O Exercício da Democracia na Sociedade da Informação: Uma Análise do Exercício dos Direitos de Participação Política Através do Portal e-Democracia da Câmara dos Deputados Brasileira
THE EXERCISE OF DEMOCRACY IN THE INFORMATION SOCIETY: AN ANALYSIS OF THE EXERCISE OF THE RIGHTS OF POLITICAL PARTICIPATION THROUGH THE E-DEMOCRACY PORTAL OF THE BRAZILIAN CHAMBER OF DEPUTIES
Faena Gall Gofas[1]
Felipe Dalenogare Alves[2]
Rosana Helena Maas[3]
Resumo: A sociedade informacional traz consigo novos acréscimos para a democracia, pois, através das tecnologias da informação e comunicação, especialmente da internet, é possível uma maior participação popular no que refere à política e às decisões de caráter público. Entre os mecanismos disponíveis ao exercício da democracia na internet, destaca-se o portal e-Democracia da Câmara dos Deputados no Brasil, como uma ferramenta que visa aproximar a população dos debates Legislativos. Por ser um mecanismo relativamente novo, emergem os seguintes questionamentos: a participação política no portal e-Democracia ocorre de maneira efetiva? As contribuições apresentadas pela população têm sido consideradas pelos Deputados nas decisões políticas e na elaboração de Projetos de Lei, sendo incorporadas à rotina parlamentar? A partir da presente pesquisa foi possível concluir que a liberdade de interação e o conjunto de ferramentas do portal, como fóruns, enquetes e bate-papos, colaboram para que se tenha, conjuntamente, a construção do conhecimento de forma espontânea, através da troca de ideias e opiniões. Todavia, o número de contribuições no e-Democracia demonstra que a participação pública poderia ser mais efetiva, uma vez que a interface e a estrutura do portal são de fácil acesso, não apresentando maiores dificuldades em relação ao seu uso. Através dos debates e participações já existentes, bem como em razão do fato de algumas contribuições terem sido acatadas pelos parlamentares, pode-se afirmar que o e-Democracia é um primeiro passo a ser aprimorado, pois possui contribuições sérias e oriundas de pessoas interessadas em contribuir com a política do Brasil. Utilizou-se o método dedutivo, para fins de abordagem, e monográfico, a título procedimental.
Palavras-chave: Democracia; Sociedade informacional; Democracia digital; E-Democracia.
Abstract: The information society brings with it new additions to democracy, since through information and communication technologies, especially the Internet, it is possible to increase popular participation in public politics and decisions. Among the mechanisms available to the exercise of democracy on the internet, the e-Democracy portal of the Brazilian Chamber of Deputies stands out as a tool that aims to bring the population closer to the Legislative debates. In this context, the following questions need to be analyzed: does political participation in the e-Democracy portal take place effectively? Have the contributions made by the population been considered by the Deputies in the political decisions and in the drafting of bills, being incorporated into the parliamentary routine? The freedom of interaction and the set of tools of the portal, such as forums, polls and chats, help to jointly build the knowledge spontaneously through the exchange of ideas and opinions. However, the number of contributions in e-Democracy shows that public participation could be more effective, since the interface and structure of the portal are easily accessible and do not present any major difficulties in relation to its use. However, through the debates and participation already existing, as well as because some contributions have been accepted by the parliamentarians, it can be affirmed that e-Democracy is a first step to be improved, since it has serious contributions and come from people Interested in contributing to Brazil’s policy. The deductive method was used, for purposes of approach, and monographic, for procedural purposes.
Keywords: Democracy; Information society; Digital Democracy; E-Democracy.
1 INTRODUÇÃO
A democracia, além do poder de escolha dos representantes políticos, visa garantir direitos inerentes à cidadania, entre eles, a liberdade de expressão e participação política. A sociedade informacional traz consigo novos acréscimos, pois, através das tecnologias da informação e comunicação, especialmente da internet, possibilita uma maior participação popular no que refere à política, ao manejo da coisa pública e à participação cidadã.
Entre os mecanismos disponíveis ao exercício da democracia na internet, destaca-se o portal e-Democracia da Câmara dos Deputados, uma ferramenta que visa viabilizar a participação popular. Neste contexto, carecem de análise as seguintes questões: a participação política no portal e-Democracia ocorre de maneira efetiva? As contribuições apresentadas pela população têm sido consideradas pelos Deputados nas decisões políticas e na elaboração de Projetos de Lei, sendo incorporadas à rotina parlamentar?
Visando encontrar respostas à problemática apresentada, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se o método dedutivo, para fins de abordagem, e monográfico, a título procedimental, estruturando-se o trabalho em duas partes.
Na primeira, busca-se expor noções acerca dos contornos da democracia na sociedade da informação em um contexto de globalização, onde será abordado o parâmetro de democracia que se almeja em um Estado Democrático de Direito, bem como serão analisados os conceitos de e-democracia, ciberdemocracia, teledemocracia, e-voto e democracia digital.
E, em um segundo momento, pretende-se observar como ocorre o funcionamento e os principais objetivos do portal e-Democracia, visando verificar se a população tem participado ativamente dos debates políticos e se as contribuições expostas no portal foram inseridas nos Projetos de Lei discutidos, a partir da análise das estatísticas de cada Comunidade Legislativa do Portal. Assim, apresentadas as considerações introdutórias da pesquisa, passa-se à exposição do tema.
2 OS NOVOS CONTORNOS DA DEMOCRACIA NO CONTEXTO DA SOCIEDADE INFORMACIONAL
A ideia de democracia no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito, em um primeiro momento, está diretamente relacionada ao direito ao voto, ao poder de escolha dos governantes através do sufrágio universal, uma vez que seu art. 14, expressamente, assegura que a “soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, instituindo-se as bases do Estado Democrático em que vivemos hoje.
Para Bobbio (2000, p. 07), a democracia é entendida como “uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e oligarquia”.
Bonavides (1993, p. 13), por sua vez, conceitua a democracia como “aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo do poder legítimo”.
Neste contexto, Bobbio (1997, p. 41-52) classifica os modelos de democracia em representativa e direta, apresentando as principais diferenças existentes entre ambos, muito embora entenda que um sistema de democracia integral pode conter os dois modelos, uma vez que não são alternativos e podem se integrar reciprocamente sendo de igual forma necessários.
A democracia direta é compreendida, literalmente, como a participação de todos os cidadãos em todas as decisões que a eles dizem respeito, porém, nas sociedades mais complexas, como as modernas, a ideia de que todos decidam sobre tudo se torna materialmente impossível. Em razão disto, atualmente, a democracia direta no sentido próprio da palavra retrata-se por dois institutos: a assembleia dos cidadãos deliberantes sem intermediários e o referendum (BOBBIO, 1997, p. 42), ao passo que, no Brasil, nos termos dos incs. I, II e III, do art. 14, da Constituição Federal de 1988, evidencia-se pelo plebiscito, referendo e iniciativa popular.
Já a democracia representativa, genericamente, é compreendida como aquela em que as deliberações coletivas que dizem respeito a toda a coletividade, não são tomadas diretamente por aqueles que a compõem, mas por representantes eleitos para este fim (BOBBIO, 1997, p. 44).
Ainda hoje, não existe Estado dito representativo em que a representação esteja unicamente nas mãos do parlamento, uma vez que os Estados então chamados de representativos são também representados por outras numerosas sedes onde se tomam deliberações coletivas, como as comunas, províncias (BOBBIO, 1997, p. 44) e, a exemplo do Brasil, os sindicatos, associações, conselhos e órgãos de classe.
De qualquer forma, muito embora a democracia representativa vise eleger representantes que atendam às necessidades da maioria e atuem em prol do bem comum, sempre foi motivo de revolta, para grande parcela da população, o distanciamento existente entre o povo e seus representes, bem como o fato dos políticos, por vezes, atuarem em proveito próprio, situação que vem sendo deflagrada com os constantes escândalos vivenciados no Brasil.
Até mesmo porque, no Estado Democrático de Direito, a democracia não se limita, ou não poderia se limitar, ao direito ao voto, ao passo que abarca em si a noção de cidadania, sendo esta definida por Pérez Luño (2004, p. 27-29) como:
1. A cidadania é uma condição da pessoa que vive em uma sociedade livre. Em cidades e comunidade políticas onde impera a arbitrariedade e a tirania não existem cidadãos. Para que tal condição se dê, é preciso que se garanta uma ordem político democrática que permita o exercício das liberdades.
2. A cidadania é uma condição voluntária que não pode ser imposta a nenhuma pessoa. A qualidade de cidadão se funda no pacto social, em um acordo livre das pessoas para integrar e participar de um determinado modelo de organização política.
[…]
A cidadania consiste em um vínculo de pertencimento a um Estado de direito de que somos nacionais, situação que implica um conjunto de direitos e deveres; cidadão será a pessoa física titular dessa situação jurídica.
Nestas doutrinas, embora se destaque a importância do direito a participação política como um dos principais atributos da condição de cidadão, não se estabelece uma distinção qualitativa de tal direito em relação ao conjunto genérico de direitos e deveres que formam a noção de cidadania.
No mesmo sentido, ao tratar da democracia, Lévy (2003, p. 31) entende que “na noção de democracia, há, simultaneamente, a ideia dos direitos e das liberdades, que implicam a eminente dignidade do cidadão (versão política da pessoa), e a da deliberação, do debate e da busca comum das melhores leis”, o que, por conseguinte, desencadeia “a procura de uma regra justa, imparcial, universal. Em suma, a democracia compreende, ao mesmo tempo, a ideia de liberdade e a de inteligência coletiva”.
Significa dizer que a “cidadania e a democracia pressupõem o alfabeto, isto é, a possibilidade de cada cidadão ler, aplicar e criticar a lei, assim como a de participar na sua elaboração” (LÉVY, 2003, p. 29), o que distancia-se da visão minimalista de democracia enquanto poder tão somente de escolha dos representantes.
Sendo assim, se observa que, para que haja democracia, além do poder de escolha dos representantes políticos, é necessário que se garantam os direitos inerentes à cidadania, entre eles a liberdade e o direito à participação política, na pura intenção de formar uma inteligência coletiva e justa.
Neste contexto, o advento da sociedade informacional é capaz de fomentar a democracia, uma vez que, a partir das tecnologias da informação e comunicação, especialmente da internet, é possível existir uma nova dimensão de participação popular no que refere à política, ao manejo da coisa pública e à participação cidadã (OLIVEIRA, 2010, p. 221), uma vez que “a internet é um meio que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido em escala global” (CASTELLS, 2003, p. 08).
A sociedade da informação, por meio da internet, traz consigo novos acréscimos que possibilitam uma maior participação popular e exercício da cidadania, pois viabiliza a participação colaborativa por parte dos usuários, que pode ser mais intensa em alguns períodos e em ambientes virtuais específicos, ou mais restrita, limitando-se à propagação e ao compartilhamento de informações já editadas (CARDOSO, 2007, p. 326).
Pode-se afirmar, ainda, que o uso dessa tecnologia vem ao encontro do anseio vivido pela sociedade no âmbito digital, pois “a sociedade democrática reivindica o pluralismo informativo, o livre acesso e a livre circulação de informações” (PÉREZ LUÑO, 2004, p. 99).
Trata-se de uma ferramenta essencial para o aperfeiçoamento da participação civil nos negócios públicos e de novas formas de participação política, visando reduzir distâncias e o caráter não democrático dos antigos meios de comunicação, eis que aproxima governantes e governados, deliberações e tomada de decisões, e as demandas dos cidadãos com a agenda pública (BERNARDES, 2013, p. 110).
Também, o meio virtual pode ser útil para os eleitores no processo de escolha dos representantes e no controle da coisa pública, pois além da possibilidade de ser usado por aspirantes ao governo para divulgarem suas plataformas eleitorais, proporcionando mais informações e melhores condições de escolha aos eleitores, pode, ainda, facilitar a participação cidadã na gestão pública (BERNARDES, 2013, p. 113).
Todavia, com o surgimento dessa “nova” ferramenta digital hábil ao exercício da democracia, surgem também novos conceitos, entre eles o conceito de e-democracia, ciberdemocracia, teledemocracia, e-voto e democracia digital, os quais, ainda que próximos, carecem de distinção para que não ocorra confusão conceitual.
A e-democracia se refere à participação de todos os atores políticos, especialmente dos cidadãos e das comunidades, nos processos democráticos, mediante o uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s), a partir do manejo de ferramentas como páginas da web, blogs, e-mails, redes sociais, permitindo adaptar as antigas estruturas às novas condições, pois com a internet é possível uma maior participação, possibilitando a construção das decisões políticas de maneira coletiva (SOLANO, 2012, p. 272).
A ciberdemocracia configura-se através da diversidade livre em espaços abertos de comunicação e de cooperação, por meio dos quais se destacam o aumento da visibilidade e da transparência pública. A transparência proporcionada pela internet beneficia tanto a abertura democrática como a ruptura de modelos até então ditatoriais, pois conforme se aumenta a liberdade de expressão e o acesso à informação, se tem um ambiente propício ao exercício da democracia (LÉVY, 2003, p. 31-37).
Como bem refere Lévy (2003, p. 37-38), “na medida em que os instrumentos de observação e de simulação se aperfeiçoam, as possibilidades de ação crescem, juntamente com os riscos e o peso da responsabilidade que corresponde a estas novas possibilidades”. Ainda, vale dizer que a ciberdemocracia, a partir da transparência, é capaz de proporcionar inúmeras alterações no plano político, uma vez que:
No plano político, é de prever que a sociedade humana, os seus fluxos demográficos, econômicos e informacionais, as suas comunidades, os seus interesses divergentes, as suas paixões, as suas ideias, os seus debates, as suas narrações contraditórias, os seus enleios de poderes, os seus sofrimentos e a sua inteligência coletiva serão cada vez mais bem conhecidos, cartografados em tempo real e transparentes para toda a gente. A escrita foi o fundamento das hierarquias e do segredo estatal, o alfabeto o da cidade da Antiguidade e da livre cidadania, a imprensa o da opinião pública, da ideia dos direitos do homem e da democracia moderna. De igual maneira, a omnivisão, ou a transparência numérica, tornar-se-á a base de uma ciberdemocracia ainda dificilmente imaginável. (LÉVY, 2003, p. 38-39)
Considerando a noção otimista de ciberdemocracia, constata-se que, com o aumento transparência no trato público, maior informação e liberdade de expressão, proporcionados pelo ciberespaço, consequentemente, maiores são as chances da população participar das decisões políticas atuando de forma ativa, cobrando e fiscalizando a atuação dos governantes.
Teledemocracia, por sua vez, é o termo utilizado para designar o conjunto de teorias e fenômenos práticos referentes à incidência das novas tecnologias na política, sendo capaz de definir a projeção destas nos processos de participação política das sociedades democráticas (PÉREZ LUÑO, 2004, p. 60).
Para tanto, são necessárias três exigências básicas: a) sob o ponto de vista metodológico, tem-se a aplicação das novas tecnologias em seu significado mais amplo, por meio das mais diversas manifestações, como televisão, vídeo, informática, internet; b) no que refere ao objeto, este se projeta através do processo de participação política dos cidadãos; c) em relação ao seu contexto de aplicação constitui-se sempre por um Estado de Direito, ou seja, a teledemocracia só é possível nas projeções políticas das novas tecnologias em sociedades democráticas (PÉREZ LUÑO, 2004, p. 60).
Essa acepção mais ampla de teledemocracia se bifurca em duas modalidades distintas, a versão débil e a versão forte. Na versão débil a projeção das novas tecnologias no processo político democrático visa reforçar os canais de representação parlamentar, utilizando a teledemocracia como alternativa ao sistema de participação política consubstanciado pela democracia indireta, a qual articula-se por meio de partidos políticos (PÉREZ LUÑO, 2004, p. 60).
Por sua vez, a versão forte da teledemocracia representa-se pela possibilidade do uso da telemática para a execução de formas de democracia direta baseadas na participação popular, almejando oferecer uma alternativa à democracia parlamentar partidária, a partir da participação real e efetiva do maior número de cidadãos na tomada de decisões políticas, de modo a alcançar uma decisiva descentralização e desconcentração de poder (PÉREZ LUÑO, 2004, p. 67).
A mudança da centralidade do poder dos partidos políticos, possibilitada através das novas tecnologias, é capaz de devolver o poder político ao povo, seu titular legítimo, retomando, com a descentralização, o papel da democracia em sua forma mais pura.
No que refere ao e-voto, este é compreendido como o voto eletrônico, através de urnas eletrônicas concentradas em centros eleitorais, visando aproximar o cidadão para participar de forma mais efetiva na designação dos representantes populares e na participação dos assuntos públicos, bem como facilitar as autoridades eleitorais a tutelar os direitos de participação política dos cidadãos (SOLANO, 2012, p. 258-259).
O uso dos meios tecnológicos é uma condição necessária para a efetiva consecução de direitos políticos constitucionais. Contudo, sua utilização deve ser acompanhada de estratégias que gerem confiança aos cidadãos, sob pena do efeito das tecnologias da informação e comunicação nos processos eleitorais ser mínimo. É necessário que se tenha um nível de certeza suficiente, tanto normativa como técnica, que possibilite confiança no processo eleitoral por meio de sistemas de verificação dos resultados e comprovação do sistema (SOLANO, 2012, p. 259).
Vale salientar, ainda, que o e-voto difere-se do voto por internet, uma vez que este realiza-se por meio de computadores ou outro dispositivo que possua acesso à rede, que não precisam estar, necessariamente, em centros eleitorais.
A respeito da votação por internet, Solano (2012, p. 260) destaca, dentre as principais vantagens, o imediatismo da votação online; a exclusão de votos nulos ou questionados; a diminuição dos custos dos processos eleitorais e a diminuição de delitos eleitorais. Ressalta, ainda, que o voto pela internet pode constituir um sistema mais rápido, mais barato, mais transparente, que facilita o sufrágio e aumenta a participação cidadã, inclusive daqueles cidadãos que residem no exterior.
Finalmente, a democracia digital, sob o prisma do Brasil enquanto Estado Democrático de Direito, é compreendida por Bernardes (2013, p. 114) como:
[…] uma expansão quantitativa do modelo contemporâneo à democracia representativa, de forma a promover seu aperfeiçoamento e complemento mediante o uso da internet, para aproximar cidadãos de seus representantes, e não como um modelo alternativo ao vigente.
[…] as democracias participativas e deliberativas não visam à derrubada do modelo representativo, mas sua abertura para incluir novos atores no cenário político.
Isso ocorre exatamente porque as novas tecnologias oportunizam aos cidadãos conhecer melhor os assuntos públicos e os estimulam a expressar sua opinião por e-mail, fóruns e bate-papos online. Não obstante, pode a internet funcionar, também, para reforçar e enriquecer relações entre cidadãos e organizações intermediárias, como partidos políticos e movimentos sociais ou, ainda, entre funcionários públicos e agências do governo (BERNARDES, 2013, p. 115).
Contudo, destaca-se como um aspecto negativo a dificuldade da internet alcançar todas as classes sociais e, quem não estiver conectado na rede, corre o risco de ficar excluído dos debates políticos. Ademais, a abertura e liberdade da rede pode dar margem ao anonimato utilizado para prática de condutas ofensivas à dignidade humana, o que justifica o fato de que a simples mudança de ambiente não serve, por si só, para modificar o sistema político (BERNARDES, 2013, p. 119).
De qualquer forma, observados os aspectos positivos e negativos de todas as definições apresentadas, como também suas principais características conceituais, verifica-se que a perspectiva da utilização das novas tecnologias se dá tanto para a promoção da democracia representativa como para viabilizar ferramentas para o exercício da democracia direta, sempre no intuito de tornar efetiva a participação popular e aproximar governantes e governados.
Porém, para tanto, a simples existência da internet, por si só, não é suficiente, sendo necessária a promoção de mecanismos, ferramentas e espaços virtuais que realmente deem voz e vez à população, em que seja possível a apresentação de propostas, opiniões e, principalmente, que estas sejam consideradas pelos Poderes do Estado. Além, é claro, de políticas públicas de inclusão digital, permitindo que a democracia digital esteja ao alcance de todos.
3 UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA POR INTERMÉDIO DO PORTAL E-DEMOCRACIA NO BRASIL
A partir dos conceitos de democracia e democracia digital até então observados, consta-se que a democracia enquanto viés da cidadania pressupõe tanto o direito ao voto, para escolha dos representantes, quanto a participação e contribuição dos cidadãos na elaboração das leis e decisões políticas.
Sendo assim, entre os mecanismos disponíveis ao exercício da democracia na internet, destaca-se o portal e-Democracia da Câmara dos Deputados, como uma ferramenta que visa viabilizar a participação popular. Neste contexto, carecem de análise as seguintes questões: a participação popular no portal e-Democracia ocorre de maneira efetiva? As contribuições apresentadas pela população têm sido consideradas pelos Deputados nas decisões políticas e elaboração de Projetos de Lei, sendo incorporadas à rotina parlamentar?
Para tanto, se faz necessário, em um primeiro momento, compreender o que é e como se dá o funcionamento do referido portal. O e-Democracia foi lançado em junho de 2009 e trata-se de um espaço virtual, interativo, com interface amigável, elaborado com a finalidade de estimular os cidadãos e organizações civis na elaboração de leis federais, bem como para auxiliar os Deputados no trabalho de fiscalização e controle (FARIA, 2012, p. 185).
Através da internet, a proposta do e-Democracia é incentivar a participação da sociedade a debater temáticas importantes para o país, visando contribuir para a produção de políticas públicas com maior possibilidade de implantação e realização (BRASIL, 2016-a).
Na intenção de alcançar os objetivos propostos, o portal é dividido em dois espaços de participação: as Comunidades Legislativas e o Espaço Livre. Por meio das Comunidades é possível participar dos debates sobre temas específicos, geralmente relacionados a Projetos de Lei já existentes, através de instrumentos de participação e orientações sobre o andamento da matéria no Congresso Nacional. Por sua vez, no Espaço livre, o próprio cidadão pode escolher o tema a ser debatido e motivar a discussão, que será acompanhada pela equipe do e-Democracia e, posteriormente, pode vir a se tornar uma Comunidade Legislativa (BRASIL, 2016-a).
Nas Comunidades Virtuais há moderação de conteúdo, enquanto no Espaço Livre a moderação é apenas de forma, ou seja, servidores da Câmara dos Deputados são responsáveis por verificar as mensagens enviadas, visando evitar e excluir mensagens ofensivas ou que violem a política de participação do e-Democracia (FARIA, 2012, p. 186).
As Comunidades Virtuais Legislativas (CVL) formam uma espécie de rede social digital de pessoas com interesse em algum assunto específico. Dessa forma, cabe ao participante do e-Democracia decidir de que CVL irá participar e, ao optar, passa a ser integrante da CVL escolhida, o que lhe permite conhecer o perfil de outros participantes. A criação de uma rede social legislativa pretende valorizar a formação de “capital social”[4], ainda que temporariamente, sobre temas legislativos (FARIA, 2012, p. 186).
A ideia do portal é que seja possibilitado à sociedade brasileira participar do processo legislativo através da internet, por meio de:
a) compartilhamento de informações, estudos e outros conteúdos, na forma escrita ou audiovisual, que sejam úteis à discussão dos projetos de lei; b) participação do processo deliberativo nos fóruns de discussão; c) organização de redes sociais temáticas para fins legislativos; e d) apresentação de propostas de texto legislativo, construídas de forma colaborativa, a fim de subsidiar o trabalho dos deputados na tomada de decisão. (FARIA, 2012, p. 185)
Para participar do e-Democracia é necessário realizar um cadastro, aceitar os termos de uso e preencher o perfil de usuário. Posteriormente, o usuário recebe uma mensagem no endereço de e-mail cadastrado que explica como deve proceder (BRASIL, 2016-a).
Entre os meios de participação, existem no portal diversos instrumentos, os quais são denominados mecanismo múltiplo de participação, permitindo ao cidadão escolher de que forma irá interagir, o que pode se dar por meio de enquetes de múltipla escolha, inserção de estudos e informações contribuindo para a formação de uma biblioteca virtual, participação em bate-papos coletivos, ou apenas observando as discussões para obter informações (FARIA, 2012, p. 187).
Todavia, caso o cidadão pretenda participar de forma mais aprofundada, pode aderir aos fóruns temáticos, onde se debatem temas específicos de projetos de lei, ou ao Wikilégis, que é voltado à construção colaborativa de textos de lei, através de ideias expressas em forma de texto legal, o que induz o participante a medir as consequências da redação legislativa, simulando o real trabalho do parlamentar (FARIA, 2012, p. 187).
Conforme consta no portal e-Democracia, cada ferramenta disponível apresenta uma determinada finalidade específica. Vejamos:
Fóruns
A discussão acontece especialmente nos fóruns – principal área de interação entre os membros das Comunidades Temáticas – onde o tema é dividido em questões específicas para facilitar o debate. Para postar nos fóruns você precisa ser membro da Comunidade Temática de seu interesse. Para tanto, clique em “Seja membro desta Comunidade”.
Bate-papos
Durante o período em que a matéria estiver em discussão, serão organizados bate-papos em tempo real entre os membros das Comunidades e os deputados envolvidos com o tema. Você também pode marcar bate-papos com outros membros da Comunidade a qualquer momento.
Wikilegis
Nesse espaço colaborativo você pode propor alterações aos projetos de lei em discussão ou construir um novo texto. Após fazer suas sugestões, salve sua proposta para visualização e contribuição dos demais membros da Comunidade.
Biblioteca Virtual
As Comunidades Temáticas contam com uma biblioteca onde são armazenados documentos digitais relacionados a seu tema. Nesse espaço você pode acessar estudos e artigos científicos, bem como conhecer a legislação existente e outras propostas que tratam do assunto em discussão. (BRASIL, 2016-a)
Observa-se, assim, que a possibilidade de participação no e-Democracia é bastante ampla, uma vez que além de almejar contribuições para a formulação de leis, o portal igualmente pode ser utilizado na fiscalização e controle das funções do Poder Executivo (FARIA, 2012, p. 189).
Em acesso ao portal do e-Democracia, no mês de dezembro de 2016, observou-se que existem 11 (onze) comunidades ativas, denominadas: a) Tô na Câmara, com 153 postagens no fórum e 133 participantes; b) Segurança Pública, com 71 postagens no fórum e 21 participantes; c) Plano Nacional do Desporto, que possui apenas wikilegis, com uma média de 1 a 3 comentários em cada Ação do Plano; d) Pacto Federativo, com 34 postagens no fórum e 11 participantes; e) Fórum Legislativo do Futebol, com 06 fóruns, 31 postagens e 22 participantes; f) Fique por Dentro – Aedes Aegypti, com 01 postagem e 01 participante no único fórum; g) Espaço Livre, com 34 fóruns, 6.650 postagens e 2.216 participantes; h) Conhecendo e melhorando o e-Democracia, com 04 fóruns, 88 postagens e 31 participantes; i) CLP Digital, com 08 postagens e 06 participantes no fórum; j) Brasil Transparente, com 10 fóruns, 311 postagens e 70 participantes; l) Aplicativo e-Democracia – Dê sua opinião!, com 02 fóruns, 57 postagens e 35 participantes (BRASIL, 2016-a).
A partir da análise de cada Comunidade Virtual, chama atenção que não há ou é praticamente insignificante o número de contribuições através dos bate-papos, enquetes e wikilegis, sendo notável a preferência dos participantes pelos fóruns de discussão.
Na comunidade denominada Espaço Livre, merece destaque o número de participantes na enquete virtual, que apresenta uma quantidade expressiva de participações em relação às demais comunidades que não possuem enquetes ativas, uma vez que conta com 02 (duas) enquetes: a) A internet deve ser um direito fundamental, dando as garantias de acesso justo, universal e neutro para toda a sociedade brasileira? Em resposta 2.351 participantes entendem que sim, ao passo que 3.106 participantes acreditam que não; b) Enquete 02 (sem nome específico) – possui 07 votos de participantes que deram opiniões diversas sobre assuntos de relevância pública (BRASIL, 2016-a).
Os números expressivos de participação podem decorrer do fato de que, no Espaço Livre, o participante tem maior liberdade de discussão, pois pode propor novos temas legislativos e outros Projetos de Lei não constantes em discussões nas Comunidades existentes, o que, mais tarde, pode acarretar na criação de uma nova Comunidade (FARIA, 2012, p. 198).
Após a análise de todas as comunidades, verifica-se que algumas possuem pouca participação, muito embora almejem o debate de assuntos de grande relevância, como “Fique por Dentro – Aedes Aegypti” e “Segurança Pública”. Nas comunidades em que há maior participação como “Espaço Livre” e “Brasil Transparente” tem-se mais comentários nos fóruns, contudo, é um número inexpressivo se considerado frente ao número de cidadãos do país e usuários da internet.
Contudo, independente do número de contribuições apresentadas no e-Democracia, almeja-se que estas sejam consideradas na elaboração do Projeto de Lei em debate, o que, segundo Faria (2012, p. 194), ocorre da seguinte forma:
No processo participativo do e-Democracia, o conteúdo da discussão de cada comunidade virtual legislativa é compilado, organizado, estudado e avaliado por pequena equipe, que tem como protagonista o consultor legislativo especializado, que também exerce a moderação das comunidades virtuais. A princípio, os consultores elaboram o plano de discussão, estrutura inicial de discussão dos tópicos relevantes que devem compor o futuro texto legislativo. Fóruns de discussão são criados a partir dos grandes temas dessa estrutura, e o plano de discussão servirá de referência para todo o debate virtual do e-Democracia.
Atenta-se para o fato de que as contribuições dos participantes são filtradas por um consultor legislativo, antes mesmo de passar pelo crivo dos Deputados, o que põe em dúvida a credibilidade e real efetividade do portal, eis que nem todas as vozes de fato serão ouvidas pelos representantes do povo, mas apenas aquelas julgadas relevantes pelo consultor. Maior seria a autenticidade do portal se o próprio parlamentar observasse os debates e realizasse por si só a filtragem das sugestões apresentadas.
No entanto, somente após a filtragem o parlamentar responsável emite um parecer e elabora o texto final do Projeto de Lei, decidindo se alguma sugestão será acatada e adicionada ao texto substitutivo a ser apresentado. Poderá, ainda, o relator decidir pela rejeição do Projeto de Lei em discussão ou por sua aceitação sem alterações, caso em que as contribuições apresentadas no e-Democracia não serão aproveitadas (FARIA, 2012, p. 195).
É papel do consultor legislativo ajudar o parlamentar na elaboração do referido parecer, transformando as ideias apresentadas no e-Democracia, muitas vezes de forma simples e coloquial, em texto legislativo com seu formato legal, oportunidade em que serão incorporadas as contribuições aceitas pelo parlamentar no texto substitutivo (FARIA, 2012, p. 195).
Posteriormente, o parecer com o texto substitutivo é apresentado à Comissão Parlamentar Temática, ficando sujeito à deliberação desse respectivo órgão, sendo que os deputados que integram a Comissão poderão acatar ou rejeitar o texto apresentado pelo Relator, bem como propor outras alterações e, ainda, incorporar ao texto legal outras sugestões oriundas da participação no portal que não foram consideradas pelo Deputado Relator (FARIA, 2012, p. 195).
Entre os Projetos atuais que tiveram as contribuições do e-Democracia acrescidas ao texto legal, pode-se citar o Projeto de Lei 2.126/2011, que criou o Marco Civil da Internet. O portal registrou uma média de 12.000 (doze mil) acessos entre os meses de abril e maio no ano de criação do Projeto, resultando em 374 (trezentos e setenta e quatro) manifestações por parte dos usuários do e-Democracia, que comentaram a proposta e propuseram sugestões de alteração do projeto. Entre as mais diversas ideias que sugeriam algum tipo de mudança, 06 (seis) foram acrescentadas pelo Deputado Relator Alessandro Molon (PT/RJ) ao texto do parecer que foi à votação (BRASIL, 2016-a).
O debate sobre o tema foi resultado da ampla divulgação do ambiente virtual do portal e-Democracia nas redes sociais, o que se deu como um fator positivo ao reforçar o compromisso assumido pela Câmara dos Deputados de se valer da internet como espaço de diálogo e debate para criação ou aprimoramento das Leis (BRASIL, 2016-a).
De mesmo modo, a comunidade virtual sobre lan houses colaborou para a construção da proposta que regulamenta o seu funcionamento, a qual foi aprovada pela Comissão Especial dos Centros de Inclusão Digital. O texto então aprovado é um substitutivo do Deputado Otávio Leite (PSDB/RJ) ao Projeto de Lei 4.361/2004. A comunidade Lan Houses, através do portal e-Democracia, abarcou discussões sobre a proposta, computando um total de 872 (oitocentos e setenta e duas) participações em quatro fóruns temáticos: minuta da discussão do Projeto de Lei; funcionamento das lan houses no país hoje; o papel das lan houses: finalidade e contribuição para o contexto socio-econômico brasileiro; e vantagens e desvantagens da formalização das lan houses do país (BRASIL, 2016-b).
Nos referidos fóruns, com a ajuda de moderadores, os integrantes foram incitados a responder questões sobre o tema e formular opiniões para solucionar deficiências da área, e, a partir de então, foi possível levantar informações relevantes sobre os problemas das lan houses em razão da falta de regulamentação. Algumas contribuições foram adicionadas ao texto inicial do Projeto, entre elas a qualificação das lan houses como Centro de Inclusão digital com o fornecimento de cursos de aprendizagem, pontos de acesso à internet e outras funcionalidades; a integração entre lan houses e escolas; e a criação de regras de cadastramento e identificação, visando dar mais segurança aos utilizadores das lan houses (BRASIL, 2016-b).
O Estatuto da Juventude, de relatoria da Deputada Manuela D’Ávila (PCdoB/RS), também recebeu contribuições de internautas através do e-Democracia, contando com 326 (trezentos e vinte e seis) postagens no fórum e um total de 86 (oitenta e seis) participantes. A iniciativa de abertura da comunidade virtual foi da própria Deputada, que, após observar os debates, elaborou um texto substitutivo ao Projeto de Lei 4529/2004, de autoria da Comissão Especial de Políticas Públicas para a Juventude (BRASIL, 2016-a).
A proposta do e-Democracia é promissora, desde que bem divulgada e incentivada a sua prática. Depreende-se que o grande objetivo do portal é trazer mais transparência ao processo legislativo, informar e integrar a população nos debates parlamentares. Contudo, este objetivo só se concretizará de maneira satisfatória se houver uma melhor divulgação do portal e, até mesmo, uma mudança cultural por meio da educação, ensinando, desde sempre, sobre a importância de participar dos debates políticos e fiscalizar as ações dos representantes do povo.
Muito embora o e-Democracia possua conta nas redes sociais, como Facebook que, em dezembro de 2016, contava com 10.758 curtidas; Twitter, com 4.603 seguidores; e Instagram, com 1.671 seguidores, verifica-se que o número de seguidores é ínfimo, quase inexistente (em relação à população do país) e a participação ativa com curtidas e comentários é mínima, estando longe de ser um espaço de efetivo debate e integração pública objetivando a efetivação dos direitos de participação política.
O número de contribuições no e-Democracia demonstra que a participação popular poderia ser muito maior, uma vez que a interface e a estrutura do portal são de fácil acesso, não apresentando maiores dificuldades em relação ao seu uso.
Se comparado ao número de eleitores no Brasil, que, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, em 2016, chegou a 144.088.912 pessoas aptas a votar (BRASIL, 2016-c), as participações no portal e-democracia são mínimas, estando distante do que se espera de uma democracia digital, aliás, não há falar em democracia quando não é possível contar com a maioria, enquanto viés da soberania popular.
Um fator que pode estar sendo determinante para o baixo número de participações, além do “hábito” ainda existente de não gostar de política, é o alto índice de pessoas desconectadas no Brasil. De acordo com o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2016: Dividendos Digitais, realizado pelo Banco Mundial, o Brasil encontra-se em quinto lugar em número de usuários de internet, atrás da China, Estados Unidos, Índia e Japão, mas é o sétimo entre os países com o maior número de desconectados. São 98 milhões de pessoas ainda desconectadas no país, sendo a inclusão digital um grande desafio (BRASIL, 2016-d). Para que se tenha sucesso na democracia digital, é preciso que haja, antes de tudo, inclusão digital, o que deve ocorrer através da realização de políticas públicas.
Outro problema visível é a falta de compreensão do processo legislativo pela população. Como bem refere Faria (2012, p. 203), os cidadãos tendem “a subestimar a complexidade do processo legislativo, que implica várias fases e procedimentos durante sua apreciação pelas comissões e Plenário, com avaliações de mérito e de outras naturezas”, o que justifica a baixa utilização da ferramenta wikilegis.
Contudo, através dos debates e participações já existentes no e-Democracia, bem como em razão do fato de algumas contribuições terem sido acatadas pelos parlamentares, conforme exemplos acima citados, pode-se afirmar que o e-Democracia é um primeiro passo, pois possui contribuições sérias e efetivas, ainda que poucas, oriundas de pessoas interessadas em contribuir com a política do Brasil. A liberdade de interação e o conjunto de ferramentas do portal, como fóruns, enquetes e bate-papos, colabora para que se tenha conjuntamente a construção do conhecimento de forma espontânea, através da troca de ideias e opiniões.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que haja democracia, além do poder de escolha dos representantes políticos, é necessário que se garantam os direitos inerentes à cidadania, entre eles a liberdade de expressão e o direito à participação política.
Sendo assim, a sociedade informacional traz consigo novos acréscimos, pois, através das tecnologias da informação e comunicação, especialmente da internet, possibilita uma maior participação popular no que refere à política, ao manejo da coisa pública e à participação cidadã, em um contexto globalizado.
Todavia, com o surgimento dessa “nova” ferramenta digital hábil ao exercício da democracia, surgem também novos conceitos, entre eles o conceito de e-democracia, ciberdemocracia, teledemocracia, e-voto e democracia digital.
Após a análise dos aspectos positivos e negativos das definições conceituais, como também de suas principais características, verifica-se que a perspectiva da utilização das novas tecnologias se dá tanto para a promoção da democracia representativa como para viabilizar ferramentas para o exercício da democracia direta, sempre no intuito de tornar efetiva a participação popular e aproximar governantes e governados.
Porém, a simples existência da internet, por si só, não é suficiente, sendo necessária a promoção de mecanismos, ferramentas e espaços virtuais que realmente deem voz e vez à população, em que seja possível a apresentação de propostas, opiniões e, principalmente, que estas sejam consideradas pelos Poderes do Estado.
Entre os mecanismos disponíveis ao exercício da democracia na internet, destaca-se o portal e-Democracia da Câmara dos Deputados brasileira, como uma ferramenta que visa viabilizar a participação popular e incentivar a sociedade a debater temáticas importantes para o país, na intenção de contribuir para a produção de políticas públicas com maior possibilidade de implantação e realização.
Contudo, atenta-se para o fato de que as contribuições dos participantes são filtradas por um consultor legislativo, antes mesmo de passar pelo crivo dos Deputados, o que põe em dúvida a credibilidade e real efetividade do portal, eis que nem todas as vozes de fato serão ouvidas pelos representantes do povo, mas apenas aquelas julgadas relevantes pelo consultor. Maior seria a autenticidade do portal se o próprio parlamentar observasse os debates e realizasse por si só a filtragem das sugestões apresentadas.
A proposta do e-Democracia é promissora, desde que bem divulgada e incentivada a sua prática. Depreende-se que seu grande objetivo é trazer mais transparência ao processo legislativo, informar e integrar a população nos debates parlamentares. Contudo, este objetivo só se concretizará de maneira satisfatória se houver uma melhor divulgação do portal e, até mesmo, uma mudança cultura por meio da educação, ensinando, desde sempre, sobre a importância de participar dos debates políticos e fiscalizar as ações dos representantes do povo.
O número de contribuições no e-Democracia demonstra que a participação política dos cidadãos poderia ser mais efetiva, uma vez que a interface e a estrutura do portal são de fácil acesso, não apresentando maiores dificuldades em relação ao seu uso. Se comparado ao número de eleitores no Brasil (em 2016, chegou a 144.088.912 pessoas), as participações no portal e-democracia são mínimas, praticamente inexistentes, estando distante do que se espera de uma democracia digital, aliás, não há falar em democracia quando não é possível contar com a maioria, enquanto viés da soberania popular.
Também, para que se tenha sucesso na democracia digital é preciso que haja, antes de tudo, inclusão digital, o que deve ocorrer através da realização de políticas públicas realmente eficazes, pois milhões de pessoas ainda encontram-se desconectadas no Brasil.
No entanto, através dos debates e participações já existentes no e-Democracia, bem como em razão do fato de algumas contribuições terem sido acatadas pelos parlamentares, pode-se afirmar que o e-Democracia é um primeiro passo, pois possui contribuições sérias e efetivas, ainda que poucas, oriundas de pessoas interessadas em contribuir com a política do Brasil. A liberdade de interação e o conjunto de ferramentas do portal, como fóruns, enquetes e bate-papos, colabora para que se tenha conjuntamente a construção do conhecimento de forma espontânea, através da troca de ideias e opiniões.
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Notas de Rodapé
[1] Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Especialista em Direito Público pela Universidade de Caxias do Sul – UCS e em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Advogada. E-mail: faena_gall@yahoo.com.br.
[2] Professor Adjunto na Graduação em Direito da Faculdade Antonio Meneghetti – AMF. Doutorando (com bolsa Capes – Tipo II) e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes – UCAM, em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e em Educação em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Membro do Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional Aberta”, coordenado pela Profª. Pós-Drª. Mônia Clarissa Hennig Leal, vinculado e financiado pelo CNPq e à Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, desenvolvido junto ao Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas – CIEPPP (financiado pelo FINEP), ligado ao PPGD da UNISC. Membro docente do Instituto Brasileiro de Direito e da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano. Email: felipe@estudosdedireito.com.br
[3] Professora concursada da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, onde disciplina no Curso de Direito as matérias atinentes ao Direito Civil, ao Direito Constitucional e a Teoria do Direito. Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, com doutorado sanduíche na Ernst-Moritz-Arndt-Universität Greifswald, Rechts – und Staatswissenschaftliche Fakultät, Greifswald, na Alemanha. Membro do Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional Aberta”, coordenado pela Profª. Pós-Drª. Mônia Clarissa Hennig Leal, vinculado e financiado pelo CNPq e à Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, desenvolvido junto ao Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas – CIEPPP (financiado pelo FINEP), ligado ao PPGD da UNISC. E-mail: rosanamaas@unisc.br.
[4] A respeito do Capital Social, ver Schmidt (2015).