O Prosseguimento do Processo Penal para o Réu Revel Citado por Edital à Luz dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa

THE PURSUANCE OF THE CRIMINAL PROCESS FOR THE DEFENDANT CITED BY EDICT IN THE LIGHT OF THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLES OF THE CONTRADICTORY AND THE FULL DEFENSE

Luiz Valerio dos Santos[1]

José Laurindo de Souza Neto[2]

Resumo: A paralisação indefinida do processo poderia levar a situações de imprescritibilidade não previstas na Constituição da República e, ante a ausência de previsão legal, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 415 pacificando o entendimento de que o prazo prescricional não pode ficar suspenso por período superior ao período máximo de prescrição, regulado pelo máximo da pena cominada. No entanto, há divergência nos tribunais pátrios quanto à possibilidade de prosseguimento, não apenas do prazo prescricional, mas também do processo, mesmo sem a presença do réu. O objetivo buscado no presente trabalho é analisar a situação processual do réu revel, citado por edital, após o decurso do período máximo de suspensão do prazo prescricional, bem como verificar se é possível, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, retomar o prosseguimento do processo, ainda que o réu não tenha sido localizado para citação pessoal. O método usado é o dedutivo. A pesquisa é bibliográfica de natureza doutrinária e jurisprudencial.

Palavras-chave: Processo penal. Suspensão. Contraditório. Ampla defesa.

Abstract: The indefinite shutdown of the process could lead to imprescriptibility situations not provided for in the Constitution and, given the lack of legal provision, the Higher Court of Justice edited the Pronouncement 415 pacifying the understanding that the limitation period cannot be suspended for a period longer than the maximum limitation period set by the maximum of the imposed penalty. However, there is divergence in patriotic courts as to whether to continue not only the statute of limitations, but also the process even without the presence of the defendant. The aim pursued in the present study is to analyze the procedural situation of the defaulting defendant cited by public notice after the expiration of the tolling period and verify if it is possible, in the light of the constitutional principles of the contradictory and full defense, to resume the process continuation even if the defendant has not been located for personal quote. The method used is deductive. The research literature is of doctrinal and jurisprudential nature.

Keywords: Criminal proceedings. Suspension. Contradictory. Full defense.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade analisar a situação processual do réu revel, citado por edital, no processo penal, após decorrido o período de suspensão do prazo prescricional, bem como apresentar uma resposta, à luz dos princípios constitucionais que asseguram o devido processo legal, especialmente, o contraditório e a ampla defesa, à problemática que envolve a retomada do curso do processo sem a presença do réu.

No processo penal brasileiro, se o réu é citado por edital e não comparece, nem constitui advogado, o processo e o curso do prazo prescricional ficam suspensos. Ocorre que a suspensão do prazo prescricional não pode perdurar por tempo indeterminado, pois isso levaria a uma hipótese de crime imprescritível não previsto pelo legislador constituinte, que foi taxativo ao estabelecer, como imprescritíveis, somente os crimes de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CRFB, art. 5º, XLII e XLIV).

Assim, ante a falta de previsão legal quanto ao período de suspensão, pacificou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que “o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada” (Súmula 415). A questão que se coloca é se, mesmo sem a presença do réu que foi citado por edital, deve ser retomado também o curso do processo, ou este deve permanecer suspenso até que o réu seja encontrado, compareça espontaneamente, constitua advogado ou, ainda, até que decorra, por completo, o prazo prescricional.

A importância do estudo se justifica ante a divergência jurisprudencial encontrada sobre o tema, havendo, basicamente, duas correntes diametralmente opostas, que resultam em tratamentos diversos para situações semelhantes, não sendo incomum encontrar decisões divergentes, inclusive, entre câmaras criminais do mesmo tribunal.

A primeira corrente defende que, uma vez decorrido o período máximo de suspensão do prazo prescricional, regulado pelo máximo da pena cominada, deve ser retomado, não somente o curso do prazo de prescrição, mas também o processo, ainda que o réu continue ausente e não tenha sido citado pessoalmente.

Já a segunda corrente alberga o entendimento de que somente o curso do prazo prescricional é que deve ser retomado, permanecendo o processo suspenso até que o réu seja localizado ou que o prazo prescricional decorra por completo.

Assim, há, de certo modo, uma insegurança jurídica, na medida em que situações absolutamente iguais podem receber tratamento desigual, a depender do entendimento adotado pelo órgão julgador, seja ele singular ou colegiado.

2 TEORIA DO PROCESSO

A necessidade de dirimir os conflitos de interesses, decorrentes de pretensões antagônicas, impõe que o Estado estabeleça normas claras e que sejam aplicáveis a todos, indistintamente, disciplinando a forma como as lides devem ser solucionadas.

Assim, dentre as formas de composição dos litígios, surge o processo como a mais adequada. Conforme lembra Muccio (2011, p. 5):

O Estado, considerado o único capaz de solucionar a lide, mormente a de natureza penal, até porque a paz e a tranquilidade social que tem por incumbência garantir, ficariam comprometidas ante a insubordinação dos litigantes, tinha de encontrar uma forma para compor os conflitos de interesses. E o processo passou a ser o meio adequado para solucionar as lides.

Ocorre que o processo, para ser válido, deve, além de seguir uma sequência de atos legalmente estabelecida, obedecer a alguns princípios que garantem, a todos os indivíduos, que ninguém seja privado de seus bens ou de sua liberdade, sem a observância de regras mínimas, das quais o Estado não pode abrir mão. É a garantia do devido processo legal, cuja origem remonta à Carta Magna de João Sem-Terra (1215) e que, no ordenamento jurídico brasileiro, é elevado à categoria de garantia constitucional fundamental.

Assim, ao estabelecer que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CRFB, art. 5º, LIV), o legislador constituinte assegurou que o processo, no Brasil, deve respeitar as regras legais previamente estabelecidas. E, no âmbito do direito penal, ninguém pode ser submetido a uma pena privativa de liberdade senão através do devido processo legal, que, para ser legítimo, deve obedecer aos regramentos da lei processual penal.

Nas palavras de Rangel (2014, p. 4), “A tramitação regular de um processo é a garantia dada ao cidadão de que seus direitos serão respeitados, não sendo admissível nenhuma restrição aos mesmos que não prevista em lei”.

Ademais, no ordenamento jurídico brasileiro, assegura-se aos litigantes, seja em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CRFB, art. 5º, LV). Vale dizer, não basta a obediência às regras processuais previamente definidas. É preciso que os litigantes, concretamente, tenham a oportunidade de contraditar as argumentações da parte contrária e os acusados em geral possam se defender amplamente, devendo o Estado assegurar os meios e recursos que, efetivamente, possibilitem a ampla defesa.

Desse modo, qualquer pessoa no Brasil, seja brasileiro ou estrangeiro, que for acusada de um crime previsto na legislação penal, somente poderá ser condenada criminalmente depois de vencidas todas as etapas do processo, no qual deverá ser observado o contraditório e a ampla defesa do acusado.

3 NORMA JURÍDICA

A sobrevivência de uma sociedade pressupõe a necessidade de organização e estabelecimento de regras necessárias para regular o comportamento dos seus membros. Diniz (1997, p. 328) assevera que “As normas de direito visam delimitar a atividade humana, preestabelecendo o campo dentro do qual pode agir”.

Conforme Montoro (1997, p. 327) “Nas sociedades modernas, a lei é indiscutivelmente a mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Ela é a forma ordinária e fundamental de expressão do direito”.

Kelsen (1991, p. 78-79) traça uma distinção entre normas jurídicas e proposições jurídicas. Para ele:

Proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica – nacional ou internacional – dada ao conhecimento jurídico, sob certas condições ou pressupostos fixados por esse ordenamento, devem intervir certas consequências pelo mesmo ordenamento determinadas. As normas jurídicas, por sua vez, não são juízos, isto é, enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos, imperativos.

Para Reale (1996, p. 95) “O que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória”.

No ordenamento jurídico brasileiro, as normas jurídicas estão hierarquicamente dispostas, sendo que no topo dessa hierarquia estão as normas constitucionais, que não podem ser contrariadas por nenhuma outra norma de hierarquia inferior. Vale dizer, nenhuma lei complementar ou ordinária pode prever, para determinado fato juridicamente relevante, uma consequência jurídica contrária ao texto da Constituição da República ou aos valores por ela albergados.

Dentre os diversos tipos de normas que regem o comportamento em sociedade, interessa, para o presente trabalho, a norma jurídica, aqui entendida no seu sentido amplo, ou seja, abrangendo, não apenas a lei escrita, mas também as outras fontes do direito, como os costumes, a jurisprudência e, especialmente, os princípios gerais de direito.

Nesse sentido, não se pode perder de vista que os princípios gerais de direito, principalmente aqueles que foram elevados à categoria de princípios constitucionais, assim como os tratados internacionais de que o Brasil é signatário, também constituem normas jurídicas que orientam e obrigam o juiz no momento de proferir sua decisão, servindo, inclusive, como um importante limite ao arbítrio do julgador e, especialmente no campo penal e processual penal, à força impositiva do Estado.

Nas palavras de Souza Netto (2013),

Os princípios jurídicos são também normas jurídicas. Mesmo quando implícitos e/ou não expressos são obrigatórios. Vinculam, impõem deveres, tanto quanto qualquer regra jurídica. Os princípios têm âmbito de incidência ilimitado e sempre envolvem um prévio juízo de valor.

Em conhecida lição, Melo (2011, p. 966-967) ensina que princípio

é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo

e adverte que

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Araújo e Nunes Júnior (1998, p. 46) pontuam a “existência de uma hierarquia interna dentro das normas constitucionais, ficando os princípios em um plano superior, exatamente pelo caráter de regra estrutural que apresentam”.

Pode-se dizer, então, que os princípios constitucionais estão no topo da hierarquia normativa de nosso ordenamento, de modo que nenhuma outra norma pode ser a eles contrária, devendo aquelas que assim forem postas serem consideradas inconstitucionais pelo juiz, no momento de sua aplicação.

Essa noção é importante para o presente estudo, porque, conforme se verá adiante, a interpretação e aplicação das normas veiculadas pelo art. 366 do Código de Processo Penal, como todas as outras, deve obedecer ao balizamento imposto pela Constituição da República, com especial atenção, aos princípios constitucionais que regem o processo penal.

3.1 Diferença das Normas de Caráter Material e Processual

Para a correta delimitação e compreensão do tema objeto do presente estudo, é necessário relembrar a classificação das normas jurídicas feita pela doutrina que, entre outras, trata das normas materiais e normas processuais.

As normas de natureza material, numa rápida síntese, são aquelas que disciplinam as diversas relações jurídicas, seja regulando comportamentos, seja criando direitos ou estabelecendo obrigações para quem, respectivamente, for o titular de um direito violado ou o ofensor de um direito alheio. São, enfim, normas que se referem aos bens da vida, juridicamente protegidos.

Já as normas de natureza processual são instrumentais, isto é, tratam da forma como o Estado-juiz é acionado para a satisfação e proteção dos direitos e bens definidos pelo direito material. Em outras palavras, as normas processuais estabelecem regras a serviço dos bens da vida protegidos pelo direito material.

Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 40):

O que distingue fundamentalmente direito material e direito processual é que este cuida das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste – sem nada dizer quanto ao bem da vida que é objeto do interesse primário das pessoas (o que entra na órbita do direito substancial).

Por outro lado, também não se pode perder de vista que não há relação de hierarquia entre as normas processuais e materiais. Ambas têm a mesma força, distinguindo-se apenas pelo seu conteúdo. Como esclarece Gonçalves (1992, p. 49-50),

A distinção entre elas se mantém pelo conteúdo que comportam, e não pela referibilidade a qualquer hierarquia, pois enquanto as normas materiais se destinam a valorar a conduta, qualificando-a como lícita e como ilícita, tendo como matéria as situações jurídicas de que decorrem direitos e deveres, as normas processuais disciplinam a jurisdição: o exercício da função jurisdicional e o instrumento pelo qual ela se manifesta, o processo.

Essa diferenciação é importante para o presente estudo pois, como se verá adiante, o art. 366 do Código de Processo Penal, ao estabelecer a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, veicula, a um só tempo, uma norma de direito processual e outra de direito material, e não uma única norma.

4 AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NO ART. 366, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

A compreensão da atual redação do art. 366 do Código de Processo Penal e seu alcance passa pelo conhecimento e análise de suas alterações, indicativas do posicionamento adotado pelo legislador.

Antes da Lei 9.271/1996, o aludido artigo tinha a seguinte redação:

Art. 366. O processo seguirá à revelia do acusado que, citado inicialmente ou intimado para qualquer ato do processo, deixar de comparecer sem motivo justificado.

Note-se que a antiga redação não fazia distinção quanto ao acusado citado pessoalmente ou por edital. Bastava que ele tivesse sido citado por qualquer das formas válidas de citação e deixasse de comparecer a qualquer ato do processo, sem motivo justificado, para que o processo prosseguisse à sua revelia. Nem é preciso dizer que o réu citado por edital tinha sua defesa cerceada, pois o processo prosseguia normalmente, mesmo sem o efetivo conhecimento, pelo acusado, dos fatos que lhe eram imputados, o que afrontava o princípio da ampla defesa.

No entanto, a Lei 9.271/1996 alterou substancialmente o referido art. 366, que passou a estabelecer a seguinte regra:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

§ 1º As provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério Público e do defensor dativo.

§ 2º Comparecendo o acusado, ter-se-á por citado pessoalmente, prosseguindo o processo em seus ulteriores atos.

A mesma Lei também alterou a redação do art. 367, do mesmo Código, que passou a estabelecer o seguinte:

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.

Percebe-se que a intenção do legislador foi dar tratamento distinto para situações distintas. Ou seja, para o réu citado por edital, que não comparece e nem constitui advogado, o processo e o curso do prazo prescricional devem permanecer suspensos. Já para o réu citado pessoalmente que deixa de comparecer, sem motivo justificado, o processo segue à sua revelia. Isso porque, antes dessa alteração legislativa, não havia essa distinção e o processo deveria seguir à revelia do acusado que fosse citado ou intimado para qualquer ato do processo e deixasse de comparecer sem motivo justificado, pouco importando se a citação ou intimação fosse efetivada pessoalmente ou por edital.

Assim agindo, o legislador alinhou a lei processual penal ao primado constitucional da ampla defesa. Nos dizeres de Oliveira (2015, p. 621), “assim é porque exige a efetiva participação do acusado no processo, redimensionando o princípio da ampla defesa, de pouquíssima valia (quando de nenhuma) nos processos de réus citados por edital”.

Capez (2014, p. 589-590) assinala que:

O fundamento de tal inovação reside no direito à informação. Derivado dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, tal direito encontra-se previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, a qual foi assinada em 22 de novembro de 1969, passando a ter força de lei. Referida Convenção, em seu art. 8º, b, assegura a todo acusado o direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada. Assim, não mais se admite o prosseguimento do feito sem que o réu seja informado efetivamente, sem sombra de dúvida, da sua existência.

Nas palavras de Grinover, Fernandes e Gomes Filho (1999, p. 103):

Esse novo entendimento tem, antes de tudo, um fundamento constitucional. É que o contraditório, em seu primeiro momento, deve corresponder à informação, pela qual se fará possível o exercício do direito de defesa, e essa necessidade de informação fica praticamente infirmada pela ficção de uma citação editalícia. O segundo fundamento liga-se a um aspecto de política judiciária. A experiência demonstra que se um acusado não é encontrado para ser pessoalmente citado, tampouco será encontrado para cumprir a pena imposta em sentença condenatória prolatada à revelia.

Tem-se, então, que, após as alterações acima mencionadas, no caso de citação por edital, a relação jurídica processual somente vai se completar se o réu comparecer ou constituir advogado. Caso contrário, a lei presume que ele não tomou conhecimento do processo e, portanto, não estão presentes todos os sujeitos processuais, não se estabelecendo uma relação válida para que o processo possa prosseguir.

Desse modo, por expressa previsão legal, suspendem-se o processo e o curso do prazo prescricional até que o réu compareça, ou seja, localizado para a citação pessoal.

A regra do art. 366 do Código de Processo Penal, que determina a suspensão do processo e do prazo prescricional em caso de réu revel citado por edital, tem dupla finalidade: a) assegurar a efetividade da pretensão punitiva; e b) assegurar a ampla defesa do acusado. De fato, ao estabelecer que o processo ficará suspenso, o legislador garante que o réu citado por edital não seja julgado, enquanto não comparecer para exercer, pessoalmente, o seu direito de defesa, impedindo condenações de réus revéis citados por edital pela ausência de autodefesa, e, ao mesmo tempo, ao determinar que também seja suspenso o prazo prescricional, assegura que a pretensão punitiva do Estado não seja fulminada pela prescrição, já que o processo estará paralisado.

Posteriormente às alterações acima mencionadas, a Lei 11.719/2008 trouxe novas alterações, inclusive, no art. 366, revogando seus dois parágrafos que haviam sido introduzidos pela Lei 9.271/1996. Porém, manteve a redação do art. 367, que continuou a determinar o prosseguimento do processo para o réu citado pessoalmente, que deixar de comparecer sem motivo justificado.

5 A SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PREsCRICIONAL PARA O RÉU REVEL CITADO POR EDITAL

Para que a relação jurídica processual se complete há necessidade de estarem presentes no processo todos os seus sujeitos. Vale dizer, enquanto o réu não estiver no processo, a relação jurídica processual não se forma. É isso que diz, aliás, o art. 363, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, ao estabelecer que “O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”.

Por outro lado, há somente duas formas de o réu estar no processo: a) pela citação válida; e b) pelo comparecimento espontâneo. Pela citação válida, o réu toma conhecimento da acusação que pesa contra ele e é chamado a se defender. Pelo comparecimento espontâneo, que ocorre quando o réu comparece ao processo mesmo sem ter sido citado, a relação jurídica processual também se completa, porque, se o réu compareceu espontaneamente, é evidente que ele tomou conhecimento do processo e quer se defender, de modo que o seu comparecimento supre a falta de citação.

Se, porém, houve a citação válida e o réu não comparece para se defender, ele passa a ser considerado revel. Não significa que a relação jurídica processual esteja incompleta. Ela se completou com a citação, porém, o réu não quer exercer o seu direito de acompanhar o processo e se defender pessoalmente, arcando com o ônus previsto na legislação processual, que é ser processado à revelia.

Diferentemente, porém, acontece quando o réu é citado por edital. Essa modalidade de citação ocorre quando o réu não é encontrado para ser citado pessoalmente, conforme estabelece o art. 361, do Código de Processo Penal.

De qualquer modo, a citação por edital é uma modalidade de citação ficta, isto é, muito embora seja uma forma de citação válida e apesar da publicidade que deve ser dada ao edital, como o réu não foi citado pessoalmente, não há certeza de que ele teve conhecimento do processo e da acusação que é feita contra si.

Por isso é que, se o réu que foi citado por edital, não compareceu e nem constituiu advogado, o processo não pode prosseguir, devendo ficar suspenso até que o réu seja localizado ou compareça espontaneamente, consoante previsão do art. 366 do Código de Processo Penal, com a alteração introduzida pela Lei 9.271/1996, conforme visto acima.

6 O TEMPO MÁXIMO DE SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

Conforme já visto acima, se o réu citado por edital não comparece nem constitui advogado, a lei impõe que o processo e o curso do prazo prescricional sejam suspensos. Numa interpretação literal, poder-se-ia dizer que o processo e o curso do prazo prescricional deveriam ficar suspensos, indefinidamente, até a localização do réu ou o seu comparecimento espontâneo. No entanto, não obstante posição contrária, inclusive, manifestada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 460.971/RS), prevaleceu, na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a paralisação por tempo indeterminado do prazo prescricional poderia levar a uma hipótese de crime imprescritível não previsto na Constituição da República, que é taxativa ao estabelecer, como imprescritíveis, somente, os crimes de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CRFB, art. 5º, XLII e XLIV).

Diante disso, após alguma divergência, pacificou-se o entendimento no Superior Tribunal de Justiça, com a edição da Súmula 415, que “o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”. Ressalte-se que, de acordo com esse entendimento, a contagem do prazo prescricional fica suspenso, no máximo, pelo prazo da prescrição em abstrato e não pelo prazo da pena máxima abstratamente prevista para o delito, como pode sugerir uma leitura desatenta da mencionada Súmula.

Portanto, o prazo prescricional não pode ser suspenso por um período maior do que o prazo de prescrição previsto de acordo com a pena máxima cominada, nos termos do art. 109 do Código Penal. Exemplificando, se o crime tiver a pena máxima de quatro anos de reclusão, a prescrição se dá em oito anos (CP, art. 109, IV). Nesse caso, o período de suspensão do prazo prescricional não poderá ultrapassar oito anos, ou seja, decorridos oito anos de suspensão, o prazo prescricional deve voltar a correr.

7 A RETOMADA DO CURSO DO PROCESSO APÓS O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL, NOS TERMOS DA SÚMULA 415 DO STJ

Muito embora não haja, atualmente, maiores debates sobre o prazo máximo de suspensão do prazo prescricional, mesmo porque, conforme já salientado, a matéria encontra-se pacificada pela Súmula 415, do Superior Tribunal de Justiça, o mesmo não ocorre quando se trata da suspensão do processo.

A controvérsia está em saber se, após o decurso desse prazo máximo de suspensão do prazo prescricional, deve o processo (e não somente o curso do prazo prescricional) retomar sua marcha, com nomeação de defensor dativo, ou permanecer suspenso até a localização do réu para a sua citação pessoal ou até o escoamento, por completo, do prazo prescricional, caso o réu não seja localizado antes.

A jurisprudência se divide em duas correntes. A primeira defende que o art. 366 do Código de Processo Penal contém regras de conteúdo misto, isto é, regras que tratam de direito material (prescrição que extingue a punibilidade) e direito processual (suspensão do processo). Logo, tal norma não pode ser cindida.

Desse modo, para essa corrente, decorrido o período máximo de suspensão, não apenas o prazo prescricional, mas também o processo deve ser retomado, mesmo sem a presença do réu.

Essa corrente também entende que o prosseguimento do processo juntamente com o curso do prazo prescricional não viola o princípio da ampla defesa e do contraditório, pois o acusado, caso não constitua defensor, deve ser regularmente assistido por defensor nomeado pelo juízo ou por defensor público.

O Superior Tribunal de Justiça adota esse entendimento (HC 178.300/DF – 5ª T. – Relª. Minª. Laurita Vaz – j. em 10.04.2012 – DJe 17.04.2012). Mais recentemente, a mesma corte superior reafirmou o mesmo entendimento, acrescentando que, em razão de o réu ter sido citado por edital, decorrido o prazo de suspensão, não há necessidade de citação pessoal, por ter ocorrido a preclusão sobre essa fase do processo (RHC 66.377/SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – j. em 07.04.2016 – DJe 15.04.2016).

Na doutrina, Rangel (2014, p. 931) perfilha esse entendimento ao afirmar que:

A norma do art. 366 do CPP, sendo de natureza processual e material e tendo como objetivo evitar impunidade, bem como que o réu seja condenado sem que tenha conhecimento da imputação que lhe foi feita, não pode cindida. Ou seja, ter aplicação isolada apenas na parte que suspende o processo, não tendo quanto à parte que suspende o curso do prazo prescricional. O dispositivo é claro: suspensão do processo e do curso do prazo prescricional. A expressão é aditiva. Não permite aplicação isolada do dispositivo legal.

Ainda, outro argumento dos que defendem essa posição é que cindir o art. 366 do Código de Processo Penal, admitindo-se que o processo se mantenha suspenso enquanto o prazo prescricional volte a correr, seria impedir o Poder Judiciário de analisar a lesão gerada pela conduta criminosa, fomentando a impunidade e tolhendo uma resposta efetiva do Judiciário à sociedade.

Já a segunda corrente afirma que, decorrido o período máximo de prescrição, regulado pela pena máxima em abstrato, nos termos da Súmula 415, do Superior Tribunal de Justiça, somente o curso do prazo prescricional deve voltar a correr, enquanto que o processo deve permanecer suspenso até a localização do réu ou o escoamento, por completo, do prazo de prescrição.

Para essa corrente, a falta de citação pessoal do acusado inviabiliza o prosseguimento do feito, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ou seja, o prosseguimento do processo sem a presença do réu somente é possível na hipótese de citação pessoal, como expressamente prevê o art. 367 do Código de Processo Penal.

Além disso, os que se filiam a esse entendimento argumentam que o art. 366 do Código de Processo Penal apresenta em seu bojo, não somente uma, mas sim duas normas jurídicas de natureza distintas: uma de natureza processual (a suspensão do processo) e outra de natureza material (a suspensão do prazo prescricional). Portanto, cada uma dessas normas deve ser aplicada conforme a sua natureza jurídica (processual ou material), sem que isso implique em cisão.

Nessa esteira, é oportuno citar o escólio de Jardim (2005):

Não se deve confundir, data venia, artigo de lei com norma jurídica. Um artigo de determinado Código pode veicular inúmeras normas jurídicas, como acontece nos chamados tipos mistos alternativos (arts. 12 e 16 da Lei 6368/76, por exemplo). Nestes, cada núcleo verbal é uma regra proibitiva, preceito ou norma jurídica.

Da leitura do art. 366 do CPP, se depreendem duas normas jurídicas, dois preceitos, ou seja, duas regras de conduta regulada pelo legislador: uma, de natureza processual penal, dirigida ao juiz, determinando a suspensão do processo, vez que a citação por edital é uma citação fícta e outra, norma de direito penal, regulando a suspensão do prazo prescricional, matéria pertinente ao chamado ius puniendi do Estado.

[…]

Repetindo, tal dispositivo legal traz em seu bojo duas regras de comportamento, de natureza diversas, que têm aplicação e incidências diferentes. Não se cuida, na espécie, de cindir a norma, mas, sim, dar eficácia a uma das normas do artigo comentado.

Na jurisprudência, encontram-se algumas decisões albergando esse entendimento, destacando-se decisões de tribunais de justiça, como, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Paraná e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

8 A SOLUÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Conforme visto acima, o entendimento de que, decorrido o período de suspensão do prazo prescricional, nos termos da Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça, o processo – e não somente o curso da prescrição – deve ser retomado, está calcado, basicamente, no argumento de que o art. 366 do Código de Processo Penal apresentaria uma única norma que, por ter dupla natureza, não poderia ser cindida.

Tal entendimento, porém, não obstante encontrar eco em boa parte da jurisprudência, inclusive, sendo albergado de forma pacífica pelo Superior Tribunal de Justiça, e com o devido respeito aos que o defendem, não é convincente, na medida que confunde norma jurídica com o artigo de lei que a veicula.

De fato, a lei, em seu sentido estrito, ou seja, o ato formal e escrito emanado do Poder Legislativo, não obstante seja a mais importante fonte formal da ordem jurídica, como visto no item 3 do presente trabalho, não pode ser confundida com o seu conteúdo, isto é, com a norma jurídica por ela veiculada.

Nesse sentido, o art. 366 do Código de Processo Penal é um dispositivo legal que, apesar de estar no Código de Processo Penal, estatui, além de uma norma de natureza processual, também uma norma de natureza material penal. Por outras palavras, o referido artigo veicula não uma, mas duas normas, a saber: a) uma norma de natureza material penal, que determina a suspensão do prazo de prescrição; e b) uma norma de natureza processual, que determina a suspensão do processo.

Fixada essa baliza, cabe ao intérprete, ao aplicar as disposições do aludido art. 366, levar em consideração que está diante de duas normas jurídicas de naturezas distintas, que, por isso mesmo, devem ser aplicadas distintamente. Vale dizer, a norma de natureza processual deve incidir sobre o processo, de acordo com as demais regras processuais, enquanto que a norma de natureza material só pode incidir sobre o direito material se estiver de acordo com as demais regras de direito material penal.

Vale lembrar que tanto as normas de direito processual quanto as normas de direito material não podem contrariar normas de hierarquia superior, assim consideradas as normas constitucionais, entre essas, os princípios constitucionais que regem o processo penal, especialmente, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

A razão da suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, para o réu revel citado por edital, é a necessidade de compatibilizar a regularidade do processo com a ampla defesa assegurada ao acusado, que apenas fictamente tomou conhecimento da acusação contra ele apresentada, não podendo, assim, ser julgado sem a oportunidade de exercer pessoalmente sua defesa.

Ainda, também como já observado no item 4, acima, a Lei 11.719/2008 trouxe novas alterações, inclusive, no art. 366, revogando seus dois parágrafos que haviam sido introduzidos pela Lei 9.271/1996, mantendo, contudo, a redação do art. 367, que continuou a determinar o prosseguimento do processo apenas para o réu citado pessoalmente, que deixar de comparecer sem motivo justificado.

Ora, se o legislador quisesse dizer que o processo deveria prosseguir sem a presença do acusado citado por edital, assim teria feito, bastando, para tanto, alterar a redação do art. 367, suprimindo a palavra “pessoalmente”. Porém, ao manter a redação do referido dispositivo, o legislador deixou claro que o prosseguimento do processo sem a presença do acusado somente pode ocorrer se ele foi citado pessoalmente, não podendo o juiz dar a essa regra um alcance que ela não tem.

E essa opção legislativa tem razão de ser no consagrado princípio constitucional da ampla defesa, que abrange, não apenas a defesa técnica, mas também o direito do acusado de se defender pessoalmente, fazendo-se presente e acompanhando todos os atos do processo.

De outro giro, a retomada do curso do prazo prescricional não impõe a retomada do processo sem a presença do réu. O que ocorre é que a suspensão do prazo de prescrição atingiu seu limite temporal, porém, a situação processual do acusado não se alterou. Por outras palavras, se antes o réu não poderia ser julgado porque não foi citado pessoalmente, essa situação ainda permanece, não havendo nenhuma lógica para que, escoado o prazo de suspensão do prazo prescricional, possa o processo prosseguir sem a citação pessoal, pois as mesmas garantias que o acusado tinha antes continuam íntegras. Não há e não pode haver qualquer mitigação aos princípios constitucionais que regem o processo penal, unicamente, pelo decurso do tempo.

Aliás, o argumento de que o direito ao contraditório e à ampla defesa estaria assegurado com a nomeação de defensor dativo também não parece adequado. Isso porque, se a simples nomeação de defensor dativo fosse suficiente para assegurar a ampla defesa e o contraditório, não haveria a necessidade de o processo ficar suspenso anteriormente, quando se constatou que o réu citado por edital deixou de comparecer. Bastaria, então, que fosse nomeado um defensor já no início, logo após o decurso do prazo do edital.

Na verdade, esse argumento não leva em consideração que, no processo penal, a ampla defesa não se satisfaz somente com a defesa técnica, mas abrange também a defesa pessoal, que é exercida pelo réu pessoalmente, especialmente, quando é ouvido pelo juiz, no interrogatório. É evidente que o réu pode não querer exercitar esse direito de se defender pessoalmente; porém, a ele deve ser dada a oportunidade.

Como bem ensina Souza Netto (2013), “A ampla defesa qualifica o contraditório. Assim, não há como se falar em contraditório sem a existência de defesa. Igualmente é certo entender que não há defesa sem contraditório”. O mesmo autor enfatiza que “Atualmente, não há como vislumbrar um processo onde não haja colaboração entre as partes e magistrados, onde não objetivem a melhor solução para os interesses tutelados”.

Portanto, não é possível sustentar que o verdadeiro contraditório – aquele caracterizado pela efetiva participação dos interessados e que sofrerão os efeitos da sentença – seja assegurado, apenas, com a nomeação de defensor dativo ao réu, quando não há, ao menos, a certeza de que ele, réu, tem conhecimento da acusação.

Finalmente, o argumento de que a permanência da suspensão do processo com a retomada do curso do prazo prescricional impediria o Poder Judiciário de analisar a lesão gerada pela conduta criminosa, fomentando a impunidade e tolhendo uma resposta efetiva à sociedade, também não se sustenta.

Em primeiro lugar é preciso ter sempre clara a noção de que o Poder Judiciário, como Estado-juiz, deve pautar sua atuação pela imparcialidade, de modo que, antes de dar uma resposta à sociedade, deve garantir que essa resposta seja resultado de um processo judicial justo e que tenha respeitado todas as garantias constitucionais do acusado. Um processo penal que não observa ou que limita a ampla defesa e o contraditório, produzirá uma sentença injusta e, portanto, ilegítima.

Como assevera Ferrajoli (2002, p. 168)

O problema da legitimação ou justificação do direito penal, consequentemente, ataca, na raiz, a própria questão da legitimidade do Estado, cuja soberania, o poder de punir, que pode chegar até ao ius vitae ac necis, é, sem sombra de dúvida, a manifestação mais violenta, mais duramente lesiva aos interesses fundamentais do cidadão e, em maior escala, suscetível de degenerar-se em arbítrio.

Logo, é muito mais prejudicial à própria sociedade que o Poder Judiciário proclame condenações sem observar essas garantias, do que uma conduta criminosa ficar sem resposta.

Ademais, a retomada do curso do prazo prescricional depois de um período de suspensão, como ficou claro no presente estudo, tem por escopo impedir que se estabeleçam situações de imprescritibilidade criminal não prevista na Constituição da República. Porém, não pode servir de argumento para a retomada da marcha processual sem a citação pessoal do réu, contrariando o art. 367, da lei processual, que só admite o prosseguimento do processo sem a presença do acusado se ele foi citado pessoalmente.

Desse modo, determinar o prosseguimento do processo sem a citação pessoal do réu seria albergar um abrandamento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o que não pode ser admitido no Estado Democrático de Direito.

9 CONCLUSÃO

No início do presente estudo foi exposta a problemática que envolve a suspensão do processo para o réu revel citado por edital, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, depois de decorrido o período máximo de suspensão do prazo prescricional, que, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 415), é regulado pelo máximo da pena cominada para o delito, segundo os parâmetros do art. 109 do Código Penal.

A indagação que moveu o presente trabalho buscou responder se, após decorrido esse período máximo de suspensão, com a retomada do curso do prazo prescricional, deve ocorrer o mesmo com a marcha processual ou, ao contrário, o processo deve permanecer suspenso até que o réu seja localizado e citado pessoalmente ou, ainda, até que o prazo de prescrição decorra por completo.

Após, relembrar algumas teorias que orientam o processo, o conceito de norma jurídica, a hierarquia das normas jurídicas em nosso ordenamento, incluídos aí os princípios gerais de direito, a sobreposição dos princípios constitucionais que regem o processo penal e, finalmente, as razões que levaram o legislador pátrio a promover alterações nos dispositivos processuais atinentes ao réu revel, com distinção de tratamento entre o réu citado pessoalmente e o citado por edital, chega-se à conclusão que o entendimento mais consentâneo com um processo penal orientado pelo contraditório e pela ampla defesa impede que o curso do processo tenha prosseguimento, apesar da retomada do curso do prazo prescricional.

Isso porque a situação do réu citado por edital permanece inalterada e a mesma razão que justifica a suspensão do processo – o fato de que a citação ficta impede a presunção de que a acusação tenha chegado ao conhecimento do acusado – também não muda pelo mero decurso do tempo. Por outras palavras, o decurso de um período de tempo igual ao prazo de prescrição, regulado pela pena máxima cominada, não transforma uma citação por edital em citação pessoal, não podendo ser aplicado o disposto no art. 367 do Código de Processo Penal.

Além disso, o argumento de que a norma prevista no art. 366 não pode ser cindida está calcado num entendimento que confunde norma jurídica com o ato legislativo que a veicula, não se atentando para o fato de que uma mesma lei ou um mesmo artigo de lei pode veicular mais de uma norma, inclusive, de naturezas diversas, como ocorre com o art. 366 do Código de Processo Penal, que apresenta uma norma de conteúdo processual e outra de conteúdo material. Assim, cada uma dessas normas deve ser interpretada e aplicada de acordo com o seu conteúdo e, uma vez que não são antagônicas entre si, não há prevalência de uma sobre a outra.

Desse modo, conclui-se que, decorrido o tempo máximo de suspensão, para o réu revel citado por edital, nos termos da Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça, deve ser retomado apenas o curso do prazo prescricional, mantendo-se a suspensão do processo, pois determinar o prosseguimento da marcha processual sem a citação pessoal do réu seria albergar um abrandamento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o que não pode ser admitido no Estado Democrático de Direito.

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Notas de Rodapé

[1] Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Londrina. Especializando em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), na 4ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina.

[2] Doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor da Graduação do Curso de Direito do Grupo Uninter e do Curso de Mestrado da Universidade Paranaense (UNIPAR). Ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) na 3ª Câmara Cível, afastado, em virtude da Direção da Escola da Magistratura do Estado do Paraná.