efetividade ao comando do art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, que garante aos idosos e pessoas com deficiência, considerados hipossuficientes o direito a um salário mínimo (RIBEIRO, 2016, p. 65).

Desta forma, diante da ineficácia do Estado em gerir a máquina pública, seja com a criação de leis, por parte do Poder Legislativo que atendam efetivamente as demandas sociais, ou a falta de estrutura do próprio Poder Executivo, no caso do atendimento pelo SUS, ou por parte da autarquia previdenciária (INSS), a população brasileira passa a ver o Poder Judiciário como o único caminho para a concretização dos direitos previdenciários no país.

Por outro lado também, importa referência que em muitas vezes, argumentos de ordem financeira são utilizados para tratar dos direitos da seguridade social, por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, sob a alegação de que tais proteções somente serão adimplidas ou ampliadas, e em escala nacional quando os recursos aumentarem, através dos famosos impostos e contribuições sociais.

Assim, devido à inércia muitas vezes dos demais Poderes do Estado, na prestação dos direitos sociais, seja por questões econômicas ou políticas, o Poder Judiciário vem sendo provocado a decidir e vem tomando a dianteira na maior parte das situações, em vários questionamentos:

Dentro dessa evolução da história recente do país, a confiança nos poderes constituídos foi sendo erodida. Quem ocupa o cenário como campeão da cidadania é o Poder Judiciário, não por sua cúpula, mas por suas bases, que paulatinamente fizeram tábua rasa do bloqueio de recursos, dos expurgos das aplicações financeiras. Somou-se também a isso o ativismo do Ministério Público, que na percepção comum é visto como ligado “à Justiça”. (AMARAL, 2001, p. 21)

A situação é bastante complexa, pois o Poder Judiciário deve sempre manifestar-se quando provocado, realizando a intepretação da legislação, como por exemplo, ocorreu no caso do reconhecimento dos direitos previdenciários às pessoas que viviam em união homoafetiva, sendo-lhe, todavia, vedado à criação de regras e direitos, por conta da clássica separação de poderes.

Em contra partida, a judicialização excessiva dos direitos sociais contemplados pela seguridade social, não proporciona o debate necessário entre os atores sociais, como o que se faz importante de ser realizado no Brasil, no que diz respeito, por exemplo, a questões que envolvem o direito previdenciário e a própria sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social no futuro, como também a normatização de procedimentos relativos ao direito à saúde, e ainda a ampliação das prestações da assistência social.

Desta forma, a judicialização dos direitos sociais no país, principalmente com demandas de saúde e previdência social gera inúmeros prejuízos a toda sociedade, pois acaba retardando a efetivação de tais direitos a nível coletivo, por conta também da proliferação de decisões e procedimentos judiciais diferentes[5], abordando o mesmo tema, o que provoca a necessidade de unificação das decisões por parte dos tribunais superiores, e com isso a demora na prestação judicial, como ocorreu algum tempo, por exemplo, no caso sobre o uso de EPI e o direito a aposentadoria especial.

Sob este aspecto é importante considerar que o juiz ao resolver um caso judicial, atua de maneira concreta e pontual, eis que está adstrito apenas a lei e, em última análise a Constituição Federal, e por isso não leva em consideração aspectos econômicos e políticos de sua decisão, enquanto que o legislador ao elaborar uma lei deve pensar em situações abstratas, mas que sirvam para a proteção do maior contingente de pessoas possível, dentro dos recursos que dispõe.

CONCLUSÃO

Não se tem a pretensão com o presente trabalho de esgotar o tema pertinente ao sistema da seguridade social, e muito menos da efetivação dos direitos fundamentais sociais no Brasil, diante da complexidade de tal debate.

Assim, o objetivo primeiro do artigo é destacar que com o advento da Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais sociais receberam status de verdadeiros direitos fundamentais, que exigem a sua efetivação.

A seguridade social enquanto direito fundamental e política social que adota método de economia coletiva constitui importante instrumento para a proteção das necessidades sociais e para efetivação da dignidade da pessoa humana.

Todavia, em que pese a dignidade da pessoa humana funcionar como vetor de interpretação para todos os direitos fundamentais, (dentre eles a seguridade social) constituindo um mínimo indispensável para uma vida digna, tal princípio depende das reais possibilidades econômicas de Estado.

Contudo, este argumento (orçamento), ou a possível falta dele, não poderá ser simplesmente invocado, de maneira retórica ou inverídica como desculpa para a não efetivação dos direitos sociais no Brasil, sob pena de violação da Constituição Federal de 1988, e o ataque ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado também, o fenômeno da judicialização dos direitos da seguridade sociais, que em muitas vezes ocorre em decorrência da sua baixa politização, é algo que causa preocupação, tendo em vista a falta de entrosamento das funções estatais, pois em razão da ausência de um debate prévio e consciente sobre a temática, a nível coletivo, com estudos fundamentados – para o atendimento de todos os indivíduos, mesmo que em nível mínimo, observa-se uma migração de tais questionamentos para a esfera judicial, para a solução a individual.

Desta forma, a judicialização excessiva e exponencial é prejudicial por uma série de questões, seja por conta da proliferação de decisões distintas, a demora na prestação judicial e o custo dos processos, e até mesmo a falta de acesso ao Poder Judiciário por alguns cidadãos, como também pela ausência de reflexão no tocante ao futuro do sistema de proteção da seguridade social como um todo, a nível coletivo.

Sendo assim, a própria sustentabilidade do sistema de seguridade social restará comprometida caso sua concretização se de apenas via Poder Judiciário, o que enfraquece os direitos sociais como um todo, pois a análise ali realizada é apenas do caso concreto, e não do coletivo da população, que é por direito a destinatária da proteção.

REFERÊNCIAS

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Notas de Rodapé

[1] Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP; Membro da Advocacia Geral da União (Procurador Federal); Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito pela PUC-SP.

[2] Doutoranda em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP; Advogada; Professora da UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

[3] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 100. Em atenção ao vasto catálogo de direitos fundamentais, o autor alerta sobre a possibilidade de existirem outros direitos fundamentais espalhados ao longo do texto constitucional: “Em primeiro lugar, ela enumera os direitos e garantias fundamentais logo num Título II, antecipando-os, portanto, à estruturação do Estado. Quis com isso marcar a preeminência que lhes reconhece. Em segundo lugar, nesse Titulo II, no capítulo inicial enuncia o que chama de “direitos e deveres individuais e coletivos”, enquanto no seguinte trata dos “direitos sociais”, para nos subseqüentes reger as questões concernentes à nacionalidade, aos direitos políticos e, a final, aos partidos políticos. Mas, em terceiro lugar, deve-se registrar que noutros pontos da Constituição são apontados direitos fundamentais, como é o caso da seção relativa às limitações do poder de tributar”.

[4] Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 410.715-5/SP – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – j. em 22.11.2005.

[5] O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou na terça-feira (15/12), durante a 223ª Sessão Ordinária, uma recomendação para a uniformização de procedimentos nas perícias determinadas em ações judiciais que envolvam a concessão de benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente. A recomendação, destinada aos juízes federais e estaduais com competência para julgar ações previdenciárias ou acidentárias, foi motivada por constantes apelos para que o CNJ uniformizasse a matéria. Isto porque a ausência de critérios padronizados entre as diferentes comarcas de Justiça vem causando custos, demoras e incertezas para todos os envolvidos no processo – autarquia previdenciária, peritos, procuradores, advogados e partes. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81207-cnj-recomenda-procedimentos-em-acoes-sobre-beneficios-previdenciarios>. Acesso em: 28 mar. 2016.