Desenvolvimento Sustentável: O Novo Nome da Paz

SUSTAINABLE DEVELOPMENT: THE NEW NAME OF PEACE

Wagner Balera[1]

Resumo: O desenvolvimento sustentável é e será a mola propulsora da nova ordem econômica mundial. Para analisar esse moderno tópico do relacionamento internacional o texto cuida de demonstrar que a condição mínima de convivência humana exige que políticas econômicas e sociais caminhem juntas. E que tal integração, promotora do desenvolvimento humano integral, seja caminho frutuoso para a paz duradoura. O Direito ao Desenvolvimento, cuja Declaração é a base jurídica do estudo, situa adequadamente a pessoa humana como sujeito central do desenvolvimento e faz girar em torno da humanidade todos os quadrantes do relacionamento internacional. A meta é o desenvolvimento integral, do homem todo e de todos os homens. E os objetivos do desenvolvimento sustentável, promulgados pelas Nações Unidas constituem, presentemente, o itinerário para que tal direito se veja concretizado o quanto antes.

Palavras-chave: Desenvolvimento. Objetivos do desenvolvimento sustentável. Direito ao desenvolvimento.

Abstract: Sustainable development is and will be the new propeller of the new worldwide economic order. In order to analyze this modern topic in international relationships, the text shows that the minimum conditions of human coexistence demands political and social politics to walk hand in hand; and that such integration able to promote full human development, be the successful road to long lasting peace. The Right to Development, whose Declaration is the legal basis of the study, adequately places the human being as the central subject of the development and has turning around mankind all aspects of international relationships. The goal is to achieve the total development of man as a whole and all mankind. The goals of sustainable development, enacted by the United Nations, presently constitute the road to have such rights become a reality as soon as possible.

Keywords: Development. Sustainable development goals. Right to Development. Full development. New International economic order. Peace.

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento consiste, em adequada expressão utilizada pela Unesco, na “dinamização de uma sociedade no próprio ser...”[2].

Esse sentir atesta, claramente, que a integração da pessoa humana na vida da sociedade não pode verificar-se sem a caminhada em favor do desenvolvimento.

E, afinal, porque buscar o desenvolvimento?

Porque todos e cada um dos homens buscam viver em plenitude.

Como igualmente afirma a Unesco, a meta-síntese do desenvolvimento sustentável consiste em: criar um mundo melhor para esta geração e para as gerações futuras, de todos os seres vivos do planeta Terra[3].

Quanto mais o desenvolvimento estiver centrado no homem, quanto mais a pessoa for considerada – como verdadeiramente o é – o sujeito central do desenvolvimento[4], mais e mais a comunidade organizará suas estratégias e programas de arte a proporcionar ao homem, a todos os homens, os indispensáveis meios de subsistência material, intelectual e social.

A principal ameaça ao homem de todos os tempos consiste na pobreza e na marginalização[5].

O desenvolvimento cumpre sua tarefa, enquanto elemento dinamizador da sociedade, desde que opere, objetivamente, como o modo e o âmbito dentro no qual a pauta das ações da comunidade coloca entre as suas prioridades a compreensão das causas da pobreza e da marginalização e a elaboração de medidas de enfrentamento de tal realidade que subjuga milhões de pessoas humanas.

Desse modo a proposta do desenvolvimento estará, de modo permanente, cumprindo essa condição mínima de convivência humana e elegerá distintas políticas e projetos com base no escopo primeiro de integração daqueles que vivem em circunstâncias tão dramáticas.

Não foi por acaso, pois, que a Declaração do Milênio, de 2000, firmada pelas Nações Unidas, elegeu como primeiro dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio o da erradicação da pobreza[6].

Em tal contexto, o desenvolvimento opera como o motor propulsor da inclusão social de quem padece sofrimentos e privações de toda ordem. E, por força dessa situação, podem ser submetidos a toda a sorte de ameaças.

A paz no mundo não se sustenta quando milhões e milhões de seres humanos vagam sem destino pelas fronteiras e pelos oceanos a procura de um lugar.

De modo que o desenvolvimento faz parte não somente do conceito dos direitos humanos, mas é algo que caracteriza a vida humana em sociedade tanto sob a perspectiva dos indivíduos (melhor dizendo: das pessoas) como do corpo social no seu todo considerado.

Essa configuração surge de modo evidente na Declaração e Programa de Ação de Viena, reveladora da essência da compreensão atual dos direitos humanos, que parece querer sublinhar, com duplo sublinhado, que o desenvolvimento se perfila entre os direitos humanos quando vai além da medida econômica. E que importa: promover avanços econômicos e sociais em benefício de todos os povos[7].

A dramática situação de miséria e de penúria em que se encontra grande parte da humanidade é taxativamente rejeitada pela mesma Declaração quando acentua:

14. A existência de uma pobreza extrema generalizada obsta ao gozo pleno e efetivo de Direitos Humanos; a sua imediata atenuação e eventual eliminação devem permanecer como uma das grandes prioridades da comunidade internacional[8].

No âmago da questão social atual, por conseguinte, emerge a questão prioritária do desenvolvimento; daquele desenvolvimento sem o qual a dignidade humana não estará ao alcance de todos.

2 DESENVOLVIMENTO

O conceito de desenvolvimento foi engendrado, inicialmente, nos quadrantes da economia e só mais recentemente resultou apropriado pelos estudos jurídicos.

De modo sumamente singelo, pode-se dizer que: “ligamos sempre desenvolvimento a um certo juízo de valores: desenvolvimento é aquilo que vai ser melhor depois[9].

O que vai ser melhor depois consistirá, nas relações recíprocas entre os homens e entre estes e a comunidade nacional e internacional, em verdadeiro procedimento de interação e integração pelo qual, a cada passo, os distintos atores se tornam beneficiários do devir.

Com efeito, só será possível à humanidade avançar nos caminhos do desenvolvimento se todos forem capazes de tomar consciência de que cada passada exige dos distintos atores certa repartição equitativa das responsabilidades.

Muito dificilmente será possível a superação das enormes disparidades existentes.

Dito de forma muito singela: o quanto de bens e de riquezas que parte da humanidade já amealhou não poderá ser multiplicado para que o quinhão dos demais se lhe iguale.

A fórmula do desenvolvimento, que até há bem pouco tempo consistia tão somente na acumulação, terá que buscar certa correção de rumos.

Não é difícil perceber que o problema do desenvolvimento é a verdadeira questão social do nosso tempo. Porque:

(…) o desenvolvimento nesta sociedade redunda, de um lado, em uma e norme possibilidade de o homem ter acesso à natureza, à cultura, à ciência, enfim, desenvolver as forças produtivas do trabalho social; porém, de outro lado e na sua contraface, faz crescer a distância entre a concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria, da pauperização que atinge a maioria da população nos vários países, inclusive naqueles considerados ‘primeiro mundo’[10].

O campo de ação do desenvolvimento não se confina à dimensão econômica.

É imprescindível a transformação desse conceito por dentro, desmontando o seu mecanismo defeituoso, a fim de admitir que as complexas esferas da convivência humana comportam quadro multiforme de tópicos dentre os quais o econômico não é o mais importante nem tampouco pode operar um abismo de desigualdades.

Importa, antes e acima de tudo, a busca da dignidade do homem, o bem por excelência, na qual aquele só poderá ser investido desde que carregue consigo as distintas dimensões de sua existência, nos planos individual, social, econômico e cultural.

Como alerta Claudia Perrone-Moisés: “os foros econômicos e comerciais parecem estar bloqueados para o encaminhamento das questões ligadas ao desenvolvimento...”[11].

Incumbe, assim, às instâncias mais comprometidas com as questões sociais assumirem a vanguarda na promoção do desenvolvimento, que deve ser considerado em nossos dias a força constitutiva da missão das Nações Unidas.

Ao aprovar a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, a Assembleia-Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 3.281 (XXIX), de 12.12.1974, engendrava o modo específico pelo qual a comunidade internacional deveria lidar com os enormes desajustes existentes no mundo.

Dentre os tópicos daquela Carta está catalogado o de número 9 que assim se acha grafado:

Artículo 9. Todos los Estados tienen la responsabilidad de cooperar en las esferas económica, social, cultural, cientifica y tecnológica para promover el progreso económico y social en todo el mundo, especialmente en los países en desarrollo.

Eis a diretriz essencial para que a comunidade internacional atue nas questões do desenvolvimento, superados os entraves de certo olhar marcadamente econômico da problemática.

A plenitude do desenvolvimento, aquele que, como veremos a seu tempo, deverá compreender o homem todo e todos os homens, centralizada na pessoa, abre nova perspectiva para a atuação harmônica da comunidade internacional.

É bem de ver que até mesmo a conceituação teórica do direito internacional público, sob os influxos desse abrangente ideário, passa a compreender – como quer certo autor – o tópico do desenvolvimento no respectivo quadro temático[12].

Em cada atividade das Nações Unidas, portanto, será posta em evidência a necessidade – poder-se-ia mesmo invocar, com fundamento na já citada Resolução 3.281, de 1974, o dever – de que toda a maquinaria da Organização esteja a serviço do ideário do desenvolvimento.

Foi aberta, destarte, nova perspectiva para a atuação dos organismos internacionais que gravitam em torno da ONU e, não por acaso, sucederam-se nada menos que quatro Decênios de reflexão, debates e propostas sobre o tema do desenvolvimento, cujas dimensões sempre crescentes demarcam agir concertado e propositivo.

É lícito supor: o novel conceito de desenvolvimento permitiu a viragem que toma conta da comunidade e, como subprodutos dessa viragem, os significativos avanços ora verificados, notadamente a tomada de consciência sobre a importância da problemática ambiental; sobre o agir responsável que se espera na tomada de decisões a respeito das políticas de incremento de atividades; sobre a aceitação do compartilhamento responsável – para além das já caducas concepções de soberania e de divisões geopolíticas – das diretivas que afetem a vida de toda a família humana.

Há um quadro de dimensões preocupantes no qual muitas sombras se projetam sobre o futuro, deve se sobrepor a efetiva tomada de posição e de decisão, por parte da comunidade internacional, a respeito das medidas necessárias e urgentes de que se carece para a reordenação dos programas de desenvolvimento.

A pouco e pouco será preciso fomentar uma verdadeira cultura do desenvolvimento, devidamente acoplada a uma educação para o desenvolvimento, que repila como afrontosa à ética toda e qualquer medida de esbanjamento e desperdício.

Nesta mesma linha, as metas a que a comunidade internacional terá que se submeter, para ingressar na nova etapa da sua caminhada histórica, deverão ser submetidas a amplo debate e especialmente a elevada dose de compreensão e de consenso.

Os desastres ecológicos recentes, a seu modo, bem demostraram a urgência da questão.

A Assembleia-Geral das Nações Unidas tem plena consciência das dificuldades a enfrentar no encaminhamento do assunto.

E, com inteira propriedade, acentua:

2. El actual orden económico internacional está en contradicción directa con la evolución de las relaciones políticas y económicas internacionales en el mundo contemporáneo. Desde 1970, la economía mundial ha experimentado una serie de crisis graves que han tenido serias repercusiones, especialmente sobre los países en desarrollo a causa de su mayor vulnerabilidad, en general, a los impulsos económicos externos. Los países en desarrollo se han convertido en un factor poderoso que hace sentir su influencia en todas las esferas de la actividad internacional. Estos cambios irreversibles en la relación de fuerzas del mundo hacen que sea necesaria una participación activa, plena y en pie de igualdad de los países en desarrollo en la formulación y ejecución de todas las decisiones que interesan a la comunidad internacional[13].

O texto é particularmente eloquente e, mesmo tendo decorrido mais de quarenta anos da respectiva edição, indica o caminho necessário a ser percorrido.

Tal caminho não se construiria de uma vez por todas e, como até agora, poucas passadas foram dadas no rumo da nova ordem econômica internacional, as situações de crise graves se repetiram, multiplicaram e agravaram.

A modelagem necessária da economia mundial, como proposta pela nova ordem, exige que cada vez mais pessoas tenham direito aos bens que são comuns.

Como acentua L. J. Lebret: “Devemos distinguir entre crescimento econômico sadio, isto é: autenticamente humanista, e um crescimento econômico desviado, isto é: anti-humano[14].

A velha ordem econômica mundial produziu este último tipo de desenvolvimento.

O modelo de desenvolvimento vigente plasmou seus lineamentos na disputa e na conquista sempre crescente de poderio econômico por parte daqueles que já detinham as melhores posições.

Assim, a estrutura da economia mundial não permitiu que os países menos adiantados encontrassem caminhos adequados para o desenvolvimento. Bem ao contrário, o que ocorreu foi: “um monstruoso empobrecimento do Terceiro Mundo, um verdadeiro processo de descivilização[15].

O conceito de desenvolvimento deve ser algo característico da situação civilizatória presente, cujas características diferem da modelagem de outrora.

Aliás, sob os influxos da globalização é cada vez mais necessário que seja engendrada a nova etapa do desenvolvimento.

Quanto mais a comunidade internacional venha a se dar conta da necessidade de dimensões mais abrangentes do desenvolvimento; quanto mais perceba que deve romper as barreiras estreitas da economia, mais cedo construirá o novo conceito de desenvolvimento.

A esse conceito aludia o citado Lebret ao afirmar: “Um desenvolvimento verdadeiro é um crescimento generalizado de todo o humano: cada um dos homens e tudo no homem[16].

Deslocado, manifestamente, para outro centro de referência, o da pessoa humana que, vivendo em comunidade, carece dos meios indispensáveis de subsistência, brotará desse conceito a noção central que apreenderemos a seguir.

3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Na origem do conceito que aqui se examina se encontram os trabalhos de uma comissão constituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1983. Trata-se da Comissão Mundial sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, que seria capitaneada pela Senhora Gro Harlem Brundtland[17].

Tal Comissão edita o estudo “Our Common Future” que aborta o tema do desenvolvimento sob dois matizes: o do meio ambiente e o da sustentabilidade[18].

Interessa, sobretudo, para este estudo o conceito de desenvolvimento sustentável, vale dizer: que: “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades[19].

Então, baseada nesse estudo, a Assembleia Geral chega ao ponto essencial da questão ao convocar a Cúpula de Copenhague, e se mostra:

convencida da necessidade de aprimoramento do componente social do desenvolvimento sustentável para que se alcance o crescimento econômico com justiça social, (…) cônscia da necessidade de se estabelecerem meios e modos para a eliminação da pobreza disseminada e para o pleno desfrute dos direitos humanos, que incluem os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, como objetivos inter-relacionados”, e assinalando que “a pobreza, o desemprego e a integração social encontram-se interligados em todas as sociedades, com impacto particularmente profundo nos países em desenvolvimento[20].

De pronto constatamos a alteração do modo de agir da comunidade internacional. Desde então, em abordagem totalmente nova, se compromete a debruçar-se sobre questões fundamentais, notadamente a miséria e as demais condições sub-humanas com que se depara grande parte das pessoas humanas.

O preconceito econômico que, até então, imperava no exame do tema do desenvolvimento cede passo ante o compromisso humanitário sem o qual o tema não teria nenhum sentido.

Com efeito, se lhe considerarmos a natureza ínsita, manifesto é que o desenvolvimento se configura como processo que exige a plena e inteira adesão de toda a comunidade dele participante e que, igualmente, deve fruir os respectivos frutos. Pois só em virtude da participação inteira dos atores envolvidos será possível que, em plena extensão e em progressão contínua, acabe fixando critérios para o agir permanente dessa mesma comunidade em todas as etapas do processo.

Pelo que se refere especificamente ao nosso tema julgamos necessário aduzir à modelagem que as Nações Unidas houveram por bem imprimir ao tema quando esculpiram o catálogo de tópicos – verdadeiro programa de ação – que configuram o estágio atual e a projeção futura do tema.

Parece que o texto se move a partir de certa proposta fundamental que há de basear todo o evolver da questão. Trata-se da proposta de solidariedade entre gerações.

Atenderá o requisito da sustentabilidade aquele desenvolvimento que tenha como marca esse compromisso intergeracional como algo assumido por todos e para todo o futuro comum da humanidade.

Poderia parecer que existe certo conflito de interesses entre a satisfação sem limites das necessidades da geração presente, que ainda parece contar com superabundante quantidade de recursos naturais e tecnológicos, e aquilo que está sendo relegado aos pósteros.

De fato, a elaboração da Agenda 21 – verdadeiro símbolo e índice do compromisso coletivo assumido pelos povos integrantes das Nações Unidas a respeito da questão ambiental – prenunciou que o tema não compreenderia somente a temática estrita, embora relevantíssima, do ambiente[21].

Para além dessa questão, o tema se estende a todos os quadrantes do relacionamento internacional contemporâneo.

Tão conformes e harmônicos devem estar os povos quanto ao tema da água, da energia e das mudanças climáticas como, igualmente, no que concerne ao fim específico de proporcionar a toda a humanidade dignas condições de subsistência.

Não deixa de ser significativo que, como verdadeira etapa subsequente ao termo temporal dos esforços em prol dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, a Assembleia Geral das Nações Unidas tenha assumido como compromisso de trabalho para os quinze anos subsequentes os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável[22].

Destes se poderá dizer que, embora fazendo eco dos primeiros, revelam de modo mais eloquente a real problemática do mundo contemporâneo.

Desde quando promulgou os primeiros e mais relevantes documentos sobre a questão ambiental, tem sido constante o delineamento de certas metas sem as quais o caminho que leva ao pleno desenvolvimento não poderia ser percorrido.

Mas foi um propósito mais elevado que permitiu o encadeamento dos elementos constitutivos do verdadeiro desenvolvimento: a) a pessoa; b) o planeta; e c) a paz.

Sobressai, naturalmente, a pessoa cuja qualificação, como sublinha o art. 2 da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento é assim apresentada:

1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento.

Esse primado da pessoa está em plena conformidade com a concepção vigente dos direitos humanos, tal como entende esse vetor conceitual a própria ONU.

Dessa precedência da pessoa decorre, igualmente, a exigência de certa distribuição mais equitativa do produto do desenvolvimento.

É para que se verifique, de pronto, se as exigências da pessoa estão sendo satisfeitas de maneira condigna que, dentro dos marcos econômicos, foi concebida certa avaliação objetiva da qualidade, por assim dizer, do desenvolvimento.

4 A NOVA ORDEM ECONÔMICA MUNDIAL

A ordenação econômica que rege as relações internacionais está estruturada de modo manifestamente inadequado.

Tal ordenação, delineada sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial, estaria a exigir cabal reformulação.

Em função do manifesto esgotamento dessa modelagem da economia, que ficou conhecido como modelo de Breetton Woods e cujos esteios estruturais seguem sendo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, há mais de quarenta anos as Nações Unidas resolveram lançar as bases estruturais de uma nova ordem econômica internacional[23].

Surgia, destarte, no seio da Assembleia-Geral reunida em maio de 1974, a Declaração que proclamava a nova ordem econômica internacional, devidamente aparelhada por consistente Programa de Ação[24].

Para complementar esse compromisso solene, a mesma Assembleia-Geral, lançava a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados[25].

Em uma ordenação como essa que vinha de ser delineada todos os rumos da economia deveriam confluir para a meta comum de eliminação da barreira econômica entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.

Essa diretriz programática aparecia no Preâmbulo da Carta, assim explicitada:

e) La aceleración del crecimiento económico de los países em desarrollo com miras a eliminar la brecha económica entre países en desarrollo y países desarrollados,

f) La protección, la conservación y el mejoramiento

Confirma esse mesmo objetivo a regra estampada no corpo do Documento sob o art. 24:

Artículo 24. Todos los Estados tienen el deber de conducir sus relaciones econímicas mutuas de forma que tengan en cuenta los intereses de los demás países. En particular, todos los Estados deben evitar perjudicar los intereses de los países en desarrollo.

Enquanto a organização pretérita da economia foi marcada pela tendência à competitividade e, por conseguinte, para a criação e ampliação do abismo entre os povos, a nova ordem é chamada a unir as economias de maneira orgânica e dinâmica.

Ter em conta os interesses dos demais, como enuncia o preceito, significa a cabal abertura para as parcerias. Estas, assim delineadas, serão capazes de proporcionar benefícios a todos os envolvidos.

A poderosa supremacia de certos países deve ceder passo a políticas de cooperação e de alianças, com abertura de mercados cada vez mais concreta.

Ora, seria imprescindível que se organizasse um mecanismo de avaliação da ordem econômica e que esse mecanismo fosse capaz de apontar em que medida o desenvolvimento econômico repercute na esfera social.

Destarte, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento resolveu elaborar um indexador que revela, com particular intensidade, essa componente essencial do desenvolvimento que se superpõe ao dado puro (e bruto) da economia.

Trata-se do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano que, “permitiu que fossem colocadas no centro do debate internacional, aspectos tais como a pobreza, as disparidades sociais e econômicas, estreitando-se a relação entre crescimento econômico e bem-estar. Facilitou a análise das políticas públicas governamentais e as consequências daquelas na vida dos cidadãos[26].

O Índice revela, sobretudo, como está atuando o desenvolvimento. Se opera em favor do homem; se é capaz de superar a pobreza, as desigualdades e outros aspectos que não permitem a todos serem beneficiários do incremento de bens e de riquezas que o desenvolvimento proporciona.

Não deixa de ser significativo que tanto a anterior proposta – dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (vigorante até 2015) como a atual, relativa aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (meta a ser atingida até 2030) tenham eleito a temática da pobreza no centro da questão social contemporânea.

O compromisso internacional em favor da eliminação da pobreza é de cunho manifestamente econômico, mas não pode ser dimensionado apenas e tão somente sob esse ponto de vista.

Tal compromisso exige que a pessoa humana – sujeito central do desenvolvimento – detentora do primado nas considerações de natureza econômica, possa contar com programas, projetos e iniciativas que se destinem a modificar estruturas, sempre que necessário, para que se promova a respectiva inserção na comunidade.

De modo sintético, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável desvela o caminho a ser seguido: Promover el crecimiento económico sostenido, inclusivo y sostenible, el empleo pleno y productivo y el trabajo decente para todos.

Enfim, eis o tópico essencial sobre o qual a nova ordenação econômica internacional terá que construir programas e projetos de desenvolvimento

Esse desenvolvimento – capaz de proporcionar trabalho decente para todos – se constituirá na tarefa essencial das economias e na força propulsora da sustentabilidade.

Portanto, o desenvolvimento funda-se no trabalho, dele e por ele incrementa a economia e a produção e reduz as desigualdades entre pessoas e povos.

Esse desenvolvimento promoverá, a um só tempo, a harmonia e a solidariedade entre as categorias sociais da produção, assim como a cooperação internacional, que deixando de lado os estreitos limites econômicos seja capaz de identificar, para além, os amplos desígnios propostos para a humanidade no seu todo considerada.

5 DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

O direito ao desenvolvimento se acha plasmado, desde sempre, na própria Carta das Nações Unidas, cujo art. 55 assim se acha grafado:

Trata-se do art. 55, cujo teor é o seguinte:

Art. 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;

b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião[27].

Nesse comando já se percebe a estreita vinculação entre o escopo da Organização e o papel reservado ao homem nos quadrantes do progresso e do desenvolvimento econômico e social.

Em linha com essa regra fundamental, estão esculpidos os Pactos que conferem efetividade à Declaração Universal dos Direitos Humanos: o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[28] que já no primeiro comando, que em ambos é redigido com igual teor, asseveram:

Art. 1º. 1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

O autêntico desenvolvimento é o processador da plena sincronia entre as esferas civil, política, econômica, social e cultural.

Razão assiste a Hector Gros Espiel quando explicita: “El derecho al desarrollo como derecho humano es la sintesis de todos los derechos del hombre[29].

O desenvolvimento, como expressão autêntica do agir das Nações Unidas brota, continuamente, da força admirável do coeso e harmônico labor que se espera desse Organismo Internacional.

Nenhum entrave oportunista, ditado por interesses mesquinhos de detentores de maior poder econômico, pode deter o desenvolvimento.

Esse processo perene passa a se tornar em característica essencial do trabalho das Nações Unidas.

Ocorre que, como ensina o Papa Francisco: “Um desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso[30].

Na prática constante de ações em favor do desenvolvimento, como esta mesma que ora comentamos aqui, a modelagem da comunidade internacional vai se configurando como algo inteiramente novo.

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, surgida em 1986, acaba por significar, na dinâmica concreta do desenvolvimento, o mais eloquente arcabouço institucional.

Esse Diploma, aliás, nasce do ideário do desenvolvimento integral[31].

O campo de ação do Direito ao Desenvolvimento é suficientemente amplo para abarcar a mais autêntica expressão dos direitos humanos.

Afirma, com propriedade, Campos Silva: “O Direito ao Desenvolvimento é uma síntese dos direitos fundamentais, na exata medida em que aglutina a possibilidade do ser humano realizar integralmente as suas potencialidades em todas as áreas do conhecimento[32].

É necessário que os clamores urgentes de grande parte da humanidade sejam atendidos pelos programas e objetivos do desenvolvimento.

E que as Nações Unidas, foro central de discussão dessa temática voltada do homem e da comunidade para toda a humanidade, não falhe no cumprimento da grave missão que lhe incumbe.

6 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Quando tracejou a pauta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a Assembleia-Geral das Nações Unidas verificou, inicialmente, que não tinham sido em vão os esforços anteriormente encetados em favor dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio.

Pareceu, destarte, que as notáveis possibilidades que se abriram com aquela iniciativa inaugural exigiam e impunham que se desse o passo seguinte.

Seria necessário, ainda uma vez mais, superar obstáculos.

Como explica Celso Furtado o objetivo consiste na “transformação da sociedade ao nível dos meios, mas também dos fins…[33].

E, como se sabe, aqueles que usufruíram em maior medida das benesses do progresso ditado pelo individualismo e pelo egoísmo não quereriam perder nada.

O quadro em que se delineia a correlação de forças internacionais já fora claramente delineado pelas Nações Unidas quando assentou:

Pensamos que o principal desafio que se nos depara hoje é conseguir que a globalização venha a ser uma força positiva para todos os povos do mundo, uma vez que, se é certo que a globalização oferece grandes possibilidades, atualmente os seus benefícios, assim como os seus custos, são distribuídos de forma muito desigual. Reconhecemos que os países em desenvolvimento e os países com economias em transição enfrentam sérias dificuldades para fazer frente a este problema fundamental. Assim, consideramos que, só através de esforços amplos e sustentados para criar um futuro comum, baseado na nossa condição humana comum, em toda a sua diversidade, pode a globalização ser completamente equitativa e favorecer a inclusão[34].

Essa situação exigiria que, de pronto, a humanidade tratasse de superar o enorme abismo que separa os povos altamente desenvolvidos daqueles que vivem nas mais degradantes condições de vida.

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável intentam perfilar a reação da comunidade internacional com os meios de que dispõe para proporcionar a todos, sem exceção o melhor modo de convivência entre as necessidades atuais e futuras de todos e as potencialidades do planeta. Assim se acham enunciados:

Objetivo 1.

Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

Objetivo 2.

Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável

Objetivo 3.

Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades

Objetivo 4.

Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos

Objetivo 5.

Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

Objetivo 6.

Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e o saneamento para todos

Objetivo 7.

Assegurar a todos o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia

Objetivo 8.

Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos

Objetivo 9.

Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

Objetivo 10.

Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

Objetivo 11.

Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis

Objetivo 12.

Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis

Objetivo 13.

Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos (*)

Objetivo 14.

Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável

Objetivo 15.

Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade

Objetivo 16.

Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

Objetivo 17.

Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável[35].

O desenvolvimento em si mesmo é um processo permanente, como já se sustentou aqui. Nenhuma instância humana poderá deter seu curso. Exige, porém, uma ordenação adequada para que sejam reduzidas as imensas desigualdades entre povos e entre pessoas (como, aliás, sublinha o Objetivo 10).

De outra parte, como explicitou o Papa Francisco, cumpre: “… encontrar formas de desenvolvimento sustentável e equitativo, no quadro duma concepção mais ampla da qualidade de vida[36].

A recíproca disposição para o atingimento desse impressionante catálogo de medidas depende não apenas da vontade política, já manifesta no documento, mas do convencimento de todos os atores envolvidos.

A Declaração de Copenhague sobre o Desenvolvimento Social já enunciava: “convidam todas as pessoas a expressarem sua determinação de aprimorar a condição humana, por meio de ações concretas nas respectivas áreas de atividade ou da assunção de responsabilidades cívicas específicas” (parágrafo 27 do Preâmbulo da Declaração)[37].

Eis porque afirmei a seu tempo: “De fato, o desenvolvimento integral é o caminho real e o percurso obrigatório para a construção de nova e melhor ordem econômica internacional, da qual a sustentabilidade seja esteio natural[38].

O texto da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento é imperativo:

3. Os Estados têm o dever de cooperar entre si para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos que se colocam. Os Estados devem exercer seus direitos e cumprir suas obrigações de forma a promover uma nova ordem econômica internacional baseada na igualdade soberana, interdependência, interesse mútuo e cooperação entre todos os Estados, assim como a encorajar a observância e o desfrute dos direitos humanos. (Nações Unidas, 1986)

A principal característica desse abrangente catálogo de tópicos enunciado pelo Documento aprovado pela Assembleia-Geral consiste na manifesta essência humanista. O fundamento e a síntese do texto desvelam o propósito que a comunidade internacional resolveu tomar a peito como dever a ser cumprido integralmente por todos.

Bem observa Maritain, a propósito do humanismo:

Digamos que o humanismo tende essencialmente a tornar o homem verdadeiramente mais humano, e a manifestar sua grandeza original fazendo-o participar de tudo o que o pode enriquecer na natureza e na história…: ele exige ao mesmo tempo que o homem desenvolva as virtualidades nele contidas, suas forças criadoras e a vida da razão, e trabalhe por fazer das forças do mundo físico instrumento de sua liberdade[39].

Podemos observar, ainda, que os Objetivos estão muito bem encadeados, em perfeita linha com o já citado critério interpretativo dos direitos humanos formulado pela Declaração de Viena e encampado pelo art. 6º, 2, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento já explicitado aqui.

A comunidade sente-se impelida a atrair para o centro do debate mundial não apenas a questão ecológica, de ser extremamente importante, mas também o tema da pobreza e seu consectário elementar, a desigualdade.

Isto posto, não se pode duvidar de que os atores sociais saberão direcionar adequadamente as distintas etapas que, num crescendo, culminarão no desenvolvimento integral.

7 A PAZ

Eis um dos propósitos de existência e de atuação das Nações Unidas, consoante assevera o art. 1, 2, da Carta:

Art. 1.

Os propósitos das Nações unidas são:

(…)

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;[40].

Desde quando iniciou seus trabalhos, consoante o citado artigo, a ONU delineou os fundamentos do que hoje poderia e, melhor dizendo, deveria ser considerada uma cultura de paz.

Longe de ser, como desgraçadamente tem sido, um espaço de discussão a respeito dos conflitos existentes, inclusive acionando dispositivos belicosos para intentar resolver tais conflitos, a ONU é chamada a pôr em prática a essencial missão pacificadora que lhe é inerente. Progride sempre e quando é bem-sucedida nessa missão.

É legítimo e justo identificar como integrantes das causas profundas dos conflitos que abalam as estruturas internas de muitos países e, igualmente os conflitos que tencionam povos e nações, se encontram em larga medida das questões econômicas.

Dentro dos estreitos limites deste estudo não seria viável a análise dessa problemática tão abrangente.

A paz poderia, portanto, integrar o catálogo permanente de tópicos de um programa universal de convivência entre as nações que tivesse início com a eliminação ou mesmo a redução de obstáculos econômicos ao desenvolvimento dos povos.

A manifesta associação entre desenvolvimento e paz restou bastante bem destacada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas por intermédio da Resolução 2.849, que assim explicita:

11. Reitera la primacia del desarrollo económico y social Independiente como el objetivo principal y supremo de la cooperación internacional en pro del bienestar de la humanidad, así como de la paz y de la seguridad mundial[41].

Com efeito. Condições amistosas de comércio e de troca de bens são as primeiras expressões da economia bem organizada. É o desenvolvimento o conduto necessário para que tais condições sejam formatadas.

Bem alertou Paulo VI: “as excessivas disparidades econômicas, sociais e culturais provocam entre os povos tensões e discórdias e põem em perigo a paz[42], donde seja necessário concordar que “desenvolvimento é o novo nome da paz[43].

Tenho afirmado que: “O desenvolvimento deve constituir-se em movimento forte, que envolve a todos, compreendido como algo absolutamente essencial para a concretização do ideário dos direitos humanos[44].

A paz sobrepuja todos os obstáculos e permite a identificação de objetivos comuns à inteira comunidade humana.

O só fato de ter a comunidade internacional chegado a pontos consensuais a respeito do desenvolvimento sustentável é notícia alvissareira em favor da paz.

Esta paz, que deve se difundir por toda a parte, permitirá o triunfo pleno do desenvolvimento, influenciando a todos quantos de algum modo criam obstáculos ao advento da nova ordem econômica mundial mais humana e mais justa.

8 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: O NOVO NOME DA PAZ

A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, sugerida pela comissão especializada da ONU ocorreria no ano de 2002 na cidade de Johannesburgo. O evento produziu a Declaração respectiva, assim como o Plano de Aplicação do que resultara decidido naquela oportunidade[45].

Lá assentaram a seguinte conclusão: “35. Assumimos o compromisso de agir juntos, unidos por uma determinação comum de salvar nosso planeta, promover o desenvolvimento humano e alcançar a prosperidade e a paz universais[46].

Força reconhecer nesse sequenciamento de propósitos como que um crescendo: ação comum; salvação do planeta; desenvolvimento humano e integral; paz – remate e triunfo de todo o processo iniciado desde a Carta de São Francisco.

Para Cristiane Derani, o desenvolvimento sustentável;

assenta-se sobre dois pilares, um relativo à composição dos valores materiais e outro voltado à coordenação de valores de ordem moral e ética: uma justa distribuição de riquezas nos países e entre países, e uma interação dos valores sociais, onde se relacionam interesses particulares de lucro e interesses de bem-estar coletivo[47].

Assim, ocorre dizer que o desenvolvimento sustentável cria a perfeita harmonia entre os aspectos econômicos e financeiros e o altiplano dos valores e, dentre estes, do valor predominante que é a paz.

Dessa predominância dá notícia a “Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional que regem as Relações. Amistosas e Cooperação entre os Estados conforme a Carta da ONU”, quando esse importantíssimo documento acentua:

Convencido sobre a estrita observância por parte dos Estados da obrigação para não interferir nos assuntos internos de qualquer outro estado, salvo para garantir a paz entre os países ou contra qualquer forma de intervenção que viola o espírito e a letra da Carta das Nações Unidas, provocando situações de insegurança e ameaça contra a paz internacional.

Para serem coerentes, as políticas econômicas, sociais e culturais deverão ter em conta, sempre e em todo o lugar o primado do homem.

O homem e a comunidade são os destinatários necessários do desenvolvimento.

Sendo o desenvolvimento o destino e a vocação mesma do homem e da comunidade, esse caminho permitirá a interação segura dos povos em ordem ao comum escopo da paz.

Não é difícil verificar, por conseguinte, que o ideário do desenvolvimento sustentável tenha se entrelaçado com o da paz. Por força dessa amálgama os signatários da Agenda 2030 acertadamente fixaram a seguinte meta:

Paz

Estamos determinados a promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas, livres do medo e da violência. Não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz, e não há paz sem desenvolvimento sustentável[48].

Na verdadeira perspectiva do desenvolvimento, já assinalara o Beato Papa Paulo VI:

O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista: “não aceitamos que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira”[49].

E, em linha e em paráfrase ao ensinamento do piedoso Pontífice força concluir que o desenvolvimento sustentável é o novo nome da paz.

Rima, pois, com a dogmática assertiva do já citado art. 2, 1, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, o ensino da Gaudium et spes:

o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social[50].

O desenvolvimento sustentável, caminho para a paz, é aquele que coloca o homem no centro. É aquele que faz prevalecer, em todas as circunstâncias, a autêntica vocação comunitária da humanidade e essa vocação impede o consumo abusivo e egoísta; reage com os meios de que dispõe a toda a forma de desperdício. E, enfim, é aquele que se constrói com vistas ao nosso futuro comum.

9 REFERÊNCIAS

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_____. Três termos uma meta. <http://www.unesco.org/new/es/education/themes/leading-the-international-agenda/education-for-sustainable-development/three-terms-one-goal/>.

Notas de Rodapé

[1] Doutor e Livre-Docente. É Professor Titular da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo.

[2] Explicita o documento: “De plus en plus, le développement est conçu comme la dynamisation d’une société dans son être même, comme une véritable aventure dans laquelle une société s’engage, faisant appel à toutes ses capacités d’autocréation”. Plan à moyen terme (1977-1982), aprovado na Conferência Geral da UNESCO por força da Resolução 19 C/100. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0003/000332/033260fo.pdf>.

[3] Disponível em: <http://www.unesco.org/new/es/education/themes/leading-the-international-agenda/education-for-sustainable-development/three-terms-one-goal/>.

El Desarrollo Sostenible (DS) tiene como propósito satisfacer las necesidades del presente sin hipotecar las de futuras generaciones. El Desarrollo Sostenible es una visión del desarrollo que abarca el respeto por todas las formas de vida – humana y no humana – y los recursos naturales, al mismo tiempo que integra preocupaciones como la reducción de la pobreza, la igualdad de género, los derechos humanos, la educación para todos, la salud, la seguridad humana y el diálogo intercultural.

[4] Como afirma taxativamente o art. 2, 1, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.

[5] Acentuara a Declaração de Filadélfia: “a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos…”. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf>.

[6] A Declaração do Milênio foi aprovada pela Resolução 55/2, de 08.09.2000 da Assembleia Geral da ONU. <http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/55/2>.

[7] A/CONF 157/23, de 12.07.1993: World Conference on Human Rights. Vienna, 14-25 June 1993.

[8] Op. loc. cit.

[9] FURTADO, Celso. Economia do Desenvolvimento. Curso ministrado na PUC-SP. Rio de Janeiro: Contraponto – Centro Internacional Celso Furtado, 2008. p. 157.

[10] IAMAMOTO, Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 27.

[11] PERRONE-MOISES, Claudia. Direito ao Desenvolvimento e Investimentos Estrangeiros. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 69.

[12] TOUSCOZ, Jean. Direito Internacional. Tradução de Nuno Cana Mendes. Lisboa: Europa América, 1993, define o Direito Internacional Público como: “o conjunto de regras e de instituições jurídicas que regem a sociedade internacional e que visam estabelecer a paz e a justiça e a promover o desenvolvimento”. Apud MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 67.

[13] Resolução 3.201, de maio de 1974, Assembleia-Geral das Nações Unidas.

[14] LEBRET, L. J. O Drama do Século XX. Tradução de Benevenuto de Santa Cruz e Fátima de Souza. São Paulo: Duas Cidades, 1966. p. 151.

[15] LATOUCHE, Serge. A ocidentalização do mundo: Ensaio sobre a significação, o alcance e os limites da uniformização do planeta. 2. ed. Tradução de Celso Paciornik. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. p. 78.

[16] Op. loc. cit.

[17] Instituída pela Resolução 38/161, de dezembro de 1983.

[18] Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. (Relatório Brundtland) Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: FGV, 1988.

[19] Nosso futuro comum, cit., p. 46.

[20] Resolução de 16.12.1992, <http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/47/92>.

[21] Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf>.

[22] Transformar nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Resolução aprovada pela Assembleia-Geral em 25.09.2015. Disponível em: <http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/70/1>.

[23] Antônio Augusto Cançado Trindade anota: “Poucas iniciativas, ao longo de todo o século XX, geraram tanto debate nos foros internacionais como o movimento em prol de uma nova ordem econômica internacional, com atenção especial aos direitos e deveres econômicos dos Estados”. In: O direito internacional em um mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 1.063.

[24] Resolução 3202 (S-VI), de 01.05.1974, da Assembleia-Geral da ONU.

[25] Resolução 3281 (XXIX), de 12.12.1974, da Assembleia-Geral da ONU.

[26] MIQUEL, C. A. O Índice de desenvolvimento humano: uma proposta conceitual. Revista Proposta – FASE, a. 26, n 73, p. 10-19, jun./ago. 1997, p. 16.

[27] Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/doc5.php>.

[28] Por força do Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991 foram ratificados pelo Congresso Nacional ambos os Pactos Internacionais.

[29] ESPIELL, Héctor Gros. Estudios sobre derechos humanos. Caracas: IIDH – Editora Juridica Venezolana, 1985. p. 191.

[30] Papa FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html,ponto194>.

[31] Vide o meu: Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento Anotada. Curitiba: Juruá, 2015. p. 99 usque 124 para a abordagem sobre o tema do desenvolvimento integral.

[32] SILVA, Guilherme Amorim Campos. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004. p. 73.

[33] FURTADO, Celso. Pequena Introdução ao Desenvolvimento – enfoque interdisciplinar. São Paulo: Nacional, 1980. p. XI.

[34] Declaração do Milênio. <http://www.pnud.org.br/Docs/declaracao_do_milenio.pdf>.

[35] Transformar nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, citada.

[36] Papa FRANCISCO. Laudato Si, cit., ponto 192.

[37] Declaração de Copenhague sobre o Desenvolvimento Social, de 1995. <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/116/54/PDF/N9511654.pdf?OpenElement>.

[38] Cf. o meu Declaração sobre o Direito…, cit., p. 102.

[39] MARITAIN, Jacques. Humanismo Integral. Tradução de Afrânio Coutinho. São Paulo: Nacional, 1941. p. 2.

[40] O inteiro teor da Carta da ONU se encontra em <http://www.onu-brasil.org.br/doc5.php>.

[41] Vide Resolução 2849 (XXVI) da Assembleia-Geral, datada de 20.12.1971.

[42] PAULO VI. Carta Encíclica Populorum progressio, sobre o desenvolvimento dos povos, de 26.03.1967, ponto 76, Disponível em: <http://www.joaosocial.com.br/enciclicas/populorum.html>.

[43] PAULO VI, op. loc. cit., ponto 87.

[44] Cf. o meu Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento Anotada. Curitiba: Juruá, 2015. p. 102.

[45] A Cúpula fora convocada por meio da Resolução 55/199 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, sob o título Revisão decenal do progresso alcançado na implementação dos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e, por essa razão, é também denominada Rio+ 10.

[46] <www.johannesburgsummit.org/html/documents/summit_docs/2309_planfinal.htm>.

[47] DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 131.

[48] Transformar nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Citada.

[49] PAULO VI. Carta Encíclica Populorum progressio, cit., ponto 14.

[50] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 63.