O Controle Administrativo dos Concursos Públicos no Direito Brasileiro e o Papel da Advocacia Pública

THE ADMINISTRATIVE CONTROL OF PUBLIC JOB CONTESTS IN THE BRAZILIAN LAW AND THE ROLE OF PUBLIC ADVOCACY

Fábio Lins de Lessa Carvalho[1]

Resumo: O presente artigo científico tem como objetivo a análise do controle dos processos seletivos de acesso à função pública, destacando, em especial, a figura do controle administrativo enquanto mecanismo interno de fiscalização dos concursos públicos realizados pela Administração Pública brasileira e ressaltando o papel dos órgãos que exercem a Advocacia Pública, que, a partir de uma atuação com foco no controle preventivo, garante a redução das possibilidades de litígios na disputa pelos cargos públicos (diminuição da judicialização dos concursos), garantindo também um procedimento mais afeito aos princípios do Direito Administrativo.

Palavras-chave: Acesso aos cargos públicos. Concurso público. Controle. Controle administrativo. Advocacia Pública. Controle preventivo.

Abstract: This scientific article aims to analyze the control of selection processes for access to public function, highlighting in particular the figure of administrative control as an internal mechanism for monitoring public exams conducted by the Brazilian Public Administration and highlighting the role of bodies carry on State Attorney, which, from a performance focusing on preventive control, ensures the reduction of litigation possibilities in the competition for public office (decrease of the justiciability of contests), also ensuring more used procedure to the principles of Administrative Law.

Keywords: Access to public office. Public tender. Control. Administrative control. Public Advocacy. Preventive control.

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS

Como em todas as áreas jurídicas, no Direito Administrativo, existem prescrições que determinam comportamentos considerados ideais e adequados à Administração Pública e aos particulares que devem ser observadas, embora isto nem sempre ocorra. Na verdade, é próprio do Direito trabalhar com a hipótese de descumprimento de suas normas, já que isto é algo passível de ocorrer, por se tratarem de normas prescritivas de condutas (e não descritivas da realidade).

Quando as normas jurídicas não são observadas por seus destinatários, o ordenamento jurídico deve oferecer os mecanismos que sejam necessários à imposição forçosa de seus comandos, o que ocorre diante do caráter coercitivo do Direito.

Na seara dos concursos públicos, inúmeros têm sido os avanços no tocante à consolidação dos direitos dos candidatos e da sociedade de uma forma geral, o que tem gerado os correspondentes deveres da Administração Pública em garantir a efetivação dos referidos direitos.

Neste tocante, o controle dos concursos públicos é uma das questões mais relevantes no contexto do acesso à função pública, especialmente no que diz respeito à efetividade dos direitos que ostentam os candidatos (direitos individuais) e a coletividade (direitos difusos).

A doutrina nacional, ainda que timidamente, tem investigado distintas questões que envolvem o direito previsto no art. 37, I e II, da Constituição Federal, destacando as repercussões que o mesmo exerce sobre a atividade administrativa de seleção dos servidores públicos no sistema jurídico brasileiro.

Na realidade, como afirmado em outra oportunidade, todos os efeitos e repercussões das exigências de igualdade e mérito no concurso público são relevantes e demonstram a preocupação constitucional com a ampla acessibilidade aos cargos e empregos públicos. Por essa razão, o ordenamento jurídico deverá estabelecer garantias da efetividade do direito de acesso em condições igualitárias à função pública, a fim de que esse não seja tão somente uma prescrição da Constituição, sem a devida eficácia social (CARVALHO, p. 405).

De fato, a presença de mecanismos de controle é condição indispensável para a concretização de todos os princípios dos concursos públicos. Nesse sentido, já se afirmou que: “para que se verifique a real obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade no concurso público, o mesmo deve se desenvolver de forma a viabilizar a possibilidade de controle, seja interno ou externo” (TOURINHO, p. 139).

A fiscalização administrativa, judicial e por outros meios da atividade selecionadora do Estado é um aspecto cujo esquecimento ou menosprezo pode pôr em risco todas as repercussões da igualdade e da meritocracia.

As normas, os ensinamentos doutrinários e os precedentes judiciais têm registrado quais são as atuações administrativas que devem ser observadas para que o processo administrativo de concurso público seja conduzido com impessoalidade e objetividade, corolários da igualdade, a fim de que prevaleça a eficiência administrativa.

Em que pese à relevância de tais considerações, convém destacar que a Administração Pública muitas vezes não segue os parâmetros que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, o que fragiliza a situação dos cidadãos, já que esses passam a ter dois importantes direitos fundamentais denegados: o direito ao acesso igualitário aos cargos públicos e o direito à boa administração.

Certamente, a quantidade e a potencialidade de danos dos atos administrativos praticados no curso do concurso público que se afastam dos padrões de conduta estabelecidos pelo Direito dependerão do grau de eficácia da reação de cada ordenamento jurídico frente a essas arbitrariedades. Cabe acrescentar que muitas dessas situações arbitrárias estão previstas nas normas que a própria Administração Pública produz, especialmente na definição das regras do edital.

Para que a supracitada reação do ordenamento jurídico contra os arbítrios estatais tenha êxito, há que se adotar de forma integral a tese que sustenta que “o poder administrativo é propriamente um poder essencial e universalmente ajuizável” (ENTERRÍA, p. 107).

Além disto, deve prevalecer o entendimento que destaca que todos os cidadãos, ainda que não sejam partícipes diretos do concurso público (ou seja, ainda que não ostentem a condição de candidatos), possuem legitimidade para exercer o controle dos atos de seleção, já que lhes interessa os resultados da atuação administrativa.

A fim de que haja a efetiva possibilidade de fiscalização dos concursos públicos, esses devem ser submetidos a parâmetros objetivos, definidos nas leis, nos regulamentos e nas normas do edital. Caberá ao órgão que irá exercer o controle fazer a confrontação entre a atuação administrativa e os referidos parâmetros objetivamente definidos nas normas da seleção.

Com respeito a essa questão, sublinha-se que o controle público é da essência do concurso público, “significa que a realização do concurso público envolve o interesse coletivo, e todos os integrantes da comunidade têm interesse na condução ilibada e perfeita do concurso. Por isso, estão autorizados a acompanhar todos os atos pertinentes ao concurso, inclusive formulando pedidos de esclarecimento quanto a fatos relevantes” (JUSTEN FILHO, p. 743).

2 A RELEVÂNCIA DO CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS

Não é sem propósito afirmar que todo o sistema constitucional de acesso igualitário e meritório aos cargos públicos seria inútil se não fosse previsto (e se não funcionasse bem) o correspondente sistema de controle da atuação administrativa de seleção dos servidores públicos (CARVALHO, p. 407).

Na verdade, o fato de que o provimento dos postos de trabalho na Administração Pública sempre tenha sido uma fonte de favorecimentos ilegítimos (clientelismo) faz com que o referido âmbito da atividade administrativa seja submetido de forma permanente a distintos fatores de pressão que tentam afastar a exigência da seleção meritória. Nesse contexto, a existência de mecanismos de fiscalização da atividade selecionadora do Estado é essencial para garantir a probidade nas decisões administrativas.

A preocupação com o controle dos concursos públicos deve garantir a definição de uma principiologia dos referidos processos seletivos, o que permitirá a fiscalização a partir de tais parâmetros; a adoção do caráter controlável como marca indelével do concurso público; a acolhida do princípio da ampla sindicabilidade e o reconhecimento de que a discricionariedade técnica possui limites, sendo, portanto, sujeita a controle.

A doutrina brasileira destaca que a relevância do controle dos processos seletivos de acesso à função pública é ainda mais presente devido à grande disputa pelas vagas e os inevitáveis conflitos que surgem entre os milhares de candidatos que costumam participar dos concursos públicos e a Administração Pública. Nesse sentido:

Por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em conseqüência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla da defesa (art. 5º, LV, CF). (CARVALHO FILHO, p. 540)

Entretanto, ainda que se possa afirmar que o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial com respeito às possibilidades de realização da referida proposição seja avançado, tampouco se pode negar que no setor dos processos seletivos de acesso à função pública as dificuldades para que haja sua real aplicação são consideráveis, e isso se dá por distintas razões que serão analisadas nas próximas páginas.

3 AS HIPÓTESES EM QUE CABE O CONTROLE

Antes de tudo, convém salientar que, em que pese à necessidade de verificação de quais são as situações mais usualmente sujeitas à fiscalização, é plenamente possível afirmar que todos os atos dos processos administrativos de concurso público estão submetidos a controle, seja administrativo, judicial ou por outros meios (inclusive social), tanto que esse é um dos princípios da referida atividade administrativa (sindicabilidade), como já sublinhado.

Essa afirmação, ainda que pareça indiscutível, deve ser acentuada, já que durante muitos anos prevalecia a teoria que rejeitava o controle de determinados atos dos órgãos de seleção, sob o argumento de que os mesmos atuavam com discricionariedade técnica. De plano, cabe aqui destacar que o controle (judicial) da discricionariedade nos processos seletivos é um meio para assegurar seu adequado exercício, tendo como referência os aspectos jurídicos.

Os referidos aspectos, evidentemente, não se limitam a uma apreciação e controle de índole formalista dos atos administrativos, mas sim a uma ampla fiscalização que tem por base os princípios do concurso público. Assim, admite-se o controle sempre que existam parâmetros jurídicos para a confrontação dos atos realizados pelo órgão selecionador. Contudo, a existência eventual de outro entendimento que amplie os poderes dos órgãos jurisdicionais implicaria no reconhecimento de sua onisciência.

Logo, sobre os parâmetros jurídicos mencionados acima, se por um lado a jurisprudência e a doutrina deste país ainda mantêm o argumento da necessidade de preservação da discricionariedade técnica das bancas examinadoras, o que é não só plausível, como essencial, por outro, há a possibilidade de intervenção a partir dos seguintes aspectos:

a) A regularidade do procedimento e das formas em geral;

b) O requisito de “a motivação suficiente”;

c) A existência de dolo, coação ou outros vícios que restrinjam a liberdade de formação da decisão das bancas examinadoras;

d) O “desvio de poder”, o controle do fim como elemento regulado;

e) O controle dos motivos determinantes (um verdadeiro controle de causas que determinaram a decisão administrativa); e

f) Os princípios que incidem sobre o concurso público.

Por todo o destacado, é evidente que o argumento que sustenta a necessidade de preservação da independência da atuação dos órgãos selecionadores não deve ser utilizado como uma barreira que afaste as tentativas de sua fiscalização, mas, ao contrário, para que possa garantir a objetividade e a lisura da seleção.

Para que isso ocorra, conforme verificado quando da análise dos princípios da independência e imparcialidade do selecionador, é indiscutível que haja a proteção da autonomia da avaliação dos órgãos técnicos encarregados da seleção, seja contra as interferências da Administração Pública, seja contra os abusos do Poder Judiciário.

A necessidade de reconhecimento da possibilidade de controle dos atos de seleção é destacada pela doutrina brasileira, que afirma que a aceitação de uma concepção distinta autorizaria o arbítrio da Administração Pública. Nesse sentido:

o concurso público para admissão nos serviços do Estado é um procedimento sério de seleção de candidatos, no qual deverá existir, em linha de princípio, a possibilidade de controle – não apenas administrativo, pelos caminhos dos recursos pertinentes – mas também de caráter jurisdicional, dos critérios de correção das provas, sob pena de poder transformarem-se em fraude e burla dos interesses dos competidores. Já foi anteriormente ressaltado que a Administração Pública não tem o poder incontrastável de reputar como certo o que bem lhe parece, pois isso seria arbítrio. (COUTO E SILVA, apud TOURINHO, p. 87).

Sobre a questão do controle judicial da discricionariedade administrativa nos concursos públicos, não se espera um ativismo judicial que não reconheça a especialização técnica e a legitimidade decisória da Administração Pública, especialmente quando atua através de pessoas comprovadamente especializadas, nem tampouco um Poder Judiciário omisso, que nem sequer tenha ambição de proteger aos cidadãos frente às opressões e abusos estatais.

Relativamente às hipóteses em que está presente a possibilidade de controle dos atos que tratam do acesso à função pública, é interessante aludir que “as lides envolvendo o concurso público podem surgir, por sua não realização ou quando de sua realização, neste último caso, na fase interna ou externa, sendo mais comuns as ocorrentes na última situação” (MACHADO JÚNIOR, p. 175).

No primeiro caso, poderia ser destacada a fiscalização que viesse a coibir os atos administrativos que permitissem a admissão de servidores comissionados, advindos de contratações temporárias ou de terceirizações, nas situações onde a realização do concurso público é obrigatória. Sobre essa circunstância, pode-se acrescentar que: “a escolha do servidor pelo critério da confiança, dado o seu caráter subjetivo, não é facilmente objeto de controle administrativo ou jurisdicional. Daí ser difícil analisar se a escolha da pessoa se orientou pela confiança e pelo mérito, ou somente pela confiança, desconsiderando totalmente o mérito, o que agrediria os princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência” (MACHADO JÚNIOR, p. 108).

Em outro caso, em tese, seria admissível o controle da decisão administrativa que determinasse o cancelamento ou a suspensão do concurso público, sem que fossem apresentadas razões suficientes para essa medida drástica. No caso brasileiro, é muito usual a instauração do processo de seleção, com a admissão das solicitações de inscrição pelos candidatos e a posterior não realização do concurso público, o que ensejaria distintas discussões judiciais.

Ciente destes fatos, o Congresso Nacional, através do Projeto de Lei 6.004/2013, pretende passar a exigir a seguinte regra: “o cancelamento ou a anulação de concurso público com edital já publicado exige fundamentação objetiva, expressa e razoável, amplamente divulgada, e sujeita o órgão ou entidade responsável à indenização pelos prejuízos comprovadamente causados aos candidatos” (conforme art. 9º do citado projeto).

Depois da instauração do processo administrativo de seleção, a possibilidade de controle é ainda mais presente. No âmbito da fiscalização dos atos do procedimento do concurso público, cabe acentuar que o controle preventivo exercido pelos próprios órgãos da Administração Pública é um mecanismo muito relevante para impedir que surjam problemas durante a fase de disputa entre os candidatos.

Por essa razão, diz-se que “em matéria de concurso, é muito importante uma atuação preventiva. Quanto mais célere for o desfecho do problema, menores serão os prejuízos para a administração e para os candidatos” (MAIA; QUEIROZ, p. 167).

Com a publicação das normas do edital, surgem outras oportunidades de fiscalização do processo seletivo, especialmente a partir da provocação dos candidatos, impugnando os termos das regras da concorrência.

Em que pese à relevância da fase interna do procedimento de seleção e a necessidade de sua fiscalização, não há dúvidas de que é na fase externa que surgem com mais intensidade as circunstâncias que permitem o controle do processo seletivo, essencialmente por uma razão principal: é na fase externa que haverá a disputa entre os candidatos, o que faz com que nesta etapa os candidatos se relacionem com a Administração Pública. Sobre esse fato, afirma-se que:

A etapa externa do certame, por seu turno, ganha uma dimensão técnico-científica, própria de um procedimento competitivo e seletivo, e entram em cena dois novos centros de vontade, quais sejam, a banca examinadora, órgão dotado de ampla autonomia, e os candidatos inscritos no concurso. No contexto da etapa externa, é preciso levar em consideração que o procedimento é plúrimo, ou seja, dotado de multifárias relações jurídicas, nascidas do vínculo de cada candidato com a Administração. Essa observação é relevante, principalmente no contexto do controle de legalidade do concurso público, na medida em que se deve perquirir, em cada caso, se eventual nulidade alcançará o todo procedimento ou tão-só algumas das relações jurídicas que compõem sua estrutura. (MAIA; QUEIROZ, p. 138)

Apesar do reconhecimento de que os mais diversos atos do concurso público devem ser submetidos à fiscalização, “é necessário ampliar o leque das garantias dos indivíduos que se submetem, num país de milhões de desempregados, aos – cada vez mais disputados – concursos públicos” (FERRAZ, apud MOTTA, p. 254).

4 MODALIDADES DE CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS

Como se sabe, a atividade administrativa está submetida a distintos mecanismos de fiscalização, o que faz com que haja a possibilidade (e a obrigatoriedade) de intervenção de distintos órgãos que, por sua vez, atuarão quando, como e na medida prevista no ordenamento jurídico.

No contexto mencionado acima, pode-se destacar que, com respeito ao órgão estatal que exerce a fiscalização, há duas grandes modalidades de controle da atividade de seleção levada a cabo pela Administração Pública: o controle em via administrativa e o controle em via judicial. Não obstante, também deve ser destacado o controle social, que, todavia, é exercido através de uma das duas vias acima apontadas.

Sobre a utilização das referidas vias, há algumas considerações que devem ser consideradas: em primeiro lugar, podem ser destacadas a adoção no ordenamento constitucional brasileiro do princípio da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário e a ausência de imposição de que seja previamente superada a via administrativa para que se possa utilizar a via judicial.

As circunstâncias acima apontadas produziram uma situação aparentemente positiva: a judicialização dos concursos públicos no Brasil. Pode-se afirmar que praticamente não há um único concurso público que não tenha uma de suas fases questionada perante o Poder Judiciário. Há, inclusive, concursos públicos que são questionados por dezenas, centenas ou até mesmo milhares de candidatos.

Certamente o fato acima descrito representa uma moeda com duas faces: se por um lado sinaliza um maior acesso ao Judiciário e um suposto maior controle da atividade administrativa de recrutamento dos servidores públicos, por outro lado gera inúmeros inconvenientes.

Não se pode negar o fato de que as demandas judiciais relativas aos concursos públicos demoram muitos anos, e que isto produz algumas graves consequências. Em primeiro lugar, serve como desestímulo aos candidatos indevidamente prejudicados, que muitas vezes creem que não vale a pena lutar por seus direitos, especialmente quando sabem que os Tribunais costumam adotar uma posição mais conservadora.

Também, pode-se acrescentar que a excessiva duração das demandas judiciais que questionam a validade dos processos seletivos produz um indesejável efeito sobre as próprias decisões judiciais. Na realidade, para os Tribunais, não deixa de ser mais cômoda (sob o aspecto “segurança jurídica”) a decisão judicial que não modifica o resultado final do concurso público, o que faz com que o argumento que sustenta a prevalência da discricionariedade técnica seja tão utilizado.

Por outro lado, a judicialização excessiva dos concursos públicos produz consequências negativas ao interesse público, tendo em vista que os citados certames, que deveriam ser concluídos em tempo razoável, acabam por se estender demasiadamente, causando prejuízos à prestação dos serviços públicos. Da mesma forma, pode-se afirmar que a trivialização da concessão de medidas liminares prejudica o andamento do concurso, gerando insegurança jurídica para todos, sejam os que foram prejudicados e até mesmo os que foram favorecidos pela decisão.

Percebe ainda que a ausência de celeridade das prestações jurisdicionais oferecidas aos candidatos é uma circunstância que tanto serve de desestímulo para que esses questionem a legitimidade do processo seletivo, sugerindo a manutenção do status quo ante, ainda que este represente uma transgressão da igualdade, como também, paradoxalmente, de estímulo à propositura de ações infundadas, já que sempre haverá a possibilidade do Judiciário acolher argumentos, ainda que sem qualquer respaldo jurídico. Nesse caso, quando são concedidas medidas liminares, essas geram efeitos durante muito tempo (até mesmo anos), e que, em nome da segurança jurídica, dificilmente serão desfeitos por uma decisão de mérito (teoria do fato consumado).

Outra circunstância que merece ser ressaltada diz respeito à inexistência da Jurisdição Contencioso-Administrativa no Brasil, que seria uma Justiça especializada que está situada no âmbito do Poder Judiciário. Em teoria, a existência da citada especialização judiciária seria relevante porque garantiria uma maior aproximação dos encarregados do controle judicial com os concursos públicos, o que poderia facilitar a apreciação dos referidos processos seletivos, uma vez que os julgadores estariam mais habituados a analisar o tema mencionado.

Assim, não há como negar o fato de que a criação de uma Justiça especializada em questões administrativas seria relevante para a consolidação de uma jurisprudência que estivesse adaptada às peculiaridades dos temas que envolvem a atividade da Administração Pública. Sobre essa circunstância, é suficiente não esquecer que o Direito Administrativo, especialmente dos países da Europa continental e América Latina, desenvolveu-se e se diferenciou do Direito Privado a partir das inestimáveis contribuições do Conselho de Estado francês (ENTERRÍA, p. 194).

No contexto brasileiro, quando há alguma especialização do Poder Judiciário no tocante às demandas que envolvem a Administração Pública, isso costuma somente acontecer nas grandes cidades, onde há juízes que atuam nas Varas da Fazenda Pública. Por sua vez, também cabe destacar a existência da Justiça Federal, especializada em questões que dizem respeito à União.

Assim, de forma geral, o mesmo juiz que analisa as demandas de natureza civil, penal, empresarial, tributária etc., será o que decidirá o destino dos candidatos no concurso público. Tal fato faz com que o mesmo nem sempre disponha da possibilidade da devida especialização técnica nos assuntos relacionados à Administração Pública, circunstância que fragiliza a tutela jurisdicional.

Relativamente ao direito brasileiro, há que se esclarecer que, de forma distinta do que sucede em outros países, não há a exigência de superação da esfera administrativa para que seja possível o exercício da faculdade de ajuizamento de uma demanda judicial. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 determina no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, o que faz com que não haja a necessidade de superação das instâncias administrativas como condição para discussão judicial de uma determinada questão.

Devido à circunstância mencionada, o candidato poderá escolher se ingressará com recurso administrativo ou não, antes de utilizar a via judicial. Nesses termos, cabe sublinhar que “não é demais repetir que a possibilidade de interposição de recurso administrativo não afasta o controle jurisdicional dos atos administrativos, mesmo que o recurso tenha sido indeferido, ou ainda que o candidato não o tenha interposto, nos termos do art. 5º, inc. XXXV da CF/88” (LOBELO ROCHA, p. 134).

A preocupação com a ausência de preparo técnico do órgão controlador também deve alcançar a fiscalização realizada por outros órgãos de controle. No caso, não há maiores preocupações das Administrações Públicas com capacitação dos servidores públicos para realizarem a fiscalização, a partir do controle interno, sobre os concursos públicos.

Da mesma forma, não se vislumbra neste país maiores movimentos ou iniciativas do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Defensoria Pública no sentido de aprimorar o controle externo que exercem sobre as atividades relacionadas ao concurso público. A título de ilustração, basta comparar o investimento (em cursos, em servidores, em publicações especializadas etc.) que órgãos como o Tribunal de Contas fazem em relação ao controle das licitações, como aquele realizado para fiscalização dos concursos públicos.

Por fim, o mesmo se diga em relação à sociedade civil, que ainda se encontra demasiadamente afastada dos concursos públicos, como se esse assunto a todos não interessasse. Nesse sentido, também deve ser apresentado um exemplo ilustrativo: a comunidade jurídica, que faz parte da sociedade civil, ainda não despertou para a temática dos concursos públicos.

A seguir, serão apreciados os aspectos mais relevantes das principais modalidades de controle administrativo dos processos seletivos de acesso à função pública, com destaque para o controle exercido pela Advocacia Pública.

5 CONTROLE ADMINISTRATIVO DOS CONCURSOS PÚBLICOS

No âmbito do processo administrativo de concurso público, a Administração Pública deve fiscalizar seus próprios atos, verificando se as normas jurídicas que orientam suas condutas foram ou não cumpridas. Tal circunstância provém da exigência de submissão da atividade administrativa ao ordenamento jurídico (princípios da legalidade e da autotutela), o que impõe o dever de revisão dos atos administrativos que não tenham sido executados segundo os padrões legais.

Conforme determina o princípio da autotutela, o controle administrativo pode ser provocado pelo interessado ou por iniciativa da própria Administração Pública executora do ato. Nesse último caso, há que se sublinhar a presença de órgãos que exercem o controle de legalidade dos atos administrativos, como é o caso das Procuradorias e Controladorias.

Por sua vez, quando o controle se inicia a partir da provocação do interessado, tanto ocorrem impugnações às normas do edital, a decisões do órgão selecionador, como também há o exercício do direito de recurso. O exercício do controle administrativo a partir da provocação do interessado tanto poderia ocorrer a partir da iniciativa do cidadão (o que não é tão frequente no direito brasileiro), como do próprio candidato.

5.1 Possibilidades de Controle Administrativo

Em geral, os órgãos de controle interno atuam de forma preventiva, na medida em que analisam a regularidade jurídica dos atos antes de sua produção, como é o caso das Procuradorias, ou mesmo poderiam exercer o controle de forma repressiva, o que se daria, por exemplo, com a atuação das Controladorias, que ainda não têm criado frentes para essa tarefa.

No caso dos concursos públicos, cabe aos órgãos de controle preventivo a verificação do cumprimento das formalidades legais com respeito ao procedimento administrativo, especialmente às bases do edital, como também analisar a conformidade dos atos após sua expedição (o que poderá servir de parâmetro para homologação do concurso público, por exemplo). Também há de se destacar o controle concomitante (simultaneamente à prática dos atos) que os órgãos administrativos realizam sobre os atos do concurso público. Registre-se que ainda que o processo seletivo seja organizado por uma entidade externa, tal circunstância não afasta a necessidade de controle administrativo.

Depois da publicação das regras da concorrência, convém destacar que todos os atos da fase externa do concurso público também devem ser objeto de inspeção pela entidade administrativa promotora do certame. Além do mais, no caso de que a Administração Pública perceba a existência de alguma circunstância irregular em determinado ato administrativo, terá a obrigação de tomar alguma medida, seja para corrigir ou para extinguir o referido ato.

Em que pese à existência de distintas possibilidades de controle administrativo exercidas por iniciativa da própria Administração Pública (atuação de ofício), em geral, no âmbito do concurso público, devido a sua competitividade, é o candidato que costuma apontar uma determinada irregularidade, exigindo da entidade administrativa uma providência. Isso ocorre através dos mecanismos de impugnação previstos na legislação, que são instrumentos essenciais para resguardar o tratamento igualitário entre os candidatos.

Cabe destacar que o controle administrativo no curso da seleção, para que seja eficaz, muitas vezes necessita uma decisão administrativa que determine a suspensão do concurso público, já que, no caso de que essa não ocorra, poderão surgir situações irreversíveis ou de difícil reversibilidade.

Os instrumentos que permitem o controle administrativo dos concursos públicos representam uma garantia constitucional que possibilita a censura dos atos administrativos que afetam os cidadãos que desejam participar ou que já estejam participando dos citados certames. Na verdade, ainda que o cidadão não tenha intenção de fazer parte da disputa, já se reconhece o direito do mesmo de impugnar as bases da seleção, devido ao fato de que o mesmo ostenta a condição de cidadão.

A questão com respeito à legitimidade do exercício do controle dos processos seletivos será objeto de outra seção deste capítulo. No entanto, já se pode adiantar que o cidadão também dispõe da possibilidade de impugnar as regras da seleção, ainda que, em geral, não a exerça. Sobre essa situação, diz-se que:

como em tais casos ainda não há que se falar em candidatos, pois sequer iniciaram as inscrições no certame, geralmente as lides aqui ocorrentes dizem respeito a interesses difusos ou coletivos, normalmente consistentes em preservar o erário e o patrimônio público ou mesmo a probidade administrativa diante de contratações ilícitas ou da realização de certames com intuito meramente arrecadatório ou manipulados a favorecerem futuros candidatos, tudo a ser objeto de ações civis públicas movidas em geral pelo Ministério Público. (MACHADO JÚNIOR, p. 175)

5.2 Recurso Administrativo

No ordenamento jurídico brasileiro, o direito ao recurso administrativo é uma consequência da norma prevista no art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal, que determina que “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”; assim como do conteúdo do art. 5º, LV, que estabelece que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Nesses termos, diante de uma decisão administrativa que não lhe seja favorável, “se o candidato não se conforma com o resultado, deve ser-lhe assegurado o direito a recurso, dirigido à autoridade mencionada no edital ou na lei ou ato de organização da entidade pública” (CARVALHO FILHO, p. 551).

Registre-se que o Projeto de Lei 6.004/2013 determina que:

Art. 55. É vedada a realização de prova ou fase de concurso sem previsão de recurso administrativo contra seu resultado.

Art. 56. Todos os resultados dos recursos deverão ser objetiva e tecnicamente fundamentados, possibilitando ao candidato o conhecimento das razões de sua reprovação, inabilitação, inaptidão ou não recomendação.

Art. 57. É assegurado ao candidato vista de todas as provas aplicadas e de seus resultados preliminares e definitivos, por meio de sistema na internet que possibilite a visualização e a impressão dos enunciados das questões e das respostas do candidato, inclusive do cartão-resposta das questões objetivas e dos textos das questões discursivas redigidos pelo candidato.

No que tange ao órgão que deve apreciar o recurso administrativo, convém destacar que “mesmo quando firmas especializadas são contratadas para elaborar o concurso público, permanece a entidade como responsável pelo mesmo. Destarte, qualquer recurso deverá ser sempre encaminhado à autoridade competente, e não à firma elaboradora do concurso” (OLIVEIRA JÚNIOR; OLIVEIRA, p. 66).

O direito ao recurso administrativo é uma garantia que deve estar presente em todos os processos seletivos de acesso à função pública. Por essa razão, a doutrina brasileira afirma que “cláusula prevista no edital de concurso que impeça explicitamente a utilização de recurso administrativo é nula, contrariando expressamente dispositivo constitucional” (TOURINHO, p. 141).

Entretanto, como denuncia a doutrina brasileira, a Administração Pública utiliza muitos expedientes para inviabilizar o exercício do referido direito. Nesse contexto, ressalta-se apesar de ser comum a previsão do direito a recurso administrativo em face da correção das provas em concurso público, através de outros meios escusos, termina-se por inviabilizar tal direito, por exemplo, quando “não se divulga a correção das provas, não se aponta o que o candidato errou, não há espelho da correção para provas subjetivas. Assim, ainda que presente o direito a recurso no regulamento do concurso, em verdade, ele não existe” (MACHADO JÚNIOR, p. 147).

5.3 Perspectivas para o Controle Administrativo dos Concursos Públicos

O êxito do controle administrativo do processo de seleção dos servidores públicos depende de distintos fatores. Como já acentuado, essa modalidade de controle apresenta algumas dificuldades, já que o órgão encarregado da decisão é o mesmo que teve seu ato impugnado. Sobre tais problemas, já foi destacado que “as bancas examinadoras atualmente têm relegado os princípios do contraditório e da ampla defesa nos concursos públicos a uma mera formalidade editalícia, sem qualquer substância” (OLIVEIRA, internet).

Devido às peculiaridades do controle administrativo, deve ser garantido aos candidatos o acesso às informações que lhes digam respeito. Nesse caminho, já restou destacado que assiste aos candidatos o direito de obterem da banca examinadora, tempestivamente, “as informações que embasaram as respectivas notas e pontuações, em ordem de viabilizar, conforme o caso, as medidas necessárias ao efetivo exercício do direito de ampla defesa, inclusive por intermédio de competente recurso administrativo” (MAIA; QUEIROZ, p. 113).

A doutrina brasileira reconhece as distintas possibilidades de controle administrativo do concurso público, que poderá ser exercido de ofício ou mediante provocação do interessado; através da revogação ou da anulação; e será realizado na fase interna (atos preparatórios) ou na fase externa (atos relativos à concorrência) do processo.

Parece inegável que nos concursos públicos brasileiros, dois grandes momentos são objeto de impugnações e recursos administrativos apresentados pelos candidatos: depois da publicação das regras da concorrência (edital) e após a realização (e avaliação) das provas. Todavia, não há qualquer sinal de que a sociedade civil se preocupe com os métodos de seleção que vêm sendo empregados ou mesmo com o perfil dos candidatos que estão sendo selecionados, o que deveria ocorrer.

Alguns temas relacionados ao controle administrativo dos concursos públicos ainda estão longe de ser resolvidos. Nesse contexto, questão polêmica diz respeito à existência ou não de preclusão administrativa, quando o candidato, depois da publicação do edital, não objeta suas normas.

De forma geral, prevalece o entendimento que sustenta que o silêncio do candidato deve ser traduzido como sua concordância, o que impede sua posterior discussão no âmbito administrativo. No que concerne a essa teoria:

Superado o prazo de impugnação, dar-se-á a preclusão administrativa, ou seja, não mais se poderá alegar a ilegalidade das normas do edital perante a Administração Pública, presumindo-se que os administrados as acataram. Ademais, a impugnação tardia seria bastante prejudicial ao andamento do certame, que jamais teria um mínimo de segurança jurídica em seguir adiante. Note-se que a preclusão administrativa, porém, não obsta a possibilidade de discussão judicial, dada a inafastabilidade do controle jurisdicional. (MACHADO JÚNIOR, p. 177)

Contudo, também há os que defendem, que “deve ser atenuado o rigor da assertiva de que não tendo havido impugnação, presumem-se aceitas e tornam-se indiscutíveis as regras do edital” (MOREIRA, p. 134).

Outra questão relevante a ser melhor definida, a fim de que o candidato possa exercer seu direito de recorrer das decisões administrativas, impõe-se que as mesmas sejam devidamente motivadas, o que proporcionaria ao candidato a possibilidade de conhecer os fundamentos da Administração Pública e, consequentemente, questionar sua coerência lógica e jurídica. Da mesma forma, é obrigatória a motivação da decisão administrativa que aprecie o recurso administrativo apresentado pelo candidato.

6 O PAPEL DA ADVOCACIA PÚBLICA NO CONTROLE DOS CONCURSOS

Ainda no tocante ao controle administrativo, há de ser conferida maior atenção à necessidade de fortalecimento de uma instituição com assento na Constituição Federal: a Advocacia Pública (arts. 131 e 132 da Carta Magna).

Antes de tudo, é preciso reconhecer que a referida Instituição, enquanto Função Essencial à Justiça, possui a mesma dignidade constitucionalmente também conferida ao Judiciário, ao Ministério Público, à Advocacia e à Defensoria Pública.

Também parece imprescindível garantir a autonomia administrativa e financeira aos órgãos que fazem parte da Advocacia Pública a fim de que os mesmos possam atuar sem que se submetam a pressões políticas e para que possam prevalecer, na análise dos processos administrativos, as apreciações técnicas próprias de profissionais que são, ao mesmo tempo, advogados e agentes públicos selecionados através de concurso público.

Um dos grandes papéis do advogado público é a prevenção de litígios, o que, na tramitação do concurso público, tem uma relevância indiscutível. Sobre esta constatação, Fernando Bianchi Rufino destaca que:

É inegável que a atuação do advogado público no contencioso judicial é fundamental para defesa dos interesses da Administração, porém uma atuação preventiva talvez seja ainda mais importante para a tutela desses interesses. Uma advocacia pública preventiva evita o erro, o ato inválido, o extrapolar da competência, o desvio de finalidade. Conduz à obediência dos princípios que regem a Administração Pública, gera segurança jurídica na atuação administrativa e inibe uma demanda judicial desnecessária.

Nesse sentido, a atuação preventiva das Procuradorias deve receber a atenção que merece, já que é muito mais racional e eficiente concentrar esforços na tarefa de impedir a prática de situações irregulares que na de administrar as consequências de tais hipóteses.

Assim, transcrevendo trecho extraído do artigo Advocacia Pública atua em defesa do Patrimônio Nacional, de autoria de Allan Titonelli Nunes, pode-se afirmar que:

Prestar assessoria e consultoria ao Poder Executivo é exercer a missão de formatação jurídico-constitucional das políticas públicas desenvolvidas pelo citado poder constitucional, com vistas a assegurar e atender os direitos e garantias fundamentais constitucionais dos cidadãos. Mais concretamente, consiste na orientação jurídica a todas as autoridades administrativas responsáveis pela prática de atos administrativos, pela contratação, pela elaboração de atos normativos, em suma, autoridades incumbidas da materialização de políticas públicas. Do texto constitucional exsurgem o destacado papel e a relevância das funções de representação judicial e extrajudicial e de assessoramento e consultoria, sobretudo em relação à análise prévia da conformidade dos atos administrativos com os interesses públicos insculpidos na Constituição Federal e nas leis. Por essa razão, conclui-se que a atuação da Advocacia Pública na fase do planejamento, da formação e da execução da política pública propiciará planejamento estratégico do Estado, bem como a redução de demandas. Isso porque a atuação da Advocacia Pública deve transcender a defesa míope do governo, ajudando a atender as atribuições que o Estado moderno requer, precipuamente a viabilização das políticas públicas em favor da sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse público, consubstanciado pela defesa do bem comum.

Pode-se destacar que o papel do Advogado Público, no tocante ao controle dos atos do concurso público, inicia-se desde a análise dos atos de planejamento do certame, o que envolve a verificação do cumprimento das exigências constitucionais relacionadas à criação de cargos públicos e realização de despesas.

Neste sentido, todos os projetos de lei que disciplinam carreiras públicas devem ser submetidos à apreciação dos Procuradores Municipais, Estaduais e da Advocacia-Geral da União, a fim de que sejam analisadas as possíveis incompatibilidades normativas com a Constituição Federal, em especial, no que diz respeito ao direito à ampla acessibilidade aos cargos públicos.

Conforme destacado, outro aspecto a ser levado em consideração diz respeito às questões de ordem financeira e orçamentária, seja para verificar o cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal ou mesmo às leis orçamentárias da entidade (PPA, LDO e LOA). Neste contexto, é imprescindível que o ente público seja juridicamente assessorado a fim de que sejam respeitados princípios e regras constitucionais, evitando futuras frustrações, o que ocorre, por exemplo, quando o concurso é autorizado e quando das nomeações o ente alega estar com as finanças comprometidas, situação que gera inúmeros litígios com os candidatos aprovados.

Também cabe ao Advogado Público prestar assessoramento jurídico à Administração Pública, auxiliando-a na formação dos órgãos selecionadores, confecção do edital e outros atos relacionados à preparação do concurso. Aliás, é de bom alvitre que um ou mais Advogados Públicos possam ser designados para assessorar a comissão organizadora do concurso, ou mesmo dela fazer parte como membro.

Outra missão relevante dos órgãos de Advocacia Pública que repercute na fiscalização do concurso público diz respeito ao controle dos atos de contratação de entidade externa que venha a ser encarregada de organizar o certame (caso tenha sido esta a opção).

Neste tocante, é imprescindível que haja a defesa do postulado da licitação enquanto regra para definir o particular que executará os atos de operacionalização da seleção dos servidores públicos (sempre sob a condução da Administração).

Nunca é demais lembrar que a idoneidade e capacidade técnica da entidade externa representam garantias à lisura do procedimento, o que deve ser objeto de fiscalização pelo órgão de assessoramento jurídico da Administração Pública.

Por outro lado, ainda é de atribuição do órgão que exerce a Advocacia Pública analisar o instrumento convocatório (edital) do concurso, apontando irregularidades e inconsistências, em uma atividade de controle de caráter preventivo.

Destaca-se ainda a necessidade de a Advocacia Pública ser consultada quando surgir alguma dúvida jurídica a respeito da execução do certame. Esta situação deveria ser muito mais usual do que ocorre: embora existam indagações de ordem jurídica, muitas vezes suscitadas administrativamente pelos candidatos, a Administração Pública costuma tomar decisões sem que venha a solicitar a manifestação do órgão que exerce a consultoria jurídica (Procuradoria). Se conduta diversa fosse tomada, certamente as decisões estariam melhores fundamentadas na adequada interpretação da legislação, análise que o gestor público não tem nem habilitação, nem competência, nem legitimidade para realizar.

Convém, por fim, destacar a necessidade de que o órgão da Advocacia Pública se manifeste, ao final do concurso, sobre a viabilidade jurídica de sua homologação, oportunidade em que podem ser detectadas irregularidades que podem exigir alguma providência (como convalidação ou anulação).

Embora não seja o foco do presente trabalho, também deve ser ressaltada a relevância do Advogado Público que atua no contencioso judicial, realizando a defesa judicial do ente público e zelando, portanto, pelo bom andamento do concurso público, o que é de altíssima importância para o interesse público.

Apesar da importância das citadas tarefas no contexto do concurso público, cabe registrar que as atividades de consultoria e assessoramento jurídico prestadas pela Advocacia Pública não vêm recebendo, nem pelas Administrações Públicas, nem tão pouco por parte da comunidade acadêmica, a atenção compatível com sua relevância, o que é de se lamentar.

Neste contexto, destaca-se o risco de utilização indevida de outras figuras que não a do Advogado Público concursado, o que costuma ocorrer em milhares de municípios brasileiros, que têm recorrido a expedientes que se afastam da regra geral, que é o concurso público para provimento dos cargos de Procurador Municipal.

No caso, o que se percebe é a precarização da relação “ente público” e “advogado público”, seja a partir da utilização do cargo em comissão, seja a partir da contratação de escritórios jurídicos, muitas vezes selecionados sem licitação, o que fragiliza a posição do controlador, dada a sua grande proximidade com o controlado.

Assim, devem os municípios criar por lei Procuradorias, organizar a carreira de Procurador Municipal e prover os cargos por concurso público, garantindo que os servidores ocupantes de tais cargos possam atuar com maior independência, eficiência e impessoalidade, o que irá favorecer o controle administrativo dos concursos públicos.

7 REFERÊNCIAS

CARVALHO, Fábio Lins de Lessa. Concursos públicos no direito brasileiro. Teoria Geral, Fundamentos, Princípios, Requisitos, Procedimentos, Controle. Curitiba: Juruá, , 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

COUTO E SILVA, Armiro. Direito Público, em Estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da isonomia e concurso público. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

ENTERRÍA, Eduardo García de. La lengua de los derechos. La formación del Derecho Público europeo tras la Revolución Francesa. Madrid: Alianza, 1994.

_____. La lucha contra las inmunidades del poder. 3. ed. Madrid: Thomson Civitas, 1983.

FERRAZ, Luciano. Concurso público e direito à nomeação. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

GASPARINI, Diógenes. Concurso público – imposição constitucional e sua operacionalização. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO JÚNIOR, Agapito. Concursos públicos. São Paulo: Atlas, 2008.

MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MOREIRA, João Batista Gomes. Princípios constitucionais da legalidade e da eficiência nos concursos públicos. In: MOTTA, Fabricio (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

NUNES, Allan Titonelli. Advocacia Pública atua em defesa do Patrimônio Nacional, artigo publicado em 24.04.2014 no site do Conselho Federal da OAB, disponível em: <http://www.oab.org.br/publicacoes/detartigo/50>. Acesso em: 16 dez. 2014.

OLIVEIRA JÚNIOR, Dario da Silva; OLIVEIRA, Isabel Campos. Concurso público. Teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. O contraditório e a ampla defesa nos concursos públicos.Texto extraído do site Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12006>. Acesso em: 16 fev. 2010.

ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos concursos públicos. São Paulo, Dialética, 2006.

RUFINO, Fernando Bianchi. Advocacia pública preventiva. Conteúdo Jurídico, 19.09.2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,advocacia-publica-preventiva,50025.html>.

TOURINHO, Rita. Concurso público no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Notas de Rodapé

[1] Doutor em Direito Administrativo (Universidad de Salamanca), Mestre em Direito Público (UFPE), Procurador do Estado de Alagoas, Professor Adjunto da UFAL (graduação e mestrado), Professor do Cesmac (graduação e pós-graduação), autor de vários livros sobre concurso público.