Princípio da Presunção da Inocência: Um Novo Olhar Político-Criminal à Luz do Princípio da Justiça

PRESUMPTION OF INNOCENSE: A NEW CRIMINAL POLICY VISION THROUGH THE JUSTICE IDEA

Isaac Sabbá Guimarães[1]

Resumo: O presente artigo visa, após estabelecer algumas noções de política criminal – uma matéria ainda não tão bem estudada no Brasil –, delinear aspectos fundamentais sobre as extensões do princípio da presunção da inocência, tendo como pano de fundo a decisão do STF que autoriza a execução da pena embora possíveis recursos para as Cortes superiores. A investigação é bibliográfica. O método para chegar-se a uma resposta ao problema é o indutivo.

Palavras-chave: Princípio da presunção da inocência. Política criminal. Princípio da justiça.

Abstract: this paper aims, after making some criminal policy notions, emphasize some aspects of the extensions of the presumption of innocense according the decions of Brazilian Supreme Court. The method to arrive at an answer is for indction.

Keywords: Presumption of innocense. Criminal policy. Justice idea.

INTRODUÇÃO

Em recente decisão lavrada no Habeas Corpus 126292/SP, que tem como relator o Ministro Teori Zavascki, o STF entendeu que a execução provisória de acórdão penal condenatório não compromete o princípio constitucional da presunção da inocência, mesmo que ainda possível recurso especial ou extraordinário. Esta posição, a todas as luzes contrária à jurisprudência até então adotada por nossa mais alta Corte, pode servir de paradigma a uma nova política criminal, que não apenas imprimirá celeridade ao início da execução da pena, mas desestimulará a interposição de múltiplos recursos, muitos dos quais falsamente destinadas ao controle de constitucionalidade. Ainda, e mais importante: poderá contribuir para que se instale na sociedade um sentimento de efetividade em torno da atividade jurisdicional na área criminal.

Mas o precedente que se criou – já aplicado como diretriz em inumeráveis decisões de Tribunais estaduais – não está isento de polêmica. Antes de mais, rompeu com uma posição consolidada no caudal de decisões daquela Corte. Portanto, a mudança de rumo causa impacto à praxe jurídico-jurisdicional e de advogados que militam na área criminal – para estes, ao menos no que diz respeito à impossibilidade de prolongar-se o processo até, em alguns casos, a quarta instância judicial. Em segundo lugar, põe-se em causa o sistema garantista que delimita a atuação estatal persecutória, com a afetação direta dos princípios da ampla defesa e da presunção da inocência. Consequentemente, já em outro plano de especulação, os princípios de Direitos Humanos poderiam ser afetados na medida em que uma condenação injusta afetaria algum bem jurídico do condenado – o maior deles, a liberdade física. Terá, então, o STF tomado decisão político-criminal guiado pelo pragmatismo, tendendo para a desconsideração de princípios fundamentais estruturantes do sistema garantista? Expondo o problema de outra forma, haverá, de fato, o comprometimento do sistema garantista caso o precedente venha a consolidar-se em outras decisões do STF?

Nosso intuito aqui é, após apresentada a guinada de posicionamento do STF quanto ao princípio da presunção da inocência, desenvolver aproximações ao problema acima debuxado, percorrendo três vias: a da compreensão da política criminal, considerando, especialmente, os limites que lhe são impostos pela Constituição; a procura de sentido do princípio da presunção da inocência; e a justificação da decisão pautada pelo princípio da Justiça.

A investigação, o tratamento dos dados e a elaboração do relato sob a forma de artigo, são realizados com base no método indutivo, e as técnicas utilizadas são a do referente, a de categorias e de conceitos operacionais. As categorias utilizadas terão seus conceitos operacionais descritos ao longo do trabalho.

1 ASPECTOS POLÍTICO-CRIMINAIS QUANTO AO TRATAMENTO DO CONDENADO

Normalmente pensa-se a política criminal como uma atividade inerente ao campo de atuação do legislador, que definirá estratégias de controle de fenômenos criminais nocivos à sociedade[2]. A arquitetura dessas estratégias em leis penais e processuais penais concretizada em um Estado democrático de direito, contudo, não pode ser lograda a qualquer custo, de maneira que se coloque em causa a própria estrutura de valores do Estado.

Assim, o Estado democrático de direito é já de ser reconhecido como um primeiro limite à atuação político-criminal, uma vez que as leis penais e os instrumentos processuais penais destinados à realização da persecução estatal do crime deverão estar em consonância com o conjunto de normas constitucionais. A propósito, encontramos facilmente algumas determinações político-criminais na própria Constituição. Os incs. XLII, XLIII e XLIV, do art. 5º, estabelecem os limites fundamentais sobre como tratar os autores dos crimes ali descritos (racismo, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e crimes praticados por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático); o inc. XLVI, preconiza o princípio da individualização da pena, além de estabelecer suas modalidades; enquanto que o inc. XLVII descreve aquelas que não serão toleradas em nosso regime jurídico-penal.

Mas se a Constituição, por um lado, é, em suas determinações, limite inultrapassável para o político-criminal, por outro, ela revela-se um conjunto fragmentário de normas. Especialmente se considerarmos a aplicação de normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos, de cunho eminentemente principiológico. Com isso queremos dizer que a Carta Política, antes de prescrever exatamente que normas deverão ser cunhadas pelo legislador, deixa espaços amplos para serem preenchidos pela discricionariedade legislativa. Observe-se: pela liberdade discricionária, que só não se transmuda em arbitrariedade se as opções do legislador estiverem apoiadas em outros dados de formação do universo jurídico-penal – aqueles que são fornecidos pela criminologia. Assim, também podemos dizer, com Correia, que a política criminal “recolhe e valora os resultados da criminologia[3], antes de converter-se em leis.

Mas é importante notar que em razão dos espaços assimétricos existentes entre os ordenamentos jurídicos constitucional e penal (este, no sentido definido por Figueiredo Dias, como Direito Penal Total, que engloba o direito substantivo, o Direito Processual Penal e a execução penal[4]), nem sempre vamos encontrar correspondências de políticas de criminalização ou de descriminalização, e de instrumentalização, visando a persecução criminal, entre eles. O legislador encontrar-se-á diante de princípios que necessitam ser compreendidos e definidos, por um lado, e espaços amplos sem qualquer injunção, por outro[5]. A Constituição apenas estabelece diretrizes para o legislador, que também comportam bens jurídicos fundamentais que não devem ser negligenciados. Dessa forma, será lícito afirmar que a liberdade do político criminal não vai a ponto de outorgar-lhe o poder de legislar, v.g., contrariamente aos valores fundamentais e dos Direitos Humanos[6].

Os espaços vazios entre os dois ordenamentos jurídicos parecem tomar maior dimensão na medida em que percebemos a nossa Constituição como resultante da última onda do constitucionalismo – o neoconstitucionalismo – que absorveu normas de caráter axiológico[7]. As assimetrias existentes entre os Códigos dos anos de 1940 (Penal e de Processo Penal), escritos durante o período de governo autoritário, e a Constituição, prenhe de valores axiológicos que, como normas jurídicas, são também aplicáveis aos problemas resultantes da atividade estatal de persecução criminal, impulsionam uma nova figura de político criminal: o Juiz.

O Juiz é hoje, a todas luzes, uma figura que está longe do que outrora se denominava bouche de la Loi, que era próprio do sistema jurídico preconizado pela École de l’exégèse, quando o formalismo positivista reduzia a concretização do Direito à interpretação da Lei, levada a efeito pela subsunção do fato à regra legal – concretizando-se-o, portanto, por meio do emprego de silogismos. Em seu papel de intérprete-operador, o magistrado participa das redefinições de atualização do Direito, decidindo em consonância com os valores que orbitam em torno do fenômeno jurídico. Dessa forma, não será incorreto reconhecê-lo como um político-criminal que, estando atento ao que ocorre em seu redor, contribuirá para estabelecer novas estratégias de controle de condutas criminais.

A operação silogística do antigo Juiz exegeta, que passava antes de tudo pela procura da ratio legis, ou, como em nossa tradição jurídica se costuma referir, a vontade do legislador, era imperfeita. Primeiro, porque a interpretação ao nível gramatical nos põe o problema da imperfeição do significado encontrado pelo intérprete. Os vocábulos são polissêmicos, assumindo sentidos diversos, de acordo com os jogos de linguagem utilizados pelos falantes (em nosso caso, operadores jurídicos). O próprio arrasto histórico é capaz de desgastá-los, retirando-lhes significados que se tornaram obsoletos, ou enriquecê-los com agregação de novos significados[8]. Pense-se, a propósito, no termo “garantia da ordem pública”, como requisito de decretação da prisão preventiva: certamente “ordem pública”, nos dias atuais, não terá o mesmo significado pretendido pelo legislador de 1940, quando, segundo Tornaghi, o processo penal tinha por fim precípuo a preservação da segurança, mesmo que com algum sacrifício da justiça[9]. Depois, porque o apego à interpretação de vocábulos de uma lei escrita sob regime autoritário, cria um longo hiato de sentidos (e de pretensões político-criminais) no atual quadro jurídico-constitucional. Mesmo que tenham sido feitas algumas alterações ao Código de Processo Penal – apenas parcelares, sem que se houvesse dado coerência ao conjunto de regras –, sobrevivem inúmeras determinações legais que, se confrontadas com o sistema garantista estabelecido na Constituição, criam rupturas de sentido na atividade persecutória do Estado. É nessa zona conflituosa que aparece o Juiz político criminal.

Não podemos nos esquecer, no entanto, que esse novo ingrediente definidor do Juiz brasileiro – que se tem recusado a ser servo da lei – cria algum embaraço quando assume o papel de político criminal. É que, por um lado, para colmatar as brechas existentes entre a lei processual penal e a Constituição, o Juiz tem se valido da aplicação dos princípios fundamentais, que ou vão confirmar a validade de determinada regra processual ou proscrevê-la do sistema jurídico legal por inconstitucionalidade. Por outro, a sanha libertadora que tem dominado o meio judicial tem desembocado no ativismo, como vemos entre os magistrados que se autodenominam democratas[10]. Em ambas as situações constataremos o uso abusivo dos princípios, algumas vezes simplesmente sem antes se cotejar a regra legal ou sondar sua constitucionalidade.

O recurso aos princípios como forma de resolver problemas jurídicos, traz alguns problemas. O primeiro deles diz respeito ao próprio conteúdo do princípio, que se revela de alto grau de generalidade, nele vendo-se hipóteses de concreção somente “dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes[11]. Isso dará ao operador jurídico uma ampla margem de decidibilidade, que, se não for preenchida por conceitos ético-jurídicos já consensual e fundamente arraigados na comunidade jurídica, poderá tornar-se concretização das impressões e valores pessoais do magistrado. O segundo, desdobrado, em realidade, em outros problemas, que se verifica quando o órgão decisor aplica o princípio fundamental diretamente ao caso problemático sem antes averiguar outro nível normativo, causa riscos para o princípio democrático – paradoxalmente tão ciosamente defendido pelos juízes democratas –, pois a admissão do uso de

princípios constitucionais, mesmo naquelas situações em que as regras legais são compatíveis com a Constituição e o emprego dos princípios ultrapassa a interpretação teleológica pelo abandono da hipótese legal, está-se, ao mesmo tempo, consentindo com a desvalorização da função legislativa e, por decorrência, com a depreciação do papel democrático do Poder Legislativo[12].

Em terceiro lugar, e como resultante do problema anterior, verificamos com esse modo de atuar a violação de três princípios fundamentais, o democrático, o da legalidade e o da separação de poderes. Finalmente, também podemos dizer que a constitucionalização de problemas que não requerem um controle de constitucionalidade, acaba por enfraquecer a Constituição, que vai sendo redefinida em razão de contingências, por vezes, ideológico-políticas.

Não é incomum, em conformidade com esse estado de coisas, observarmos nos anais da jurisprudência do STF o emprego do princípio da dignidade da pessoa humana – de imensa latitude conceitual – em decisões de habeas corpus para a concessão de liberdade provisória[13].

Há, também, uma clara intenção, a pretexto da individualização da pena (diga-se, princípio este interpretado de modo livre pelo STF), de ampliar-se a discricionariedade judicial. Embora no julgamento do HC 97.256 o STF reconheça que o enunciado contido no art. 5º, XLVI, da CR, estabeleça que a individualização da pena será determinada em lei (“a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”), seu relator, o Min. Ayres Britto, postulou “irreprimível discricionariedade” para o juiz deixar de aplicar a pena de privação ou de restrição de liberdade “sem prejuízo de que a proposição da lei pudesse ser endurecedora nos crimes enunciados na Constituição Federal”. O entendimento esposado pelo ex-Ministro foi, a partir de então, seguido como paradigma para decisões que consideraram a vedação de conversão de pena de reclusão em pena restritiva de direitos, contida no art. 44, da Lei 11.343/06, inconstitucional – apesar de não o ser se bem atentarmos para o que dispõe o art. 5º, XLVI da Constituição.

Ocorre que, se de um lado a política criminal laborada pelo judiciário arrima-se mais na operação de interpretação-aplicação da lei (também a lei constitucional) aos casos, normalmente prescindindo de outros recursos para além da argumentação expendida pelo órgão jurisdicional, por outro observa-se a inexistência de um eixo central que confira coerência. É, pois, essa mesma liberdade discricionária defendida por Ayres Britto para que o juiz potencie a não demasiada afetação da esfera de individualidade do réu, que permitiu, numa decisão modelo do STF, nova interpretação sobre os limites do princípio da presunção da inocência. Vejamos.

2 APROXIMAÇÕES SOBRE O SENTIDO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

Está na base do modelo acusatório de processo penal – e do garantismo jurídico-penal, iniludivelmente delimitado por um sistema de princípios de Direitos Humanos –, a consideração de que, antes de tomar-se o réu por culpado, deve-se presumi-lo inocente, até que uma certeza venha a se estabelecer por meio da sentença condenatória transitada em julgado. Por mais que a ação penal esteja alicerçada sobre prova indiciária idônea (excluindo, portanto, a hipótese de ação temerária, ou sem justa causa), o princípio da presunção da inocência operará de múltiplas formas no processo penal (constitucional ou garantista) em benefício do réu. Em primeiro lugar, possibilitando a paridade de armas com o órgão acusador estatal – de todo em todo necessária para que se evitem abusos na atividade persecutória. Assim, se de um lado o Ministério Público tem a prerrogativa de promover a ação penal pública, podendo, para desincumbir-se do ônus da prova, requisitar a realização de diligências e, até mesmo, promover atos de investigação que darão suporte à acusação, do outro está o réu, numa situação, que diríamos, privilegiada no processo, pois que não necessita provar a inocência, nem mesmo produzir prova caso não sejam colhidas aquelas que conduziriam à certeza[14]. Em segundo lugar, também é possível mencionar-se que estará em conformidade com o princípio da presunção da inocência a não (indevida) restrição da liberdade do réu, tornando as medidas de segregação, conforme inumeráveis decisões de nossos tribunais têm repetido, uma medida excepcional. Além do mais, em conformidade com o princípio não se poderá antecipar os efeitos de uma condenação.

Mas como princípio que é, a presunção da inocência possui amplas margens de abstração e generalidade. É difícil dizer-se com precisão que extensões terá no processo penal que, como instrumentário da concretização do Direito Penal, comporta uma série de atos (os de coerção cautelar, v.g.) que colocam em causa um conceito primário de inocência[15]. Podemos prescrever-lhe algumas diretrizes inquestionáveis, como acima esboçamos, contudo sobram especulações a seu respeito, advindas da própria dinâmica do processo penal e da evolução de meios investigativos.

Alexandra Vilela, em alentado estudo sobre a presunção da inocência, vai para mais além dos aspectos já mencionados[16]. A professora portuguesa, procurando delimitar o princípio da presunção da inocência, coloca-o em confronto com outros princípios que formam o sistema de garantias concretizado pelo processo penal, como o do favor rei, o do favor libertatis, o do favor defensionis e o do in dubio pro reo. Apesar de tangenciá-los, guardando com eles o mesmo sentido – o de proteção do réu contra a atividade persecutória estatal –, a presunção da inocência possui especificidades depreendidas de sua semântica. Assim, do ponto de vista técnico, Vilela entende que presunção “define-se como sendo o mecanismo através do qual, a partir de um facto conhecido, se aceita um outro, desconhecido, sem que haja necessidade de recorrer a qualquer meio de prova[17]. Depreende-se da presunção “a probabilidade racional de que venha a acontecer o facto presumido”, uma vez constatado o fato real[18]. Mas, obviamente, a presunção de inocência não pode ser tomada a partir do sentido técnico. Se considerarmos a ocorrência de uma acusação no processo penal, fundamentada em prova indiciária idônea, então não estaríamos habilitados a presumir a inocência como pressuposta de um fato real.

Dessa forma, será mais correto pensar-se na presunção da inocência não partindo do sentido técnico, mas como uma construção categorial jurídica, que se sujeitará, como é lógico inferir, à relativização imposta pela procura da verdade material (ou processual). Em conformidade com essa primeira aproximação ao conceito do princípio, já será lícito dizer que no processo penal caberá ao acusador (estatal ou particular) o dever de demonstrar a não inocência do réu. A matéria de prova, a esta luz, constituir-se-á em elemento de relativização da inocência.

Deve notar-se, no entanto, que a probabilidade da não inocência vir a confirmar-se, acarretando uma condenação, é bem maior do que a substantivação da inocência (juridicamente presumida no curso do processo). Isto porque não se há de admitir uma ação penal sem justa causa ou arrimada em elementos frágeis de prova indiciária (art. 395, III, CPP). A ação penal passa por mecanismos de controle exercidos tanto pelo Juiz processante, quanto pelo Tribunal de Apelação, que pode conceder ordem de habeas corpus para trancá-la caso intentada sem justa causa. Diante desse quadro, já será possível defender-se, com Vilela, que a presunção da inocência comporta uma verdade apenas interina ou provisória[19].

Numa suma reflexiva, podemos então dizer que a presunção de inocência comporta uma forma especial de tratamento do réu, que não exclui providências processuais que impliquem na restrição da liberdade. Diríamos, ainda, que nem constitui, necessariamente, antítese do instrumentário coercitivo, se tivermos em mente sua largueza conceitual, que nos obriga à operação de ponderação dos casos concretos. A Constituição, a propósito, abriga tanto a presunção quanto a medida político-criminal de restrição de liberdade para autores de determinados crimes (ditos inafiançáveis), para além de mencionar a hipótese de prisão decretada pelo Juiz (art. 5º, LXI, CR). É em conformidade com essa diretriz que Vilela nos refere que a aplicação de medidas coercitivas contra o réu parte da análise de situações diversas do juízo de culpabilidade[20].

Ao contextualizar o princípio da presunção da inocência com outros princípios contidos na Constituição, Vilela alerta para o fato de que não se trata de “um valor absoluto, mas sim um princípio que terá de se conjugar com outros valores constitucionais, também relacionados com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como por exemplo, o da liberdade e da segurança[21]. Em conformidade com isso, a autora entende que a política criminal a ser adotada será o resultado do equacionamento do conflito entre o direito individual e o interesse social com respeito à segurança e à eficácia do processo penal[22]. Por outras palavras, a presunção da inocência há de ser confrontada com outros valores de igual importância reconhecidos pela Constituição, sem o que o operador jurídico pode equacionar os problemas que lhe são postos ferindo o que Hesse preconizou quanto à interpretação constitucional: esta operação deve obedecer ao princípio da unidade da Constituição, segundo o qual “A relação e interdependência existentes entre os diferentes elementos da Constituição obrigam a não contemplar, em nenhum caso, só a norma isolada, mas sempre no conjunto em que deve ser situada”. E mais adiante arremata: “[…] as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal maneira que se evitem contradições com outras normas constitucionais[23].

Nossa Corte Constitucional, no entanto, nem sempre consegue lograr a harmonização das normas no trato dos princípios em colisão. No HC 95290/SP, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, versando sobre prisão cautelar, entende-se que diante do princípio da presunção da inocência, não se pode tratar “como se culpado fosse aquele que ainda não sofreu condenação irrecorrível”, o que vai, de fato, em conformidade com a ratio da presunção. Contudo, parece que o julgado acaba por sucumbir ao solipsismo do relator, que refere:

A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada de suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-he a culpabilidade. Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como culpado, qualquer que seja o ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional do estado de inocência, tal como delineado em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário[24].

A liberdade é, sim, um dos valores supremos sustentados pela Constituição. Mas ela não é apenas do indivíduo investigado ou levado a um julgamento, senão de todos. A prisão cautelar não condiz necessariamente com a política criminal de law and order, mas é providência processual penal inscrita no processo de qualquer Estado democrático de direito. Nem por isso é correto afirmar que sua aplicação diminua o índice de evolução democrática ou de garantias do sistema processual. É de frisar-se, ainda, que ao lado da liberdade vemos diversos permissivos constitucionais da Constituição, como aquele referido aos crimes definidos por lei como hediondos. Neste passo, o órgão decisor deixou de contextualizar a presunção da inocência com a regra político-criminal disposta no art. 5º, XLIII, da CR. Finalmente, e em razão destes argumentos rapidamente alinhavados, não se pode tornar o princípio da presunção da inocência impermeável aos outros valores dispostos na mesma Constituição em que se encontra previsto, sob pena de falharmos na harmonização das normas.

Quanto ao outro desdobramento do princípio da presunção da inocência, o STF vinha entendendo inadmissível a execução de pena enquanto restasse oportunidade recursal. Desde 2009, quando do julgamento do HC 84078-7/MG[25], que teve como relator o Ministro Eros Grau, sustentando a posição de que a regra contida no art. 637, CPP (não conhecendo efeito suspensivo ao recurso extraordinário), não se compagina com o sistema constitucional, nossa Corte Constitucional condicionava o início da execução da pena ao esgotamento dos recursos. Ademais, referido julgado assentava o entendimento de que a execução de pena após sua confirmação por Tribunal de Apelação significava restrição ao direito de defesa.

A orientação jurisprudencial só sofreu quebra com a decisão prolatada no HC 12692/SP[26], relatado pelo Ministro Teori Zavascki. Nesta decisão, entendeu-se que a execução provisória não afeta diretamente o princípio da presunção da inocência à luz de um melhor entendimento da extensão do princípio e da “busca de necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal”. O Ministro relator, para delinear sua posição, ponderou a antiga jurisprudência daquela Corte e as Súmulas 716 e 717, que tratam da progressão de pena antes de transitada em julgado a decisão condenatória. Também refere que o juízo de culpabilidade formado no processo penal que obedeceu ao contraditório, confirmado por um Tribunal de Apelação, repeliria a possibilidade de reexame do mérito por outra instância superior. A esse propósito, lembra que os recursos para cortes superiores não comportam ampla devolutividade, o que leva a reconhecer a preclusão do exame dos fatos da causa após o pronunciamento do Tribunal de Apelação, onde, de fato, se opera o duplo grau de jurisdição. Finalmente, a decisão entende que a execução da pena, enquanto pendente recurso em Corte Superior, não comprometeria o núcleo duro do princípio da presunção da inocência.

3 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA CONFORMADO PELO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA

Às premissas alinhavadas na decisão do HC 12692 em favor da viabilidade do início de execução de pena enquanto pendente recurso extraordinário, podem juntar-se argumentos tanto de hermenêutica Constitucional e legal quanto principiológicos, especialmente aqueles que encontram assento em aspectos ônticos e axiológicos.

Antes de mais, devemos lembrar que a Corte Constitucional tem dado maior ou menor amplitude aos princípios fundamentais consoante aspectos político-criminais fixados internamente, não excluindo de suas decisões (por solipsismo) a influência político-ideológica professada pelos magistrados. É o que se depreende das decisões de Ayres Britto, jurista notadamente engajado no progressismo político, pretendendo maior discricionariedade para os juízes quando da escolha do modelo de pena para o condenado, embora a leitura por si feita do princípio da individualização da pena seja contrastante com o que está expresso no art. 5º, XLVI, CR. Ou do transpasse da regra político-criminal contida no art. 5º, XLIII, que dispõe sobre a inafiançabilidade para o autor de crime de tráfico (estabelecendo, pois, prisão cautelar para essa categoria de delinquente), pela decisão do Juiz acerca da possibilidade da liberdade provisória. Ou do superlativado princípio nemo tenetur se ipsum accusare, que tem servido para blindar o suspeito ou o réu, mesmo nos casos de crimes graves. Já para não se falar do recurso abusivo ao princípio da dignidade da pessoa humana, panaceia para toda e qualquer pretensão de evitarem-se medidas coercitivas contra o indiciado ou o réu. Então, somos levados a conceder que o STF tem constitucionalizado algumas questões do processo penal, sem que de fato haja a necessidade de elevar-se a esse patamar[27].

A excessiva constitucionalização dos problemas jurídicos, como antes referimos, põe em causa o princípio democrático que incide no corpus iuris, paradoxalmente a ideia que tão ciosamente defendem os juízes denominados democratas. Mas mais que isso: esse recurso como meio de tratar das questões problemáticas, acaba por obscurecer, de forma decisiva, o princípio da Justiça que, a rigor, deveria ser equacionado com outros que orbitam em torno dos problemas do direito processual penal. Isto porque os jogos de linguagem criados pelos Juízes, como forma de dar robustez às suas decisões, estão prenhes de valores pessoais; os próprios pressupostos que as arrimam, apresentam ingredientes não atestados pelo universo jurídico (da ciência jurídica e das ciências metajurídicas).

Em casos que realmente há a necessidade de encontrar-se um ajustamento entre as regras legais e os princípios fundamentais, de modo a tornar possível o equacionamento de problemas jurídicos, o STF tem deixado de conceber método adequado para a integração do direito, inclusive quando simplesmente atribui caráter quase absoluto àquelas normas jurídicas. Nem sequer perscruta valores éticos (de consenso social) que, à guisa de conformarem a ideia de Justiça, conduziriam hermeneuticamente à dissolução das assimetrias entre as ordens normativas constitucional e legal.

Não se pode esquecer que esse ramo do Direito – como qualquer outro, aliás –, embora caracterizado pela instrumentalidade que objetiva a realização do direito penal, não se dissocia da noção do justo. Essa ideia, no entanto, de todo em todo afetada pela mais ampla discussão, que inclui desde reducionismos ideológicos, como o que vemos com o jusnaturalismo, concebendo, por assim dizer, uma Justiça a priori, inata e, portanto, inerente à condição humana, ou como o do marxismo, que a explica como decorrente das relações de produção, obviamente expondo os desiguais ao mesmo tempo em que realiza os interesses da camada dominante da sociedade[28], passando pelo debate da filosofia da linguagem e pelas instâncias dialéticas[29], apresenta contornos de tortuosa compreensão. Há quem, como Villey, destaque a dificuldade de penetrar-se nessa ideia em razão de o termo Justiça não apresentar qualquer dado verificável, sendo, pois, uma “palavra vazia[30]. Contudo, quer careça de definição única, quer resulte empiricamente indemonstrável, parece tratar-se de ideia que permeia uma inescapável zona de consenso ético-social, na medida em que sempre contrastará com aquilo que é comumente reconhecido como injusto.

Se houvéssemos de questionar sobre o retorno do sistema escravocrata, ou sobre a sanção penal estender-se para além do autor do ilícito, ou, ainda, sobre estabelecer para a mulher uma condição inferior na sociedade, v.g., certamente não encontraríamos apoiadores. Pelo contrário: seriam propostas rejeitáveis pela consciência ética da sociedade ocidental. Ao menos neste quadrante da história[31].

Pois bem, disso depreendemos que o princípio da Justiça terá seu conteúdo verificável nos planos espaço-temporais. Ou, por outras palavras, podemos dizer que estará afeto à circunstância histórico-social. A contemporânea, que tem o marco inicial no pós-Segunda Guerra Mundial, será reflexo de uma axiologia que prioriza a liberdade, a igualdade e a universalização dos direitos, tudo presidido pelo princípio da dignidade da pessoa humana. É em conformidade com esse sistema de princípios que encontraremos outros de cariz fundamental, que interpenetram a ideia de Justiça.

Embora sondemos uma zona maleável, talvez mesmo instável, não nos será lícito desconhecer o núcleo duro da ideia de Justiça, que é eminentemente distributiva, ou seja, relacionada com a pretensão de dar a cada um o que merece. O ius suum cuique tribuere torna-se, pois, um postulado axial para a compreensão do princípio de que estamos a tratar. E põe-se como questão problemática a ser resolvida pela práxis jurídica, na medida em que um ordenamento que se queira justo tanto preconiza as liberdades, o respeito pelo ser humano, a igualdade, como, também, o bem comum, que se vai concretizar não apenas no reconhecimento de direitos individuais – também de interesse da coletividade que se pretenda justa e atenta à realização individual de seus integrantes –, mas por valores radicalmente substantivados na sociedade. Assim, a paz, a harmonia, a segurança da sociedade, ingressam indiscutivelmente no equacionamento da Justiça. Por esse viés, não será incorreto dizer-se que, pelo princípio da Justiça, já parecerá injusto a condescendência com a impunidade e com a não realização dos fins penais em relação àqueles contra os quais se reconheceu a culpa.

Tomemos um exemplo: o caso Pimenta Neves. O jornalista confessou ter matado a namorada Sandra Gomide, em 20.08.2000; nunca apresentou tese de exclusão de antijuridicidade, de forma que o julgamento de dezembro de 2006 pelo tribunal do júri, com veredicto condenatório, não teria hipótese de reforma (não, ao menos, quanto ao mérito); mesmo assim, Pimenta Neves obteve o writ de habeas corpus (HC 72726-STJ), com base na aplicação do princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CR)[32], mesmo que a verdade material já estivesse concretizada e que, diante do princípio da soberania do júri popular, não se pudesse alterar a condenação. Mas permaneceu em liberdade até 2011, quando o STF o último dos possíveis recursos. A demora em dar-se início à execução da pena de alguém cuja culpa estava há muito definida, antes de adequar-se a uma ideia de Justiça, mais se aproxima da condescendência com a não retribuição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A guinada metodológica empreendida no direito, com a revalorização de aspectos ontológicos e axiológicos desde a onda do neoconstitucionalismo, é caracterizada, a um só tempo, pelo abandono do exegetismo legal (consequentemente, também pela paulatina diminuição de importância do formalismo positivista) e pela priorização da argumentação jurídica, que dará sustentação à fundamentação das decisões judiciais (que é uma exigência constitucional, contida no art. 93, IX, CR). Aqueles valores éticos reconhecidos pelo ordenamento, alçados à condição de normas jurídicas, entram de permeio nas decisões para a dissolução problemática dos casos: o Juiz, portanto, poderá dispor dos princípios fundamentais para fortificar sua argumentação.

A circunstância encontrada em nosso sistema jurídico, apesar das quase três décadas de vigência da Constituição, é marcada por profundas assimetrias. A legislação penal (código penal e de processo penal e a lei de contravenções penais) é da década de 1940. Ainda encontramos regras com destacado cariz inquisitorial, como a contida no art. 26, do CPP, que autoriza o início de processo que venha a tratar de contravenção penal por meio de portaria do Juiz (obviamente revogado pela Lei 9.099/1995); ou no art. 156, I ou no art. 366, que autorizam a produção antecipada de prova por decisão de ofício do Juiz; ou a obrigatoriedade da presença do réu à audiência de instrução e julgamento, depreendida do art. 260, que, iniludivelmente, contrastam com vários enunciados constitucionais que estabelecem um modelo de acusatório para o processo penal e maior liberdade para a atuação do réu. O legislativo, por sua vez, em razão de sua inatividade, deixa espaços abertos que tem sido ocupados pelo Juiz, cada vez mais engajado politicamente, inclusive a ponto de atribuir-se o papel de defensor de valores democráticos. Mas, ao empenhar-se nesta missão, o Juiz não só está desarmado de regras legais como, também, rebela-se contra as que estão em vigor. Decide contra legem, dando às decisões, contudo, roupagem de legitimidade ao constitucionalizar os problemas jurídicos que deve enfrentar.

Isso, porém, é levado a efeito descurando-se da premissa básica da concretização do direito: a de seu alinhamento coerencial com a ideia de Justiça. Assim, tanto a falta de definição legal sobre a extensão do princípio da presunção de inocência, quanto a demasiada carga protetiva que se lhe concede cristalizada em nossa jurisprudência, cria situações jurídicas antinômicas (v.g., a de percorrer-se o processo penal sem que seu objetivo, a concretização do direito penal, se efetive), que necessitam de correção político-criminal. A possibilidade de execução da pena com a confirmação da decisão condenatória, ao menos para aqueles crimes de maior gravidade, caso venha a tornar-se posicionamento jurisprudencial; ou, mesmo, a admissão de prisão preventiva enquanto há recursos, diminuirá a sensação de inefetividade do processo penal.

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Notas de Rodapé

[1] Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. Doutor em Direito pela Università Degli Studi di Perugia (Itália). Doutor em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Mestre em Ciência Jurídica por Coimbra (Portugal).

[2] DIAS, Jorge Figueiredo. Direito penal. Parte geral. 1. ed. brasileira; 2. ed. portuguesa. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra, 2007. t. I, p. 19.

[3] CORREIA, Eduardo (com a colaboração de Figueiredo Dias). Direito criminal. Coimbra: Almedina, 1996. p. 8.

[4] DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Processual Penal. Reimp. Coimbra: Coimbra, 2004. p. 27. O catedrático da Universidade de Coimbra entrelaça as disciplinas da persecução criminal. De fato, o processo penal possui caráter instrumentário, para a concretização do Direito Penal, e este só será efetivo quando da execução da pena.

[5] COSTA, José Francisco de Faria. O perigo em direito penal. Coimbra: Coimbra, 1992. p. 189 refere que mesmo a Constituição, “elegendo os valores mais fortes ou mais densos (o chamado núcleo duro da normatividade constitucional), não determina essa eleição, inapelavelmente, uma imposição de criminalização para o legislador ordinário, enquanto medida protectora daqueles mesmos valores”.

[6] CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Crime e Constituição – uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995. p. 328 observa que “seria inconstitucional criar uma ordem de bens jurídico-penais de forma a inverter a ordem de valores constitucional”. Assim, poderíamos dizer que, do ponto de vista dessa conformidade entre política criminal e Constituição, não seria aceitável que o Direito Penal punisse de forma mais severa crimes contra o patrimônio do que o homicídio.

[7] Aqui estamos a falar do movimento surgido após a Segunda Guerra Mundial. A partir daí as novas Constituições, em vez de serem meros documentos de organização política do Estado, passaram a reconhecer a insígnia do ser humano, sob a denominação de princípio da dignidade, o qual presidirá a toda estrutura jusfundamental. Cf. RAMOS, Carlos Henrique. Mutação constitucional: constituição e identidade constitucional evolutiva. Curitiba: Juruá, p. 44; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 58, jan. 2007; ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, jan./fev./mar. 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 26 maio 2014.

[8] SABBÁ GUIMARÃES, Isaac. Compreensão da vontade do direito: um problema da filosofia da linguagem. MPMG Jurídico, v. 20, p. 16-18, 2010. Fala-se de agrupamento de palavras (em razão de semelhança de função que desempenham na linguagem, formando o que Wittgenstein denominou, em suas Investigações filosóficas, de semelhança de família), que “se associam a novos sentidos”. Ver, também, WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado lógico-filosófico. Investigações filosóficas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002.

[9] Assim dizia o processualista: “A lei de processo penal é o resultado de um compromisso entre a Segurança e a Justiça”. Mas como nem sempre é possível equacioná-la desta forma, haveria de sacrificar-se uma dessas premissas. Para a preservação da ordem, “sem a qual a sociedade se corrompe e dissolve, é preciso, por vezes, restringir o gozo de bens que, em rigor de Justiça, não poderiam ser tolhidos” (TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. I, p. 9). Neste conceito de processo penal, Tornaghi rivaliza segurança com justiça, quando, modernamente, teríamos que compreender aquela como categoria inerente desta. Ou seja, a realização de justiça compreende o estabelecimento de segurança para as pessoas. Mas não esqueçamos que o Código de Processo Penal foi escrito sob inspiração da legislação processual italiana, do período fascista, e que passámos por um regime de governo autoritário. Portanto, as regras processuais penais e, obviamente, a interpretação que se lhes dava, refletia a instrumentalização pretendida.

[10] SABBÁ GUIMARÃES, Isaac. Prisão preventiva. O STF e a política criminal sobre restrição cautelar de liberdade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 85 e ss.

[11] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. ao espanhol de Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86.

[12] ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “ciência do Direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, jan./fev./mar. 2009. Disponível em: <http://.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 26 maio 2014.

[13] Seria desnecessária a citação de excertos, pois todo operador jurídico que trabalha na área do Direito Penal já leu inúmeros julgados, mas veja-se o seguinte: “A vedação da liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência (sic) e da dignidade da pessoa humana (sic) […]. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável”. (HC 100.872-MC/MG – Rel. Min. Eros Grau)

[14] Basta lembrar-se que o juiz não poderá condenar exclusivamente baseado na prova indiciária (art. 155, CPP).

[15] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 74 parte do sentido comum de inocente ao referir: “Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no processo penal é o de proteção dos inocentes (débil), ou seja, o processo penal como direito protetor dos inocentes (e todos os a ele submetidos o são, pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado), pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional da inocência prevista no art. 5º, LVII, da Constituição”. Certamente não é neste sentido elementar que se deve entender a presunção de inocência, como adiante será melhor explicado.

[16] VILELA, Alexandra. Considerações acerca da presunção da inocência em Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 73 e ss.

[17] Ibidem, p. 81.

[18] Ibidem, ibidem.

[19] Ibidem, p. 85.

[20] Ibidem, p. 92-93.

[21] Ibidem, p. 94.

[22] Ibidem, p. 97.

[23] HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. 2. ed. Seleção, tradução e introdução de Pedro Cruz Villalón. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, maxime p. 57 e ss.

[24] BRASIL. STF. HC 95290/São Paulo. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22086421/habeas-corpus-hc-95290-sp-stf>. Acesso em: 26 abr. 2016.

[25] BRASIL. STF. HC 84078-7/MG. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ementa84078.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2016.

[26] BRASIL. STF. HC 12692/São Paulo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153>. Acesso em 27 abr. 2016.

[27] Tome-se mais uma vez o exemplo do exame do art. 44, da Lei 11.343/2006, à luz do princípio da individualização da pena. A opção político-criminal feita pelo legislador de proibir a conversão da pena de reclusão em penas restritivas de direitos está abrigada pelo princípio fundamental de individualização da pena, que concede àquele liberdade discricionária para que fixe, em lei, o modelo e os limites das penas a serem aplicadas. Portanto, o art. 44 não reivindicava controle constitucional, nem muito menos apresenta traço de inconstitucionalidade.

[28] Para uma mais aturada análise, NEVES, A. Castanheira. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 1, p. 241-286. Ainda: CHORÃO, Mário Bigotte. Temas fundamentais de direito. Coimbra: Almedina, 1991. p. 35-43.

[29] Veja-se, v.g., CUNHA, Paulo Ferreira da. Introdução à teoria do direito. Porto: Rés, s/d., p. 90-93.

[30] VILLEY, Michel. Filosofia do Direito. Definições e fins do direito. Os meios do direito. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 52.

[31] De forma elucidativa, MACHADO, J. Baptista. Introdução ao Direito e ao discurso legitimador. Coimbra: Almedina, 1996. p. 348, refere que “a ‘ideia de justiça’ é de origem cultural (e, portanto, de algum modo ‘histórica’)”.

[32] STJ. HC 72726. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6275/habeas-corpus-hc-72726>. Acesso em: 10 abr. 2014.