A Prática Jurídica Sob a Ótica de Ronald Dworkin e a Interpretação do Direito à Saúde como Princípio da Ordem Jurídica Fundamental

THE LEGAL PRACTICE UNDER RONALD DWORKIN´S PERSPECTIVE AND THE INTERPRETATION OF THE RIGHT TO HEALTH AS A PRINCIPLE OF THE FUNDAMENTAL LAW

Cândida Joelma Leopoldino[1]

Carla Liliane Waldow Esquivel[2]

Maria Goretti Dal Bosco[3]

“As pessoas frequentemente se vêem na iminência de ganhar ou perder

muito mais em decorrência de um aceno de cabeça do juiz do que

de qualquer norma geral que provenha do legislativo”.

(DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 03)

Resumo: O direito à saúde é um direito fundamental-social consignado na Constituição Federal e está intimamente conectado aos demais valores nela amparados. Neste direito estão incluídos os meios ou recursos para a sua consecução, como os medicamentos. No entanto, não é suficiente sua previsão expressa no texto legal. Importa que seja operacionalizado pelo Estado através de políticas públicas promovidas pelo Poder Executivo e, na ausência ou insuficiência destas, através da intervenção judicial. Assim, na prática jurídica, a melhor forma de interpretação do direito é a que o concebe como integridade, encontrando-se a melhor resposta para o caso concreto. Sob essa perspectiva o direito à saúde deve ser interpretado como princípio da ordem jurídica, buscando-se, através desta forma de interpretação, que sejam efetivamente garantidos os ideais de justiça, equidade ou alguma outra dimensão da moral.

Palavras-chave: Direito à saúde. Prática jurídica. Interpretação. Integridade. Princípio.

Abstract: The right to health is a fundamental and social right enshrined in the Federal Constitution and it is closely connected to other values in it included. This right includes the means or resources to achieve them, as the medicines. However, it is not enough its expressed prediction in the legal text. It is necessary that the State, through public policies promoted by the Executive and in its absence or inadequacy, through judicial intervention. Thus, in legal practice, the best way to interpretate the law is what is known as integrity, finding the best answer to the real case. From this perspective the right to health has to be understood as a principle of law, searching through this form of interpretation that the ideals of justice, equity, and some other dimension of morality are effectively guaranteed.

Keywords: Right to health. Legal practice. Interpretation. Integrity. Principle.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o direito à saúde e a sua interpretação no âmbito da prática jurídica. Antes, porém, de proceder a essa análise, tendo como marco teórico o filósofo do direito Ronald Dworkin, importa ultrapassar algumas questões fundamentais no decorrer do trabalho.

Assim, cumpre, inicialmente, localizar a previsão do direito à saúde na Constituição Federal e seus principais desdobramentos. Ademais, além de buscar a melhor definição-interpretação de saúde, objetiva-se analisar a importância principiológica do referido direito e sua inevitável relação com outros direitos igualmente fundamentais.

No que tange aos desdobramentos relacionados ao direito à saúde, importa, no segundo momento do trabalho, primeiramente discorrer a respeito dos meios ou condições relacionados à sua consecução. Ao depois, avaliar a efetiva operacionalização do princípio-direito à saúde e aos seus recursos previstos no texto constitucional através do Estado (Poder Executivo ou Poder Judiciário).

E na terceira parte do trabalho, buscar-se-á identificar a melhor forma de interpretação do direito aplicável aos casos envolvendo o direito à saúde, destinando especial atenção às demandas relacionadas à assistência farmacêutica e ao acesso aos medicamentos. Nesse tocante, analisar-se-á as formas de interpretação mencionadas por Ronald Dworkin, quais sejam, a interpretação convencional, a interpretação pragmática e a interpretação do direito como integridade.

Para realizar esse trabalho, recorrer-se-á a um método de abordagem dialético, pelo qual, a partir de um diálogo entre afirmações e oposições, se infere uma síntese. Para tanto, serão examinadas a doutrina, a legislação constitucional e a jurisprudência, a fim de direcionar as futuras conclusões a respeito da melhor interpretação do direito à saúde para sua efetiva operacionalização no cenário nacional.

2 O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E SEUS PRINCIPAIS DESDOBRAMENTOS

Importa destacar que a proteção constitucional da saúde pública no Brasil somente foi prevista, expressamente, a partir da Carta Constitucional de 1988. As constituições anteriores se limitavam a prever, quando o faziam, a distribuição de competências no âmbito sanitário. Não obstante a falta de previsão explícita da saúde como um direito é possível afirmar que estava implicitamente amparado na medida em que se tutelava a vida das pessoas, fim imediatamente relacionado à saúde.

Foi, portanto, a Constituição Federal de 1988 que, a exemplo da Carta Constitucional italiana de 1948[4] e da portuguesa de 1976[5], acompanhadas pelas constituições da Espanha e da Guatemala, que consagrou, pela primeira vez, no rol dos direitos sociais, o direito à saúde (SILVA, 1990, p. 289; FERREIRA FILHO, 1990, p. 250). O legislador constituinte o indicou expressamente, incorporando este e outros tantos direitos e garantias reivindicados e conquistados ao longo da história, dando especial guarida aos direitos sociais do segundo pós-guerra. A incorporação do direito a saúde também resultou das reivindicações de movimentos populares presentes no cenário nacional, como o importante Movimento de Reforma Sanitária que delineou um novo pensamento a respeito da saúde pública no país, pois a concebia como direito de acesso a qualquer cidadão, independente de ter contribuído ou ser trabalhador como preconizado até então (BRASIL, 2006).

Desse modo, passou a Carta Política a dispor, no rol dos direitos fundamentais, bem como título da ordem social, o direito à saúde nos seguintes termos: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (art. 6º). No art. 196 dispôs que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

De acordo com Júlio César de Sá da Rocha, o conceito de saúde deve ser compreendido numa análise sistemática da Constituição Federal, à vista dos princípios reitores do Estado Brasileiro e dos parâmetros fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (ROCHA, 1999, p. 45). Nesse tocante, a própria concepção de saúde amparada no texto constitucional, considera a definição delineada pela Constituição da OMS de 1946, como estado completo de bem-estar e adaptação física, mental e social ao meio e não apenas como ausência de doença.

Em relação a essa interpretação sistemática, é possível verificar a estreita relação existente entre a saúde e outros valores igualmente fundamentais inscritos na Carta Constitucional.

Nesse sentido, no rol dos direitos e garantias fundamentais do homem está consagrada, no preâmbulo do art. 5º da Carta Política, a inviolabilidade do direito à vida. Trata-se, sem dúvida, de um valor que está intimamente ligado ao direito à saúde e dele necessariamente decorre[6]. Para Ingo Wolfgang Sarlet essa relação da saúde com a vida é tal que, a denegação dos serviços essenciais de saúde acaba

[…] por se equiparar à aplicação de uma pena de morte para alguém cujo único crime foi o de não ter condições de obter com seus próprios recursos o atendimento necessário, tudo isto, habitualmente sem qualquer processo e, na maioria das vezes, sem possibilidade de defesa, isto sem falar na virtual ausência de responsabilização dos algozes abrigados pelo anonimato dos poderes públicos. (2011, p. 325)

Dessa maneira, o direito à saúde, na qualidade de direito fundamental, incluído na mesma categoria jurídica do direito à vida, constitui condição para esta e ressai como um direito absoluto, irrenunciável, intransmissível e indisponível, sendo possível afirmar que “A vida e a saúde são os bens jurídicos mais essenciais da existência humana. O direito à integridade psíquica são prolongamentos naturais e indissociáveis da pessoa[7]/[8].

Outrossim, para a efetivação do direito à saúde e, em consequência, do próprio direito à vida, é mister que se verifiquem as condições mínimas para usufruí-la. Portanto, nesta categoria incluem-se as condições ou os meios pelos quais o direito à saúde deverá ser implementado, como a assistência farmacêutica e, sobretudo, a medicalização segura[9]. Sendo assim, o direito à saúde apresenta-se como um direito de solidariedade, necessariamente vinculado ao direito aos meios de vida (ROCHA, 1999, p. 44) ou aos bens vitais para a sobrevivência do ser humano (SCHWARTZ, 2001, p. 54; COSTA, 1997, p. 133)[10].

E o direito às condições mínimas de vida repercutem em uma existência digna, igualmente reconhecida no texto constitucional[11]. De sua vez o princípio em referência está imediatamente conectado ao princípio da dignidade humana que, em razão de sua reconhecida importância, está localizado no preâmbulo da Carta Magna, imantando todos os demais princípios e servindo como fundamento do próprio Estado brasileiro. Desse modo, não ocupa a posição apenas de princípio, mas de valor supremo da ordem jurídica (política, social, econômica e cultural), que atrai todos os demais direitos fundamentais – individuais ou sociais – elencados no Texto Magno[12].

O princípio em referência constitui a base antropológica do Estado Democrático de Direito e representa um dos principais valores da ordem principiológica constitucional. Assim, o Estado só poderá intervir considerando a pessoa e sua dignidade, sem aviltá-la ou aniquilá-la. Por outro lado, o exercício desses direitos somente é possível em um Estado Democrático de Direito, que centraliza e unifica todos os direitos e garantias arrolados no texto constitucional, de modo que não há direito à saúde, à liberdade, à vida, ou qualquer outro direito, sem que se atinja, diretamente, a dignidade da pessoa humana (FARIAS, 1996, p. 48).

Imediatamente relacionado ao postulado da dignidade da pessoa humana, amparado pelo art. 196 da Carta Constitucional e especialmente vinculado ao direito à saúde, encontra-se o princípio da igualdade, virtude soberana da comunidade política (DWORKIN, 2005, p. IX). Significa dizer que para uma existência digna deve-se proporcionar a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social. Ademais, que todas as pessoas devem ser tratadas com igual respeito e consideração, sendo-lhes proporcionado o direito à saúde, seus meios ou recursos e formas de consecução, e à manutenção da sua dignidade[13] (MORAES, 2012, p. 205).

Ressai de tudo isso a fundamentalidade do direito à saúde e sua inevitável conexão com outros direitos igualmente essenciais, como a vida e vida com dignidade e qualidade[14]. No entanto, além de caracterizar-se como um direito fundamental, o direito à saúde configura-se como um dos chamados direitos sociais[15], emanado do Estado Democrático de Direito, e mais especificamente, de um direito relacionado à seguridade social (SARLET, 2011, p. 322-323). Está incluído, outrossim, no rol dos direitos fundamentais de segunda geração[16], universais ou de direito público subjetivo a prestações materiais. Caracterizado dessa maneira, pode ser exigido pelos instrumentos judiciais adequados, reclamando-se ao Poder Público certas prestações materiais que incidirão, diretamente, na qualidade de vida das pessoas (OLIVEIRA, 2001, p. 46).

Trata-se, no dizer de Ingo Wolfgang Sarlet, não de um direito perante o Estado, mas por intermédio deste. Outorga-se ao indivíduo direito a prestações sociais estatais que garantam a distribuição pública de bens essenciais não disponíveis para todos os que deles necessitam. Esse direito às prestações sociais[17] tem por finalidade assegurar um mínimo existencial (2011, p. 47, 282-284, 320-321).

O direito à saúde repercute na qualidade de vida das pessoas, nas políticas sanitárias e no próprio desenvolvimento econômico do país, razão de sua expressa previsão no texto constitucional. Sua importância vincula e impõe providências de toda a comunidade (pessoas físicas, jurídicas, públicas ou privadas, do poder político ao econômico) para que ele seja efetivado (COSTA, 2001, p. 138). Numa perspectiva dworkiana, estabelece-se a equidade – como uma dimensão da integridade – entre o privado e o público e o exercício do poder[18]. Há, ademais, o comprometimento da política com a moral, isto é, de governantes cuja atuação baseie-se em valores éticos, particularmente no igual respeito e consideração (moral social) ao criarem leis e elaborarem as políticas públicas (CHUEIRI; SAMPAIO, 2012, p. 381).

A respeito do mencionado acima, ou seja, do direito à saúde integral, consectário do direito fundamental aos meios ou recursos para a saúde e a responsabilidade das pessoas políticas que compõem o Estado, oportuno trazer à colação o seguinte julgado:

Paciente portadora de doença oncológica – Neoplasia maligna de baço – pessoa destituída de recursos financeiros – Direito à vida e à saúde – necessidade imperiosa de se preservar, por razões de caráter ético-jurídico, a integridade desse direito essencial – fornecimento gratuito de meios indispensáveis ao tratamento e à preservação da saúde de pessoas carentes – dever constitucional do Estado (CF, arts. 5º, caput e 196) – Precedentes (STF) – Responsabilidade solidária das pessoas políticas que integram o Estado Federal brasileiro – consequente possibilidade de ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os entes estatais – Recurso de Agravo Improvido. (STF – RE 716777 Ag. Reg. no Rec. Extraordinário – Rio Grande do Sul – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – j. em 09.04.2013 – Publ. 16.05.2013) (sem grifos no original)

Paciente portador de paralisia cerebral displégica espástica – Pessoa destituída de recursos financeiros – Direito à vida e à saúde – necessidade imperiosa de se preservar, por razões de caráter ético-jurídico, a integridade desse direito essencial – Fornecimento gratuito de meios indispensáveis ao tratamento e à preservação da saúde de pessoas carentes – Dever constitucional do Estado (CF, arts. 5º, caput, e 196) – Precedentes (STF) – Recurso de agravo improvido. (STF –ARE 743518 ED/RS – 2ª T. – Bem. Decl. No Recurso Extraordinário com Agravo – Rel. Min. Celso de Mello – j. em 24.09.2013 – Publ. 24.10.2013) (sem grifos no original)

Dessa maneira, juntamente com o reconhecimento desse valor fundamental, o legislador constituinte distribuiu as competências entre a União, os Estados, os Municípios e à iniciativa privada na área da saúde, não excluindo a participação da comunidade, e estabeleceu as formas de implementação dessas garantias, ou seja, “vinculou a realização do direito à saúde às políticas sociais e econômicas e ao acesso às ações e serviços destinados, não só à sua recuperação, mas também, à sua promoção e proteção” (DALLARI, 2001, p. 44)[19].

Verifica-se, dessarte, que o direito à saúde foi expressamente reconhecido no texto constitucional como valor fundamental da ordem jurídica brasileira, inevitavelmente relacionado à própria existência humana. Sua natureza fundamental e social-prestacional impõe sua efetiva operacionalização por parte do Poder Público, seja através de políticas públicas que primem pela qualidade de vida, seja por meio da prestação judicial[20]. Essa concepção está estreitamente vinculada ao que Ronald Dworkin estabelece como comunidade comprometida com seus princípios (comunidade de princípios), manifestando-os por meio da legislação e sua aplicação pelo Judiciário (CHUEIRI; SAMPAIO, 2012, p. 387) tema que será retomado a seguir (item 3).

3 A PRESTAÇÃO JUDICIAL AOS MEIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE – ANÁLISE A RESPEITO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

Consoante mencionado acima, o direito à saúde constitui um valor indispensável para o exercício de outros direitos fundamentais, como a própria vida, sua dignidade e integridade. No conteúdo desse direito estão relacionados os cuidados em saúde, o acesso, os recursos, a aceitação de práticas culturais, a qualidade dos serviços, o saneamento, a educação e a informação em saúde (MACHADO, 2009, p. 190). Dessa sorte, a inviolabilidade do direito à saúde implica, logicamente, o direito que todos têm à assistência farmacêutica, particularmente aos medicamentos seguros do ponto de vista qualitativo e quantitativo. Referidos meios ou recursos estão conectados ao direito do indivíduo ter preservadas as condições funcionais de seu organismo e de prolongar seus processos vitais.

Ressai, de todo o exposto, que esse direito, bem como todos os demais direitos fundamentais reconhecidos expressa ou implicitamente no texto constitucional deve ser efetivado. É necessário torná-lo prática concreta no cotidiano dos serviços na área de saúde prestados à população.

Importa consignar que no Brasil, país marcado por profundas desigualdades sociais, a maior parte da população depende do Poder Público, especialmente através do Sistema Único de Saúde (SUS), para ver assegurado o direito à saúde[21]. Contudo, não raras vezes constatam-se dificuldades para sua efetiva consecução. A título de exemplo, no âmbito da assistência farmacêutica e sua segurança, verifica-se que nem sempre é eficaz, pois pode o medicamento ser de alto custo e não constar na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais[22] ou, ainda que conste, as pessoas terem dificuldades para encontrar e até mesmo para receber o medicamento. A respeito do fornecimento de medicamentos pelo SUS. Fábio Konder Comparato assevera:

Dir-se-á que, em tais hipóteses, como prevê a Constituição, os pacientes desprovidos de recursos serão atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Mas essa resposta não leva em consideração dois fatos. Em primeiro lugar, a frequente recusa de fornecimento pelo SUS de medicamentos custosos, sob a alegação de falta de recursos financeiros; o que tem suscitado, como ninguém ignora, um sem-número de litígios judiciais. Em segundo lugar, o fato de que a provisão de recursos financeiros para o SUS faz-se por meio do lançamento de tributos sobre toda a população, sendo certo que cerca de 70% (setenta por cento) dos impostos em nosso país são regressivos; ou seja, o seu peso econômico incide desproporcionalmente de modo muito mais intenso sobre as camadas pobres da população do que sobre as famílias abastadas. (COMPARATO, 2011)

Nesse sentido, e não obstante a guarida constitucional, o relatório dos Direitos Humanos no Brasil denuncia que a oferta de serviços na área da saúde, assim considerados todas as formas de acesso, é evidentemente desigual, contribuindo para que seja associada a concepção de direito à saúde como um privilégio e não como um direito de cidadania (MACHADO, 2009, p. 191).

É possível afirmar, com base nessas informações, agregadas a outros dados a respeito da consecução efetiva do direito à saúde, que a garantia constitucional, na prática, em inúmeras ocasiões, não é assegurada. Fica o direito à saúde, portanto, mantido como status de direito formal e não material.

Cumpre destacar que o Poder Público, em muitas oportunidades, se esquiva na consecução dos direitos sociais prestacionais, em especial na prestação de medicamentos, fazendo-o ancorado em atos normativos específicos[23]. Contudo, quaisquer normas ou atos administrativos que visem restringir o direito à saúde devem ser considerados inconstitucionais. Vejamos:

[…] normas que busquem restringir o acesso a medicamentos, seja por meio de leis que estabeleçam os remédios que poderão ser adquiridos por intermédio do Sistema Único de Saúde, seja pela imposição de remédios diferentes dos que foram receitados pelo profissional médico ou mesmo que neguem o medicamento por conta de seu custo ou inacessibilidade, são todas inconstitucionais, uma vez que afrontam, dentre outros, o art. 6º da Constituição. A falta de remédios em postos de entrega à comunidade por motivos diversos, como burocracia administrativa, também não é admitida, uma vez que se trata do fornecimento de um serviço fundamental, portanto, deve ser prestado imediatamente pelo Estado. (CARVALHO, 2007, p. 96)

É por essa razão que o Poder Público tem sido protagonista em demandas judiciais para a consecução do direito à saúde. O direito subjetivo do cidadão, caracterizado como poder de exigir as prestações públicas fundamentais, entra em ação.

Desse modo, o Poder Judiciário intervém no campo dos direitos básicos dos cidadãos e muitas ações, inclusive no âmbito da saúde pública, são submetidas à sua apreciação, o que vem sendo chamado de judicialização, ou seja, “[…] a utilização dos procedimentos judiciais ordinários para a petição e resolução de demandas sociais e políticas” (CARVALHO, 2007, p. 161). No contexto da saúde coletiva, denomina-se, então, de judicialização da saúde[24].

Segundo Marcelo Rabello Pinheiro, não adianta ter uma Constituição que elenca uma série de direitos fundamentais sem que exista um órgão capaz de assegurar a sua efetividade quando os poderes constituídos forem omissos ou agirem em desconformidade com o preceito constitucional. Refere-se o autor, nesse caso, ao Poder Judiciário como garantidor dos direitos essenciais, cuja legitimidade encontra-se amparada, primeiramente, no próprio texto constitucional que lhe atribui esse caráter (PINHEIRO, 2008, p. 135-136) e na ideia de Estado democrático de direito. Vejamos, nesse sentido, a interpretação de Vera Karan de Chueiri e Joanna Maria de Araújo Sampaio:

A concepção de Estado Democrático de Direito para Dworkin estaria centrada nos direitos dos cidadãos. De acordo com essa concepção, para ser considerado como tal, o Estado Democrático de Direito não pode assegurar apenas os direitos prescritos nas leis. Por essa compreensão, o Estado Democrático de Direito deve assegurar igualmente os direitos morais que os cidadãos possuem entre si e os direitos políticos que eles possuem perante o Estado. A lei deve proteger e aplicar tais direitos, mas se não o fizer, isso não impedirá deles serem impostos pelo Poder Judiciário em relação aos cidadãos individual ou coletivamente. Essa imposição de direitos pelo judiciário não seria arbitrária, ilegítima ou anti-democrática. Ao contrário ela pertence à ideia de um Estado Democrático de Direito, sobretudo quando garante direitos que de outra maneira não seriam garantidos […]. (2013, p. 381-382)

Dessarte, o Poder Judiciário, agindo moral e politicamente, aplica o direito para a efetivação dos direitos fundamentais, como o direito à saúde (CHUEIRI; SAMPAIO, 2012, p. 381). Numa perspectiva dworkiana, essas decisões (aplicação do direito) devem se processar através da valorização dos direitos individuais consignados e, ademais, na ideia de que todos merecem igual respeito e consideração, protegendo-os de quaisquer ameaças ou agressões, inclusive àquelas oriundas do abuso do Poder Público (KOZICKI, 2012, p. 47-48).

Dá-se, pois, nesse seara, o reconhecimento dos direitos individuais, obrigando-se o Poder Público a efetivamente implementá-los. Ronald Dworkin refere-se ao reconhecimento dos direitos individuais como trunfos[…] capazes de influenciar essas decisões políticas, direitos que o governo é obrigado a respeitar caso por caso, decisão por decisão” (2003, p. 268). Veja-se, nesse sentido, a seguinte decisão:

Constitucional. Saúde. Fornecimento de medicamento. Acórdão embasado em premissas constitucionais. 1. O Tribunal a quo considerou ser devido o fornecimento do medicamento à recorrida, uma vez que “os artigos 196 e 198 da Constituição Federal asseguram aos necessitados o fornecimento gratuito dos medicamentos indispensáveis ao tratamento de sua saúde, de responsabilidade da União, dos Estados e Municípios […]. E, cabe ao Poder Judiciário, sempre que possível, superar essa dificuldade, prestando a tutela jurisdicional em deferência à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana” (fl. 195, e-STJ). […]. 3. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp 362016/RJ 2013/0190879-7 – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – j. em 10.09.2013 – DJe 25.09.2013) (sem grifos no original)

Administrativo. Controle judicial de políticas públicas. Possibilidade em casos excepcionais. Direito à saúde. Fornecimento de medicamentos. Manifesta necessidade. Obrigação do poder público. Ausência de violação do princípio da separação dos poderes. Não oponibilidade da reserva do possível ao mínimo existencial. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. […]. (REsp 771.537/RJ, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido. (STJ – Processo Agravo Regimental 1136549/RS – 2009/0076691-2 – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – j. em 08/06/2010 – DJe 21.06.2010) (Sem grifos no original)

No entanto, não obstante a defesa do caráter prestacional do direito à saúde, aos meios ou recursos para a sua implementação e a intervenção judicial nessa seara, importa discorrer a respeito da interpretação desse direito na prática jurídica, à luz da teoria de Ronald Dworkin. Segundo o autor em referência, a melhor forma de interpretação é a que concebe o direito como integridade e na qual os princípios tem posição fundamental, consoante se verá na sequência.

4 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE SOB A ÓTICA DA TEORIA DE RONALD DWORKIN

Ronald Dworkin faz uma análise particular a respeito da práxis jurídica[25] e a forma como os juízes costumam decidir, particularmente os casos difíceis[26]/[27], ou seja, casos em que nenhuma regra legalmente prevista favorece qualquer uma das partes porque é silente ou sujeita a interpretações conflitantes (DWORKIN, 2001, p. 15; 2002, p. 127). Nesse sentido, situações que dizem respeito à implementação do direito à saúde, neste incluídos os meios ou condições para a sua consecução, inclui-se naquilo que o autor em referência denomina como casos controversos.

Para identificar a melhor forma de interpretação aplicável aos casos envolvendo o direito à saúde, deve-se proceder, preliminarmente, à análise das formas de interpretação do direito na visão dworkiana. Sob essa perspectiva, a prática jurídica ou o exercício de interpretação do direito assenta-se basicamente sobre o convencionalismo, o pragmatismo e o direito como integridade.

No convencionalismo sustenta-se que o direito deve fundar-se nas convenções jurídicas, quer dizer, em decisões políticas do passado, em conteúdos delimitados por instituições que detém a autoridade convencional, nos quais se incluem os precedentes e as leis (justas ou injustas). Sob esse ponto de vista os juízes devem aplicar, unicamente, o direito já existente. No entanto, caso não exista uma alternativa legal ou jurisprudencial que se adeque perfeitamente ao caso concreto (um caso difícil) em razão da própria dinamicidade social e das novas questões que se apresentam, poderá o juiz encontrar outro argumento para além das fontes convencionais. Nesse caso, ainda que excepcionalmente, os juízes poderiam agir discricionariamente, buscando a solução em elementos extrajurídicos, criando um novo direito aplicável ao caso concreto, aplicando-os retroativamente. Seria um direito que, segundo as convicções destes, teria escolhido o legislativo ou, não sendo possível, representaria a vontade do povo. Assim, de acordo com o convencionalismo, os juízes estariam sujeitos à vontade do povo em razão de decidirem de acordo com os textos emanados das instituições democráticas. Ronald Dworkin, entretanto, critica esta forma de interpretação (convencional) posto que na sociedade atual, complexa e plural, o direito não consegue prever todas as situações que ocorrem e não consegue dar respostas a todos os anseios da comunidade. Em sua pretensão de proporcionar segurança, gera exatamente o seu contrário com a possibilidade de atuação discricionária dos juízes em caso de ausência de norma ou precedente a respeito de determinada situação. E no tocante ao julgamento pelo juiz daquilo que o legislativo teria escolhido, além de ser apenas uma hipótese, não foi anunciada com antecedência, comprometendo o ideal das expectativas asseguradas. Demais disso, os convencionalistas também desconsideram o papel desempenhado pelos princípios, qual seja, o de orientar as decisões judiciais especialmente em casos difíceis. Os princípios possuem uma dimensão de peso e importância que as convenções inegavelmente não possuem. Portanto, o convencionalismo, segundo Dworkin, se ajusta mal às nossas práticas jurídicas, fracassando enquanto forma de interpretação do direito (DWORKIN, 2002, p. 42, 128-129, 2003; p. 42, 141-148, 183; KOZICKI, 2012, p. 34-36; CHUEIRI, 1995, p. 73, 110-117).

No que se refere às demandas judiciais relacionadas à implementação do direito à saúde, decisões pautadas, unicamente, na interpretação convencional inevitavelmente negarão referido direito. Débora Marques de Azevedo dos Santos, em sua análise a respeito da prática jurídica, menciona que se poderiam citar decisões que negam o fornecimento de medicamentos por acreditar-se que não existem normas que o regulem. Assim, segundo a perspectiva convencional, a concessão dos medicamentos seria viável caso existisse lei infraconstitucional que regulasse o direito previsto no art. 196, posto tratar-se, esta previsão, de uma norma meramente programática. Dessa maneira, ante a ausência da convenção, vale dizer, de lei infraconstitucional que o regulamente, ignora-se o direito subjetivo referente ao seu fornecimento (SANTOS, 2008, p. 18).

Veja-se, nesse sentido, o seguinte julgamento do Supremo Tribunal Federal que rejeita a perspectiva convencional e reforça o direito fundamental à saúde:

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado […]. (STF – RE 393175 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário/RS. Rel. Min. Celso de Mello – 2ª T. – j. em 12.12.2006 –Publ. 02.02.2007. Parte(s). Agravante: Estado RS; Agravado: Luiz Marcelo Dias e outros) (sem grifos no original)

De outra parte, enquanto os convencionalistas estão ligados aos precedentes e às normas do passado, os pragmatistas vinculam-se aos seus próprios pontos de vista. Na perspectiva pragmática, as decisões dos juízes – fundadas em critérios de justiça, eficiência ou outra virtude qualquer – consideram aquilo que seja melhor para a comunidade como um todo no futuro ainda que em detrimento dos direitos individuais. Significa dizer que, se uma decisão a respeito de um direito puder causar prejuízo à comunidade, não deverá ser tomada pelos juízes, mesmo que a legislação ou os precedentes a tenham previsto[28]. Ronald Dworkin, embora reconheça as vantagens do pragmatismo em relação ao convencionalismo, critica essa forma de prática jurídica. Sem fazer referência a uma forma de usurpação do Poder Legislativo considerada pela comunidade, a crítica mais contundente do autor volta-se a atuação judicial com vistas à felicidade geral. Esta forma de julgar baseia-se em argumentos políticos (não de princípios) que são argumentos exclusivos dos órgãos legislativos e não do judiciário (2003, p. 181, 185-188, 195; CHUEIRI, 1995, p. 117-121). Desse modo, pragmatistas são utilitalistas na medida em que visam o aumento do bem-estar geral da comunidade no futuro[29]. E no que se refere às decisões relativas à consecução do direito à saúde, seus meios e modos, poder-se-ia negá-lo em face desses mesmos propósitos.

Doutrina e jurisprudência costumam lembrar, como exemplo de pragmatismo, a tese da reserva do possível[30] e a defesa do bem-estar coletivo em detrimento do direito individual aos meios ou recursos relacionados à implementação do direito à saúde.

Débora Marques de Azevedo dos Santos, em sua análise a respeito das reivindicações individuais para fornecimento de medicamentos sob a ótica dworkiana, colaciona julgados que desprezam o direito individual aos medicamentos para salvaguardar políticas públicas de saúde e favorecer outros titulares de direitos fundamentais. Segundo a autora, são decisões que apresentam traços característicos do pragmatismo jurídico, “[…] que visam decidir o caso concreto em face de questões de estratégia e eficiência, à luz do que os magistrados entendem como melhor para a sociedade brasileira, e não sobre o que seria constitucionalmente adequado” (2008, p. 34). Estas decisões deixam de aplicar e garantir os direitos fundamentais estabelecidos pela própria comunidade.

Em sentido oposto ao preceituado pelo pragmatismo, dando guarida ao direito individual à saúde, os seguintes julgados, respectivamente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e do Supremo Tribunal Federal:

Reexame necessário. Mandado de segurança. Fornecimento de medicamento. Necessidade comprovada. Hipossuficiência do cidadão. Dever do estado. Direito à saúde assegurado constitucionalmente. Reexame necessário manifestamente improcedente e em confronto com a jurisprudência desta corte e dos tribunais superiores. Seguimento negado. Sentença mantida […]. Inexistência de ofensa à separação dos poderes e ao princípio da reserva do possível. Adequação da via eleita. […] c) Ademais, o direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana são consagrados pela Constituição Federal, impondo-se ao Poder Judiciário intervir quando provocado, para torná-lo realidade, ainda que para isso resulte em impor obrigação de fazer, com inafastável repercussão na esfera orçamentária, o que, por si só, não ofende o princípio da separação dos poderes. d) Igualmente, o princípio da reserva do possível não pode prevalecer sobre a plena eficácia do mínimo existencial previsto na Constituição Federal. (TJPR – 4ª C.Cível – ACR 830993-5 – Londrina – Rel.: Abraham Lincoln Calixto – Unânime – j. em 07.02.2012) […] (TJPR 3. 918897-6 (Decisão Monocrática) 4ª Câmara Cível – Relª. Regina Afonso Portes, Proc. 918897-6 – j. em 24/08/2012 – Publ. 28/08/2012).

Administrativo. Processual Civil. Direito à saúde. Tratamento médico-hospitalar em rede particular. Pedido subsidiário na falta de leito na rede pública. Garantia de efetividade da tutela judicial. […] 2. O direito à saúde, como consectário da dignidade da pessoa humana, deve perpassar todo o ordenamento jurídico pátrio, como fonte e objetivo a ser alcançado através de políticas públicas capazes de atender a todos, em suas necessidades básicas, cabendo, portanto, ao Estado, oferecer os meios necessários para a sua garantia. 3. Uma vez reconhecido, pelas instâncias ordinárias, o direito a tratamento médico-hospitalar na rede pública de saúde, o resultado prático da decisão deve ser assegurado, nos termos do artigo 461, § 5º, do CPC, com a possibilidade de internação na rede particular de saúde, subsidiariamente, na hipótese de lhe ser negada a assistência por falta de vagas na rede hospitalar do SUS. Recurso especial provido. (STJ – REsp 1409527/RJ – 2013/0288479-1– T2 – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins (1130) – j. em 08.10.2013 – DJe 18.10.2013) (sem grifos no original)

Desse modo, o pragmatismo, assim como o convencionalismo, falha enquanto critério de interpretação no âmbito da prática jurídica. Para Dworkin, a teoria que concebe o direito como integridade é a ideal para tal desiderato, atendendo melhor as exigências da sociedade contemporânea, complexa e diversificada. Sob esse ponto de vista, exige-se ao Estado agir de acordo com um conjunto coerente e fundamentado de princípios para com todos os seus cidadãos, respeitando-os quanto as suas particulares concepções de justiça e equidade (integridade política). Nessa comunidade de princípio, todos os indivíduos são igualmente dignos[31], devendo ser tratados com o mesmo respeito e consideração. Ademais, essa mesma comunidade elegeria e possuiria seus próprios princípios como uma espécie de valores pré-jurídicos[32] e não apenas jurídicos ou decorrentes de acordos políticos, formando um sistema de princípios dos quais derivam direitos e deveres, obrigando-se para com os mesmos, sendo que a observância desses princípios igualmente dependeria da concepção de integridade da própria comunidade política. E as autoridades políticas, pertencentes a esta comunidade, detém responsabilidade para com todos os seus membros. Outrossim, os princípios, segundo Ronald Dworkin, deverão nortear as ações estatais e, nesse contexto, as ações do legislador (integridade na legislação, ou seja, na criação, alteração ou expansão da mesma) e do aplicador da lei (integridade na deliberação judicial interpretando as normas como expressão e respeito ao conjunto coerente de princípios sobre a justiça, equidade e devido processo legal adjetivo). Busca-se, dessa maneira, que o tratamento da situação de cada pessoa seja justo e equitativo segundo as mesmas normas (DWORKIN, 2003, p. 109-204, 254-261; CHUEIRI, 1995, p. 121-134; CHUEIRI; SAMPAIO, 2012, p. 386-387).

Assim, subordinam-se os juízes ao direito, não ao modo convencional, mas no sentido de que devem aplicar e garantir os direitos escolhidos pela comunidade (de princípios). Não estando vinculados ao conteúdo exclusivo da lei, os juízes tem condições de flexibilizar o direito à vista das novas contingências que se apresentam nessa sociedade dinâmica e complexa. Ademais, na perspectiva do direito como integridade os juízes devem compreender a ordem jurídica como um conjunto de normas explícitas e implícitas. E em sua contínua atividade interpretativa no presente, combinando elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro, terão condições de encontrar o princípio que mais adequadamente se subsuma ao caso concreto. E ainda que se trate de um caso difícil – nos quais apenas os argumentos de princípio são adequados – haverá sempre uma resposta certa que será alcançada através dessa interpretação crítica, coerente (compatível com as normas jurídicas e demais princípios) e construtiva[33]. E ainda que possam apresentar-se dois ou mais princípios, num eventual conflito, não se descarta o princípio como não válido, mas considerar-se o princípio mais importante, ou melhor, aquele que seja apto a dar a resposta correta ao caso concreto (o direito que têm as partes), com vistas às dimensões de justiça, equidade e devido processo adjetivo (DWORKIN, 2002, p. 430). Sua decisão, de um juiz comprometido com os princípios que compõem o ordenamento jurídico e atento às peculiaridades do caso concreto, deverá basear-se, portanto, em argumentos de princípio (DWORKIN, 2003, p. 213-214, 229-232, 261-279)[34].

Igualmente, a submissão dos juízes ao direito não se faz ao modo pragmático justamente em face dessa melhor interpretação, qual seja, a que tem como fundamento os argumentos de princípio. Argumentos de princípios afirmam, ao contrário de argumentos utilitaristas; baseiam-se sobre os direitos e garantias dos indivíduos ou grupos de indivíduos, exigência de justiça, equidade, ou alguma outra dimensão da moralidade e não em fins sociais. Sob essa perspectiva o juiz, ao decidir, deverá considerar os direitos das partes e os efeitos de eventual decisão sobre as pessoas específicas, ainda que a comunidade geral fique, em consequência, pior (DWORKIN, 2001, p. IX; 2002, p. 129; CHUEIRI; SAMPAIO, 2012, p. 380). Decisões políticas que se pautam em argumentos de princípio distinguem-se das decisões fundadas em argumentos de política, atribuição do Poder Legislativo, pois visam alcançar alguma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade como um todo (bem-comum), para o futuro[35]. Ao decidirem os juízes, com base em argumentos de princípio, não estão legislando, mas aplicando os princípios da comunidade e integrantes da ordem jurídica, eis que esta é composta por normas e princípios (explícitos e implícitos) perfeitamente integrados (DWORKIN, 2003, p. 35-36; CHUEIRI, 1995, p. 73; KOZICKI, 2012, p. 37).

À vista das formas de interpretação analisadas e em relação à previsão do direito à saúde inscrito no art. 196 da Constituição Federal não se pode concebê-lo como simples regra, à moda convencionalista pois que, não havendo previsão, por exemplo, aos meios ou recursos específicos destinados à saúde, não existiria, de igual modo, o direito subjetivo aos mesmos. Trata-se, na visão de Ronald Dworkin, de uma concepção muito restrita, desvinculada do conteúdo dessas regras (2001, p. 06). De outra parte, avaliá-lo à luz da teoria pragmatista violaria o primado da separação dos poderes e igualmente inviabilizaria a sua consecução como direito individual fundamental posto pretender-se, a vista de convicções pessoais dos juízes, alcançar uma meta coletiva a longo prazo para toda a comunidade. Dessarte, cumpre avaliar o direito à saúde no sentido dworkiano, vale dizer, como um direito político individual e como princípio, ou seja, não como uma norma estrita ou uma política; um direito fundamental dos cidadãos ao igual respeito e consideração e uma diretriz a ser perseguida, para que sejam atendidos, da melhor maneira, os ideias de justiça, de equidade ou alguma outra dimensão da moral (CHUEIRI, 1995, p. 82-84). Desse modo, compete ao Poder Judiciário vislumbrar o conteúdo do art. 196 da Carta Constitucional como princípio e, em face de sua força normativa, garantir o direito à saúde através de uma interpretação construtiva que possibilite a melhor resposta aos casos concretos (SANTOS, 2008, p. 10-11).

Quanto a isso reitere-se a situação acima destacada sobre a tese pragmática da reserva do possível e, portanto, do princípio orçamentário em detrimento do direito à saúde. Para se chegar à resposta correta, dever-se-á proceder conforme a interpretação dworkiana (do direito como integridade), buscando entre os princípios da ordem jurídica a melhor resposta a ser aplicada nas demandas envolvendo o direito à saúde. Sendo assim, há que se buscar no princípio relacionado a esse direito, disposto no art. 196 da Constituição Federal, além dos demais princípios imediata e inevitavelmente relacionados à saúde tais como os relativos à vida, à dignidade humana e à igualdade. Trata-se de direito fundamental de modo que, inviabilizado o direito ou viabilizado de modo deficitário, todos os valores relacionados à saúde inevitavelmente ficam comprometidos, como a vida e a dignidade do indivíduo. Consideram-se esses princípios (relacionados à saúde) como direitos e, portanto, dotados de caráter normativo, devendo ser garantidos sempre que possam subsumir-se ao caso de forma adequada. Aí se terá a única resposta correta devida à situação concreta. Esses direitos devem ser considerados trunfos dos cidadãos diante de outros argumentos que restrinjam ou neguem o direito à saúde, como aqueles utilizados por convencionalistas ou pragmatistas, incapazes de atender as demandas que se inserem no âmbito da sociedade dinâmica, plural e complexa. A interpretação do direito como integridade demonstra que os juízes estão vinculados à ordem jurídica constitucional e aos princípios eleitos pela comunidade, devendo zelar pela aplicação dos direitos do indivíduo ou de grupos de indivíduos, da aplicação do melhor princípio para a situação concreta (CHUEIRI, 1995, p. 67-69; 82-84).

Decisões desse quilate podem ser observadas nos nossos tribunais[36], com os magistrados fazendo especial referência a aplicação de princípios aos hard cases, à vista da orientação dworkiana[37]. Veja-se nesse sentido:

Administrativo. Processual civil. Recurso especial. Ação civil pública. Fornecimento de remédio. Doença grave. Acórdão fundado em princípios constitucionais. Impossibilidade de exame do apelo especial. Violação do art. 535, II, do CPC. Não-ocorrência. 1. Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal em face do INSS objetivando garantir à criança J. L, acometida da moléstia denominada “puberdade precoce verdadeira”, tratamento mediante fornecimento do medicamento NEODECAPEPTYL. O TRF da 3ª Região, por unanimidade, manteve a sentença de Primeiro Grau, por entender que: a) o INSS é parte legítima para figurar no feito tendo em vista que as fontes de financiamento da seguridade social são comuns tanto à saúde quanto à assistência e previdência social, a teor do que disciplinam os arts. 194 e 195, da CF de 1988; b) o fornecimento do medicamento pleiteado é medida que se impõe em face dos princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e à criança. […] 4. Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como “hard case” (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. […] 5. Recurso especial conhecido em parte e não-provido. Ausência de violação do art. 535, II, do CPC. (Fonte: REsp. 948944/SP 2007/0101123-6 – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado (1105) – j. em 22.04.2008 – Publ. 21.05.2008. LEXSTJ, v. 228, p. 142. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=dworkin>. Acesso em: 25 abr. 2013) (sem grifos no original)

Débora Marques de Azevedo dos Santos, na análise de decisões envolvendo o direito à saúde à luz da teoria dworkiana, conclui, com maestria, que:

Ao propor uma mudança de postura dos aplicadores do direito, fazendo com que entendam o direito como um sistema complexo integrado por diversos princípios que, não raro, se encontram em situação de conflito, Dworkin incentiva a atividade interpretativa, para que o juiz busque a única resposta correta para o caso: a melhor possível. Agindo dessa maneira, os juízes não se limitam à mera subsunção de regras, ao mesmo tempo em que não invadem a seara de atuação dos órgãos de deliberação política. Realizam, isso sim, o importante papel de aplicação do direito. (2008, p. 51)

Dessa sorte, no que se refere à consecução do direito à saúde, suas condições ou seus meios, a melhor forma de interpretação é do direito como integridade, ou seja, decidindo-se os casos concretos através de um sistema de princípios que a própria comunidade elegeu e, nesse sentido, ainda que se trate de um caso difícil como certamente são os casos envolvendo o direito à saúde, o juiz, em sua interpretação construtiva, deverá analisar a questão “pormenorizadamente, na sua plena complexidade social”, fundamentando-a como “a emanação de uma visão coerente e imparcial de equidade e justiça porque, em última análise, é isso que o império da lei realmente significa” (DWORKIN, 2001, p. VIII). Optará, portanto, pelo princípio da comunidade que melhor se subsuma ao caso concreto.

5 NOTAS CONCLUSIVAS

O presente trabalho teve como propósito delinear o direito à saúde, identificando-o como princípio da ordem jurídica brasileira e, para tanto, voltando sua atenção às considerações de Ronald Dworkin, na busca de uma melhor interpretação desse direito na prática jurídica.

Antes, porém, procedeu-se à definição de saúde e a localização do direito no texto constitucional. Através dessa análise, constatou-se a importância da consecução do direito à saúde do ponto de vista existencial. Verificou-se, outrossim, seus desdobramentos em termos de recursos e condições para a saúde e sua conexão com outros direitos igualmente fundamentais, como a própria vida e dignidade humana.

A seguir e a partir do delineado na primeira parte do trabalho, analisou-se o direito aos meios à saúde, particularmente o direito à assistência farmacêutica e ao fornecimento de medicamentos seguros, como consectário inevitável do direito explicitado na Constituição Federal. Verificou-se, a partir dessas considerações, particularmente do seu caráter fundamental e da sua natureza social-prestacional, a necessidade não só do reconhecimento como da efetiva consecução do direito à saúde por parte do Poder Público através de políticas públicas ou pela intervenção judicial.

Na terceira parte do trabalho e para efetivamente enfrentar o tema proposto, ou seja, para identificar a melhor forma de interpretação aplicável na prática judicial aos casos envolvendo o direito à saúde, em especial no tocante à prestação de medicamentos, procedeu-se à análise das formas de interpretação do direito na perspectiva dworkiana (convencional, pragmática e do direito como integridade).

Nesse tocante, o convencionalismo, como forma de interpretação, se assenta, basicamente, nas convenções (leis e precedentes) do passado. Contudo, essa forma de interpretação é insuficiente para atender novas situações decorrentes da própria dinamicidade social. Apresenta-se, outrossim, incoerente na medida em que, fundada em convenções do passado, caso inexistam de modo a atender determinado caso concreto, permitem a ação judicial discricionária, gerando insegurança jurídica. Convencionalistas desprezam, ademais, o papel desempenhado pelos princípios da ordem jurídica e assim, o direito à saúde e os princípios a ele relacionados, negando o direito ao fundarem-se exclusivamente nas convenções. Os pragmatistas, diferentemente do convencionalistas, levam em consideração o bem-estar da comunidade para o futuro ainda que em desfavor dos direitos fundamentais, como no caso do direito à saúde e aos seus meios. Seus argumentos são políticos e seus propósitos utilitaristas.

Sob a ótica de Ronald Dworkin o convencionalismo, assim como o pragmatismo, tornam-se critérios insuficientes e até mesmo injustos de interpretação do direito e, in casu, de interpretação do próprio direito à saúde. De acordo com o autor a interpretação ideal, na práxis jurídica, é a do direito como integridade, constatação com a qual concordam as pesquisadoras, estendendo essas considerações ao âmbito da saúde coletiva.

Na perspectiva dworkiana, o Estado deve agir de acordo com um conjunto coerente e fundamentado de princípios considerando todos os cidadãos igualmente dignos de ser tratados com o mesmo respeito e consideração. Nesse sentido, são os princípios que devem nortear todas as ações estatais, sejam as ações do legislador (integridade na legislação), sejam as do juiz (integridade na interpretação e aplicação do direito, constituído por normas expressas e implícitas). Desse modo, os juízes não se encontram vinculados exclusivamente ao passado e ao conteúdo da lei e dos precedentes, como também não estão vinculados exclusivamente ao futuro e com o bem-estar coletivo. Devem, na verdade, em sua contínua e construtiva atividade interpretativa, combinar esses elementos (passado e futuro) e encontrar o melhor princípio e, assim, a melhor resposta (correta) que se ajuste às peculiaridades do caso concreto, mesmo um caso difícil, como geralmente os casos envolvendo o direito à saúde são. Os argumentos desse juiz serão, evidentemente, argumentos de princípio, isto é, basear-se-ão sobre os direitos e garantias dos indivíduos ou grupos de indivíduos.

E em relação ao direito à saúde consagrado na Constituição Federal brasileira, deve ser concebido e interpretado como um direito fundamental-social e, sobretudo, como princípio a fim de que sejam atendidos, na visão dworkiana, os ideais de justiça, equidade ou alguma outra dimensão da moral. Ao Judiciário compete, diante da necessidade do indivíduo e da insuficiência ou deficiência de políticas públicas relacionadas à saúde, interpretar as disposições constitucionais relativas e relacionadas à saúde coletiva como verdadeiros princípios e garantir o direito à saúde, aos seus meios e recursos, como são os medicamentos. Ter-se-á assim a resposta correta, devida ao caso concreto.

6 REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Mistério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. A construção do SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/construcao_do_SUS_2006.pdf>. Acesso em: 30 out. 2013.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada: legislação infraconstitucional em vigor. São Paulo: Saraiva, 2000.

CALMON, Eliana. As gerações dos direitos e as novas tendências. In: GANDRA, Ives (Coord.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

CAMPOS, Germán J. Bidart. Lo explícito y lo implícito en la salud como derecho y como bien jurídico constitucional. In: FARINATI, Alicia (Coord.). Salud, derecho y equidad: princípios consitucinales. Políticas de salud. Bioética. Alimentos y desarrollo. Buenos Aires: Ad Hoc, 2001.

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. A saúde pública e a defesa da vida. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.

CARVALHO, Patrícia Luciane. O acesso a medicamentos e as patentes farmacêuticas junto à ordem jurídica brasileira. Revista CEJ. Brasília, a. 11, n. 37, p. 94-102, abr./jun. 2007. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/880/1062>. Acesso em: 10 set. 2013.

CHUEIRI, Vera Karan de. Filosofia do direito e modernidade: Dworkin e a possibilidade de um discurso instituinte de direitos. Curitiba: JM, 1995.

CHUEIRI, Vera Karan de; SAMPAIO, Joanna Maria de Araújo. Coerêcia, integridade e decisões judiciais. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 16, n. 23, p. 367-391, 2012. Disponível em: <http://periodicos.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/ view/572/656>. Acesso em: 10 out. 2013.

COMPARATO, Fábio Konder. O abuso nas patentes de medicamentos. Revista de Direito Sanitário. São Paulo, v. 11, n. 3, fev. 2011. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1516-41792011000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 05 set. 2013.

CONSTITUIÇÃO da Organização Mundial da Saúde. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 30 ago. 2013.

COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária, saúde e cidadania. Belo Horizonte: Coopmed, 2001.

DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995.

_____. A vigilância sanitária no contexto constitucional e legal brasileiro. Belo Horizonte: Coopmed, 2001.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

_____. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_____. O império do direito. Trad. de Jefferson Luiz Camargo; Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FARIAS, Edilson P. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Brasília: Sergio Antonio Fabris, 1996.

FELIPPE, Márcio Sotelo. Razão jurídica e dignidade humana. São Paulo: Max Limonad, 1996.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.

KOZICKI, Katya. Levando a justiça a sério. Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Belo Horizonte: Arraes, 2012.

MACHADO, Felipe Rangel de Souza. Os direitos sociais e o poder judiciário: o caso da saúde. In: SYDOW, Evanize; MENDONÇA, Maria Luisa (Orgs.). Relatório de direitos humanos no Brasil 2009. São Paulo: Fundação Heinrich Böll; Global Exchange, 2009.

MAUÉS, Antonio G. Moreira; SIMÕES, Sandro Alex de Souza. Direito público sanitário constitucional. In: ARANHA, Márcio Iorio (Coord.). Curso de extensão em direito sanitário para membros do Ministério Público e da magistratura federal. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. rev. e atual. até a EC n. 68/2011 e Súmula Vinculante 31. São Paulo: Atlas, 2012.

OLIVEIRA, Euclides Benedito. Direito à saúde: garantia e proteção pelo poder judiciário. Revista de Direito Sanitário. São Paulo, v. 2, n. 3, p. 36-58, nov. 2001.

PAIM, Jairnilson Silva. Desafios para a saúde coletiva no século XXI. Salvador: EDUFBA, 2008.

PAIS, Antonio Doval. Delitos de fraude alimentário: análisis de sus elementos esenciales. Pamplona: Aranzadi, 1996.

PINHEIRO, Marcelo Rebello. A eficácia e a efetividade dos direitos sociais de caráter prestacional: em busca da superação dos obstáculos. 2008. 195 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/5143/1/2008_MarceloRebelloPinheiro.pdf>. Acesso em: 01 set. 2013.

RENAME. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/pdf/rename2010final.pdf>. Acesso em: 07 set. 2013.

ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito da saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: LTr, 1999.

SANCHÍS, Luis Prieto. Los derechos sociales y el principio de igualdad sustancial. In: BARUFFI, Helder (Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos em homenagem aos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e aos 20 anos da Constituição Federal. Dourados-MS: UFGD, 2009.

SANTOS, Débora Marques de Azevedo dos. Levando a sério o direito fundamental à saúde: uma análise das reivindicações individuais de fornecimento de medicamentos, à luz da teoria de Ronald Dworkin. 2008. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/30950/M%201040.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 set. 2013.

SANTOS, Fernando F. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos, 1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2011.

SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

Notas de Rodapé

[1] Professora do Curso de Direito do Instituto Federal do Paraná (IFPR), Campus de Palmas. Doutora em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania (NDCC/UFPR).

[2] Professora do Curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/PR), Campus de Marechal Candido Rondon. Doutora em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Estudos Criminais (NEC/UFPR).

[3] Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Doutora em Direito (UFSC). Conselheira da Transparência Brasil, de Combate à Corrupção na Administração Pública.

[4] O art. 32 da Constituição italiana de 1948 dispunha que “A República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, e garante tratamentos gratuitos aos indigentes. Ninguém pode ser obrigado a um determinado tratamento sanitário, salvo disposição de lei. A lei não pode, em hipótese alguma, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana”.

[5] Nos moldes do art. 64 da Constituição portuguesa: “1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e a promover […]”.

[6] Art. 5º, caput, da Carta Política preceitua que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida […]”.

[7] No sentido de Saúde Pública como integração dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa e do livre desenvolvimento da personalidade conferir PAIS, 1996, p. 195.

[8] Ronald DWORKIN, na obra A virtude soberana ao tratar “A Justiça e o alto custo da saúde”, faz idêntica referência ao tratar do princípio do resgate. Segundo o autor, tal princípio divide-se em duas partes vinculadas, sendo a primeira a que relaciona vida e saúde como os bens mais importantes; a segunda relativa à distribuição de assistência médica com equidade, não se devendo “[…] negar a ninguém a assistência médica de que precisa só por ser pobre demais para custeá-la” (2005, p. 434).

[9] A ideia de segurança nos meios à saúde, como são os alimentos e os medicamentos, por exemplo, ressai de dois critérios específicos. O primeiro, quantitativo, está relacionado à disponibilização ou suficiência de recursos. O segundo critério, qualitativo, refere-se à adequação dos recursos, no sentido de possuírem suas características e constituintes fundamentais e produzirem os efeitos esperados.

[10] Para além da previsão do direito à saúde, o legislador constituinte delineou ações fundamentais em saúde pública, entre as quais se destacam, no âmbito da medicalização segura, o controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participação da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica; o incremento em sua área de atuação do desenvolvimento científico e tecnológico; a participação do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos (art. 200 da Carta Constitucional de 1988).

[11] Márcio Sotelo Felippe enuncia que a dignidade da pessoa humana é um conceito a priori, apenas reconhecido pelo legislador constituinte. Cuida-se, ademais, de um ente da razão, que se basta a si mesma. É primeiro motor, é causada nela mesma, é incausada exatamente por ser razão. Por isso, quando a Constituição diz dignidade, está positivando (como que tornando empírico o universal) uma ideia da razão que não pode ter outro fundamento que não ela mesma, a razão […]. O autor da Constituição, quando consagra os direitos humanos, nada preceitua enquanto ato de vontade localizado. Apenas expressa um ente de razão […] (1996, p. 67).

[12]Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana”.

[13] Ronald DWORKIN fala, em sua obra A virtude soberana, a respeito da igualdade de bem-estar e igualdade de recursos, à p. 03 e ss.

[14] De acordo com Germano Schwartz, o direito à saúde está conectado a outros direitos igualmente assegurados ao cidadão brasileiro ou estrangeiro, tais como “direito à proteção do meio ambiente, direito à educação, direito à moradia, direito ao saneamento, direito ao bem-estar social, direito ao trabalho e à saúde no trabalho, direito à proteção da família, direito da seguridade social, direito à saúde física e psíquica, direito a morrer dignamente, direito de informação sobre o estado de saúde e nutrição, direito a não ter fome, direito à assistência social e direito de acesso aos serviços médicos” (SCHWARTZ, 2001, p. 41).

[15] Em se tratando de um direito social, também se pode dizer que possui característica positiva, devendo o Estado garantir a efetividade do direito à saúde. Igualmente possui característica negativa, devendo o Estado furtar-se de práticas prejudiciais a esses direitos (SCHWARTZ, 2001, p. 53 e 71).

[16] Para Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, os direitos de segunda geração “traduzem uma etapa de evolução na proteção da dignidade humana. Sua essência é a preocupação com as necessidades do ser humano. Se os direitos fundamentais de primeira geração tinham como preocupação a liberdade contra o arbítrio estatal, os de segunda geração partem de um patamar mais evoluído: o homem, liberto do jugo do Poder Público, reclama agora uma nova forma de proteção da sua dignidade, como seja, a satisfação das necessidades mínimas para que se tenha dignidade e sentido na vida humana”. De acordo com os autores, os direitos sociais, categoria a que está afeta a saúde, são aqueles que exigem uma atividade prestacional do Estado, no sentido de buscar a superação das carências individuais e sociais (2010, p. 99-100).

[17] A respeito dos direitos sociais prestacionais conferir, também, SANCHÍS, 2009, p. 167 e ss.

[18] De acordo com a Professora Vera Karan de Chueiri, “Os poderes formalmente instituídos resultam harmônicos entre si, não pela retórica dos freios e contrapesos, mas pela efetividade dos seus mecanismos. […] Na relação do público com o privado, confere-se a todos os cidadãos uma parcela, potencialmente igual, de força, tendo cada cidadão uma parcela igual de controle sobre as decisões tomadas pelo poder público” (1995, p. 141).

[19] A Constituição Federal incorporou as diretrizes da Constituição da OMS onde se lê que “os governos têm a responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só poderá ser cumprida através da adoção de medidas sanitárias e sociais adequadas”. No entanto, o texto constitucional não estabelece exclusividade ao Estado na promoção do direito à saúde, dividindo esse ônus com a iniciativa privada e a comunidade. Dessa maneira, a partir da Carta Política de 1988 a saúde da população no âmbito nacional é dividida em: Sistema Único de Saúde (SUS), por sua natureza pública e integrado por serviços estatais dos municípios, estados e União, além dos contratados (filantrópicos e lucrativos) é destinada a toda a população e constitui a única possibilidades de atenção à saúde para mais de 140 milhões de brasileiros entre os que possuem baixos rendimentos, empregos precários os estão desempregados; Sistema de Assistência Médica Supletiva (SAMS), caracterizada por seu caráter privado, pelo pré-pagamento por parte de empresas ou usuários para assegurar a assistência médica quando necessário, verificando-se grande crescimento desse segmento a partir da década de 1980; e o Sistema de Desembolso Direto (SDD) (PAIM, 2008, p. 22-24).

[20] Para Patrícia Luciane Carvalho a operacionalização do direito à saúde se dá, por parte do Poder Público, na forma preventiva e, no caso de omissão estatal, na forma incidental (2007, p. 95).

[21] Para Gastão Wagner de Sousa Campos o sistema privado não faz Saúde Pública e defesa coletiva das condições da vida, razão pela qual cabe ao Estado não só a assistência médico-hospitalar a 80% da população, como todas as ações de prevenção e de promoção da saúde (v.g. saneamento básico, vigilância sanitária e epidemiológica, execução de programas de prevenção e tratamento de doenças de massa etc.). E para tudo isso é imprescindível o investimento público que, a propósito, é baixíssimo no Brasil, que segue a cartilha neoliberal de ínfimos recursos destinados à solidariedade social (2006, p. 166-167).

[22] RENAME. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/pdf/rename2010final.pdf>. Acesso em: 07 set. 2013.

[23] A título de exemplo, editou-se a Portaria 204/GM/2007, do Ministério da Saúde, onde consta a classificação de medicamentos por complexidade, restringindo o fornecimento a determinadas unidades de saúde.

[24] Felipe Rangel de Souza Machado elenca condições da judicialização da saúde, quais sejam: 1) existência de um regime de governo democrático com a separação efetiva dos três poderes; 2) existência de uma política de direitos, inscrita ou não em uma declaração constitucional de direitos fundamentais; 3) existência de grupos de pressão que tenham identificado nos tribunais judiciais possíveis arenas para a veiculação de seus interesses; 4) existência de instituições majoritárias incapazes de reunir em torno de si apoio público suficiente para defender suas políticas, havendo, portanto, a necessidade de se buscar no Poder Judiciário a efetivação dessas políticas; 5) uma percepção geral negativa quanto às instituições originalmente responsáveis pela formulação de políticas públicas, vindo esse sentimento negativo de receios públicos quanto a clientelismo, personalismo e corrupção; 6) inércia proposital do legislativo quanto ao trato de certas questões; e 7) uma postura dos juízes no sentido de aceitarem o desafio de opinar sobre questões políticas (TATE; VALLINDER apud MACHADO, 2009, p. 191).

[25] A prática jurídica é tratada por Ronald DWORKIN em suas obras O Império do Direito, Uma questão de princípio e Levando os direitos a sério, particularmente consideradas na confecção deste artigo.

[26] Dworkin utiliza, como sinônima, a expressão casos controversos que apresentam-se “[…] quando juristas competentes se dividem quanto a qual decisão se exige, porque as únicas leis ou precedentes pertinentes são ambíguos ou não há nenhuma opinião firmada com pertinência direta, ou porque o direito, por alguma razão, não está assente” (DWORKIN, 2001, p. 109).

[27] Kátia Kozicki lembra a objeção bastante comum à expressão na medida em que todos os casos envolvendo o direito não seriam casos fáceis (2012, p. 29).

[28] A Professora Vera Karan de Chueiri aduz que “A ideia de melhor comunidade confere aos juízes autoridade e legitimidade para que estes passem por cima das fontes, mesmo a representar um ônus, um dano às instituições jurídicas. Isto porque o possível dano causado (a incredulidade em relação às fontes) é considerado sempre menor que o benefício prometido” (1995, p. 118).

[29] De acordo com a Professora Katya Kozicki o convencionalismo é uma derivação do positivismo jurídico enquanto o pragmatismo uma espécie de utilitarismo jurídico (2012, p. 30).

[30] Cuida-se da chamada reserva do financeiramente possível, ou seja, da reserva ou capacidade financeira do Estado para assegurar os direitos subjetivos públicos. Ancora-se, essa teoria, no poder discricionário (conveniência e oportunidade) do Poder Executivo ou do Poder Legislativo para não efetivar referidos direitos sociais. Trata-se de uma causa excludente de ilicitude do Estado que, diante de um quadro financeiro deficitário, deixa de dar efetividade a um direito fundamental social prestacional previsto na Constituição Federal (CARVALHO, 2007, p. 97).

[31] Ronald Dworkin distingue entre igualdade como política e igualdade como direito e estes, em direito ao igual tratamento (equal treatment) o direito ao tratamento como igual (treatment as equal). Conferir nesse sentido DWORKIN, 2002, p. 349-350.

[32] Segundo Vera Karan de Chueiri, numa perspectiva filosófica, seriam os princípios, valores supra-positivos (1995, p. 83).

[33] A interpretação construtiva, advogada por Ronald Dworkin, decorre do que ele denomina como “corrente do direito” em analogia ao “romance em cadeia” e da ideia de criação enquanto interpretação formando um “romance” único e integrado (2001, p. 235-242; 2003, p. 275-285).

[34] De acordo com Vera Karam de Chueiri e Joanna Maria de Araújo Sampaio a aplicação do direito não se restringe à subsunção de um fato concreto a uma norma geral e abstrata. A prática jurídica deve assentar-se em argumentos de princípio, orientada para a garantia dos direitos individuais concretos no caso, não de forma “[…] a cair num ativismo tosco que ultrapasse as funções do judiciário e penetre o âmbito de atuação do legislativo e do executivo” (2012, p. 369).

[35] De acordo com Ronald Dworkin, “Os argumentos de princípio são argumentos destinados a estabelecer um direito individual; os argumentos de política são argumentos destinados a estabelecer um objetivo coletivo. Os princípios são proposições que descrevem direito; as políticas são proposições que descrevem objetivos” (2002, p. 141).

[36] Dworkin, ao analisar a revisão judicial em sua obra Uma questão de Princípio, menciona que os argumentos de princípios devem permear toda a atividade pública, não apenas quando chegam ao Tribunal, portanto, muito antes e muito depois. Nos Tribunais, em sua opinião, deve-se tomar decisões de princípio e não de política, “[…] decisões sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema constitucional, não decisões sobre como se promove melhor o bem-estar geral” (2001, p. 101).

[37] É possível ver em outras decisões (não apenas as relativas à consecução do princípio da saúde) fazendo referência à primazia dos princípios, os ideais de justiça e a expressa referência a Dworkin. Veja-se, nesse sentido, por exemplo: REsp 1251566/SC – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – j. em 07.06.2011 – DJe 14.06.2011 a respeito do levantamento dos valores depositados na conta vinculada do FGTS; REsp. 963.871/RS – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux – j. em 21.10.2008 – DJe 19.11.2008 sobre a substituição de precatórios por TDAs em caso envolvendo desapropriação.