Conexões Entre o Crime Organizado e o Crime de Colarinho Branco e a Ameaça ao Direito Humano à Segurança

DOI: 10.19135/revista.consinter.00006.03

Ana Luiza Almeida Ferro[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8730-3458

Resumo: Este artigo oferece uma visão geral sobre a definição e as características do crime organizado e do crime de colarinho branco, as semelhanças e as diferenças entre aquele e este e as estratégias empregadas pelas organizações criminosas para a obtenção de conexão com o Poder Público, enfatizando os vínculos simbióticos entre o underworld e o upperworld e o papel do crime organizado como instrumento de ligação entre o chamado “submundo” da criminalidade e o mundo “dourado” dos negócios e da política, além de destacar o alto potencial lesivo do crime organizado, que vulnera o direito à segurança em suas várias dimensões.

Palavras-chave: Crime organizado; Crime de colarinho branco; Direitos humanos; Segurança.

Abstract: This article offers a general view on the definition and characteristics of organized crime and white collar crime, on the similarities and differences between the former and the latter and on the strategies used by organized crime groups in order to establish a connection with public authorities, highlighting the symbiotic relations between the underworld and the upperworld and the role of organized crime as an instrument of connection between the underworld of criminality and the golden world of business and politics. It also emphasizes the high harmful potential of organized crime, which offends the human right to security in its several dimensions.

Keywords: Organized crime; White collar crime; Human rights; Security.

INTRODUÇÃO

O crime organizado é uma espécie de macrocriminalidade, de alcance transnacional e, cada vez mais, mundial, que vulnera enormemente – em virtude de sua estruturação empresarial, de seu poder de intimidação e, sobretudo, de sua capacidade de ligação estrutural ou funcional com o Poder Público e penetração no sistema econômico – o direito humano à segurança, em suas várias dimensões, não se restringindo, absolutamente, à violação do direito a políticas de segurança pública.

Raúl Cervini ressalta que a criminalidade organizada configura todo un sistema económico clandestino, con un producto bruto y unas ganancias netas que sobrepasan el producto nacional bruto de muchos países[2]. Não é sem motivo que o Banco Mundial, de posse do resultado de pesquisas da American University, de Washington, cunhou uma expressão para os negócios do ramo: Produto Criminoso Bruto (PCB)[3].

Assim, além do mais óbvio direito à segurança pública, o crime organizado, ainda mais quando aliado ao crime de colarinho branco, pode violar ainda, dependendo do contexto, os direitos à segurança nacional, à segurança coletiva e à “segurança humana”, este um novo conceito introduzido pela ONU em 1994 e desenvolvido já no século atual, abrangendo desde a noção de respeito aos direitos civis quanto a de promoção dos direitos de segunda e terceira geração, a exemplo dos relativos à segurança econômica, laboral, alimentária, sanitária, ambiental, política, cibernética, dentre outros.

O presente artigo utiliza, como estratégia metodológica básica, a pesquisa teórica, alicerçando-se em bibliografia selecionada sobre os temas do crime organizado e do crime de colarinho branco e tendo como marco teórico os pensamentos de Winfried Hassemer e Edwin Sutherland. E tem como objetivo contribuir, de maneira crítica, para o aprofundamento dos estudos no campo do conhecimento jurídico-penal, visando ao enriquecimento do debate e à apresentação de subsídios em prol do aperfeiçoamento da legislação, de forma a destacar a importância de proteção e promoção do direito humano à segurança.

1 A DEFINIÇÃO E AS CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO

Na ótica de Scarance Fernandes, as linhas doutrinárias e legislativas sobre o conceito de crime organizado podem ser resumidas em três: a) aquela partindo da ideia de organização criminosa para a definição de crime organizado, este entendido como o perpetrado pelos membros de uma organização; b) aquela partindo da concepção de crime organizado, definindo-o de acordo com os seus elementos essenciais, sem indicação de tipos penais e, comumente, com inclusão, entre os seus traços, do fato de integrar o agente uma dada organização criminosa; e c) aquela utilizando o elenco de tipos ínsitos no sistema, com adição de outros, os quais são reconhecidos como crimes organizados[4]. Por outro prisma, há dois modelos legislativos para a repressão às organizações criminosas, um que busca realmente definir ou caracterizar em termos típicos o que constitua uma organização criminosa, empregando conteúdos sociológicos e criminológicos, e outro que acolhe o critério dogmático para o tratamento típico do fenômeno.

A United Nations Convention Against Transnational Organized Crime (Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, das Nações Unidas, conhecida como Convenção de Palermo), aprovada pela Assembleia-Geral da organização em 15.11.2000, adota um conceito simplificado de “grupo criminoso organizado”, em que o foco está sobre a estruturação do caráter associativo e o escopo econômico: “Organized criminal group” shall mean a structured group of three or more persons, existing for a period of time and acting in concert with the aim of committing one or more serious crimes or offences established in accordance with this Convention, in order to obtain, directly or indirectly, a financial or other material benefit (art. 2º, a)[5].

No mundo, todavia, não há consenso sobre o que seja crime organizado em termos mais elaborados, de maneira que as legislações penais dos países refletem as diferentes concepções existentes. O Codex italiano, por ilustração, distingue a associação criminosa comum, denominada de associazione per delinquere (associação para delinquir), na qual três ou mais pessoas se associam com o escopo de prática de delitos (art. 416), semelhante à figura insculpida no art. 288 do Código Penal brasileiro, da associação com características específicas de organização criminosa, chamada de associazione di tipo mafioso (associação de tipo mafioso), em que se destacam a força de intimidação do vínculo associativo, o método “mafioso” e o programa final do grupo formado por três ou mais pessoas (art. 416 bis)[6], equivalente, guardadas algumas diferenças conceituais, à organização criminosa do Direito brasileiro, descrita no art. 1º, § 1º, da Lei 12.850, de 02.08.2013. A definição contida no terceiro parágrafo do art. 416 bis é a seguinte:

L’associazione è di tipo mafioso quando coloro che ne fanno parte si avvalgono della forza di intimidazione del vincolo associativo e della condizione di assoggettamento e di omertà che ne deriva per commettere delitti, per acquisire in modo diretto o indiretto la gestione o comunque il controllo di attività economiche, di concessioni, di autorizzazioni, appalti e servizi pubblici o per realizzare profitti o vantaggi ingiusti per sé o per altri ovvero al fine di impedire od ostacolare il libero esercizio del voto o di procurare voti a sé o ad altri in occasione di consultazioni elettorali[7].

Com base, especialmente, em Edwin Sutherland[8] e Winfried Hassemer[9], e a partir do exame e da comparação de estudos, teorias e posicionamentos, no campo da doutrina jurídico-penal e da pesquisa histórica e criminológica, de diplomas internacionais e da legislação penal e processual-penal de vários países, consideramos estas como características da organização criminosa:

a) estabilidade e permanência da associação;

b) número mínimo de três membros (no que acompanhamos a tendência internacional e nos afastamos da definição brasileira contida no art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013), sendo mais comum a existência de numerosos integrantes, geralmente contando com a colaboração eventual de outras pessoas;

c) sofisticação estrutural, embora mínima, com molde e planejamento empresarial, capacidade de adaptação, padrão hierárquico, liderança definida, sistema implícito ou explícito de normas comportamentais, regime próprio de disciplinamento, especialização e divisão de tarefas, seleção rigorosa de novos membros e tendências expansivas e monopólicas no atinente à exploração de certas atividades ilícitas;

d) fim de cometimento de uma série indeterminada de infrações penais, muitas sem vítimas diretas ou com vítimas difusas, pelo objetivo prioritário do lucro, da acumulação de riqueza e da obtenção de poder que facilite a consecução do lucro e assegure a impunidade;

e) conexão estrutural ou funcional com o Poder Público ou com algum(ns) de seus representantes, preferencialmente autoridades públicas, sobretudo pela corrupção, com o escopo de neutralização da persecução penal e da ação política e governamental direcionada à repressão, para a sobrevivência e otimização de seus negócios e a garantia de impunidade[10];

f) penetração no sistema econômico, marcada pela formação e promoção do desenvolvimento e da manutenção de mercado econômico paralelo, mediante o atendimento da demanda de consumidores por bens e serviços ilícitos e por bens e serviços lícitos, contudo produzidos ou distribuídos ilegalmente, e pela infiltração no mercado econômico oficial, por meio da utilização de empresas legítimas;

g) grande capacidade de perpetração de fraude difusa;

h) considerável poder de intimidação, com imposição da regra do silêncio e recurso à violência e a ameaças contra quaisquer pessoas, interna ou externamente, que lhe possam representar ameaça à existência como associação ilícita ou à preservação ou expansão dos negócios;

i) uso de instrumentos e recursos tecnológicos avançados, mormente em termos de telecomunicação, informática e armas;

j) emprego do assistencialismo, objetivando alcançar algum grau de “legitimação” social, pela conquista da simpatia, do respeito, da tolerância ou, pelo menos, do silêncio das comunidades carentes sob sua área de influência, dificultando os mecanismos da persecução penal;

k) cultivo de valores e padrões comportamentais compartilhados por uma parcela social;

l) territorialidade[11], ou seja, delimitação de “território”, que traduz o monopólio ou compartilhamento acordado da exploração de atividades ilegais em determinada(s) zona(s) de influência e/ou de determinado(s) ramo(s) de atividades ilegais, permanecendo os espaços físicos sob a tutela oficial do Estado, em regra, conquanto por este negligenciados, por opção deliberada ou não de seus agentes, havendo situações, todavia, de crescente ameaça aos pressupostos de soberania do Estado;

m) estabelecimento de uma rede[12] de conexões com outras organizações ou grupos criminosos do país e com instituições e setores sociais, econômicos, políticos e culturais;

n) transnacionalidade ou tendência à transnacionalidade, significando a internacionalização de suas atividades ou operações ilegais, a exemplo da lavagem de dinheiro, e o estabelecimento de alianças com organizações ou grupos criminosos de outros países, formando uma rede de conexões.

Buscamos aí reunir os traços peculiares a grande parte das organizações criminosas reconhecidas no mundo. Nem todas as características listadas são essenciais à identificação de uma organização criminosa, algumas tendo incidência eventual, como é o caso do assistencialismo e da transnacionalidade. Alguns dos atributos enumerados pertencem ao núcleo comum compartilhado pelas organizações criminosas e por meras quadrilhas, como se dá em relação ao cunho de estabilidade e permanência inerente à associação ilícita e à finalidade de prática de uma série indeterminada de infrações penais (ou especificamente crimes). Outros traços podem ser também encontrados nas indigitadas quadrilhas, conquanto apareçam em maior escala nas organizações criminosas, o que é válido, por ilustração, para o emprego de instrumentos e recursos tecnológicos avançados, para a utilização abusiva da violência e para a territorialidade, as duas últimas caras às tradicionais gangues que assombram muitas cidades pelo mundo.

Mas o alto potencial lesivo do crime organizado, isto é, a sua capacidade de atingir vítimas difusas, de erodir o próprio alicerce do Estado Social e Democrático de Direito, violando, em diferentes níveis, o direito humano à segurança, está tristemente representado em duas características principais: ligação estreita com o sistema econômico pela infiltração no mundo “engravatado” dos negócios e conexão de natureza estrutural ou funcional com o Poder Público ou com algum(ns) de seus agentes. Sem tal conexão, a propósito, não há organização criminosa possível, podendo, no máximo, constituir uma quadrilha organizada, dependendo de sua configuração e atuação. Esta é a característica primordial, o fator mais distintivo, das organizações criminosas[13].

Conceituamos, então, a organização criminosa como a associação estável de três ou mais pessoas, de caráter permanente, com estrutura empresarial, padrão hierárquico e divisão de tarefas, que objetiva a perpetração de infrações penais, geralmente de elevada lesividade social, pelo escopo prioritário de lucro e poder a ele relacionado, mediante a utilização de meios intimidatórios, como violência e ameaças, e, sobretudo, o estabelecimento de conexão estrutural ou funcional com o Poder Público ou com algum(ns) de seus agentes, especialmente via corrupção. E crime organizado é a espécie de macrocriminalidade perpetrada pela organização criminosa[14].

Abel Gomes, no esforço de identificar e analisar as estratégias empregadas pelas organizações criminosas para a obtenção e manutenção da dita conexão com órgãos ou agentes do Poder Público, divide as estratégias de infiltração em formas indiretas e diretas de conexão. Entre as formas indiretas, encontram-se o financiamento de campanhas políticas e a corrupção. Entre as formas diretas, figuram a inserção direta de certos profissionais em setores específicos das estruturas estatais, objetivando a consecução de informações privilegiadas ou o desenvolvimento de atividades ilegais no seio da própria estrutura estatal; a utilização da figura aparentemente neutra do intermediário, com livre acesso à estrutura estatal; e a formação da organização criminosa dentro do próprio Poder Público, a mais danosa das estratégias de conexão[15].

2 A DEFINIÇÃO DO CRIME DE COLARINHO BRANCO

Tampouco o conceito de crime de colarinho branco angaria consenso no mundo.

No pensamento do célebre sociólogo Edwin Sutherland, o crime de colarinho branco diz respeito, em termos aproximados, a um crime praticado por uma pessoa de respeitabilidade e elevado status social no desempenho de sua profissão[16]. Seu conceito não tem a pretensão de ser definitivo. Embora não imune a críticas[17], é uma referência obrigatória no estudo de tal modalidade delituosa no mundo acadêmico ocidental, bem como seu autor.

Foi ele quem introduziu o termo white-collar crime (crime de colarinho branco) no mundo acadêmico – em discurso intitulado The white collar criminal, proferido à American Sociological Society (Sociedade Americana de Sociologia), como seu presidente, em 1939 –, que seria pouco a pouco incorporado à linguagem científica nos Estados Unidos e em vários outros países, a exemplo da França (crime en col blanc), da Itália (criminalità in coletti bianchi), da Alemanha (Weisse-Kragen-Kriminalität) e da Espanha (crimen de cuello blanco).

A expressão evoca a criminalidade econômica, a criminalidade das empresas, as condutas fraudulentas fortemente marcadas pela impunidade, que implicam, ao lado do dano econômico, um dano de maior gravidade, imposto às relações sociais, pela geração de perda de confiança e produção de desorganização social em grande escala. Constitui uma das maiores dificuldades no relativo aos delitos contra o sistema financeiro a de tratar com fraudes multiformes, compreendendo práticas mascaradas e simuladas, mediante meios e negócios “paralelos”, sendo que a multiplicação de sociedades de fachada, do tipo “fantasma”, contribui para o crescimento do elevado nível de impunidade em questão[18].

Philippe Rosé, a seu turno, prioriza os aspectos de imposição de prejuízos aos interesses econômicos e de especialização das qualificações dos agentes:

On entend par criminalité des affaires, ou “en col blanc”, les agissements portant préjudice ou susceptibles de porter préjudice aux intérêts économiques. Cela recouvre des délits aussi divers que ceux relatifs au commerce extérieur, à la législation sur les changes, les marchés, les prix, la concurrence, les cartels, les abus de confiance et de biens sociaux, les escroqueries. Ces délits sont en général commis par des personnes ayant des qualifications particulières[19].

A definição hoje predominante nos Estados Unidos, na opinião de Ellen Podgor e Jerold Israel, privilegia a infração em lugar do infrator. Assim, de acordo com o Relatório Anual de 1983, do Procurador-Geral à época, os crimes de colarinho branco são

[…] illegal acts that use deceit and concealment — rather than the application or threat of physical force or violence — to obtain money, property, or service; to avoid the payment or loss of money; or to secure a business or professional advantage. White collar criminals occupy positions of responsibility and trust in government, industry, the professions and civic organizations[20].

Na mesma esteira, John Scheb e John Scheb II informam que várias leis federais e estaduais americanas – estas em menor escala – vedam condutas unicamente classificadas como crimes de colarinho branco, a exemplo de violações antitruste, manipulações de licitação, negociações envolvendo informação privilegiada, fraude tributária, lavagem de dinheiro, entre outras, nas quais o traço característico é o uso de fraude e ocultação, em oposição ao emprego de força ou violência, com o propósito de consecução de benefícios ou vantagens econômicas[21]. Segundo os autores, os criminólogos muitas vezes consideram como crimes de colarinho branco offenses committed by persons in the upper socioeconomic strata of society[22]. John Scheb e John Scheb II acrescentam que tais violações são frequentemente perpetradas no exercício da ocupação ou profissão dessas pessoas, compreendendo ilícitos como falsificação, extorsão, suborno e apropriação indébita, com a exclusão de muitas infrações, a exemplo de delitos de homicídio e agressão[23].

Quanto ao crime organizado, John Scheb e John Scheb II defendem que este implica infrações praticadas por pessoas ou grupos que dirigem seus negócios mediante empreendimentos ilegais, sendo que suas figuras frequentemente se dedicam à tentativa de obtenção de influência política mediante recurso ao suborno e à corrupção, bem como a ameaças e atos violentos visando à consumação de infrações de colarinho branco[24].

Na Espanha, há duas expressões concorrentes para o mesmo fenômeno delitivo de lesão ao patrimônio e à ordem socioeconômica: delitos de guante blanco e delitos de cuello blanco. Entretanto, os primeiros são mais comumente empregados para a prática de fraude, tráfico de influências, malversação de fundos econômicos, lavagem de dinheiro, dentre outras condutas delitivas, inclusive quando envolvem o crime organizado, correspondendo à noção consagrada por Sutherland, que foca a descrição do infrator (pessoa de elevado status socioeconômico). Já os últimos são mais associados ao cometimento de furto, apropriação indébita e outros ilícitos do gênero, em que o traço principal é a não utilização de violência ou intimidação direta, de forma que aí se impõe a caracterização da infração em lugar do infrator.

A fronteira estabelecida pela doutrina referida entre o crime organizado e o de colarinho branco parece estar na questão da mistura ou não entre atividades lícitas ou ilícitas e no emprego ou não de ameaças ou violência para a consecução do fim pretendido. Ocorre que esta “fronteira” parece estar desaparecendo, se é que ainda existe. É cristalino que nem todo crime de colarinho branco se insere na categoria de crime organizado, mormente no tocante ao sentido extensivo que aquele adquiriu em países como os Estados Unidos, da mesma forma que nem todas as atividades e operações das organizações criminosas envolvem violações “de colarinho branco”. Mas é impensável hoje a concepção de crime organizado sem a sua inserção, em maior ou menor grau, no mundo engravatado dos negócios lícitos ou não, para o conseguimento de seus objetivos de lucro e poder.

3 A ESTREITA RELAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO COM O CRIME DE COLARINHO BRANCO

Entre os exemplos dados por Rodolfo Maia acerca da correlação do crime organizado com o sistema econômico, está precisamente a estratégia da “penetração no mercado econômico oficial”, verificando-se a atuação por meio de empresas legítimas, “quer para otimização de lucros, quer para reciclagem de dinheiro sujo, o que, inclusive, ressalta a ligação íntima do crime organizado com o crime de colarinho branco[25]. E, para o jurista, mais preocupante do que o fornecimento de bens e serviços ilícitos no mercado econômico paralelo e ilegal é exatamente a estratégia de obtenção de lucro e poder corporificada na ligação estreita do crime organizado com as empresas que operam no mercado legítimo[26]. Continuando, ele cita Jay Albanese, em sua explicação sobre as formas de infiltração do crime organizado em negócios lícitos, peculiarizada pela extorsão ou coerção:

A infiltração de negócios legítimos geralmente ocorre em uma de duas maneiras: utilização de um negócio legítimo como ‘fachada’ para uma atividade ilegal principal (um golpe) ou ‘sugando’ um negócio legítimo de alguns de seus lucros por meios ilegais sem uso de força e (se tudo correr bem) sem causar seu fracasso (corrupção). Esses dois tipos de infiltração, o golpe e a corrupção, ilustram como o crime organizado e o crime de colarinho branco se cruzam. No caso de corrupção, especialmente, um negócio legítimo é lesionado, e algumas vezes levado à falência, por infiltração criminosa[27].

Anotam Edwin Sutherland, Donald Cressey e David Luckenbill que os criminosos organizados prosseguem adquirindo e operando empresas legítimas, de cassinos a grandes corporações, alguns deles depositando enormes somas em bancos estrangeiros, às quais recorrem whenever they want to buy or corrupt another piece of America (consoante a Comissão Presidencial sobre o Crime Organizado, de 1984), de modo que, não surpreendentemente, the distinction between organized crime and white-collar crime is disappearing[28].

Nesse sentido, Gary Potter e Larry Gaines constatam que, quando o desvio organizacional é planejado e premeditado com finalidade criminosa, a organização adquire o aspecto de organização criminosa, de feição que se torna deveras problemática a identificação das linhas delimitadoras entre o crime organizado e o crime de colarinho branco. Completam afirmando que a inexatidão no terreno delimitativo se torna mais patente no respeitante à própria legislação penal americana, em especial quanto à Lei de 1970, conhecida como RICO (Racketeer Influenced and Corrupt Organizations), que comina severas sanções a qualquer organização envolvida em um padrão de atos criminosos, definidos como dois ou mais crimes em um período de dez anos, e que tem sido utilizada com sucesso contra dúzias de grupos pertencentes ao crime organizado, bem como contra corporações como Shearson/American Express, E. F. Hutton e General Motors, com a conclusão de que nestes e em numerosos outros casos, the criminal acts of respectable people and organizations have looked very much like the machinations of organized crime syndicates[29].

No entender destes doutrinadores, há semelhanças entre as concepções do crime organizado e do crime de colarinho branco, pois ambas implicam algum grau organizacional, acentuam questões de autopercepção, de legitimidade e da centralidade do ato criminoso, além de serem conceitos em evolução, cujas formas originais sofreram alterações por efeito de vasto estudo acadêmico[30].

Comentando o famoso escândalo de savings and loan (poupanças e empréstimo), ocorrido nos Estados Unidos nos anos 80, eles sustentam que aquilo que, para alguns, foi o maior escândalo da História americana e, para outros, o maior caso isolado de fraude da história dos delitos, constituiu, em grande parte, meramente um caso de negócios, como de costume, residindo o aspecto incomum não no fato de haver acontecido, nem tampouco em quem estava envolvido, mas na constatação de que representou um comportamento criminoso tão espalhafatoso e reles que a exposição se tornou algo inevitável, exposição essa que teria demonstrado uma vez mais, com clareza chocante, três “verdades” básicas, porém habitualmente ignoradas, sobre o crime organizado:

1. There is precious little difference between the people society designates as respectable and law abiding and the people society castigates as hoodlums and thugs.

2. The world of corporate finance and corporate capital is as criminogenic and probably more criminogenic than any poverty-wracked slum neighborhood.

3. The distinctions drawn between business, politics, and organized crime are at best artificial and in reality irrelevant. Rather than being dysfunctions, corporate crime, white-collar crime, organized crime, and political corruption are mainstays of American political-economic life[31].

Os autores ainda argumentam que, não obstante as cuidadosas tentativas de diferenciação entre o crime organizado e o crime de colarinho branco, tem sido uma realidade comum na História americana a transformação de uma série de intercâmbios entre o submundo e o upperworld em relações corruptas de longo prazo. A título ilustrativo, mencionam a ávida participação em arriscados empreendimentos ilícitos, em conjugação com grupos do crime organizado, no campo dos negócios privados, de instituições respeitadas como a Shearson/American Express, a Merrill Lynch, o Miami National Bank, o Citibank e outras.

Destarte, no caso conhecido como Pizza Connection (Conexão Pizza), no qual se verificou a distribuição de heroína do Sudeste asiático por meio de uma série de pizzarias localizadas nos Estados Unidos, houve a “lavagem” de dezenas de milhões de dólares mediante bancos da Cidade de Nova York e a sua ulterior transferência, pelas ditas instituições, para contas secretas na Suíça, nas Bahamas e em outros países. Mas a Pizza Connection não se restringiu à utilização de bancos para a lavagem de dinheiro, pois traficantes de heroína igualmente se utilizaram dos serviços da firma de corretagem de Merrill, Lynch, Pierce, Fenner e Smith, lá depositando cinco milhões de dólares, apenas em notas de cinco, dez e vinte, durante um período de mais de seis semanas. A Merrill Linch, além de aceitar estes depósitos altamente suspeitos, forneceu extraordinária garantia aos mensageiros no transporte do dinheiro da heroína, não sendo diferente com outra casa de corretagem, a E. F. Hutton, simultaneamente usada por mensageiros da Pizza Connection para a “lavagem” de treze milhões e meio de dólares, em suas contas, a qual também forneceu serviços de segurança privada para estas pessoas[32].

Os exemplos de conexão do crime organizado com o mundo dos negócios não param aí[33]. Entre os casos emblemáticos, Gary Potter e Larry Gaines lembram que Ford, da indústria automobilística, empregava figuras do crime organizado para atuarem como fura-greves. Também noticiam a conhecida participação de representantes do crime organizado na edificação do sonho dourado dos cassinos de Las Vegas, os quais desempenharam um significativo papel no processo de conferir respeitabilidade a antigos gângsteres. Meyer Lansky e Bugsy Siegel foram pioneiros nessa cidade americana, no tocante aos interesses do crime organizado da Costa Leste, ao investirem dinheiro de Nova York, Nova Jersey, Filadélfia e Cleveland, entre outros pontos. Desta forma, o Flamingo de Bugsy Siegel (1946), este assassinado em 1947, foi o primeiro grande hotel de Las Vegas. Outros cassinos vieram, como o Thunderbird (1948), o Desert Inn (1950), o Sands (1952), o Sahara (1952), o Tropicana (1957), o Stardust (1958), dentre outros[34].

Deveras emblemáticas da ligação do crime organizado com o mundo dos negócios e da política são também algumas das máximas da Cosa Nostra italiana, citadas por Walter Maierovitch:

[…]

3. In una società dove allignano protezionismo, clientele e corruzione, la Mafia diventa legittima e necessaria (numa sociedade estabelecida no protecionismo, clientelismo e corrupção, a Máfia torna-se legítima e necessária);

4. Un uomo d’onore non rapina le banche. S’impossessa dei consigli di amministrazione (um homem da Cosa Nostra não rouba os bancos. Apossa-se dos conselhos administrativos);

5. L’Onorata società non è un sottopotere come scrivono i giornalisti, ma è un potere innestato nel potere (a honrada Cosa Nostra não está abaixo do poder como escrevem os jornalistas, mas, é um poder inserido no poder);

6. Chi ha denaro e amicizia va in cullo alla giustizia. La giustizia è solo per i minchioni. Se tu hai amici e soldi, la giustizia sarà sempre dalla tua parte (quem tem dinheiro e amizades, manda tomar no… a justiça. A justiça é apenas para os tolos. Se você tem amigos e dinheiro, a justiça estará sempre do teu lado);

7. Gli uomini d’onore sono una necessità per la classe politica. L’Onorata società è un potere economico innestato nel potere politico (os homens da Máfia são uma necessidade para a classe política. A honrada Cosa Nostra é um poder econômico incrustado no poder político) […][35].

Nesse contexto, a corrupção emerge como uma conduta delitiva que, por servir de estratégia de infiltração das organizações criminosas no Poder Público, no sentido explicitado por Abel Gomes[36], ostenta alto potencial de nocividade social, como bem argumentam Joaquín Merino Herrera e Francisco Javier Paíno Rodríguez, salientando a lesão imposta aos próprios fundamentos do Estado Social e Democrático de Direito:

Pero de todos estos delitos, el más grave por su significado y por su potencial lesividad es la corrupción. La corrupción non solo supone el favorecimiento de la inmediata actividad delictiva. La corrupción carcome los propios cimientos del ESTADO SOCIAL Y DEMOCRÁTICO DE DERECHO; permite un acceso desigual a los servicios que debe proporcionar el Estado, socava la confianza de los ciudadanos en las instituciones públicas y en los servicios que presta, detrae recursos destinados a la ciudadanía y al mantenimiento de la sociedad y el Estado en favor de unos pocos. La corrupción generalizada desestabiliza el sistema financiero y político de un Estado, convirtiendo a las organizaciones criminales que controlan la corrupción en los auténticos estamentos de poder, con lo que finalmente anula el auténtico significado de la democracia[37].

De fato, a corrupção atenta contra a própria noção de democracia e favorece a perpetuação da desigualdade social, não havendo dicotomia entre a luta contra a desigualdade social e a luta contra a criminalidade organizada de colarinho branco, devendo ambas ser travadas sem tréguas.

A Operazione Mani Pulite (1992-1995), na Itália, e a Operação Lava Jato, ainda em curso no Brasil, são exemplos de investigações históricas voltadas para a repressão sistemática a extensivos e profundos esquemas de conexões ilícitas entre o mundo da política e o dos negócios, com destaque para a corrupção de funcionários públicos e políticos, mediante a formação de organização(ões) criminosa(s) no próprio seio do Poder Público.

Na percepção do magistrado italiano Giuliano Turone, o ponto originário das investigações judiciárias que ficaram conhecidas como Operazione Mani Pulite (Operação Mãos Limpas) se alimentou de diversos fatores, configurando o primeiro deles a descoberta de um caso muito simples de corrupção de um funcionário público em fevereiro de 1992. Em sequência, foi apurado que as tangenti (significando “propinas”, “subornos”), não raro elevadas, pagas pelos empresários, não tinham unicamente como destinatário esse funcionário, mas muitos outros. Os escândalos revelando a participação de políticos, o uso de corrupção ativa e passiva, financiamentos ilegais a partidos políticos, balanços falsos, concorrências públicas arranjadas e fundos ocultos, cresceram até o nível de entravar a vida econômica da Itália, gerando uma imediata exigência de mudanças profundas[38].

O sistema de corrupção instalado no seio da República italiana foi apelidado pela mídia de Tangentopoli (“cidade dos subornos”). Noticia Claire Sterling que Milão, conhecida verdadeiramente como a Tangentópolis em função de suas generosas tangenti, subornos políticos, descobriu-se uma das principais capitais do suborno, realidade que se revelou ao conhecimento público no ano de 1992, desencadeando a mais rumorosa investigação judicial na história do país, a já mencionada Operação “Mãos Limpas”, que trouxe à tona que uma enorme parcela de autoridades de Milão recebia suborno, padrão esse que terminou assomando em toda a Itália. Políticos italianos, no cargo ou fora dele, inspirados no melhor estilo mafioso, extorquiam, há pelo menos uma década, uma percentagem dos contratos de obras públicas, com base em uma escala hierárquica, repartido o dinheiro com equidade matemática entre partidos do governo e da oposição. Não apenas isso, foi averiguada a ligação direta desses políticos com a Máfia siciliana e outras organizações em graves proporções, principalmente ao sul do país:

Expandindo-se de Milão para Veneza, Turim, Roma, Nápoles e Reggio Calabria, Tangentópolis passou a ser o monstro da própria Itália legítima. Cinco ex-primeiros-ministros, uma legião de ex-membros do gabinete e quase três mil outros políticos e empresários foram acusados, indiciados ou presos por corrupção em meados de 1993; realizou-se uma devastação em toda a classe governante do país. Do sul de Nápoles para baixo, verificou-se que o suborno era administrado em conjunto por políticos e Máfia, Camorra ou ‘Ndrangheta. Em Milão, contudo, só uma conexão tênue, embora intrigante, veio à tona. Tanto os criminosos políticos quanto a Máfia usavam o mesmo escritório suíço, Li-Mo, para lavar seu dinheiro. […]

As principais indústrias envolvidas com obras públicas ficaram paralisadas quando estourou a história de Tangentópolis; centenas de pequenas e grandes empresas pararam[39].

Discorrendo sobre o “grave quadro de deterioração do sistema político” nacional e a reação das elites corruptas ao trabalho da Operação Mãos Limpas no passado italiano e da Operação Lava Jato na atualidade brasileira, o Procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da segunda, em Curitiba, no Paraná, constata, com precisão, que “nosso sistema político foi capturado por pessoas que usam a corrupção como forma de manter-se no poder”, o que deu origem ao “maior escândalo de corrupção política do mundo[40].

4 O CRIME ORGANIZADO E OS VÍNCULOS SIMBIÓTICOS ENTRE O UNDERWORLD E O UPPERWORLD

Com certeza, tais operações do crime organizado, largamente imbricadas com as atividades de homens de negócios, não podem ser enquadradas como manifestações do underworld. São muito mais do upperworld[41]. É claro que o submundo está presente na engrenagem do crime organizado, mas não é ele que o diferencia de outras expressões da criminalidade. Não é à toa que Damásio de Jesus adverte que a criminalidade organizada, com sua notável capacidade de desestabilizar mercados, seu poder de corrupção e seus efeitos amplos, sobretudo no campo econômico, “costuma ser a criminalidade dos poderosos[42].

Por tal razão, Luiz Flávio Gomes identifica dois lados no crime organizado: o “mercantilista”, expresso nas atividades de venda, contrabando, troca de determinadas “matérias-primas”, e o “dourado”, pelo fato de igualmente ser cometido por pessoas de colarinho branco, mediante corrupção, favorecimentos ilegais, evasão de divisas, sonegação fiscal, delitos contra a concorrência pública, entre outras condutas ilícitas[43]. O magistrado volta ao tema, quando elenca as características do crime organizado, entre as quais a capacitação efetiva para a fraude difusa:

Mas a organização criminosa, sabemos, nem sempre se vale de meios violentos. Também a fraude pode fazer parte das suas atividades. Essa é a vertente do “crime organizado do colarinho branco” (criminalidade dourada), de pouca visibilidade ou ostentação, isto é, escasso crime appeal. Por isso, do conceito de crime organizado pode também fazer parte a real capacidade de lesar o patrimônio público ou coletivo, por meios fraudulentos (fraude difusa), capacidade essa derivada exatamente da associação complexa e organizada, da sofisticação dos recursos tecnológicos empregados, da conexão com os poderes públicos, da eventual participação de agentes públicos, da possibilidade de amplo acesso que conquistam às agências públicas etc.[44].

Por conclusão, Gary Potter e Larry Gaines assentam que o crime organizado guarda muitos dos traços característicos do crime de colarinho branco, como o aspecto estrutural dos negócios, e que o underworld e o upperworld mantêm vínculos simbióticos:

Contrary to the official portrait of organized crime, under- and upperworld criminals form close, symbiotic bonds. Business is not the pawn of organized crime; it is, in fact, an integral part.

The organization and coordination of crime is very much like the structure of legitimate business. Finance, investment, capitalization, and credit all matter just as much for organized crime as for McDonalds. In both cases, “bankers” have a great deal of say in the structure of the enterprise. Money enters the banking system from a great variety of sources, usually in used bills, the profits of gambling, vice, narcotics, burglary. In the system, they can be laundered through Las Vegas, Miami, Mexico, Liechtenstein, Switzerland, the Caribbean, and other places. They can be invested and give the businessperson a level of return on profit impossible without the connection to organized crime.

After almost a century, organized crime enterprises have thoroughly penetrated legitimate businesses. The scale of the multinational money-moving conglomerate is suggested by two things: the vast profits of gambling must go somewhere, and the tiny proportion of drug operations that actually come to light involve a substantial capital investment[45].

Na perspicaz avaliação dos autores, o crime organizado serve de ligação entre o submundo e o mundo dos negócios legítimos e da política, relações essas que são funcionais e necessárias à sua sobrevivência e eficiência em termos operacionais:

Organized crime represents a series of reciprocal relationships and services uniting criminals, clients, and “persons of respectability”. Organized crime has as its most important function the task of providing a bridge between the covert world of organized crime and the overt world of legitimate business, finance, and politics. This reciprocal relationship, uniting what Alan Block has called the “underworld” and the “upperworld,” is the primary task of an organized crime syndicate.

The relationship between organized crime and business is both functional and necessary to the continued existence and efficient operation of organized crime. Organized crime has grown into a huge business in the United States and is an integral part of the political economy. Enormous amounts of illegitimate money are passed annually into socially acceptable endeavors. An elaborate corporate and financial structure is now tied to organized crime. The existence of that structure renders much of the utility of social constructs such as “white-collar” and “organized crime” irrelevant[46].

Conclusões

Entre os traços que mais identificam o fenômeno do crime organizado estão, precisamente, na atualidade, a existência de conexão estrutural ou funcional com o Poder Público ou com algum(ns) de seus agentes – especialmente via corrupção, para assegurar a impunidade, pela neutralização da ação dos órgãos de controle social e persecução penal –, o fornecimento de bens e serviços ilícitos, a infiltração na economia legal e a grande capacidade de cometimento de fraude difusa, pelo escopo prioritário de obtenção de lucro e poder. Tais características testemunham o enfraquecimento das “fronteiras” doutrinariamente estabelecidas entre o crime organizado e o crime de colarinho branco, evidenciando a íntima relação daquele com este, à medida que o crime organizado atua como instrumento de conexão entre o underworld e o upperworld, este domínio indubitável do crime de colarinho branco.

Por conseguinte, não é o submundo, conquanto inegavelmente relevante na engrenagem do crime organizado, que o diferencia de outras expressões da criminalidade. Não há como conceber a ideia de crime organizado sem a sua inserção, em maior ou menor proporção, no mundo engravatado dos negócios, lícitos ou não, de fachada ou não, com objetivos de lucro e poder.

Quanto mais se afirma a presença ou a influência direta ou indireta do upperworld no universo do crime organizado, mais perigosas são suas organizações, mais grave é a dimensão do problema e mais complexo o desafio enfrentado pelas forças de prevenção e repressão a essa macrocriminalidade.

Nessa perspectiva, a corrupção, especialmente a de funcionários públicos, promovida por organizações criminosas, se solidifica como uma das condutas ilícitas mais danosas e insidiosas, a qual contribui para a própria erosão dos pilares do sistema democrático, a merecer, portanto, a vigilância continuada e os melhores esforços preventivos e repressivos do Estado, sem tréguas ou concessões que não as ditadas pela lei, pelos princípios constitucionais e pelo respeito aos direitos humanos.

Também é certo que o crime organizado, ainda mais potencializado pela criminalidade dourada, vulnera diversos direitos humanos relacionados à segurança, seja a pública, seja a nacional, a coletiva, a econômica, a sanitária, a ambiental, dentre outras dimensões possíveis, de maneira que a própria luta contra a microcriminalidade e a desigualdade social se beneficia deveras da luta contra a criminalidade organizada de colarinho branco.

Referências

BETING, Joelmir. Criminal exuberance. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 08.06.2000. Economia. Disponível em: <http://www.estado.com.br/editorias/2000/06/08/eco832.html>. Acesso em: 05 mar. 2003.

CACIAGLI, Mario. Clientelismo, corrupción y criminalidad organizada. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996 (Cuadernos y debates, 60).

CERVINI, Raúl. Aproximación conceptual y enfoque analítico del crimen organizado. In: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/1995) e político-criminal. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 240-284.

______. Tóxicos – criminalidad organizada: su dimensión económica. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Org.). Justiça penal – 3: críticas e sugestões: o crime organizado (Itália e Brasil): a modernização da lei penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 117-148.

CHIAVARIO, Mario. Direitos humanos, processo penal e criminalidade organizada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 25-36, jan./mar. 1994.

FERNANDES, Antônio Scarance. Crime organizado e a legislação brasileira. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Org.). Justiça penal – 3: críticas e sugestões: o crime organizado (Itália e Brasil): a modernização da lei penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 31-55.

FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime organizado e organizações criminosas mundiais. Curitiba: Juruá, 2009.

______; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Criminalidade organizada: comentários à Lei 12.850, de 02.08.2013. Curitiba: Juruá, 2014.

GEIS, Gilbert. White-collar crime: what is it? In: SHICHOR, David; GAINES, Larry; BALL, Richard (Orgs.). Readings in white-collar crime. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 2002, p. 7-25.

GIUDICI, Giulina. Corrupção e criminalidade organizada. Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF). Ponto de vista. Disponível em: <http://www.ibgf.org.br/pdvista/a9.htm>. Acesso em: 19 jan. 2003.

GOMES, Abel Fernandes. Conexão com o Poder Público. In: GOMES, Abel Fernandes; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público: comentários à Lei 9.034/1995: considerações críticas. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 7-15.

GOMES, Abel Fernandes. Introdução. In: GOMES, Abel Fernandes; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público: comentários à Lei 9.034/1995: considerações críticas. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 2-3.

GOMES, Luiz Flávio. Âmbito de incidência da Lei 9.034/95. In: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/1995) e político-criminal. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 89-108.

GOMES, Luiz Flávio. Principais notas criminológicas. In: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/1995) e político-criminal. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 73-82.

HASSEMER, Winfried. Límites del Estado de Derecho para el combate contra la criminalidad organizada: tesis y razones. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 6, n. 23, p. 25-30, jul./set. 1998.

______. Segurança pública no Estado de direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 55-69, jan./mar. 1994.

INSOLERA, Gaetano. Diritto penale e criminalità organizzata. Bologna: Il Mulino, 1996.

JESUS, Damásio E. de. Criminalidade organizada: tendências e perspectivas modernas em relação ao Direito penal transnacional. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; KOSOVSKI, Ester (Orgs.). Estudos jurídicos: em homenagem ao Professor João Marcello de Araujo Junior. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 129-136.

LAVORENTI, Wilson; SILVA, José Geraldo da. Crime organizado na atualidade. Campinas: Bookseller, 2000.

LIMA, Carlos Fernando dos Santos. A pax corrupta. Veja, São Paulo, a. 50, n. 2549, p. 54-55, 27.09.2017.

MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. O Estado desorganizado contra o crime organizado: anotações à Lei Federal 9.034/1995 (organizações criminosas). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.

MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. A matriz terrorista do crime organizado e o fenômeno da eversão. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Org.). Justiça penal – 3: críticas e sugestões: o crime organizado (Itália e Brasil): a modernização da lei penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 89-115.

MANNHEIM, Hermann. Criminologia comparada. Tradução de de J. F. Faria Costa e M. Costa Andrade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1984-85], v. 2.

MERINO HERRERA, Joaquín; PAÍNO RODRÍGUEZ, Francisco Javier. Leccciones de criminalidad organizada. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2016.

PODGOR, Ellen S.; ISRAEL, Jerold H. White collar crime in a nutshell. 2. ed. St. Paul, Minnesota: West Publishing, 1997 (West Nutshell Series).

POTTER, Gary; GAINES, Larry. Underworlds and upperworlds: the convergence of organized and white-collar crime. In: SHICHOR, David; GAINES, Larry; BALL, Richard (Orgs.). Readings in white-collar crime. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 2002.

QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentários à Lei 9.034/95: aspectos policiais e judiciários: teoria e prática. São Paulo: Iglu, 1998.

REALE JÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 4, n. 13, p. 182-190, jan./mar. 1996.

ROSÉ, Philippe. La criminalité informatique. 2. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1995.

SALES, Sheila Jorge Selim de. Escritos de direito penal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

SCHEB, John M.; SCHEB II, John M. Criminal law. 3. ed. Belmont, California: Wadsworth, 2003.

SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/1998. Curitiba: Juruá, 1999.

STERLING, Claire. A máfia globalizada: a nova ordem mundial do crime organizado. Tradução de Alda Porto. Rio de Janeiro: Revan, 1997.

SUTHERLAND, Edwin H. White collar crime: the uncut version. New Haven/London: Yale University Press, 1983.

SUTHERLAND, Edwin H.; CRESSEY, Donald R.; LUCKENBILL, David F. Principles of criminology. 11. ed. New York: General Hall, 1992 (The Reynolds Series in Sociology).

UNITED NATIONS. Office on Drugs and Crime. Crime Programme. General Assembly. Resolution n. 55/25. Distr.: General. 08 Jan. 2001. 55th session. United Nations Convention against Transnational Organized Crime. 62nd plenary meeting. 15.11.2000. Disponível em: <http://www.unodc.org/unodc/en/crime_cicp_resolutions.html>. Acesso em: 06 jul. 2005.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. “Crime organizado”: uma categorização frustrada. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, v. 1, n. 1, p. 45-67, jan./jun. 1996.

Notas de Rodapé

[1] Promotora de Justiça-MA, Brasil, Doutora e Mestra em Ciências Penais (UFMG), Pós-Doutoranda em Direitos Humanos (USAL, Espanha), portadora do Certificate of Proficiency in English (University of Cambridge) e do Diplôme supérieur d’études françaises (Université de Nancy II), Professora da Escola Superior do Ministério Público (MA), Membro de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica e membro da Academia Maranhense de Letras. Autora de vários livros. E-mail: alaferro@uol.com.br.

[2][…] todo um sistema econômico clandestino, com um produto bruto e uns lucros líquidos que superam o produto nacional bruto de muitos países”. CERVINI, Raúl. Aproximación conceptual y enfoque analítico del crimen organizado. In: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/1995) e político-criminal. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 246. (Tradução nossa).

[3] BETING, Joelmir. Criminal exuberance. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 08.06.2000. Economia. Disponível em: <http://www.estado.com.br/editorias/2000/06/08/eco832.html>. Acesso em: 05 mar. 2003.

[4] FERNANDES, Antônio Scarance. Crime organizado e a legislação brasileira. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Org.). Justiça penal – 3: críticas e sugestões: o crime organizado (Itália e Brasil): a modernização da lei penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 31-55.

[5] “‘Grupo criminoso organizado’ significará um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existindo por um período de tempo e agindo em consonância com o objetivo de cometer um ou mais crimes ou delitos sérios estabelecidos de acordo com esta Convenção, a fim de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro de ordem material […]”. UNITED NATIONS. Office on Drugs and Crime. Crime Programme. General Assembly. Resolution n. 55/25. Distr.: General. 08.01.2001. 55th session. United Nations Convention against Transnational Organized Crime. 62nd plenary meeting. 15.11.2000. p. 4. Disponível em: <http://www.unodc.org/unodc/en/crime_cicp_resolutions.html>. Acesso em: 06 jul. 2005 (Tradução nossa).

[6] Ver INSOLERA, Gaetano. Diritto penale e criminalità organizzata. Bologna: Il Mulino, 1996. p. 70.

[7]A associação é de tipo mafioso quando aqueles que dela fazem parte se valem da força de intimidação do vínculo associativo e da condição de sujeição e de silêncio solidário que dela deriva para cometer delitos, para adquirir direta ou indiretamente a gestão ou, de qualquer modo, o controle de atividades econômicas, de concessões, de autorizações, empreitadas e serviços públicos, ou para realizar proveitos ou vantagens injustas para si ou para outrem, ou bem para o fim de impedir ou obstaculizar o livre exercício do voto ou de obter votos para si ou para outros em ocasião de consultas eleitorais” (Tradução nossa).

[8] Ver SUTHERLAND, Edwin H. White collar crime: the uncut version. New Haven/London: Yale University Press, 1983.

[9] Ver HASSEMER, Winfried. Segurança pública no Estado de direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 55-69, jan./mar. 1994; HASSEMER, Winfried. Límites del Estado de Derecho para el combate contra la criminalidad organizada: tesis y razones. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 6, n. 23, p. 25-30, jul./set. 1998.

[10] Ver GOMES, Abel Fernandes. Introdução. In: GOMES, Abel Fernandes; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público: comentários à Lei 9.034/1995: considerações críticas. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 3.

[11] Mario Chiavario enfatiza a territorialidade como característica das organizações criminosas, sem olvidar outra, a transnacionalidade, que não é incompatível com aquela. Ver CHIAVARIO, Mario. Direitos humanos, processo penal e criminalidade organizada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 28, jan./mar. 1994.

[12] O nível de análise da rede nos possibilita, na visão de Raúl Cervini, por um lado compreender as conexões existentes entre o setor do crime organizado e os quadros legítimos da vida social, econômica e política da comunidade, fazendo, por outro, com que avaliemos o real alcance de outras duas características essenciais do crime organizado, que seriam a coordenação de atividades por meio de uma estratégia global e a transnacionalização. Ver CERVINI, Raúl. Tóxicos – criminalidad organizada: su dimensión económica. In: PENTEADO (Org.). Justiça penal – 3, p. 139.

[13] Sobre as características expostas da organização criminosa, ver o último subitem do Capítulo 5 de nossa obra inaugural sobre o crime organizado: FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime organizado e organizações criminosas mundiais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 494-499. Ver também FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Criminalidade organizada: comentários à Lei 12.850, de 02.08.2013. Curitiba: Juruá, 2014. p. 28-31.

[14] Para um maior aprofundamento da questão da conceituação e caracterização do crime organizado e das organizações criminosas, ver FERRO. Crime organizado e organizações criminosas mundiais, p. 367-411; 489-509.

[15] GOMES, Abel Fernandes. Conexão com o Poder Público. In: GOMES, Abel Fernandes; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público: comentários à Lei 9.034/1995. p. 8-13.

[16] SUTHERLAND, Edwin H. White collar crime: the uncut version. New Haven/London: Yale University Press, 1983. p. 7. Ao decompor o conceito de crime de colarinho branco formulado pelo criminólogo, Hermann Mannheim inclui entre seus elementos, além da natureza de crime, da sua perpetração por pessoas respeitáveis, do elevado status social por estas exibido e do seu cometimento enquanto no desempenho de uma profissão, a violação da confiança. MANNHEIM, Hermann. Criminologia comparada. Tradução de J. F. Faria Costa e M. Costa Andrade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1984-85]. v. 2, p. 724; 729-732.

[17] Ver, por exemplo, GEIS, Gilbert. White-collar crime: what is it? In: SHICHOR, David; GAINES, Larry; BALL, Richard (Orgs.). Readings in white-collar crime. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 2002. p. 9-12; MANNHEIM, Hermann. Criminologia comparada, p. 724-738.

[18] Ver SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/1998. Curitiba: Juruá, 1999. p. 86-88.

[19]Entendem-se por criminalidade dos negócios, ou ‘de colarinho branco’, os procedimentos portadores de prejuízo ou suscetíveis de levar prejuízo aos interesses econômicos. Isto cobre delitos tão diversos como aqueles relativos ao comércio exterior, à legislação sobre os câmbios, os mercados, os preços, a concorrência, os cartéis, os abusos de confiança e de bens sociais, as fraudes. Estes delitos são, em geral, cometidos por pessoas que têm qualificações particulares”. ROSÉ, Philippe. La criminalité informatique. 2. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1995. p. 54-55. (Tradução nossa).

[20][…] atos ilegais que usam fraude e ocultação – em vez da utilização ou ameaça de força física ou violência – para obter dinheiro, bens ou serviço; para evitar o pagamento ou perda de dinheiro; ou para assegurar um negócio ou vantagem profissional. Criminosos de colarinho branco ocupam posições de responsabilidade e confiança no governo, na indústria, nas profissões e organizações cívicas”. PODGOR, Ellen S.; ISRAEL, Jerold H. White collar crime in a nutshell. 2. ed. St. Paul, Minnesota: West Publishing, 1997. p. 2 (Tradução nossa).

[21] SCHEB, John M.; SCHEB II, John M. Criminal law. 3. ed. Belmont, California: Wadsworth, 2003. p. 249. Ellen Podgor e Jerold Israel pontuam, por outro lado, que algumas leis federais nos Estados Unidos são usadas para a punição tanto da criminalidade de colarinho branco quanto de delitos de rua e contra o patrimônio, em virtude da ampla interpretação que é conferida à expressão white collar crime pelos tribunais. Eles ainda sublinham que o conceito de crime de colarinho branco, apesar de relativamente novo, tem crescido extensivamente, sem implicar a exclusão de condutas originalmente nele inseridas, e que tal noção inclui delitos corporativos e a maioria dos ilícitos envolvendo corrupção pública. PODGOR; ISRAEL. White collar crime in a nutshell, p. 2-3.

[22][…] crimes cometidos por pessoas nos estratos socioeconômicos superiores da sociedade”. SCHEB; SCHEB II, p. 249 (Tradução nossa).

[23] Ibidem, p. 249.

[24] Ibidem, p. 249.

[25] MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. O Estado desorganizado contra o crime organizado: anotações à Lei Federal 9.034/1995 (organizações criminosas). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997. p. 22. Mencione-se aqui o pertinente escólio de Miguel Reale Júnior sobre a criminalidade organizada: “Outro elemento configurador está nos expedientes de que deve lançar mão para revestir de legalidade as altas somas oriundas da prática delituosa, via lavagem de dinheiro, seja mediante transferências de numerário para paraísos fiscais, recorrendo a empresas fantasmas ou a negócios simulados, seja ao depois atuando em negócios lícitos, nos quais sempre transborda, para não perder o hábito, para condutas irregulares. São organizações rígidas voltadas à consecução de delitos de grave danosidade social, cuja etapa final reside, portanto, na legalização das receitas oriundas da ação delituosa, introduzindo-as no sistema financeiro internacional, valendo-se do sigilo bancário e da não exigência de identificação dos titulares das operações”. Ver REALE JÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 4, n. 13, p. 184-185, jan./mar. 1996.

[26] MAIA. O Estado desorganizado contra o crime organizado, p. 24. Eugenio Zaffaroni, aliás, julga ser problemática a tentativa de diferenciação entre uma empresa legítima e outra ilegal: “Fora dos casos de verdadeiras associações ilícitas, não há um limite claro e nem sequer aproximado que permita distinguir, entre uma empresa “legal” e outra “ilegal”, porque sempre combinam atividades, sendo inclusive muito raro que uma empresa “lícita” não incorra em alguma atividade ilegal”. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. “Crime organizado”: uma categorização frustrada. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, v. 1, n. 1, p. 62, jan./jun. 1996.

[27] ALBANESE, Jay S. Where organized and white collar crime meet: predicting the infiltration of legitimate business. In: ALBANESE, Jay S. (Ed.). Contemporary issues in organized crime. Monsey, N.Y.: Criminal Justice Press, 1995, p. 36 apud MAIA. O Estado desorganizado contra o crime organizado, p. 24-25.

[28][…] sempre que querem comprar ou corromper outro pedaço da América” (consoante a Comissão Presidencial sobre o Crime Organizado, de 1984), de modo que, não surpreendentemente, “a distinção entre crime organizado e crime de colarinho branco está desaparecendo”. SUTHERLAND, Edwin H.; CRESSEY, Donald R.; LUCKENBILL, David F. Principles of criminology. 11. ed. New York: General Hall, 1992. p. 269. (Tradução da autora).

[29][…] os atos criminosos de respeitáveis pessoas e organizações se pareceram muito com as maquinações de sindicatos do crime organizado”. Ibidem, p. 66-67 (Tradução nossa).

[30] Ibidem, p. 61.

[31]1. Há muito pouca diferença entre as pessoas que a sociedade designa como respeitáveis e acatadores da lei e as pessoas que a sociedade castiga como desordeiros e assassinos. 2. O mundo das finanças empresariais e do capital corporativo é tão criminogênico quanto e provavelmente mais criminogênico que qualquer bairro extremamente pobre. 3. As distinções deduzidas entre negócios, política e crime organizado são, na melhor das hipóteses, artificiais e, na realidade, irrelevantes. Em vez de serem disfunções, o crime corporativo, o crime de colarinho branco, o crime organizado e a corrupção política são os esteios da vida político-econômica americana”. POTTER, Gary; GAINES, Larry. Underworlds and upperworlds: the convergence of organized and white-collar crime. In: SHICHOR, David; GAINES, Larry; BALL, Richard (Orgs.). Readings in white-collar crime. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 2002. p. 83 (Tradução nossa). Os doutrinadores relatam, em sequência, diversas conexões entre instituições bancárias, a CIA e seus agentes e o mundo do crime organizado. Ibidem, p. 84-87.

[32] Ibidem, p. 68-69. Sobre referências à Conexão Pizza, ver também STERLING, Claire. A máfia globalizada: a nova ordem mundial do crime organizado. Tradução de Alda Porto. Rio de Janeiro: Revan, 1997, p. 65; MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. O Estado desorganizado contra o crime organizado, p. xii; e QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentários à Lei 9.034/1995: aspectos policiais e judiciários: teoria e prática. São Paulo: Iglu, 1998. p. 156. Sobre referências à Conexão do Duomo, igualmente envolvendo conexões entre o submundo do crime organizado e o mundo dourado dos negócios legítimos ou não, ver STERLING, Claire. A máfia globalizada, p. 75; LAVORENTI, Wilson; SILVA, José Geraldo da. Crime organizado na atualidade. Campinas: Bookseller, 2000. p. 45-46.

[33] Sobre a relação umbilical do crime organizado com o crime de colarinho branco, ver FERRO. Crime organizado e organizações criminosas mundiais, p. 331-340.

[34] POTTER; GAINES. Underworlds and upperworlds. In: SHICHOR; GAINES; BALL, Richard (Orgs.). Readings in white-collar crime, p. 69; 73-74.

[35] MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. A matriz terrorista do crime organizado e o fenômeno da eversão. In: PENTEADO (Org.). Justiça penal – 3, p. 92.

[36] Ver GOMES, Abel Fernandes. Conexão com o Poder Público. In: GOMES, Abel Fernandes; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público: comentários à Lei 9.034/1995, p. 9-11.

[37]Porém, de todos estes delitos, o mais grave, por seu significado e por sua potencial lesividade é a corrupção. A corrupção não apenas supõe o favorecimento da atividade delitiva imediata. A corrupção carcome os próprios alicerces do ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO; permite um acesso desigual aos serviços que o Estado deve proporcionar, mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e nos serviços que presta, subtrai recursos destinados à cidadania e à manutenção da sociedade e do Estado em favor de uns poucos. A corrupção generalizada desestabiliza o sistema financeiro e político de um Estado, transformando as organizações criminais que controlam a corrupção nos autênticos estamentos de poder, com o que finalmente anula o autêntico significado da democracia”. MERINO HERRERA, Joaquín; PAÍNO RODRÍGUEZ, Francisco Javier. Leccciones de criminalidad organizada. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2016. p. 155 (Tradução nossa).

[38] GIUDICI, Giulina. Corrupção e criminalidade organizada. Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF). Ponto de vista, p. 1. Disponível em: <http://www.ibgf.org.br/pdvista/a9.htm>. Acesso em: 19 jan. 2003. O episódio sobre a descoberta do primeiro caso de suborno aconteceu em 17.02.1992, quando um político socialista de nível modesto, Mario Chiesa, presidente da administração de um asilo para idosos, foi aprisionado sob a acusação de haver pretendido uma comissão de uma empresa de limpeza, acabando por revelar uma trama de relações corruptas que atingia toda a cidade de Milão, conhecida como “capital moral da Itália”. O magistrado que o acusava era Antonio Di Pietro, cuja reputação logo se espalharia pela Itália. CACIAGLI, Mario. Clientelismo, corrupción y criminalidad organizada. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996. p. 66.

[39] STERLING, Claire. A máfia globalizada, p. 76.

[40] LIMA, Carlos Fernando dos Santos. A pax corrupta. Veja, São Paulo, a. 50, n. 2549, p. 54, 27 set. 2017.

[41] Ver SUTHERLAND; CRESSEY, Donald R.; LUCKENBILL, David F. Principles of criminology, p. 267.

[42] JESUS, Damásio E. de. Criminalidade organizada: tendências e perspectivas modernas em relação ao Direito penal transnacional. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; KOSOVSKI, Ester (Orgs.). Estudos jurídicos: em homenagem ao Professor João Marcello de Araujo Junior. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 133.

[43] GOMES, Luiz Flávio. Principais notas criminológicas. In: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado, p. 80.

[44] GOMES, Luiz Flávio. Âmbito de incidência da Lei 9.034/1995. In: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado, p. 98. A dita “criminalidade dourada” é dissecada por Miguel Reale Júnior: “A criminalidade dourada praticada por meio de empresas realiza-se tendo por base elevada estrutura organizacional, dotada de hierarquia, em processo centralizado de decisões com ação descentralizada, usando de seu forte poder econômico e político, corrompendo agentes oficiais, recorrendo a profissionais especializados e meios tecnológicos, dificultando a descoberta de prova dos atos ilícitos, valendo-se, também, da ausência de repúdio de suas ousadias no meio social, no qual gozam de prestígio. O caráter institucional do crime organizado, realçado no princípio deste trabalho como dado fundamental desta forma de delinqüência, destaca-se na forma de criminalidade dourada, porém, sob sinal inverso: a instituição não se forma nos moldes citados para cometer crimes, mas sim tem-se a mesma configuração institucional licitamente constituída para fins originalmente lícitos, da qual se valem e utilizam para a prática de ações ilícitas, que exigem estratégia global, organização, disciplina na submissão à hierarquia da empresa, acordos com outras entidades empresariais, capacidade de intimidação por sua força econômica e política”. Ver REALE JÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 4, n. 13, p. 189-190, jan./mar. 1996.

[45]Contrariamente à imagem oficial do crime organizado, criminosos do submundo e do mundo superior formam laços estreitos, simbióticos. Os negócios não são o joguete do crime organizado; são, de fato, uma parte integrante. A organização e coordenação do crime é muito parecida com a estrutura dos negócios legítimos. Finanças, investimento, capitalização e crédito todos importam exatamente tanto para o crime organizado quanto para o McDonalds. Em ambos os casos, os ‘banqueiros’ têm muito a dizer em relação à estrutura da empresa. O dinheiro entra no sistema bancário de uma grande variedade de fontes, usualmente em notas usadas, os lucros de jogo, depravação, narcóticos, roubos. No sistema, eles podem ser lavados por Las Vegas, Miami, México, Liechtenstein, Suíça, Caribe e outros lugares. Eles podem ser investidos e oferecer à pessoa de negócios um nível de retorno em lucro impossível sem a conexão com o crime organizado. Após quase um século, os empreendimentos do crime organizado penetraram completamente negócios legítimos. A extensão do conglomerado multinacional de movimentação do dinheiro é sugerida por duas coisas: os vastos lucros do jogo devem ir para algum lugar e a minúscula proporção de operações de droga que realmente vêm à luz envolve um investimento substancial de capital”. POTTER; GAINES. Underworlds and upperworlds. In: SHICHOR; GAINES; BALL (Orgs.). Readings in white-collar crime, p. 69 (Tradução nossa).

[46]O crime organizado representa uma série de recíprocas relações e serviços ligando criminosos, clientes e ‘pessoas de respeitabilidade’. O crime organizado tem como sua função mais importante a tarefa de fornecer uma ponte entre o mundo oculto do crime organizado e o mundo público dos negócios legítimos, das finanças e da política. Esta relação recíproca, ligando o que Alan Block chamou o ‘submundo’ e o ‘mundo de cima’, é a tarefa primária de um consórcio do crime organizado. A relação entre o crime organizado e os negócios é tanto funcional quanto necessária à existência continuada e operação eficiente do crime organizado. O crime organizado se tornou um imenso negócio nos Estados Unidos e é uma parte integral da economia política. Somas enormes de dinheiro ilegítimo são transformadas anualmente em empreendimentos socialmente aceitáveis. Uma elaborada estrutura empresarial e financeira está agora ligada ao crime organizado. A existência dessa estrutura torna irrelevante muito da utilidade de constructos sociais tais como ‘crime de colarinho branco’ e ‘crime organizado’”. Ibidem, p. 88 (Tradução nossa). Essa relação entre o crime organizado, o crime de colarinho branco e o universo político é também ressaltada por Sheila Selim de Sales: “Parece-nos, todavia, que tal afirmação [de que o desenvolvimento de práticas ilícitas no seio de associações lícitas, em mistura à natureza dos negócios, é um dos fatores indicadores da falência da categoria do “crime organizado”, na avaliação de Eugenio Zaffaroni] tem valor apenas relativo e que o real cerne da criminalidade organizada está ligado à criminalidade econômica e sua estreita ligação com o Poder Político e as instituições, portanto, ao não menos tormentoso problema do white collar crime, ou da denominada máfia a guanti gialle”. SALES, Sheila Jorge Selim de. Escritos de direito penal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 153.