A Lei Antiterrorismo Brasileira à Luz da Teoria do Direito Penal do Inimigo

DOI: 10.19135/revista.consinter.00006.11

Nathália Polyana C. Lacerda[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8406-2994

Murilo Couto Lacerda[2] – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3098-8366

Rejaine Silva Guimarães[3] – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3264-4233

Resumo: O presente trabalho visa uma análise da teoria do direito penal do inimigo, denominado pela doutrina de terceira velocidade do Direito Penal, bem como as consequências da Lei Antiterrorismo 13.260/2016 em vigor no ordenamento jurídico brasileiro que trouxe grandes repercussões nos meios social e político. A grande novidade da lei é a autorização para que o Estado possa realizar ações inovadoras, punindo pessoas por previsões de crimes que nem sequer se iniciaram, uma espécie de aplicabilidade do direito penal do inimigo de tal forma que não ofenda os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, demonstrando evidente aplicação do direito penal do autor. A modalidade de pesquisa é de caráter essencialmente exploratório, sondagem bibliográfica e documental, amparando-se no modelo descritivo. Conclui-se que o direito penal do inimigo deve ser aplicado a todos aqueles considerados inimigos que visam infringir a norma, o direito penal do inimigo deve antecipar a tutela penal, para punir atos preparatórios, o que ocorreu em julho do corrente ano no Brasil, para evitar futuros danos a milhares de pessoas. Criminosos que atentam contra a própria estrutura do Estado, contra a coletividade, devem ser punidos com a rigorosidade de suas condutas.

Palavras-chave: Cidadão; Inimigo; Crime de risco; Terrorismo.

Abstract: The present work aims at an analysis of the theory of the criminal law of the enemy, called by the doctrine of third speed of Criminal Law, as well as the consequences of the Brazilian Anti-Terrorism Law No. 13.260/2016, which has had great repercussions in social and political circles. The great novelty of the law is the authorization for the State to carry out innovative actions, punishing people for predictions of crimes that have not even begun, mitigating the principles and fundamental guarantees set forth in the Brazilian Constitution of 1988, demonstrating the evident application of the criminal law of the author. The research modality is essentially exploratory in character, bibliographic and documentary survey, based on the descriptive model. It is concluded that the criminal law of the enemy should be applied to all those considered enemies that aim to infringe the norm, the criminal law of the enemy should anticipate criminal tutelage, to punish preparatory acts, which occurred in July this year in Brazil, to prevent future damage to thousands of people. Criminals who attack the very structure of the State, against the collectivity, must be punished with the rigor of their conduct.

Keyword: Citizen; Enemy; Crime of risk; Terrorism.

INTRODUÇÃO

O controle estatal exercido pelo Direito Penal tem se expandido na atualidade, com uma tendência de intimidar os delinquentes, ficando a pena com o objetivo de intimidação, atuando sobre grupos sociais, conhecidos como inimigos, que demonstram grande risco à sociedade.

Dessa maneira, o presente artigo visa estudar, acerca do cenário expansionista do Direito Penal, e com isso, demonstrar que a Teoria do Direito Penal do Inimigo insere-se no contexto abrangente dos meios punitivos estatais atuais.

Nesse ínterim, necessário se faz demonstrar que o Direito Penal do Inimigo se insere na Terceira Velocidade do Direito Penal, fazendo uma breve síntese dessa teoria, como nasceu e quem foi seu criador, bem como suas implicações.

Impende destacar a distinção de Direito Penal do fato e Direito Penal do autor, e em qual deles o Direito Penal do Inimigo está incluído.

Outrossim, busca analisar a distinção entre inimigo e cidadão, explicando pormenorizadamente a característica de cada categoria, e posteriormente conceituar o crime de terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro e a aplicação da Lei 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo).

Por fim, conceituar quem é considerado inimigo frente à legislação brasileira, qual seja, a nova Lei Antiterrorismo.

Os noticiários televisivos reportam constantemente histórias trágicas sobre ataques terroristas, e o Brasil, só agora em 2016 se preocupou em criar uma legislação específica para combater os atos terroristas.

Nesse sentido, a questão que se pretende enfrentar com a pesquisa é se a nova lei que tipifica o terrorismo no Brasil (Lei 13.260/2016) é uma visível aplicação do Direito Penal do Inimigo ou não, e se sim, quais são suas consequências e críticas, bem como suas implicações legais frente a essa recente legislação.

1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO: TERCEIRA VELOCIDADE DO DIREITO PENAL

O Direito Penal do Inimigo trouxe relevantes discussões na ciência do Direito Penal há alguns anos. Tal discussão teve início com um grande penalista alemão, chamado Günter Jakobs, no ano de 1985. A partir do pensamento inovador de Jakobs ao pensar os fins do Direito Penal e a função primordial da sanção, será possível compreender quais foram as premissas lógicas que lhe permitiram teorizar um Direito Penal do Inimigo, o Direito Penal de terceira velocidade.

Assim, partindo-se da configuração dualista do sistema do Direito Penal, com regras de imputação e princípios de garantia de dois níveis, entende-se porque o Direito Penal contém dois blocos de ilícitos: primeiramente, o dos cominados com penas de prisão; o segundo, vinculado a outro gênero de sanções. A relação se dá no sentido de que quanto mais distante do núcleo criminal, as penas devem ser mais próximas das sanções administrativas, com a flexibilização dos critérios de imputação e as garantias político-criminais.

Nesse sentido, o Direito Penal de primeira velocidade seria aquele que abarca os delitos punidos com pena privativa de liberdade, como estelionato, furto, roubo. No artigo do professor Martinho Otto Gerlack Neto, Direito Penal das Velocidades, aponta que:

A teoria do direito penal de garantias defende que a função penal é restrita aos direitos individuais e fundamenta-se nas orientações da Escola Penal Alemã de Frankfurt constituída em 1924, segundo a qual o direito penal tradicional não pode ser aplicado como instrumento de tutela dos novos e grandes riscos próprios da sociedade presente [sociedade do risco] e, ainda mais, da sociedade do futuro. No Brasil esta tese encontra repercussão nas doutrinas de Luiz Flávio Gomes e Miguel Reale Júnior, dentre outras. (Disponível em: <http://docplayer.com.br/8959391-O-direito-penal-das-velocidades.html>. Acesso em: 18 maio 2017).

De acordo com Ferrajoli a doutrina desenvolvida na Escola de Frankfurt, “o Direito Penal deve se manter as margens dos riscos modernos e ser direcionado apenas ao seu aspecto rígido, central, formado pelos bens e direitos individuais, como a vida, liberdade, propriedade, integridade física” (FERRAJOLI, 2002, p. 684).

Uma via intermediária inserida entre a restrição do Direito Penal à proteção dos direitos individuais (Direito Penal de garantias) e a funcionalização intensificada da tutela penal (Direito Penal do inimigo, Direito Penal do risco, Direito Penal da terceira velocidade, Direito Penal estendido), pretende responder ao problema do modelo contemporâneo do Direito Penal por meio da uma política e de uma dogmática criminal duais ou dualistas. O Direito Penal de segunda velocidade compreende os crimes que foram introduzidos durante o processo de modernização, que demonstram um novo risco à sociedade globalizada, como os crimes ambientais, e que não são punidos com pena privativa de liberdade, e sim com restritivas de direitos ou multa.

Na terceira velocidade do Direito Penal, tema aqui estudado, que cuida especificamente para combater delitos gravíssimos, relativizando as garantias políticas-criminais, sendo uma espécie de Direito de Guerra, está inserido o Direito Penal do Inimigo que representa a tendência do Direito Penal contemporâneo, abarca o Direito Penal do Inimigo, o Direito Penal do risco, o Direito Penal máximo, e significa a funcionalização intensificada da proteção penal ou expansão do Direito Penal.

Segundo o estudioso Evangelista de Jesus esse novo Direito Penal facilmente manuseado por interesses diversos, atualmente é justificado em decorrência dos problemas que a sociedade vem enfrentando em relação à segurança/insegurança pública.

Ainda, aponta Evangelista de Jesus que, “Como uma espécie de panaceia para todos os males referentes à criminalidade e à violência, o Direito Penal vem sendo flexibilizado e expandido e, como resultado, já tomou forma e corpo o Direito Penal do inimigo, verificado tanto nas normas internas quanto no direito internacional” (EVANGELISTA DE JESUS, 1996, p. 01).

Seguindo a doutrina de Günther Jakobs, o Direito Penal do Inimigo se caracteriza por meio de três elementos: prospecção/prevenção: amplo adiantamento da punibilidade; penalização severa: as penas previstas são desproporcionadamente altas; e a relativização de garantias procedimentais ou mesmo a supressão de algumas garantias, dentre elas o Direito de Defesa.

1.1 Direito Penal do Inimigo

O doutrinador Günter Jakobs distingue os indivíduos em duas categorias: cidadão e inimigo. Por essa razão, há o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo. Afirma, ainda, que o primeiro é o Direito de todos, onde se mantém a vigência da norma, já o segundo combate perigos, é o Direito daqueles que o constituem contra inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar à guerra (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007).

A teoria do Direito Penal do Inimigo foi criada pelo alemão Günter segundo o qual essa teoria se caracteriza por três elementos, quais sejam, adiantamento da punibilidade, penas exorbitantes, e os direitos e garantias processuais mitigados e até mesmo suprimidos. Vejamos:

Em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar de – como é o habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especificamente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p. 67)

O Código Penal Brasileiro, em regra, aplica-se o Direito Penal do fato, ou seja, pune-se o agente pelo delito que ele cometeu, e não pelo que ele é. Todavia, o Direito Penal do Inimigo rege-se pelo Direito Penal do Autor, pune-se pelo caráter criminoso que o agente transparece ter, ou seja, é punido pelo risco que ele demonstra, o seu eu.

Com intuito de corroborar o entendimento acima colaciono a seguinte jurisprudência:

APELAÇÃO CRIME 1.442.836-9, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – 1ª VARA CRIMINAL. NÚMERO UNIFICADO: 0003555-77.2014.8.16.0013. APELANTE: CARLOS ALBERTO SABINO LOPES. APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATOR: DES. JOSÉ CARLOS DALACQUA.APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ARTIGO 344 DO CÓDIGO PENAL). INEXISTÊNCIA DE DOLO E ESPECIAL FIM DE AGIR NA CONDUTA DO APELANTE. DEMONSTRAÇÃO DE INCONFORMISMO QUE NÃO PODE SER CONSIDERADA GRAVE AMEAÇA. VÍTIMAS QUE AFIRMAM TEREM SE SENTIDOS COAGIDAS EM RAZÃO DE O ACUSADO SER UMA PESSOA AGRESSIVA. AO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO APLICA-SE O DIREITO PENAL DO FATO, E NÃO O “DIREITO PENAL DO AUTOR/INIMIGO”, PELO QUE APENAS SE PUNE ALGUÉM PELOS ATOS QUE COMETEU, E NÃO PELO SEU FENÓTIPO OU PERSONALIDADE. DENÚNCIA QUE RELATA TER O AGENTE INTENÇÃO DE AMEDRONTAR TESTEMUNHAS A NÃO PRESTAREM DEPOIMENTO EM JUÍZO.FATOS OCORRIDOS QUASE UM ANO ANTES DA DESIGNAÇÃO DA DATA DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO PENAL.ABSOLVIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 386, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PROVIDO. (TJPR – 2ª C.Criminal – AC – 1442836-9 – Curitiba – Rel. José Carlos Dalacqua – Unânime – J. 02.06.2016, grifo nosso)

Nesse sentido, a teoria criada pelo alemão, busca coibir os crimes mais graves, que colocam em risco toda uma sociedade, mormente no que diz respeito aos atos terroristas, e por essa razão, essa teoria, autoriza o tratamento distinto dos indivíduos, um como cidadão, e outro como inimigo.

O Direito Penal do Inimigo autoriza um adiantamento da pena, assim, o inimigo pode ser punido por algo que ainda não cometeu, estava apenas preparando. Para o inimigo não existe uma Constituição com direitos e garantias, todos estes são relativizados, e muitas vezes até suprimidos, para se buscar a efetiva punição do agente destruidor do ordenamento jurídico. A pena para esse tipo de criminoso é altamente desproporcional ao crime ora praticado.

André Luis Callegaria e Nereu José Giacomolli (2007, p. 17) fazem severas críticas a Teoria do Direito Penal do Inimigo e afirmam que:

Independentemente da gravidade da conduta do agente, este, há de ser punido criminalmente como transgressor da norma penal, como indivíduo, como pessoa que praticou um crime, e não como um combatente, como um guerreiro, como um inimigo do Estado e da sociedade. A conduta, por mais desumana que pareça, não autoriza o Estado a tratar o ser humano como se um irracional fosse. O infrator continua sendo um ser humano.

Para esses doutrinadores retromencionados, o Direito Penal do Inimigo abrange o simbolismo do Direito Penal e o punitivismo expansionista.

Assim, quando o Direito Penal do Inimigo enxerga um indivíduo como inimigo, e quer puni-lo como se inumano o fosse, e fere o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, e o poder punitivo – Estado – desrespeita os limites previstos na Carta Magna, pois suprime e relativiza garantias fundamentais de um ser humano.

Nas palavras de Larizzatti:

O direito penal do cidadão tem por finalidade manter a vigilância da norma; o direito penal do inimigo, o combate de perigos. O direito penal do cidadão trabalha com um direito penal do fato; o direito penal do inimigo, com um direito penal do autor. O direito penal do cidadão pune fatos criminosos; o direito penal do inimigo, a periculosidade do agente. O direito penal do cidadão é essencialmente repressivo; o direito penal do inimigo, essencialmente preventivo. O direito penal do cidadão deve se ocupar, como regra, de condutas consumadas ou tentadas (direito penal do dano), ao passo que o direito penal do inimigo deve antecipar a tutela penal, para punir atos preparatórios (direito penal do perigo). Enfim, o direito penal do cidadão é um direito de garantias; o direito penal do inimigo, um direito.

Para Silva Sánchez, a transição do “cidadão” ao “inimigo” seria produzida mediante a reincidência, a habitualidade, a delinquência profissional e, finalmente, a integração em organizações delitivas estruturadas (SILVA SÁNCHEZ, 2002. p. 149), mas perguntado à Jakobs como uma pessoa sairia de um cidadão comum para um inimigo, portanto, uma não pessoa, ou seja, qual seria o momento exato para essa conversão? Como se faria essa transformação? O professor de Bonn não respondeu (HABIB, 2016, p. 11).

Percebe-se que para o cidadão se tornar inimigo, não basta transgredir a norma, é necessário outros requisitos mais sérios, para alterar sua posição de cidadão para inimigo, e com isso ser visto com outros olhos frente o Direito Penal do Inimigo, ou seja, à luz da Teoria Yakobiana.

2 O INIMIGO: TERRORISTA

Os inimigos são criminosos de alta periculosidade e alta ofensividade, são terroristas, genocidas, delinquentes organizados, criminosos sexuais e toda sorte de infrações perigosas e de alto teor ofensivo. O inimigo é quem insiste permanentemente em se afastar do direito, e não oferece garantias cognitivas de que vai ser fiel às normas, muito pelo contrário, demonstra que é capaz a todo custo de enfrentá-las e desrespeitá-las. Em sua obra Jakobs exemplifica o trágico dia 11 de setembro de 2001 como um típico ato de inimigo, os atos terroristas.

Reputam-se inimigos àqueles sujeitos subordinados à legislação de exceção definindo-se um evidente Direito Penal do Autor, inerentemente do grau de culpabilidade, reprovabilidade ou o bem jurídico afetado, pune-se então o agente pelo que é, pelo perigo que exerce na sociedade, e não pelo fato delitivo que ele comete (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007).

Hobbes esclarece, de modo mais claro, quem deveria ser tratado como inimigo. Segundo ele, a pessoa que vier a infringir uma lei civil continua sendo considerada um cidadão. Mas, por essa desobediência terá a si imposto um castigo proporcional a sua conduta, tendo tal castigo a finalidade de “corrigir aquele que pecou ou melhorar aqueles que se sentem arrependidos” (MÉLIA, 2007, apud HOBBES, p. 114).

Assim, o inimigo é, indubitavelmente tratado de forma distinta dos cidadãos, uma vez que a conduta criminosa praticada por ele merece atenção, pois seus atos, normalmente são atentatórios contra o próprio Estado.

2.1 O Terrorismo Frente à Legislação Brasileira

A Lei 13.260/2016 disciplina acerca do terrorismo, tratando as disposições investigatórias e processuais; e altera as Leis 7.960/1989, e 12.850/2013. Antes da criação da referida lei o terrorismo não era um tipo penal definido.

A Constituição Federal em seu art. 4º, inc. VIII, dispõe que: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (…) VII – repúdio ao terrorismo e ao racismo. Todavia, não existia uma lei que regulamentava a prática de terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro”.

O art. 2º da Lei 13.260/2016 define o terrorismo:

Art. 2º. O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

§ 1o São atos de terrorismo:

I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

II – (VETADO);

III – (VETADO);

IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;

V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.

§ 2o O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

No Brasil, em virtude de existir poucos casos de atos terroristas, não havia tanta atenção para tipificar e descrever pormenorizadamente sobre estes, todavia a necessidade e urgência passou a existir nesse ano de 2016, haja vista o Brasil sediar os jogos olímpicos, com aglomerações de pessoas de todo o mundo, cenário interessante para os terroristas, e, acresce-se que no nosso país ainda não existia uma lei que tratava especificamente sobre o assunto.

Dessa forma, a nova lei traz algumas inovações legislativas, na verdade consideradas como exceções no Direito Penal Brasileiro, como a punição de meros atos preparatórios (art. 5º da Lei Antiterrorismo), evidenciando a antecipação da tutela penal, característica do Direito Penal do Inimigo.

O art. 18 da Lei 13.260/2016 também alterou a lei que rege acerca da prisão cautelar (temporária) acrescentando a possibilidade de prisão temporária nos casos previstos na Lei de Terrorismo.

2.2 A Aplicabilidade da Lei Antiterrorismo Frente ao Direito Penal do Inimigo

No mês de julho do ano de 2016 dez pessoas foram presas por suspeitas de pertencerem ao grupo do Estado Islâmico, os investigados trocaram mensagens no celular e na internet demonstrando interesse na compra de um fuzil, e combinaram entrar na aula de artes marciais, o que foi considerado pela Polícia Federal como atos preparatórios, sendo plenamente puníveis pela Lei 13.260/2016 (O GLOBO, 2016).

A lei antiterrorismo foi aplicada meses após ter entrado em vigor, culminando na prisão de vários investigados em diversos Estados brasileiros. A grande indagação é se a referida lei viola direitos e garantias fundamentais, e se seria constitucional a sua aplicação no Brasil.

Buscando resolver essa indagação, surge a seguinte pergunta: de um lado um bem jurídico (vida) de outros vários bens jurídicos (segurança da coletividade/sociedade), envolvendo várias pessoas que podem perder suas vidas.

A Lei 13.260/2016 resta claro sobre a aplicação do Direito Penal do Inimigo, suprimindo direitos e garantias do acusado. Para a lei, o terrorista é considerado inimigo, tanto que pode ser punido por meros atos preparatórios.

Não seria crível não admitir a punição mais severa do terrorista, pois se assim não fosse, os riscos de se consumarem os atos terroristas seriam grandes, haja vista a capacidade lesiva e audácia desses indivíduos, que não podem ser considerados como cidadãos, e sim como inimigos, pois afrontam diretamente o Estado.

Outro ponto bastante relevante, é que a referida lei cria um tipo penal aberto, deixando a norma sem a definição do que seria “terror social” e “organização terrorista”, o que vai de encontro com a ideologia da Teoria Jakobiana.

Ensina o ilustre professor Gabriel Habib: 1. A proliferação de crimes de risco desvinculados de qualquer lógica de ofensividade e previsibilidade; 2. O aumento da criação de tipos penais com ampla antecipação da punibilidade, por meio da incriminação autônoma de atos preparatório de outros crimes e dos chamados delitos associativos (.)(HABIB, 2016, p. 14).

Essas indefinições afrontam o princípio constitucional da estrita legalidade, haja vista que a relativização de tipos penais vai ao encontro do Direito Penal do Inimigo. Por conseguinte, essas mitigações ao princípio da estrita legalidade fazem-se necessárias por não poder prever a conduta do terrorista (inimigo), que deve ser impedido antes mesmo de iniciá-la.

No Direito Penal o princípio da legalidade encontra-se previsto no art. 1º do Código Penal, que assim dispõe: “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Ou seja, verifica-se, que no Direito Penal brasileiro somente pode ser criado um tipo penal, e consequentemente sua punição, por meio de lei. Se a lei recente entrou em vigor e não definiu alguns tipos penais, como puni-los?

Assim sendo, resta claro, mais uma vez, que a Lei 13.260/2016 vai de encontro com o Direito Penal do Inimigo, haja vista que o princípio da legalidade é uma limitação ao poder punitivo estatal para interferir nas garantias individuais, o que confere uma exata aferição do Direito Penal brasileiro, que é assegurado por direito e garantias fundamentais.

Para corroborar esse entendimento, ensina o ilustre professor Luiz Régis Prado (2006) que “o princípio da legalidade também rege a medida de segurança, sob pena de comprometer, seriamente, direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados”.

Isto posto, falar que a Lei 13.260/2016 não é a aplicação do Direito Penal do Inimigo, é por em xeque toda a Constituição Federal, pois se estaria falando que os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos podem ser cerceados pelo Estado.

Outro ponto a ser observado, é que o art. 12 da Lei Antiterrorismo permite que o juiz atue de ofício, decretando medidas cautelares durante a fase investigativa, vejamos:

Art. 12. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em vinte e quatro horas, havendo indícios suficientes de crime previsto nesta Lei, poderá decretar, no curso da investigação ou da ação penal, medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei.

§ 1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

§ 2o O juiz determinará a liberação, total ou parcial, dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem e destinação, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.

§ 3o Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1o.

§ 4o Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas. (grifei)

A atuação de ofício do juiz viola o sistema acusatório, sendo que tal medida já foi tema de discussão no Supremo Tribunal Federal na ADI 1570 quando apreciou o art. 3º da antiga Lei 9.034/1995.

Segue entendimento do Supremo Tribunal Federal:

Coleta de Provas por Juiz: Due Process of Law

O Tribunal, por maioria, julgou procedente em parte o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 3º da Lei 9.034/1995, que conferia ao juiz competência para diligenciar pessoalmente nos procedimentos de investigação e obtenção de provas nas persecuções penais relativas a atos de organizações criminosas, nas hipóteses em que houvesse possibilidade de violação de sigilo. Preliminarmente, o Tribunal considerou prejudicada a ação direta no ponto em que autorizava o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras, em razão da superveniência da LC 105/2001, hierarquicamente superior, que regulou integralmente a questão, revogando a norma impugnada por incompatibilidade. Em seguida, no que se refere aos dados, documentos e informações fiscais e eleitorais, o Tribunal julgou procedente o pedido, por ofensa ao princípio do devido processo legal, por entender que a coleta pessoal de provas desvirtua a função do juiz, de modo a comprometer a imparcialidade deste no exercício da prestação jurisdicional. Vencido o Min. Carlos Velloso, que julgava improcedente o pedido, por considerar que o caráter público do processo não proibiria, em hipóteses excepcionais, a participação ativa do juiz na busca da verdade material (Lei 9.034/95, art. 3º: “Nas hipóteses do inc. III do art. 2º desta Lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça”. – “art. 2º – Em qualquer fase de persecução criminal que verse sobre ação praticada por organizações criminosas são permitidos, além dos já previstos na lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: III – o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais”). (ADI 1570/DF – Rel. Min. Maurício Corrêa, 12.02.2004).

Destarte, o posicionamento do Ministro Maurício Corrêa é claro ao não permitir que o juiz intervenha no procedimento da fase investigatória, tendo em vista que tal função a ele não lhe compete, sendo que mais uma vez, a Lei 13.260/2016 é uma violação clara a um direito constitucional garantido ao indivíduo, mostrando-se a aplicação do Direito Penal do Inimigo.

Verifica-se claramente que os princípios e garantias do acusado são mitigados no Direito Penal do Inimigo, tendo em vista que o juiz pode atuar de ofício na fase investigatória, sendo que no Código Penal brasileiro isso é vedado, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal supramencionado.

Todavia, a Lei 13.260/2016 autoriza que o juiz atue ex officio, indo de encontro com o que dispõe a Teoria Jakobiana.

Diante todo o exposto, não restam dúvidas que a Lei Antiterrorismo se coaduna com a aplicação do Direito Penal no Inimigo, e passou bem longe do Direito Penal brasileiro, mitigando princípios e direitos fundamentais do autor.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, importante destacar que indubitavelmente o Direito Penal tem sofrido um processo de expansão. Na medida que a sociedade evolui, os crimes aumentam e consequentemente o poder punitivo se alastra. A sensação de insegurança exige respostas estatais, e, para isso, é necessário que o Direito Penal evolua, pois a sociedade busca por respostas rápidas para proteger seus interesses.

No Brasil, a recente Lei 13.260/2016, ganhou várias críticas entre os doutrinadores modernos, uma das indagações é se a lei antiterrorismo não se trata da visível aplicação do Direito Penal do Inimigo, sendo que se considerada, violaria a Constituição Federal.

De outra banda, tem-se a corrente que defende que o Direito Penal do Inimigo não viola a norma constitucional, pois estaria combatendo perigos, se prevenindo. Para essa corrente os criminosos que aplicam reiteradamente crimes graves, contrários à sociedade, desobedecendo a soberania Estatal, e causando danos irreparáveis e imensuráveis, são considerados inimigos, e para estes não se pode aplicar o Direito Penal, pois seria ineficaz.

Nesse sentido, conclui-se que o Direito Penal do Inimigo deve ser aplicado a todos aqueles considerados inimigos que visam infringir a norma, o Direito Penal do Inimigo deve antecipar a tutela penal, para punir atos preparatórios, o que ocorreu em julho do corrente ano no Brasil, para evitar futuros danos a milhares de pessoas. Criminosos que atentam contra a própria estrutura do Estado, contra a coletividade, devem ser punidos com a rigorosidade de suas condutas.

Ora, é melhor evitar um mal maior (morte de centenas de pessoas) que um mal menor (integridade física do terrorista/liberdade).

O adestramento despendido pelo Estado pode resultar na diminuição da criminalidade, o que não quer dizer que o fim maior do Estado seja este, pois conforme é possível analisar os casos concretos, a presença dos preceitos da Teoria do Direito Penal do Inimigo torna-se aparente em situações onde o Estado possui receio de perder Poder, como no terrorismo que é o ponto mais fácil a exemplificar a aplicabilidade da teoria. É ele, de certa forma, uma ameaça à soberania do Estado, uma afronta à segurança estatal, e por essa razão deve ser punida com maior rigor.

Assim, pelo cenário que estava vivendo o mundo, e com a aproximação das Olimpíadas, não restava alternativa senão a criação de uma legislação infraconstitucional para tipificar acerca dos atos terroristas.

Diante disso, com a metodologia utilizada no presente artigo, qual seja, a bibliográfica, pode-se extrair que não restam dúvidas que a nova lei antiterrorismo é uma visível aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, mesmo que muitos defendam o contrário.

REFERÊNCIAS

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_______. Código Penal. Decreto-Lei 2.848, de 07.12.1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 17 set. 2017.

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Notas de Rodapé

[1] Graduada em Direito pela Universidade de Rio Verde-Goiás. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera. Advogada. Defensora Jurídica da Universidade de Rio Verde – UniRV – GO.

[2] Graduado em Direito pela Universidade de Rio Verde-Goiás. Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Doutorando em Direito pelo Uniceub-DF. Professor na Universidade de Rio Verde-Goiás e Faculdade Objetivo.

[3] Graduada em Direito pela Universidade de Rio Verde-Goiás. Mestra em Direito pela UFG-GO. Doutora em Ciências Sociais pela PUC-GO. Professora Titular na Universidade de Rio Verde – Goiás.