As Condenações nas Ações Coletivas e a Atuação Executiva na Tutela dos Direitos Fundamentais de Natureza Coletiva

THE SENTENCES IN COLLECTIVE ACTIONS AND ACTING EXECUTIVE IN THE PROTECTION OF FUNDAMENTAL RIGHTS OF COLLECTIVE NATURE

Glaucia Aparecida da Silva Faria Lamblem[1]

Resumo: A efetividade da tutela jurisdicional está intimamente ligada à execução das decisões judiciais. Os conflitos decorrentes da sociedade de massa possibilitam a lesão a uma pluralidade de direitos, envolvendo grande número de sujeitos, o que requer respostas judiciais condizentes com a complexidade da situação de fato. A resposta judicial não deve ficar estagnada a comandos genéricos, sob pena de cominar em inefetividade. A temática da execução de sentença mostra-se terreno fértil para dimensionar o papel do juiz e a influência dos mecanismos executivos disponibilizados nas normas existentes para conduzir à efetividade da tutela jurisdicional coletiva. O exame das normas integrativas do microssistema processual coletivo, conjugadas com aquelas do Código de Processo Civil atinentes à execução de sentença, em consonância com o princípio constitucionais do processo aliados às diretrizes do processo executivo permite uma verdadeira adequação do procedimento executivo nas ações coletivas de tal forma a conferir a efetividade da tutela jurisdicional coletiva. Não se trata de criar normas, mas de adaptá-las adequadamente à situação concreta e complexa que envolve os direitos materiais coletivos, sob a ótica dos princípios e garantias constitucionais, aliados às diretrizes do processo executivo permitindo uma verdadeira adequação do procedimento nas execuções coletivas de tal forma a conferir a efetividade da tutela jurisdicional.

Palavras chaves: Efetividade da tutela jurisdicional coletiva; adequação do procedimento nas execuções coletivas; atuação do Magistrado.

Abstract: The effectiveness of judicial protection is closely connected to the implementation of judicial decisions. The conflicts arising from mass society allows violation to a plurality of rights, involving large numbers of subjects, thus requiring legal responses in accordance with the complexity of the factual situation. The judicial response should not adhere to generic directions, otherwise giving rise to the ineffectiveness of judicial protection. The theme of execution of sentence shows fertile ground to scale the role of the judge and the influence of the executive mechanisms available on existing standards for the effectiveness of collective judicial protection. The examination of integrative rules of collective procedural microsystem, combined with those of the Code of Civil Procedure relating to the enforcement of court decisions and being in line with the constitutional principles of the process enables a true adequacy of the executive procedure in class actions such as to provide the effectiveness of collective judicial protection. In this context, the judge’s role is essential to the effectiveness of judicial protection, not being limited to enforce the law and pronounce judgment on the merits, but to the exercise of a power of execution aimed to give effect to his/her own decisions.

Keywords: effectiveness of collective judicial protection; appropriateness of the procedure of collective executions; Magistrate performance.

INTRODUÇÃO

Existe um vasto arsenal legislativo, ainda que fragmentado, para a tutela dos direitos fundamentais de natureza coletiva, mas que prestigia em especial a fase cognitiva.

A insuficiência do tratamento legal específico dedicado à tutela executiva para as ações coletivas, aliado à complexidade da tutela dos direitos transindividuais, dificulta a efetividade das decisões judiciais, razão pela qual urge a necessidade de se revisar o processo executivo, bem como as técnicas de efetivação da tutela jurisdicional executiva coletiva.

O direito à efetiva tutela jurisdicional coletiva é ampliado na medida em que os interesses e direitos protegidos possuem relevância social, interesse público e de hierarquia constitucional. Diuturnamente, as ações coletivas colocam em discussão dois ou mais bens de natureza coletiva em condição oposta, cuja eleição de maior relevância e que merecerá proteção caberá ao magistrado.

Com efeito, qualquer tentativa de proteção ao meio ambiente fatalmente esbarrará ao direito ao desenvolvimento regional; da mesma sorte, a proteção à saúde pública, certamente, implicará em restrição ao patrimônio público; a tutela do consumidor, não raro, poderá levar violação à liberdade de empresa.

Inúmeros fatores demonstraram que a norma jurídica já não é capaz de abarcar todas as situações surgidas diariamente na sociedade, em razão da sua vertiginosa evolução e da fluidez das configurações sociais; portanto, é necessário recorrer a outras fontes de solução jurídica dos litígios, como é o caso da atividade desempenhada pelos juízes.

O ideal seria a criação de um Código de Processo Coletivo em que se consolidassem todas as normas disciplinadoras das ações coletivas e ainda que se criassem procedimentos para a tutela executiva.

Essa ideia é unânime e, por isso já foram idealizados alguns projetos e anteprojetos de Código de Processo Coletivo por grandes juristas. Há muitas soluções criativas a serem inseridas nas normas existentes para que se preencham as lacunas, mas que inadvertidamente, não foram formalizadas pelo legislador pátrio.

Diuturnamente ocorrem ameaças e lesões a direitos fundamentais de natureza coletiva. Ações coletivas são corriqueiramente ajuizadas e permanecem em trâmite sem solução por longo tempo, correndo o risco de perecer pelo decurso do tempo. O que fazer? Não há como fugir de dirimir os conflitos.

Ante a reconhecida insuficiência legislativa, impõe-se uma adequada leitura interpretativa e sistemática, seguindo o diálogo entre as diversas fontes normativas, à luz da Constituição Federal e de toda principiologia concernente ao processo coletivo.

Em razão das técnicas processuais de índole individualista, criadas para solucionar lides entre indivíduos, a aplicabilidade do Código de Processo Civil às ações coletivas deve ser limitada e subsidiária (art. 19 da LACP e art. 90 do CDC) e depende de compatibilidade formal (inexistência de disposição em sentido contrário no microssistema processual coletivo) e material (ausência de risco à proteção dos direitos transindividuais).

1 A DUPLA FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA AOS DIREITOS DE NATUREZA COLETIVA

Não se discute o grau de relevância dos direitos fundamentais de natureza coletiva, abrangendo recursos comuns de larga abrangência social e forte peso político considerados de alta prioridade e grande interesse social, como é o caso do meio ambiente, a par dos demais direitos tutelados pela ação coletiva. A Constituição Federal reconhece e trata os direitos materiais de natureza coletiva como um direito fundamental. Considerados como direitos de terceira dimensão, os direitos coletivos em sentido amplo, também denominados como direitos transindividuais constituem gênero cujas espécies são os direitos difusos, coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos.

De mesma sorte, o direito à tutela jurisdicional efetiva também é reconhecidamente um direito fundamental, eis que tem como pressuposto o acesso à ordem jurídica, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, significando que a todos é garantido, não apenas o ajuizamento de ações, mas também a prestação jurisdicional adequada e tempestiva.

Observa-se que a expressão “tutela jurisdicional efetiva” não consta de texto explícito na atual Constituição brasileira, mas está completamente arraigada em todo seu contexto normativo e principiológico. Não há como falar em “devido processo legal” desconectado de efetividade, haja vista que o processo apenas é devido, com intenções e mecanismos de concretização de direitos.

O reconhecimento de que a efetividade deve ser considerada como uma garantia fundamental da prestação jurisdicional encontra esteio nos princípios constitucionais (inafastabilidade do controle jurisdicional, acesso à ordem jurídica justa e devido processo legal) fundamentos do sistema processual brasileiro.

Por outro lado, a ideia de direitos fundamentais inclui a submissão das leis por ele criadas a um controle em face dos direitos fundamentais quando isso for racionalmente possível (ALEXY, 2008).

É preciso, portanto, analisar os limites e a forma com que as normas próprias da execução de sentença nas ações individuais poderão ser aplicadas nas ações coletivas, destacando a atuação do juiz e a sua obrigatoriedade de adequar o procedimento ao caso concreto, sem descurar dos princípios constitucionais do processo, de forma a imprimir a máxima efetividade da tutela jurisdicional coletiva.

Chega-se, portanto, à inarredável conclusão de que os procedimentos relativos aos direitos coletivos devem ser regidos por um direito processual coletivo apropriado sob pena de se proteger tais direitos de maneira insuficiente, ofendendo o princípio da proporcionalidade enquanto proibição de proteção insuficiente (ALEXY, 2008).

Assim, percebe-se que existe o direito à técnica adequada, e que tal técnica dever ser adaptada aos direitos fundamentais, idônea a promover a proteção efetiva ao direito lesado. As normas de procedimento devem ser criadas de forma obter resultados efetivos e que atendam suficientemente aos direitos fundamentais (ALEXY, 2008).

2 EXECUÇÃO DA SENTENÇA COLETIVA NAS CONDENAÇÕES AO PAGAMENTO DE QUANTIA

Percorrido todo o trâmite de uma ação coletiva, enfrentando variados percalços e vencidos obstáculos das mais diversas naturezas, como o conflito de competência, a concomitância com outras ações individuais ou coletivas, a coisa julgada, entremeado por inúmeras decisões interlocutórias, culmina-se com uma sentença.

A sentença por si só, sobretudo aquela de natureza condenatória, não é capaz de conferir ampla e concreta tutela aos direitos, reclamando uma nova atuação judicial, salvo se o reclamado cumprir espontaneamente a determinação nela contida.

Considerando, portanto, o eventual descumprimento voluntário da obrigação contida na sentença, surge para o credor o direito à tutela executiva prestada pela via jurisdicional, “cuja atividade se diferencia, em muitos aspectos, da atividade jurisdicional de acertamento, com especial destaque aos planos da cognição judicial e da prática dos atos processuais”, conforme argumenta Gregório Assagra de Almeida (2007, p. 293). Os atos executivos são predominantemente de natureza material, cujo escopo é alcançar resultados concretos no mundo fático.

Nesta ótica, a tutela executiva está intimamente ligada à efetivação das decisões judiciais, na medida em que por ela se realizam os atos destinados à concretização dos direitos, constituindo, no entender de Araken de Assis, “a forma mais expressiva, na perspectiva do jurisdicionado, de tutela jurisdicional” (2014, n.p.).

Nesta perspectiva, o instituto da execução de sentença se refere àquelas operações desenvolvidas perante o Estado-juiz com a finalidade de dar efetividade às decisões por ele proferidas, cujo resultado concreto deve se materializar no mundo dos fatos, de maneira tal a entregar ao vitorioso o bem da vida. Assim, neste ensaio, os termos “execução de sentença” e “cumprimento de sentença” serão empregados como sinônimos.

No que respeita à execução nas ações coletivas, compreende-se o conjunto de atividades concernentes ao cumprimento no mundo real de obrigações certas, líquidas e exigíveis, de fazer, não fazer, entregar coisa certa ou incerta, pagar quantia, estampadas em título executivo judicial ou extrajudicial que reconhece a existência de direitos difusos, coletivos.

A tutela executiva nas ações coletivas segue, em linhas gerais, o mesmo regramento disciplinado para as ações individuais. No entanto, o processamento da tutela executiva apresenta algumas peculiaridades.

As peculiaridades da tutela executiva no processo coletivo decorrem de dois expedientes: a primeira resulta da natureza do direito material tutelado; a segunda, da espécie de tutela requerida, e por via de consequência, a sentença proferida. Assim, o processamento da execução de sentença será diverso, conforme se trate de o direito tutelado for transindividual ou individual homogêneo e se as sentenças terão natureza condenatória, mandamental ou executiva.

Quanto ao primeiro critério, da natureza do direito tutelado, existem duas modalidades de liquidação e execução: a) promovidas pelo legitimado coletivo, coletivamente; b) promovidas pelos titulares de direito material, legitimado ordinário, em ações individuais.

Destarte, nas ações coletivas para tutela dos direitos difusos e coletivos, a execução coletiva será promovida pelo próprio legitimado coletivo que conduziu a fase cognitiva (ou por outro legitimado concorrente legal). Entretanto, o art. 103, § 3º do CDC, que autoriza o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para os titulares de direitos individuais, permite que as liquidações e execuções sejam por eles promovidas em ações individuais.

De outro lado, nas ações coletivas para a tutela dos direitos individuais homogêneos, proferida a sentença coletiva, as eventuais liquidações e execuções naturalmente poderão ser promovidas pelos próprios titulares do direito material, em ações individuais, ou pelos legitimados coletivos em favor dos titulares do direito material ou, ainda, residualmente, em favor do Fundo de Direitos Difusos (FDD), quando não houver habilitação de titulares individuais em número compatível com a gravidade do dano.

Quanto ao segundo critério, pela natureza da sentença, o procedimento distingue, se a sentença for mandamental, executiva ou condenatória. Para a tutela dos direitos transindividuais poderá ser veiculado qualquer espécie de ação (art. 83 do CDC) capaz de conferir a efetiva tutela dos direitos. Disso decorre que a depender da espécie de pretensão, as sentenças também terão efeitos diversos.

Os meios executivos para as sentenças mandamental em sede de ação coletiva estão disciplinados no art. 84 do CDC e art. 11 da LACP, onde dispõe sobre as obrigações de fazer e não fazer, entretanto, a laboração destes provimentos aproveita as mesmas regras concernentes à tutela específica das ações individuais, quanto ao procedimento e operatividade.

As espécies de sentenças condenatórias pecuniárias estão previstas no art. 13 da LACP e no § 1º do art. 84 do CDC, ao referir a conversão da obrigação em perdas e danos.

Ressalte-se que para a tutela dos direitos transindividuais o legislador prestigiou a tutela específica ou seu resultado equivalente, somente admitindo a conversão em perdas de danos, quando aquela se mostrar impossível ou por opção do autor, no caso de direitos disponíveis. De qualquer sorte, considerando a natureza coletiva do direito fundamental envolvido, pertencendo a uma coletividade, em havendo tutela ressarcitória pelo equivalente em pecúnia, o montante arrecadado é direcionado ao FDD, formando um patrimônio destinado a recuperação dos bens lesados (art. 13 da LACP).

Verifica-se, portanto, que cada modalidade requer procedimentos distintos, seja a execução promovida pelo legitimado coletivo, seja pelo próprio titular do direito material, individualmente. Estas peculiaridades dos direitos transindividuais ou individuais homogêneos requerem alguns procedimentos especiais. Busca-se, portanto, nas Leis de regência a tutela adequada ao direito material e os mecanismos processuais cabíveis a cada caso.

A efetividade da tutela executiva destes direitos demanda ainda mais acuidade no procedimento em razão de sua natureza extrapatrimonial, que não se limita à compensação meramente pecuniária. Neste contexto, assumem grande importância os meios executivos previstos para as obrigações específicas, cuja conversão em perdas e danos somente ocorre em caso de total impossibilidade. Ainda assim, o legislador prevê a possibilidade de determinar um resultado prático equivalente, a fim de assegurar a mais completa efetividade das decisões judiciais.

Neste ensaio, em razão do corte metodológico, será abordado tão somente sobre a execução de provimentos judiciais, mais especificamente sobre o procedimento na execução de sentença coletiva, entendida como atividade complementar ao processo cognitivo que deu origem à obrigação de pagar quantia, fixada judicialmente.

Merece atenção ao fato ou ato ilícito pode causar lesão ou ameaça de lesão a vários direitos fundamentais, dando origem a uma única ação coletiva, que por sua vez, veicula pretensões de natureza difusa, coletiva e individual homogênea. Por sua vez, de em uma única sentença pode advir várias espécies de prestações, impondo, necessariamente a procedimentos diversos, havendo tantos quantos forem as obrigações consubstanciadas na decisão judicial. Cada tutela conferida na sentença prolatada pode vindicar uma técnica processual adequada, assim como medidas executivas diversas, o que conduz a variações de atos destinados à realização efetiva do comando da sentença.

Neste desígnio, apresenta-se um caso hipotético:

Afigura-se uma ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público em face de uma Indústria localizada em determinado município, alegando a constatação de irregularidades no descarte de materiais descartáveis produzidos pela fábrica. Além disso as instalações físicas da ré são consideradas inadequadas, o depósito de referidos descartes é realizado em local sem cobertura e localizada a menos de duzentos metros do leito de um determinado rio; a área é constituída por terreno alto permitindo o escoar os resíduos para o leito do referido rio; depósito de resíduos sólidos e toda sorte de descartes sem a devida permeabilização do solo, situação sujeita a causar contaminação também da água subterrânea; área localizada próxima de bairro habitado por moradores e usuários da água do rio.

Das irregularidades apontadas, originaram uma série de lesão e ameaça de lesão ao meio ambiente e à saúde dos moradores lindeiros. A poluição da água do lençol freático, a produção de um gás prejudicial à atmosfera causador do efeito estufa. Os resíduos que são escoados para o Rio causam evidente poluição, além de trazer riscos para a fauna, flora e para as pessoas usuárias diretas dos recursos naturais contaminados pela ação danosa praticada.

Além disso, representa um grande risco para a saúde humana, já que é passível de causar várias doenças. O depósito do lixo acumulado é o ambiente adequado para a proliferação de insetos e roedores, que são vetores comuns de outras doenças. Ante o quadro, observa-se que da mesma hipótese fática, para condenar a Indústria ré à obrigação de não fazer consistente em abster-se de depositar o descarte (lixo) no local apontado; à obrigação de fazer consistente na remoção dos detritos para local adequado; na recomposição da área degradada, promovendo a integral recuperação do ambiente afetado, despoluição das margens e do leito e a obrigação de pagar consistente na indenização por danos ambientais pretéritos causados até o momento da efetiva recuperação, considerando a impossibilidade de integral restauração às condições primitivas do meio ambiente.

Vale esclarecer que a situação figurada é hipotética, podendo ser dela extraídas outras pretensões e apresentados outros pedidos cumulados. Os pedidos apresentados, também hipoteticamente servem de substrato para análise dos diferentes procedimentos executivos, bem como medidas de efetivação da decisão judicial, considerando a hipótese de deferimento de eventuais tutelas antecipadas, culminando com a sentença condenatória reconhecendo a procedência da ação.

A análise da situação concreta e a tutela dos direitos de natureza coletiva impõem o necessário diálogo e a análise sistemática entre as fontes normativas, especialmente pelas disposições do CDC, da LACP e do CPC, que interagem para proporcionar instrumental minimamente adequado para a efetiva tutela desses direitos. A interpretação das normas deve ser norteada pela principiologia constitucional pertinente para, ao final, conferir a prestação jurisdicional efetiva.

Nas ações coletivas, embora deva a tutela específica ser priorizada ao máximo, não se pode negligenciar o cabimento de tutela ressarcitória pecuniária prevista no art. 13 da LACP.

Com relação ao procedimento executivo, especificamente para obrigações pecuniárias, as leis especiais carecem de disciplina própria. No que se refere aos direitos individuais homogêneos, o CDC dedica alguns artigos (arts. 95-100 da Lei 8.078/1990) destinados a traçar diretrizes para a execução coletiva, mas não de modo satisfatório, quanto ao procedimento.

Quanto às execuções pertinentes aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, “a situação é de completo vazio legislativo”, conforme palavras de Gregório Assagra de Almeida (2008, n.p.). A LACP dispõe de apenas dois dispositivos pertinentes, mas relativos somente à destinação do dinheiro arrecadado (art. 13) e à obrigatoriedade da execução (art. 15); os poucos artigos disponíveis sobre o tema na LAP (arts. 14-16) regulam apenas algumas especificidades decorrentes do objeto da ação; e a LIA, dispõe de apenas um artigo sobre a matéria sem trazer uma contribuição significativa para a execução.

Assim será analisado o procedimento do cumprimento de sentença coletiva a partir do exemplo fático apresentado sobre o descarte irregular de lixo em área inapropriada, causando poluição ambiental no solo e no rio próximo ao local. Conforme destacado, houve condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais pretéritos, considerada a impossibilidade de uma tutela integral específica.

Quando se trata de julgado coletivo atinente a obrigações pecuniárias, observa-se, de um modo geral, o procedimento previsto nos arts. 523 e ss. do Novo Código de Processo Civil, para o “cumprimento de sentença”.

Necessário, no entanto, destacar certas peculiaridades na seara coletiva, que demandam maior acuidade na condução do processo, mormente na fase de efetivação das decisões judiciais.

A primeira delas refere-se à natureza genérica da sentença proferida nos autos da ação coletiva, já que seu dispositivo apresenta uma obrigação ilíquida no que se refere ao quantum debeatur. Diante dessa generalidade, imperioso realizar a liquidação do julgado. No caso da situação fática apresentada (depósito irregular de lixo), o pedido de ressarcimento dos danos ambientais pretéritos causados até o momento da recuperação, considerando a impossibilidade de integral restauração às condições primitivas do solo, da vegetação e lençóis d’água, demanda a necessária liquidação da sentença, para que o título executivo se torne apto à execução.

Outrossim, a execução das obrigações pecuniárias não se limita ao cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de quantia, mas também aos valores advindos das conversões em perdas e danos e das multas decorrentes de descumprimento de obrigação específica. Mesmo provenientes de origens distintas, o procedimento executivo é semelhante, seguindo as regras específicas do cumprimento de sentença para pagamento de quantia. O que distingue é a forma de apurar o valor; as primeiras podem requerer uma fase de liquidação e a última será resolvida pelo cálculo aritmético. Fixado o valor, o procedimento na fase de execução, em regra, é o mesmo.

Deixando de lado questões da competência, da legitimidade e da liquidação, neste ambiente será verificado apenas o procedimento para a execução da sentença coletiva, destacando alguns pontos que merecem adaptação com o objetivo de imprimir efetividade à jurisdição em razão do próprio direito material tutelado, bem como do forte interesse público que o envolve.

Desta forma, passa-se a considerar a execução coletiva promovida pelo legitimado coletivo que atuou como autor da ação cognitiva que culminou com a sentença condenatória.

O primeiro ponto a ressaltar é, considerando a fundamentalidade do direito material sob tutela, deve-se considerar a possibilidade da desnecessidade de requerimento do autor e não incidência do princípio do dispositivo nem da inércia do Poder Judiciário para executar a sentença condenatória.

O sincretismo processual é o principal destaque das mais recentes reformas trazidas ao processo civil, dispensando o processo executivo autônomo. A execução forçada das obrigações pecuniárias originárias de sentenças condenatórias é realizada em fase processual subsequente à fase cognitiva. Assim, não mais se exige a citação do devedor para pagamento do débito ou oferecimento de bens à penhora. A rigor, a lei tão somente assinala o prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário da condenação ao pagamento de quantia certa.

Não obstante o grande avanço da reforma operada pela Lei, os benefícios ainda não foram suficientes para a tutela coletiva.

De acordo com o art. 523 do NCPC, uma vez transitada em julgado a sentença, cabe ao autor requerer o cumprimento da sentença. Conforme o entendimento de Sérgio Shimura, em comentário ao CPC/73 “continua incidente em sua plenitude o princípio do dispositivo, como se depreende dos arts. 475, §§ 1º e 5º, 475-N, parágrafo único, 475-O, 475-P, parágrafo único, e 475-J, §3º, CPC” (2006, p. 167).

Contudo, não se pode aceitar a vigência deste princípio do dispositivo, para a execução coletiva de direitos fundamentais coletivos. Da mesma forma, é inaceitável a aplicabilidade do princípio da inércia do Poder Judiciário para a tutela executiva coletiva, aguardando a provocação do exequente, conforme determinado pelo Código de Processo Civil.

As razões são claras. Primeira razão: não se trata aqui de direitos disponíveis. A grande maioria dos direitos tutelados pelas ações coletivas são insubstituíveis, inegociáveis, portanto indisponíveis. Na situação fática apresentada, o meio ambiente saudável deve ser preservado a todo custo, pois dele depende a saúde e o bem-estar da coletividade presente e futura. Não se pode, portanto, dispor desse direito. Ainda que se referisse aos direitos individuais também lesados em razão do ato ilícito, nem todos são disponíveis. Considerando ainda a natureza do bem tutelado, o direito pátrio prevê a possibilidade de execução ex officio no âmbito do processo trabalhista, conforme o art. 878 da CLT.

Segunda razão: o art. 15 da LACP disciplina a obrigatoriedade da execução coletiva; decorrido o prazo de 60 dias do trânsito em julgado da sentença, se o autor da ação cognitiva não tiver promovido a execução, deverá o Ministério Público fazê-lo, facultando igual iniciativa aos colegitimados. Esta regra denota a indisponibilidade dos bens tutelados na ação coletiva, haja vista que mesmo que o autor desista da execução e os outros colegitimados não demonstrem interesse no prosseguimento da tutela, o Ministério Público será obrigado a promover a execução.

Terceira razão: não há razão substancial para diferenciar-se do regime da efetivação de obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa, cuja sentença já prevê o comando judicial e prazo para cumprimento (art. 497 e 498 do NCPC e art. 84, do CDC). Pelo contrário, existem razões suficientes para que o regime seja o mesmo. Como se não bastassem os dois argumentos anteriores, é preciso considerar que as obrigações pecuniárias nas ações coletivas nem sempre são destinadas aos indivíduos, mas à própria coletividade com a finalidade de reconstituir os bens lesados. Deve ser preservado o interesse público de tutelar de forma rápida e eficaz a situação jurídica da coletividade em detrimento de uma norma formal estabelecida para direitos individuais disponíveis.

Na situação fática acima, constatando o juiz o descumprimento da tutela específica por parte do demandado e a viabilidade da sub-rogação, deverá determinar que terceiro o faça às custas do réu. Entretanto, o demandado pode se recusar a pagar as despesas voluntariamente. Por certo, os recursos destinados ao pagamento das despesas com o cumprimento da obrigação (remoção do lixo e recuperação da área degradada) deverão ser obtidos à revelia da vontade do demandado, se não fizer o pagamento espontaneamente. Essa execução poderá consistir em expropriação de bens do demandado, viabilizados por meio da penhora de patrimônios ou outros recursos financeiros, o que significa execução de obrigação pecuniária.

Assim, como ocorre com o regime das obrigações de fazer e de não fazer, o juiz deverá dar o comando para que o demandado pague em prazo fixado (que poderá ser de 15 dias, conforme o art. 523 do NCPC), sob pena de serem penhorados tantos bens quanto bastem para cumprimento da obrigação.

Não se pode esquecer que o sistema pátrio tem admitido soluções mais drásticas restringindo o princípio da intangibilidade da liberdade pessoal, introduzindo no sistema processual mecanismos executivos de imposição forçada de obrigações de fazer e de não fazer, invadindo a autonomia do sujeito. Assim, a forma de atuação judicial ao reconhecer a obrigação de fazer e de não fazer, determina, incontinenti o seu cumprimento fixando prazo e escolhendo os mecanismos efetivadores a um só tempo, independente de requerimento do autor. Vale ressaltar que este sistema não é exclusivo dos direitos indisponíveis, mas igualmente válido para os direitos individuais disponíveis.

Ora, se houve verdadeira revolução procedimental ao restringir a autonomia da liberdade de fazer ou não fazer em prol de um direito maior, qual seja, a efetividade da tutela jurisdicional, não há razão de qualquer natureza para que o mesmo não se opere nas obrigações pecuniárias. Não se olvida que antes desta alteração, a resolução das pendências obrigacionais era resolvida por meio de compensação pecuniária, restringindo a atuação do Poder Judiciário à esfera patrimonial das pessoas, de forma a preservar a liberdade individual.

Dentro deste quadro, não justifica a formalidade diferenciada disponibilizada pela lei (art. 523 do NCPC) para o Estado-juiz invadir a esfera patrimonial do indivíduo com o objetivo de conferir efetividade de suas decisões. É evidente que se a lei admite válida a determinação judicial de obrigação de fazer ou não fazer, mesmo forçada, não implica em qualquer ofensa aos princípios constitucionais do processo, da mesma forma, deve ocorrer com as obrigações pecuniárias. Sob a ótica dos direitos fundamentais coletivos, com muito mais razão, a tutela deve ser mais célere.

Diante destas razões, a execução das obrigações pecuniárias reconhecidas em sentença coletiva deve operar independente do requerimento do autor. Na sentença condenatória, o juiz determinará o cumprimento da obrigação em 15 dias para o pagamento, sob pena da multa de 10%. No caso de a sentença ser ilíquida, o juiz fixará um prazo para o autor iniciar a liquidação coletiva, que será em seguida executado, independente de requerimento posterior.

Caso a liquidez dependa somente de cálculos aritméticos, então o juiz poderá remeter os autos para a contadoria judicial para elaborá-los, considerando que nas ações civis públicas não há despesas processuais de nenhuma natureza, salvo por má-fé a teor do art. 18 da LACP.

Este procedimento não importará qualquer nulidade processual, tampouco estar-se-á ferindo qualquer garantia constitucional do processo, na medida em que o executado terá o mesmo prazo para impugnar eventual irregularidade, da mesma forma que teria, caso o autor tivesse requerido a execução.

A importância deste entendimento se amplia quando se trata de obrigações determinadas em sentença coletiva, ainda que de natureza pecuniária, haja vista que intimamente ligadas ao ressarcimento específico das lesões causadas a bens e interesses comuns, que afetam a esfera coletiva em larga escala, a exemplo do que ocorre com o meio ambiente (mas poderia ser a saúde, a dignidade humana, a educação, a própria vida).

Outra situação que merece análise e ponderação de princípios por parte do magistrado, diz respeito à destinação dos valores obtidos na execução coletiva: o Fundo de Direitos Difusos e o custeio do ressarcimento específico.

Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli, “não é mesmo nada fácil dar destino adequado ao produto de uma condenação obtida em processo coletivo. Até no campo das lesões meramente patrimoniais, a dispersão dos lesados cria novas dificuldades para a divisão do produto da indenização” (2012, p. 566).

Foi nesse mesmo contexto de questionamentos em que o legislador brasileiro, através do art. 13 da Lei 7.347/1985 fez previsão de criar um Fundo para a destinação dos recursos obtidos em condenações do gênero o qual, nos termos de sua lei regulamentadora (Lei 9.008/1995), art. 1º, “tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos”.

De antemão, o fruto da indenização coletiva tem seu escopo na efetiva reparação do bem que sofreu o dano. Somente nos casos em que isso se torna impossível, é que se toma outro caminho.

Em se tratando de direitos divisíveis, o produto da condenação deve ser repartido entre os indivíduos que suportaram a lesão. Já nos casos em que não há procura de reparação pelos sujeitos lesados ou na hipótese de direitos indivisíveis, o destino da indenização será o fundo criado pela Lei de Ação Civil Pública (art. 13). Neste último caso, é imprescindível direcionar a renda obtida para a preservação ou restauração de bens relacionados com o bem lesado.

A LACP determinou a criação de um fundo federal, bem como de fundos estaduais, os quais deverão ser geridos pelos respectivos Conselhos formados para essa finalidade e contarão, obrigatoriamente, com a participação do Ministério Público e de representantes da comunidade. O Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD) foi criado e regulamentado pela Lei Federal 9.008/1995.

No tocante à destinação dos recursos arrecadados pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, Hugo Nigro Mazzilli alerta que “mesmo havendo a criatividade e flexibilidade, o fundo de reparação de interesses difusos lesados há de ser usado sempre em finalidade compatível com sua origem” (2012, p. 571).

Assim, os recursos obtidos em condenações decorrentes de violações de direitos transindividuais são destinados a um Fundo Federal ou Estadual para posterior aplicação, a partir de projetos aprovados pelos conselhos gestores, podendo não ser prioritariamente destinados a recompor a lesão da qual originou o recurso.

Essa solução não parece adequada para todas as espécies de execuções coletivas conduzidas pelos legitimados coletivos, seja o autor, seja por qualquer dos colegitimados. Considerando as diferentes origens dos valores levantados e a natureza da execução, não se deve destinar toda e qualquer verba diretamente para o Fundo. Isto, porque, na prática, frequentemente pessoas ou bens que não foram efetivamente lesados pelo ato ilícito do réu poderão ser beneficiadas com os recursos obtidos na execução, o que compromete a efetividade da tutela jurisdicional.

É inegável que as ações coletivas para a defesa de direitos fundamentais de natureza coletiva podem envolver questões muito específicas, a exemplo da situação fática analisada, que nem sempre podem ser solucionadas de forma célere por meio de projetos enviados ao Fundo e aguardar a aprovação e liberação dos recursos. Esse procedimento comprometeria a rápida e efetiva proteção do bem lesado e ainda descaracterizaria a própria tutela específica.

Uma possível solução seria criar um Fundo Municipal (mesmo porque não há vedação expressa na LACP), que restringiria a aplicação dos recursos na própria coletividade onde houve a lesão e originou o recurso. Contudo, ante a inexistência de um Fundo Municipal, cabe ao juiz avaliar o destino dos recursos obtidos em condenações pecuniárias nas ações coletivas, não revertendo indiscriminadamente toda e qualquer verba para o Fundo.

Deve excepcionar, por exemplo, os valores obtidos em execução de obrigação pecuniária para ressarcimento específico, ou seja, quando o demandado deixa de cumprir pessoalmente a obrigação na forma específica e o juiz nomeia um terceiro para fazê-lo. Caso o juiz designe um terceiro para cumprir a obrigação à custa do demandado, segue-se um incidente processual no qual o nomeado deverá apresentar um projeto de trabalho apontando prazos, forma de execução da obra, e valores.

Ao final do incidente, fixado o montante dos custos, se o devedor não pagar a quantia estipulada pelo juiz para o terceiro cumprir a obrigação (na situação hipotética, remoção do lixo e restauração das obras) resta à execução da obrigação de pagar. Os valores obtidos nesta execução não deverão ser depositados no Fundo (art. 13 da LACP), apesar do procedimento seguir a modalidade de execução de obrigação pecuniária, mas destinados ao pagamento das obras.

A alternativa seria o depósito em conta judicial específica, cuja movimentação seria realizada pelo terceiro nomeado para cumprir obrigação específica, devendo este prestar contas periodicamente ao juiz da causa, nos autos do processo. Verificar a idoneidade destas contas prestadas ficaria a cargo do contador judicial ou de um Conselho Municipal comunitário criado para este fim. Não se olvida que seria um procedimento custoso para o juiz, mas alcançaria uma melhor efetividade da tutela específica.

Poder-se-ia arrazoar que esta alternativa apresentada estaria ferindo os preceitos legais. Todavia, o Direito brasileiro, no que se refere à tutela executiva, possui inúmeros permissivos legais autorizadores de discricionariedade judicial. Além disso, os princípios constitucionais do processo e as diretrizes da tutela executiva dão sustentáculo ao poder de discricionariedade ao juiz da causa, desde que obedecidos determinados limites, conforme mencionado em capítulos anteriores.

A discricionariedade judicial em cada caso concreto deve ser motivada e fundamentada nos princípios e diretrizes da execução coletiva: princípio da efetividade e o direito fundamental da tutela executiva, princípio do resultado e da menor onerosidade ao executado, princípio da primazia da tutela específica ou da maior coincidência possível ou do resultado, princípio da tipicidade e atipicidade das medidas executivas e princípio da proporcionalidade e da adequação.

Outra peculiaridade da execução coletiva diz respeito à sentença proferida em ações coletivas que pode configurar tanto a tutela de direitos difusos e coletivos em sentido estrito quanto de individuais homogêneos, ensejando, portanto, tanto a uma execução coletiva, quanto a execuções individuais, propostas pelas vítimas ou seus sucessores partindo do transporte in utilibus da coisa julgada coletiva (art. 103 CDC, § 3º, III).

Trata-se da extensão dos efeitos da coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus que ocorre quando há procedência do pedido para beneficiar as vítimas e seus sucessores.

Destarte, além da execução coletiva promovida por um dos legitimados ativos previstos pela lei, com o intuito de tornar efetivo o direito difuso ou coletivo defendido, a lei permite, quando há procedência do pedido, a possibilidade de utilizar o resultado da sentença em execuções individuais, transportando, para estes casos, a coisa julgada benéfica. Este quadro denota que a sentença coletiva, se reconhecer o ilícito praticado pelo demandado, as vítimas ou seus sucessores poderão promover a liquidação e a execução individual comprovando o nexo causal e o dano em decorrência do ato ilícito praticado pelo demandado. Paralelamente, o autor ou outro colegitimado ativo poderão promover a execução coletiva atinente aos direitos difusos ou coletivos.

Essa situação pode ensejar concurso de créditos, ou seja, execuções concomitantes (individuais e coletivas). O CDC prevendo a possibilidade de eventual concurso de crédito determinou a sustação do processamento das execuções coletivas enquanto pendentes as decisões acerca das execuções individuais, conforme dispõe o parágrafo único do art. 99.

Deixando de lado os prazos e soluções para operacionalizar o concurso de crédito, pretende-se aqui apresentar uma ressalva acerca da garantia de preferência às reparações individuais sobre a coletiva, privilegiando assim os direitos individuais quando em concomitância com os direitos transindividuais.

De sorte que havendo concomitância de procedimento executivo nas ações coletivas, envolvendo direitos coletivos e individuais, não cabe aplicar indistintamente o art. 99 do CDC em qualquer caso, sob pena de incorrer em grave e injusta ineficácia da tutela jurisdicional aos direitos transindividuais. É preciso uma análise do caso concreto.

A situação hipotética apresentada merece uma análise apurada. Imagine que, após reconhecido em sentença o ilícito cometido pelo demandado, os moradores aproveitando-se da sentença de procedência, pelo fenômeno do transporte in utilibus iniciem suas liquidações na forma estabelecida em lei.

O art. 99 do CDC disciplina uma ordem de preferência no pagamento no caso de concurso de créditos quando há condenação a indenizações individuais e coletivas, mas o pagamento daquelas não exclui o pagamento destas.

Segundo a literalidade da regra de pagamento em caso de concurso de crédito, o pagamento das indenizações individuais tem preferência às indenizações coletivas. Na prática, a aplicação indiscriminada desta regra pode causar uma drástica redução no montante da execução coletiva, senão a total impossibilidade fática, caso o patrimônio do réu seja insuficiente para responder pela totalidade da condenação.

Ainda que o patrimônio do réu seja suficiente para arcar com ambas as indenizações, o tempo em que o processo executivo coletivo fica suspenso aguardando as liquidações e indenizações individuais compromete significativamente a efetividade da tutela jurisdicional coletiva no quesito “duração razoável do processo” em razão dos efeitos deletérios do tempo. Neste aspecto, cai por terra a eficiência de todos os mecanismos empregados na fase cognitiva como as liminares, as tutelas antecipadas e as multas coercitivas, por exemplo.

Necessário, nesta hipótese, o sopesamento das prioridades de relevância. No caso concreto, o cumprimento das obrigações pecuniárias no âmbito coletivo tem por escopo custear as atividades atinentes à restauração do meio ambiente cujas consequências atingirão diretamente a coletividade que se beneficia das águas do rio, do ar atmosférico nas proximidades da área degradada e das próprias condições do solo lindeiro.

A obrigação de fazer mencionada na situação fática envolve tutela de urgência, que por sua vez depende do cumprimento da obrigação pecuniária por parte do demandado, caso ele não tenha cumprido pessoalmente a tutela específica consubstanciada na obrigação de fazer. Por outro lado, é necessário na análise do caso concreto, verificar o direito individual lesado e a finalidade específica das indenizações. Se a lesão disser respeito à saúde do indivíduo e o ressarcimento tiver como escopo direto o pagamento de tratamento de saúde, não haverá dúvidas de que a preferência ao pagamento deve ser observada. Embora ambas as tutelas digam respeito ao direito à vida, é possível observar a diferença entre os graus de prioridade e de relevância.

De outra sorte, se no pedido de indenizações individuais, o dano causado às pessoas tiver natureza patrimonial, como por exemplo, a desvalorização das propriedades particulares próximas à indústria, então não há dúvidas de que apesar do direito ao ressarcimento, não há a mesma urgência da tutela ressarcitória específica coletiva, razão pela qual não merece ser privilegiada com a garantia de preferência disciplinada no art. 99 do CDC.

Em situações como estas, não há que se falar em suspensão da execução coletiva. Pelo contrário, elas justificam o processamento concomitante das liquidações e o pagamento preferencial à execução coletiva, desde que o montante seja destinado à tutela ressarcitória específica.

CONCLUSÃO

O direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva remete à ideia de concretização dos direitos materiais irrealizados de forma espontânea, por meio do processo suficientemente dotado de mecanismos aptos a produzir resultado útil, num período razoável de tempo.

A Constituição Federal trata do direito de ação sob diversas vertentes relacionadas ao direito fundamental à tutela jurisdicional, e embora se reconheça a importância de cada uma das facetas inerentes ao direito de ação, não se olvida que a matéria é extensa, eis que se trata de tema extremamente fecundo. A título de exemplo, insere-se neste vasto campo da efetividade aspectos intrinsecamente ligados os valores da economia processual, os procedimentos e técnicas processuais adequados, a duração razoável do processo e o papel do juiz na efetivação da tutela jurisdicional coletiva.

A prestação jurisdicional, decorrente do direito fundamental à tutela efetiva, é um serviço público de caráter essencial, cuja prestação incumbe ao Estado promover, por meio do processo, utilizando técnicas adequadas, bem como procedimentos idôneos com o fim precípuo de produzir os efeitos a que se propõe, ou seja, realização dos direitos dos jurisdicionados, conferindo-lhe, portanto, efetividade.

Conforme se observa, é cogente a criação de um procedimento específico para regulamentar adequadamente a execução coletiva no Brasil a fim de conferir maior efetividade dos direitos fundamentais de natureza coletiva que por ela serão tutelados.

Enquanto o sistema jurídico não disponibilizar instrumentos específicos e inteiramente adequados para a efetividade das decisões judiciais concernentes às obrigações pecuniárias para a tutela de direitos transindividuais, a aplicação dos mecanismos executivos do Código de Processo Civil à execução coletiva será aceitável e necessária. Entretanto, deve ser temperada pelas normas específicas do microssistema processual coletivo (sobretudo, LACP e CDC), observados os princípios e diretrizes interpretativas aplicáveis à execução coletiva para respeitar as peculiaridades dos direitos de natureza coletiva.

Os reflexos deste quadro apontam para o acolhimento da norma, diretrizes e formas expropriatórias delineadas para as ações individuais, quantos às suas generalidades. Entretanto, as normas de cunho individual devem ser adaptadas e flexibilizadas às peculiaridades do processo coletivo, com vistas a conferir efetiva proteção ao direito material tutelado, sobretudo aos direitos fundamentais coletivos.

Este trabalho de adaptabilidade cabe preponderantemente ao magistrado que, nos conflitos a ele trazidos, deverá adaptar o instrumento às particularidades do direito material coletivo que, se repita, são completamente distintas daquelas submetidas ao processo individual.

Considerada a urgência do cumprimento da obrigação específica, da transformação do mundo fático na efetiva proteção ao direito material coletivo, todo empenho em promover celeridade aos atos processuais (duração razoável do processo) deve ser empregado sob pena de tornar totalmente ineficaz a prestação jurisdicional coletiva.

As normas estabelecidas conseguem estabelecer um núcleo mínimo comum para as possíveis e variadas situações fáticas que muitas vezes requerem de seu intérprete uma boa dose de criatividade para a solução dos conflitos. A discricionariedade judicial necessária para a escolha de prioridades de relevância dos direitos e situações encontram limites nos princípios constitucionais do processo. No entanto, não há como fugir da necessária escolha de procedimentos adequados, na avaliação cuidadosa sobre qual atende melhor o bem tutelado e o objetivo que se quer alcançar por meio daquele provimento, sob pena de incorrer na mais injusta e inefetiva prestação jurisdicional, situação ampliada quando tal tutela se refere aos direitos fundamentais coletivos.

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Notas de Rodapé

[1] Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul; Doutoranda pela IGC, Universidade de Coimbra em Portugal, Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba-SP; Pós-Graduada em Direito pela UNAES em Campo Grande-MS; Bacharel em Direito pela UEMS-MS.