A Pobreza, Uma Visão Integrativa
THE POVERTY, AN INTEGRATIVE VISION
Roberta Soares da Silva[1]
Lucinéia Rosa dos Santos[2]
Juliana Melo Tsuruda[3]
Resumo: A pobreza é fenômeno do campo econômico, que produz severas consequências no domínio social. Desde o momento em que as Nações Unidas trouxeram o tema para a seara do desenvolvimento, também foram abertas as portas para seu exame no âmbito dos Direitos Humanos. O combate à pobreza é uma das prioridades do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, o que se verifica pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ademais, a extrema pobreza, de modo especial, recebe atenção do Conselho de Direitos Humanos que, a fim de identificar as principais violações ligadas ao tema, propõe medidas ao Conselho Econômico e Social e à Assembleia Geral das Nações Unidas, criando, com isso, o mandato do “Relator especial sobre a Extrema Pobreza e os Direitos Humanos”. Não há dúvidas de que a pobreza deve ser considerada violação aos Direitos Humanos, cujo combate deve ser adrede definido no âmbito dos três pilares: econômico, político e jurídico.
Palavras-chaves: Direitos Humanos – Nações Unidas – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Pobreza.
Abstract: Poverty is an economic area phenomenon, which several consequences in the social field. Since when did the United Nations brought the issue to the theme of development, the doors for examination under the Human Rights were also open. The fight against poverty is one of the United Nations Programme priorities for Development – UNDP, what we can verifying by the Millennium Development Goals and the Sustainable Development Goals. Moreover, extreme poverty, in particular, gets attention of the Human Rights Council of United Nations, that in order to identify the major violations related to the theme and propose measures to the Economic and Social Council and the General Assembly, created the mandate of “special Rapporteur on extreme poverty and Human Rights”. There is no doubt that poverty should be considered violation of human rights, combating them must be decisively defined under the three pillars: economic, political and legal.
Keywords: Humans Rights – United Nations – Millennium Development Goals – Sustainable Development Goals – Poverty.
INTRODUÇÃO
O combate à pobreza constitui tema indissociável do combate à desigualdade, vocábulo que, etimologicamente, origina-se do latim aequalitate, igualdade, antecedida do prefixo dês, que indica negação.
Embora, ao falarmos do significado de desigualdade, tenhamos à mão uma pluralidade de sentidos, neste texto primaremos pelos aspectos econômico, político, social e ético que sejam relacionados à pobreza, tanto no plano nacional, quanto no plano internacional.
A desigualdade econômica, podemos dizer, consiste na má distribuição de renda de país em relação à sua sociedade, contexto em que poucos detêm muito e muitos detêm pouco.
Por sua vez, a desigualdade social, vem a ser a falta de políticas públicas implementadas pelo Estado, com o fim de assegurar a todos acesso aos bens mínimos que garantam a promoção e a proteção da dignidade da pessoa humana, como saúde, educação, trabalho, habitação, vestuário, transporte, segurança pública etc.
Pensando no tema das inegalités, Rousseau, já no século XVIII, assim posicionava-se:
Concebo na espécie humana, duas espécies de desigualdades: uma que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença, das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilegiados de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles. (ROUSSEAU, 2016)
Sujeita à prova do tempo, essa noção de desigualdade que resiste há três séculos, especialmente no tocante à desigualdade moral ou política, vem ao encontro da definição de desigualdade econômica atualmente vivenciada em diversos países, especialmente aqueles menos desenvolvidos. É a consequência da má distribuição de renda, conjugada com desastrosas políticas econômicas e sociais.
Analisaremos, também, no presente artigo, a normativa internacional dos Direitos Humanos e os documentos internacionais sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, salvaguardados pelos instrumentos adotados pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas cuja efetividade, a depender da aplicação interna nos países, tem o condão de diminuir, sensivelmente, a desigualdade que dá origem à pobreza.
Feitas essas considerações, passamos à estrutura do texto. Primeiramente, abordaremos a pobreza sob o ângulo da economia a fim de compreender sua relação com a renda e a liberdade. Em seguida, analisaremos o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio afeto ao combate à pobreza, para, enfim, tratarmos do tema sob o prisma dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Depois, trabalharemos a pobreza do ponto de vista político, que nos servirá de apoio para o tratamento do tema enquanto violação aos Direitos Humanos.
A observação empírica demonstra que o tema é de grave atualidade. Embora o combate à pobreza tenha conhecido grandes avanços, milhões de pessoas, em todo o mundo, ainda atravessam severas privações materiais, flertando, diariamente, com o perverso temor da fome e da penúria. Não faltam argumentos, portanto, para que o combate à pobreza seja compromisso conjunto da economia, da sociedade, da política, do direito e da academia, a inspirar verdadeira visão integrativa sobre o tema.
1 A POBREZA SOB O PRISMA ECONÔMICO
Partindo da premissa de que a pobreza é um fenômeno mais afeto à economia do que ao direito (BALERA, 1982, p. 9), é imprescindível a definirmos sob o ponto de vista econômico.
Na empreitada pela construção de um conceito de pobreza, destaca-se, em parâmetros mundiais, a produção do Grupo Banco Mundial, criado em Bretton Woods, New Hampshire, Estados Unidos, em 1944 e, posteriormente, incorporado às Nações Unidas como agência especializada. Trabalhando com a ideia de limiares de pobreza, conceito que é tributário dos esforços do Professor de Economia Martin Ravaillion, que dirigiu o grupo de pesquisa sobre desenvolvimento do Grupo Banco Mundial, referido organismo passou a classificar os graus de pobreza de acordo com os critérios de renda e capacidade de consumo. Assim, sob o prisma econômico, fala-se em pobreza extrema, pobreza moderada e pobreza relativa.
A pobreza extrema, também denominada miserabilidade, cobre a situação das pessoas que auferem até U$ 1,25 por dia (LA BANQUE MONDIALE, 2015) e, dessa forma, “não podem satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência” (SACHS, 2005, p. 46).
Encontramos um rol exemplificativo acerca das necessidades básicas de sobrevivência, sob a perspectiva econômica, nos escritos de Amartya Sen. Ao explicar o papel das liberdades substantivas no desenvolvimento, o Prêmio Nobel em economia, afirma que a pobreza econômica “rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico” (SEN, 2010, p. 17).
Por sua vez, a classificação “pobreza moderada”, é mensurada pela percepção de U$ 1,25 a U$ 2,00 por dia (SACHS, 2005, p. 47). Trata-se da situação das pessoas que, enfrentando graves dificuldades, conseguem suprir as necessidades básicas de que fala Amartya Sen.
A seu turno, a pobreza relativa apresenta-se como a situação de todos aqueles cuja renda não permite gozar da cultura, do entretenimento, e também dos serviços de educação e de saúde de qualidade (SACHS, 2005, p. 47).
A utilização do critério de dólares por dia para determinação da pobreza remonta ao início da década de 1990. Inicialmente, a linha da extrema pobreza era determinada pela renda de U$ 1,08, o que mudou, em 2005, para os U$ 1,25, referência que encontramos na maior parte dos documentos das Nações Unidas, incluindo a primeira das sete metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 1: Erradicação da Pobreza, que abordaremos com o devido aprofundamento mais adiante.
Contudo, em 2011, verificando a alta de preços que bens e serviços vinham sofrendo nos países em desenvolvimento, o Grupo Banco Mundial passou a atualizar o valor que representa divisor de águas entre os limiares da pobreza, determinando que U$ 1,90, desde então, seriam o limite da pobreza extrema. Deste novo cálculo, no entanto, excluem-se cinco países, em razão da manutenção de seus preços internos, são eles: Bangladesh, Cabo Verde, Cambodja, Jordânia e Laos (THE WORLD BANK, 2016).
Se pensarmos que, em 1981, 44% da população mundial vivia sob a linha da miséria; que, em 1990, esse percentual equivalia a 37%; e, que, em 2012 o número havia caído para 12,7% (THE WORLD BANK. PORVERTY. OVERVIEW, 2016) fica impossível negar o grande progresso dos últimos 30 anos.
Contudo, há fortes razões para crermos que a renda auferida, em si mesma, não encerra o dramático catálogo de privações que se impõem a milhões de pessoas em todo o mundo. Não sem razão, Amartya Sen propõe que a pobreza seja identificada como privação de capacidades.
Sua proposta ancora-se na visão de que a renda não é o fim, mas sim instrumento que conduz a pessoa ao pleno gozo de suas capacidades, isto é, da liberdade real para fazer escolhas dentro de suas possibilidades (SEN, 2010, p. 105).
A privação de capacidades, portanto, além da renda, leva em consideração fatores como a idade, deficiência e doenças, os papéis sociais e sexuais e obrigações familiares que costumam ser determinadas em função do local e das condições epidemiológicas (SEN, 2010, p. 121). Sen afirma que, ao lado da renda baixa, esses fatores podem potencializar desvantagens que tornam a conversão da renda em liberdades reais ainda mais difícil.
A idade avançada, a existência de deficiências ou a manifestação de doenças pode obrigar a pessoa a despender sua renda com tratamento e outros recursos a fim de que possa gozar do mais alto nível possível de saúde. Na prática, essas despesas fazem com que a privação de capacidades seja maior do que poderíamos perceber se nos detivéssemos a analisar apenas a renda. Trata-se da pobreza real (SEN, 2010, p. 121).
Em relação aos papéis sociais e sexuais, quando a família decide empregar o melhor de seus recursos na educação e na saúde dos meninos, as meninas sofrem mais acentuadamente a privação de suas capacidades, o que as faz, inexoravelmente, padecer ainda mais nos quadros da pobreza real (SEN, 2010, p. 122).
Ademais, em alguns países desenvolvidos, verifica-se que não é suficiente ter renda maior do que U$ 1,90 por dia a fim de superar o limiar da extrema pobreza, uma vez que o custo de vida interno é muito alto, de modo que renda deve ser ainda maior para converter-se em liberdade real.
A proposta de Amartya Sen rompe o paradigma da exclusividade da renda, para dar lugar à perspectiva da liberdade real na realização das possibilidades que a pessoa tem razão para valorizar e que estão verdadeiramente ao seu alcance (SEN, 2010, p. 123). Afinal, já consistente em informação inolvidável a assertiva de que, a pobreza, muito além das restrições de ordem quantitativa, notadamente a renda, implica, na vida prática, em diversas ordens de incapacidade qualitativa (DEMO, 1996, p. 71).
2 O FIM DA FOME E DA MISÉRIA COMO OBJETIVO DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO
Não se pode negar que a fome e a miséria são temas preocupantes no processo de consolidação dos mecanismos de proteção internacional dos Direitos Humanos, inúmeras vítimas têm sido socorridas da denegação desses direitos.
É inadmissível que continuem a ser negligenciados em nossa parte do mundo os direitos econômicos, sociais e culturais. O descaso com estes últimos é triste reflexo da sociedade marcada por gritantes injustiças e disparidades sociais.
A realidade é nefasta, milhares de pessoas encontram-se no mais baixo nível da linha da pobreza, vivendo situação de total ausência de dignidade humana, de alimentos, de água, de condições mínimas indispensáveis para a garantia da vida digna.
Muitos povos estão se esforçando para afastar essa nefasta herança social – a pobreza, a miséria – buscando a valorização da vida, da igualdade e da liberdade, da prevalência dos direitos humanos.
E o desenvolvimento solidário dos povos revela-se o caminho decisivo na história da humanidade para atacar o grave problema da fome e da miséria na busca da paz social. Trata-se da busca do desenvolvimento dos mais pobres, do favorecimento da justiça social e do bem de todos.
Para alcançar esse ideário os países economicamente mais fortes devem buscar, no campo econômico, um equilíbrio nas relações comerciais, de modo a permitir o progresso dos países mais pobres, uma integração justa e equilibrada, que não vise apenas aos seus interesses, mas uma solidariedade plena e a promoção do bem de todos, dos povos e da humanidade. E nesse pensar, o valor dignidade humana deve ser a via na luta contra a fome e a miséria, uma vez que o futuro dos povos do mundo depende da solução desse grave problema social (SILVA, 2009).
Mas o que seria pobreza, para além do conceito econômico?
Pobreza é fome. Pobreza é a falta de abrigo. Pobreza é estar doente e não ter condições de ir ao médico. Pobreza é não ter condição de ir à escola e não saber ler. Pobreza é não ter um emprego, é não ter perspectiva para o futuro – viver um dia de cada vez. Pobreza é perder uma criança para uma doença pela falta de água potável. Pobreza é não ter liberdade, não ter igualdade – é não ter o mínimo de subsistência.
A pobreza não é apenas de ordem monetária: pode-se sofrer de isolamento (pobreza relacional), de ausência de formação (pobreza cultural), de condições de vida difícil (pobreza de existência) (MORIN, 2013).
O fim da pobreza é possível?
É possível, sim. Esse é o desafio da nossa geração – do século XXI – buscar ajudar os mais pobres dos pobres a escapar da miséria em busca da via para a escalada do desenvolvimento. Uma sociedade só pode progredir em complexidade, se progredir em solidariedade efetiva.
O fim da pobreza não é apenas o fim do sofrimento humano extremo, mas também o começo do progresso social – da esperança.
O fim da pobreza é reconhecê-la como uma violação aos Direitos Humanos – os direitos da humanidade, como veremos mais adiante.
E com esse propósito – na busca da efetividade dos Direitos Humanos e da condição humana – de todos os homens poderem gozar de garantias mínimas de subsistência, (água, saúde, alimentação, saneamento, moradia e outras necessidades vitais), que em setembro de 2000, os líderes mundiais reuniram-se na sede das Nações Unidas, em Nova York, para adotar a Declaração do Milênio da ONU (Organização das Nações Unidas).
Com a Declaração surgiu o que se nominou de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), sendo o primeiro dos oito objetivos: acabar com a fome e a miséria, com prazo para seu alcance até dia 31.12.2015.
O Brasil, segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), foi um dos países que mais contribuiu para o alcance global da meta 1, reduzindo a pobreza extrema e a fome não apenas pela metade ou a um quarto, mas a menos de um sétimo do nível de 1990, passando de 25,5% para 3,5% em 2012.
Isto significa que o Brasil, considerando os indicadores escolhidos pela ONU para monitoramento do ODM 1, alcançou tanto as metas internacionais quanto as nacionais.
O PNUD destaca que outro fator em que houve mudanças foi o analfabetismo na extrema pobreza. Em 1990, a chance de uma família liderada por um analfabeto estar em situação de pobreza extrema era 144 vezes maior que a de uma família liderada por alguém com curso superior. Essa razão diminuiu em 2012 e passou a ser de apenas 11:1 (PNUD. ODM, 2016).
Contudo, esse trabalho em conjunto pelas nações, ainda não atingiu milhões de pessoas – é preciso a humanidade se esforçar um pouco mais para acabar com a fome e a miséria. E, com essa finalidade, no dia 25.09.2015, foi aprovada a Agenda 2030, para o Desenvolvimento Sustentável, que contém dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas relacionadas.
Essas ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) aprovadas, que veremos mais a seguir, foram construídas sobre as bases estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), de maneira a completar e responder aos primeiros desafios.
Elencamos, neste particular, as metas do Objetivo 1 dos ODM, de acordo com PNUD (PNUD. ODM, 2016):
1. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a um dólar PPC por dia.
– Proporção da população que ganha menos de 1 dólar PPC por dia;
– Índice de hiato de pobreza (incidência x grau de pobreza);
– Participação dos 20% mais pobres da população na renda ou no consumo nacional;
2. Reduzir a um quarto, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a 1 dólar PPC por dia.
– Participação dos 20% mais pobres e dos 20% mais ricos na renda nacional;
– Distribuição das pessoas entre os 10% mais pobres e o 1% mais rico, por cor/raça;
– Evolução do coeficiente de Gini no Brasil;
– Taxa de crescimento médio anual dos rendimentos, por décimo da distribuição de
– renda;
– Evolução da pobreza extrema no Brasil por cor/raça;
– Evolução da pobreza extrema segundo área de residência;
– Evolução da pobreza extrema por Regiões;
– Desnutrição proteico-calórica em crianças com menos de 1 ano e entre 1 e 2 anos
– de idade, nas áreas cobertas pela Estratégia Saúde da Família;
– Taxa de internação de crianças com menos de 1 ano de idade por desnutrição nas Regiões do Brasil;
3. Alcançar o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos, incluindo mulheres e jovens.
– Taxa de crescimento do PIB por pessoa empregada;
– Razão entre emprego e população dos dois sexos;
– Porcentagem de pessoas empregadas com renda inferior a 1 dólar por dia (dólar PPC);
– Porcentagem de trabalhadores por conta própria e que contribuem para a previdência social, em relação ao emprego total.
4. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população que sofre de fome.
– Prevalência de crianças (com menos de 5 anos) abaixo do peso. Fontes: UNICEF e OMS;
– Proporção da população que não atinge o nível mínimo de crescimento dietético de calorias. Fonte: FAO.
5. Erradicar a fome entre 1990 e 2015.
– Disponibilidade de kcal para consumo da população;
– Prevalência de crianças (com menos de 2 anos de idade) abaixo do peso, por Regiões;
– Prevalência de adultos (20 anos ou mais de idade) abaixo do peso;
– Prevalência de adultos com sobrepeso ou obesidade.
3 A ERRADICAÇÃO DA POBREZA COMO OBJETIVO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável emergiram após três anos de debates e discussão, entre os líderes de governo e de Estado, que, por consenso, aprovaram o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
A agenda é um plano – uma planificação de ações focadas e coerentes para as pessoas, o planeta e a prosperidade. A agenda é o vetor na busca da paz, sendo a erradicação da pobreza extrema e da miséria como o maior desafio global do desenvolvimento sustentável. A agenda consiste em uma Declaração com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os quais correspondem a 169 metas. Contém uma seção sobre meios de implementação e de parcerias globais – cooperação –, e um arcabouço para acompanhamento e revisão.
A agenda dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) aprovada na Cúpula das Nações Unidas foi construída sobre as bases estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), de maneira a completar os trabalhos estabelecidos e responder a novos desafios. Esses objetivos são integrados e indivisíveis, e mesclam os três pilares do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.
A agenda dos ODS tem por objetivo a via para o futuro da humanidade, na busca por um mundo melhor, solidário e mais humano. A agenda propõe um mundo em busca de um caminho sustentável e resiliente: “Não queremos e não devemos deixar ninguém para trás no processo de desenvolvimento sustentável” (MORIN, 2013).
O primeiro objetivo do desenvolvimento sustentável é a erradicação da pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.
Elencamos a agenda para este objetivo 1, de acordo com o PNUD (PNUD. ODS, 2016):
1.1 Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, atualmente medida como pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 por dia.
1.2 Até 2030, reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.
1.3 Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis.
1.4 Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças.
1.5 Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais.
1.a Garantir uma mobilização significativa de recursos a partir de uma variedade de fontes, inclusive por meio do reforço da cooperação para o desenvolvimento, para proporcionar meios adequados e previsíveis para que os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, implementem programas e políticas para acabar com a pobreza em todas as suas dimensões.
1.b Criar marcos políticos sólidos em níveis nacional, regional e internacional, com base em estratégias de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero, para apoiar investimentos acelerados nas ações de erradicação da pobreza.
A agenda dos ODS é um desafio – um olhar para que a humanidade não desista da incansável luta pela busca da dignidade da pessoa humana, para a garantia de uma vida digna e justa, fundada na verdade e na solidariedade, na dedicação e no respeito aos direitos do próximo, na liberdade digna dos cidadãos, direitos esses que fazem parte da convivência humana (SILVA, 2009).
A busca pela valorização da vida – afastar essa nefasta herança social: a pobreza, a miséria e a fome –, e a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são indissociáveis. É um novo olhar para o futuro da humanidade – do desenvolvimento integral do homem.
Para que a humanidade alcance esses objetivos é preciso buscar a regeneração do pensamento político, da política da humanidade, da política da civilização – da regeneração da solidariedade, da cooperação.
É preciso a reforma democrática, a reforma ecológica, as vias das reformas econômicas, a reforma do pensamento sobre educação, as reformas das sociedades (consumo, alimentação, medicina, saúde), a reforma da vida, o olhar para o próximo, a reforma da ética, da política.
Como acentua Morin (MORIN, 2013), o que não nos impede de começar uma nova ótica social, tanto aqui como em qualquer lugar, há de nos dirigir para vias que já transformam a partir do momento em que nos dispomos a caminhar. E vamos caminhar rumo ao desenvolvimento integral do homem.
6 POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA
Lembrando que, no âmbito do Grupo Banco Mundial, a pobreza é marcada costumeiramente, sob três classificações, pontuamos, aqui, duas delas, para análise das políticas de combate à pobreza absoluta e relativa. Como vimos, a pobreza absoluta “está estreitamente vinculada às questões de sobrevivência física, portanto ao não atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital” (ROCHA, 2007, p. 9 e 10). No tocante à pobreza relativa, por outro lado, trata-se das “necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida predominante na sociedade em questão, o que significa incorporar a redução das desigualdades ou meios entre indivíduos como objetivo social” (ROCHA, 2007, p. 9 e 10). Ainda, há que se registrar que, classificar a pobreza relativa, “implica, consequentemente, delimitar um conjunto de indivíduos relativamente pobres em sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos” (ROCHA, 2007, p. 9 e 10).
Em síntese, o conceito de pobreza relativa está vinculado à condição “mediana” de riqueza de cada país, não obrigatoriamente relacionada à carência de bens e serviços classificados como essenciais. Tal classificação é aplicável aos países desenvolvidos, onde a renda per capita é elevada e “a desigualdade de renda é em grande parte compensada por transferências de renda e pela universalização do acesso a serviços públicos de boa qualidade”. Em outros termos, a pobreza absoluta está relacionada ao “não-atendimento de necessidades tidas como básicas, independentemente da riqueza nacional. A conceituação da pobreza absoluta requer o estabelecimento de um limite objetivo, que, no caso, é o valor de uma cesta de bens capaz de atender a um mínimo de necessidades alimentares, de outra, composta de bens não-alimentares” (SILVESTRE DA SILVA, 2003).
O combate à pobreza também está presente nos sistemas regionais de proteção de direitos humanos, expresso nos ordenamentos jurídicos de muitos países, sejam estes desenvolvidos ou não, como políticas para reduzir acentuadamente as desigualdades existentes entre os indivíduos.
Começando pelo âmbito internacional, necessário se faz apontarmos uma breve evolução histórica sobre os direitos sociais que se iniciaram após a Primeira Guerra Mundial.
Os fatores preponderantes que antecederam o marco de proteção internacional dos direitos sociais, deram-se, inicialmente, através de lutas contra o liberalismo econômico, surgido no anos de 1820 a 1840, com a Revolução Industrial, sendo este período um grande percussor para o surgimento do Capitalismo. Apesar do processo de mudanças no meio de produção, tem-se também o processo de mudança no crescimento do número de detentores de riqueza, o que faz surgir, a concentração de riquezas nas mãos de particulares, criando-se um Estado alheio às questões privadas, como, por exemplo, às relação de trabalho.
Esse estado de coisas deu ensejo ao surgimento de muitos movimentos sociais na Europa e nos Estados Unidos, com lutas para o reconhecimento de direitos sociais, cujos resultados vemos na legislação social de Otto Von Bismark, do ano de 1884, na Alemanha, e também na manifestação da Igreja ao publicar a Carta Encíclica Rerum novarum, elaborada pelo Papa Leão XIII em 1891.
Porém, foi após a Primeira Guerra Mundial que surgiu a proteção aos direitos sociais em termos Constitucionais. Assim, no ano de 1917, o Estado mexicano é o primeiro a normatizar no plano Constitucional as relações de trabalho, proteção que, no ano de 1919, é repetida pela Constituição de Weimar.
É de suma importância fazermos constar, ainda, como um dos grandes marcos da internacionalização dos Direitos Humanos, a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, cujos objetivos são de caráter: humanitário, no sentido de proibir condições injustas, difíceis e degradantes de trabalho; políticos, a fim de impedir riscos de conflitos sociais que possam ameaçar a paz; e, também, econômicos. Atualmente, a Organização Internacional do Trabalho é organismo vinculado à Organização das Nações Unidas, possuindo, como fundamentos, a paz universal e permanente, que só poderá ser alcançada através da justiça social.
No curso da história, com o fim da Segunda Guerra Mundial no ano de 1945, através da Carta de São Francisco, foi criada a Organização das Nações Unidas. Em seu documento constitutivo, no art. 1º, vemos disciplinados seus propósitos: a manutenção da paz internacional; a defesa dos direitos humanos; o estabelecimento de relações amistosas entre as nações, com base no princípio de autodeterminação dos povos; a cooperação dos países na solução de problemas internacionais de ordem econômica, social, cultural e humanitária; e constituir-se em centro de convergência das ações dos estados na luta pelos objetivos comuns.
A cooperação econômica e social, prevista no art. 55 da Carta, trata da promoção da elevação dos níveis de vida; pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento econômico; a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, de saúde, como a cooperação internacional nos aspectos educacionais e culturais; o respeito universal e efetivo aos direitos da pessoa e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de etnia, sexo, língua ou religião.
Pouco após a criação das Nações Unidas, viu-se a necessidade de constituir um documento que consagrasse tanto os os direitos civis e políticos quanto os direitos econômicos, sociais culturais. Assim, na data de 10.12.1948, através da Resolução 217 A (III) foi adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Dos 58 Estados membros das Nações Unidas, 48 votaram a favor e nenhum contra, oito se abstiveram e dois encontravam-se ausentes na ocasião. Refletindo sobre o tema, Cançado Trindade conclui que:
O impacto da Declaração Universal de 1948 tornou-se ainda mais considerável pelo lapso de tempo prolongado (dezoito anos) entre a sua proclamação e a adoção dos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas (em 1966), o que contribuiu para florescer a tese de que alguns dos princípios da Declaração cedo se afiguravam como parte do direito Internacional consuetudinário, ou como expressão dos princípios gerais do direito, invocados em processos nacionais e internacionais. (TRINDADE, 2003, p. 58-59)
A proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, somada à adoção do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cuja vigência iniciou-se no ano de 1976, fez nascer a Carta Internacional dos Direitos Humanos – International Bill of Rights Human.
Em síntese, a Declaração Universal de 1948 trouxe a concepção contemporânea de Direitos Humanos, marcada pelas características da universalidade e da indivisibilidade desses direitos.
Se, por um lado, a nomenclatura universalidade justifica-se “porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição humana de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana” (PIOVESAN, 2013, p. 182-183); por sua vez, o termo indivisibilidade justifica-se “porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa” (PIOVESAN, 2013, p. 182-183).
Sobre a relação entre pobreza e Direitos Humanos, merece destaque o texto do art. XXVIII da Declaração Universal de 1948, que enuncia: “toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração possam ser plenamente realizados”.
Antes da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os direitos individuais e sociais eram dissociados. Conforme aponta Alceu Amoroso Lima, “durante o século XIX se acentuou a dissociação entre direitos individuais e direitos sociais, com a primazia crescente dos primeiros, já que o movimento revolucionário dos séculos XVII (Inglaterra) e XVIII (França) resultou no individualismo dominante no século XIX” (LIMA, 1999, p. 45-48). Assim, a Declaração Universal de 1948 “foi a maior tentativa de superar a antítese direitos individuais e direitos sociais”, reiterando assim, a indivisibilidade dos Direitos Humanos (LIMA, 1999, p. 45-48).
Seguido à Declaração, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, traz, em seu art. 11, vasto catálogo de direitos que devem ser garantidos às pessoas mais pobres.
Há que acrescentarmos que o ano de 1993 é profundamente marcado pela Declaração e Programa de Ação de Viena, que reitera, em seu art. 5º: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase”.
Desta forma, a Declaração de Viena de 1993 acentua a concepção contemporânea de Direitos Humanos no que se refere à universalidade e à indivisibilidade dos direitos, mediante o reconhecimento de um maior número de Estados, comparativamente ao que se tinha quando da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
No curso histórico, o ano de 1986 é marcado por um importante instrumento proclamado no âmbito do sistema global de proteção aos Direitos Humanos, qual seja, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução 41/133 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Cotejando o art. 2º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento com o art. 55 da Carta das Nações Unidas, embora sejam instrumentos internacionais distintos, temos a consagração do desenvolvimento como um direito humano a ser alcançado, o que, necessariamente, implica no combate à pobreza.
Não há dúvidas de que “a realização histórica do desenvolvimento conduzirá à melhoria da condição de vida das pessoas humanas. Não se trata de simples fator. Se a resultante do desenvolvimento não fosse a promoção humana não sobraria nada de relevante na perspectiva dos Direitos Humanos” (BALERA, 2015, p. 51-52).
Feitas essas considerações, encaminhamos a abordagem política do combate à pobreza para o âmbito nacional.
O Estado brasileiro, com a redemocratização do País, iniciou-se na era do reconhecimento de instrumentos internacionais de Direitos Humanos. Assim, a Constituição Federal de 1988, após 40 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, consagra direitos universais e indivisíveis em vários de seus trechos, como por exemplo, no art. 1º, ao tratar, no inc. III da dignidade da pessoa humana.
O combate à pobreza é também colocado de modo mais expresso, como se pode ler do art. 3º da Constituição: que no inc. II trata da garantia do desenvolvimento nacional e, no inc. III, da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais.
Ademais, no tocante à previsão Constitucional, podemos citar o art. 6º que elenca como direitos sociais: educação, saúde, alimentação, moradia, lazer, segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados; o art. 7º que trata dos direitos dos trabalhadores; o art. 179, que lança as bases da ordem econômica; o art. 194, que trata da Seguridade Social; o art. 196, que se ocupa da saúde; e, também, o art. 203, que dispõe sobre a assistência social.
No âmbito estritamente político, após as tentativas de governos anteriores a 1995 de estabilizar a economia, tendo em vista o alto índice inflacionário, identificamos um grande contributo para o aumento da pobreza e aprofundamento da desigualdade econômica no Brasil. Por outro lado, como via positiva, o início do controle da inflação passa a marcar o compromisso internacional com os Direitos Humanos.
No ano de 1992, o então Presidente da República Itamar Franco reconheceu e assinou instrumentos de proteção aos direitos humanos, como por exemplo o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Com o início do reconhecimento dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos acima mencionados, foram adotadas diversas políticas de combate à pobreza no Brasil, ainda no Governo Itamar Franco, com destaque para a Ação da Cidadania contra a Fome, que culmina em 1993 com o surgimento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar – CONSEA. Neste mesmo período delineava-se uma mudança na moeda do país, que era a constituição do plano real que, no ano de 1995, alcançou a estabilização da inflação, fazendo surgir, então, outras políticas de combate à pobreza.
No ano de 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu o CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar, substituindo-o por outros programas, tais como os novos programas de crédito popular como o Programa de Geração de Renda – PROGER, iniciado em 1995, com iniciativas de apoio ao pequeno empreendimento, o PROGER RURAL, o Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar – PRONAF, o Programa de Crédito para a Reforma Agrária – PROCERA e o Programa Crédito Produtivo Popular do BNDS. Sua principal representação encontra-se no Plano Nacional de Educação Profissional – PLANFOR, iniciado em 1996, com o objetivo de qualificar a força de trabalho, elevar o nível de escolaridade da população economicamente ativa, estimular a oferta de emprego e de oportunidade de geração de renda, entre outros.
Frisa-se, ainda, os programas e as ações implementados aos programas de transferências condicionadas de renda que procuravam garantir patamares mínimos de renda familiar, com objetivos de melhoria do desempenho escolar e da saúde dos assistidos. Seguindo essa proposta, em 1996 o Governo Federal lança o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, com a finalidade de retirar crianças e adolescentes do trabalho precoce, combinando transferência de renda com a participação em uma jornada ampliada de estudos e atividades correlatas. Em 2001, após a aprovação pelo Congresso Nacional do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza são lançados importantes programas federais de transferência de renda, por três diferentes ministérios: o Bolsa Escola, pelo Ministério da Educação; o Bolsa Alimentação, pelo Ministério da Saúde; e o Auxílio Gás, pelo Ministério de Minas e Energia. Em 2002, o Bolsa Escola alcança uma cobertura de cerca de cinco milhões de famílias, recorde naquele período. Na esfera dos direitos assistenciais, o Benefício de Prestação Continuada – BPC é o principal benefício implementado. Este prevê a transferência de um salário-mínimo para idosos e deficientes com renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo, sendo revisado a cada dois anos.
Em 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio da Silva, o destaque é a unificação dos programas de transferência de renda federais no Programa Bolsa Família, o que viabilizou sua expansão nacional para alcançar todas as famílias abaixo da linha de pobreza estabelecida (AZEVEDO, 2006).
O Estado Brasileiro, ainda no fito do combate à pobreza, cria, no ano de 1996, através do Decreto 1.904, de 13.05.1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos, cujo objetivo é a promoção e defesa dos direitos humanos.
Por fim, através do Decreto 7.037, de 21.12.2009 as Diretrizes do Programa passam a ser implementadas, tais como: interação democrática entre Estado e sociedade civil; desenvolvimento dos Direitos Humanos: desenvolvimento sustentável, com inclusão social e econômica; universalizar direitos em um contexto de desigualdades; segurança pública, acesso à justiça e combate à violência; educação e cultura em Direitos Humanos; direito à memória e à verdade.
Desta forma, ainda que haja muito a ser feito para o completo sucesso do combate à pobreza, as políticas públicas implementadas foram essenciais na diminuição das desigualdades econômicas, inclusive a erradicação da pobreza extrema, como vimos em tópico anterior. Mas, ainda, é preciso admitir que muito precisa ser feito.
5 A ÉTICA DO RECONHECIMENTO DA POBREZA COMO VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A ética, isto é a “ciência da conduta” (ABBAGNANO, 2012, p. 442) deve nortear a condução da pobreza ao patamar de violação aos Direitos Humanos.
O combate e a eliminação da pobreza não devem aguardar a caridade, mas ser reconhecidos como um direito intrínseco à dignidade de toda e qualquer pessoa humana, característica que se deve à “natureza indefinida” do homem, única criatura que tem a faculdade de tornar-se aquilo que bem quiser (PICO DELLA MIRANDOLA, 2006, p. 55).
A fim de mensurar o impacto da pobreza no gozo dos droits de l’homme, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas instituiu o mandato do Relator Especial sobre a Extrema Pobreza e os Direitos Humanos, que conta, atualmente, com seu 4º expert independente: o Professor australiano Philip Alston.
O relator especial tem nas mãos a imprescindível atividade de fiscalizar violações a Direitos Humanos e também propor soluções a serem adotadas tanto pelas Nações Unidas quanto pelos Estados, no âmbito interno. Em relatório de 2015, transmitido ao Conselho de Direitos Humanos através da Resolução A/70/274, Alston questionou a indiferença do Grupo Banco Mundial quanto ao respeito aos Direitos Humanos (NATIONS UNIES, 2016).
Sabendo que o Grupo, cuja postura fora justamente criticada, é agência especializada das Nações Unidas, imaginemos quão maior não será a resistência aos Direitos Humanos por parte de setores das sociedades e dos Estados!
O reconhecimento da pobreza como violação aos Direitos Humanos, implica no correto dimensionamento da falta de acesso à alimentação, à saúde, à educação, à cultura, e ao conjunto de bem estar que a pessoa tenha razão para valorizar.
Assim, se adotarmos o conceito socrático de que justiça consiste em “cada um cumprir a tarefa que é a sua” (PLATÃO, 2014, p. 154-155), não admitiremos mais que a desigualdade, que se verifica na opulência de poucos e na miséria de muitos, continue cavando ainda mais fundo o fosso da pobreza.
Com efeito, sabendo que uma das mais respeitáveis concepções de justiça aplica-se na máxima “a cada qual segundo suas necessidades” (PERELMAN, 2005, p. 25), permitimo-nos questionar: senão o reconhecimento da pobreza como violação aos Direitos Humanos, domínio jurídico profundamente inspirado no mundo ético, qual o caminho adotar para que a pobreza seja integralmente combatida?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o marco de U$ 1,90 por dia tenha sua importância para classificar os limiares da pobreza, é chegado o momento de abandonar o simplista critério da renda e pensar na pobreza como privação de capacidades, de liberdade e, portanto, como patente violação aos Direitos Humanos.
Diversas iniciativas internacionais, como o estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e, posteriormente, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no âmbito do PNUD, além da instituição do mandato do Relator especial para a Extrema Pobreza no seio do Conselho de Direitos Humanos, têm mobilizado os Estados, a sociedade e também organizações internacionais a prestarem seu contributo no combate à pobreza, em máxima expressão da justiça Socrática, segundo a qual, cada um deve fazer o que é devido.
No âmbito das políticas internas, o Brasil que, a partir de 1992, passou a assinar e ratificar instrumentos de proteção aos Direitos Humanos, vindo a consolidar internamente políticas ao combate à pobreza, também noticia notáveis avanços.
Na luta contra a pobreza, se grandes progressos fizemos, ainda temos um grande desafio a vencer. A guerra contra a fome, contra a falta de saúde e de educação de qualidade, bem como a ausência de saneamento básico e de outros direitos sociais, ainda não foi vencida. É preciso que as soluções sejam interativas, buscando ações sejam conjuntas em que não apenas o âmbito econômico seja privilegiado, mas também o ético, o social e o político. O compromisso tem de ser com o bem-estar humano, pois, afinal, a situação de miserabilidade de uma pessoa em qualquer parte, fere a dignidade humana como um todo.
REFERÊNCIAS
AMMANN, Safira Bezerra. Expressões da pobreza no Brasil: análise a partir das desigualdades regionais. São Paulo: Cortez, 2013.
BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015.
_____. O direito dos pobres. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
DEMO, PEDRO. Combate à pobreza – desenvolvimento como oportunidade. Campinas: Autores Associados, 1996.
PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. Discurso sobre a dignidade do homem. Edição bilíngue. Tradução e apresentação de Maria de Lourdes Sirgado Ganho. Estudo Pedagógico Introdutório: Luís Loia. Lisboa: Edições 70, 2006.
MORIN. Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2013.
PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. Revisão da tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
PIOVESAN, Flávia. Código de direito internacional dos direitos humanos anotado. São Paulo: DPJ, 2008.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
PLATÃO. A república (ou sobre a justiça, diálogo político). Tradução de Anna Lia Amaral de Almeida Prado. Revisão técnica e introdução de Roberto Bolzani Filho. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins Fontes (Paideia), 2014.
LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? 3. ed. São Paulo: FGV, 2007.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade (1754): Tradução de Maria Lacerda de Moura. Versão para eBook: eBooks Brasil.com. s.l.: Edição Eletrônica: Ridendo Catigat Mores, 2001.
SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos. Prefácio Bono. Prefácio à edição brasileira Rubens Ricupero. Tradução de Pedro Maia Soares. 1a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
SANTOS. A. S. R. dos. Dignidade humana: trajetória e situação atual. Revista de Direito Social. Rio Grande do Sul: Notadez, n. 2, 2001.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de Ricardo Doninelli Mendes. 1. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SILVA. R. S. da. Direito social – aposentadoria. São Paulo: LTr, 2009.
_____. Direitos humanos e o sistema internacional de proteção do Século XXI – o desenvolvimento como condição para a pacificação social. Revista Brasileira de Direitos Humanos. Porto Alegre: Lex Magister, n. 2, 2012.
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. v. I.
Sítios Consultados
AZEVEDO, Darana Carvalho de. BURLANDY, Luciene. Política de combate à pobreza no Brasil, concepções e estratégias. Rev. Katál. Florianópolis, v. 13, n. 2 p. 201-209 jul./dez. 2010. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/viewFile/S1414-49802010000200007/15104>. Acesso em: 28 abr. 2016.
BEATO PAULO VI. Carta Encíclica Populorum progressio. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/paul-vi/es/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html>. Acesso em: 25 abr. 2016.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 abr. 2015.
LA BANQUE MONDIALE. Pauvreté – vue d’ensemble. Disponível em: <http://www.banquemondiale.org/fr/topic/poverty/overview>. Acesso em: 07 fev. 2015.
NATIONS UNIES. Extrême pauvreté et droits de l’homme. A/70/274. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G15/105/93/PDF/G1510593.pdf?Open Element>. Acesso em: 28 abr. 2016.
PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si. Papa Francisco. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/francesco/it/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html>. Acesso em: 25 abr. 2016.
PNUD. IDH. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx>. Acesso em: 25 abr. 2016.
PNUD. ODM. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ODM.aspx>. Acesso em: 25 abr. 2016.
PNUD. ODS. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ODS.aspx>. Acesso em: 25 abr. 2016.
SILVESTRE DA SILVA, Tadeu. Pobreza no Brasil: afinal do que se trata? 3. ed. São Paulo: FGV, Rio de Janeiro, 2003, 244p. Revista Pensamento & Realidade, a. IX, n. 18, 2006. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/ 8404/6222>. Acesso em: 29 abr. 2016.
SÃO JOÃO XXIII. Carta Encíclica Pacem in terris. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html>. Acesso em: 25 abr. 2015.
THE WORLD BANK. PORVERTY. OVERVIEW. Disponível em: <http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/overview#1>. Acesso em: 28 abr. 2016.
THE WORLD BANK. The international poverty line has just been raised to $1.90 a day, but global poverty is basically unchanged. How is that even possible? Disponível em: <http://blogs.worldbank.org/developmenttalk/edutech/impactevaluations/internationalpoverty-line-has-just-been-raised-190-day-global-poverty-basically-unchanged-how-even>. Acesso em: 28 abr. 2016.
Notas de Rodapé
[1] Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada com atuação nas áreas de Direito do Trabalho e Empresarial. Professora de Pós-Graduação em Direito Previdênciário da Escola Paulista de Direito – EPD e do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários – IBEP.
[2] Doutoranda em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Advogada. Professora nas disciplinas de Direitos Humanos e Direito da Criança e do Adolescente na graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
[3] Mestre em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Pós graduanda em Direitos Humanos pela Universidade de Genebra. Pós-graduada em Direitos Fundamentais pelo IBCCRIM e o Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra. Professora Universitária. Advogada.