Novas Tendências na Efetivação e Proteção do Direito Humano Fundamental à Moradia

DOI: 10.19135/revista.consinter.00006.06

Demetrius dos Santos Ramos[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1817-1919

Edna Raquel R. S. Hogemann[2] – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3276-4526

Érica Maia Campelo Arruda[3] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8754-710X

Resumo: Analisa o conceito de moradia digna identificando os atributos para essa qualificação consoante definido pelas Nações Unidas, discutindo as novas tendências na proteção desse direito a partir da apreciação da legislação e decisões de tribunais alienígenas. Partindo da hipótese de que o Poder Judiciário isoladamente não possui os atributos necessários para garantir a proteção e efetivação do direito à moradia, através de uma pesquisa bibliográfica com fundamento no método dialético confrontando ideias doutrinárias com o intuito de identificar os atributos de uma moradia digna e hipotético-dedutivo, partindo-se da hipótese acima descrita, tentar-se-á demonstrar o diálogo institucional como indutor e tendência na proteção e efetivação desse direito. Decisões como as da Corte Constitucional Sul-africana determinando ao Estado que gradualmente implementasse os direitos sociais fomentando o diálogo institucional dos demais poderes com a sociedade civil, em detrimento de um posicionamento ativista; da Corte Constitucional Colombiana reconhecendo o estado de coisas inconstitucional afirmando a necessidade da garantia do mínimo de proteção aos desabrigados, além de instituir o diálogo dos demais poderes com a sociedade civil com determinada fiscalização pela corte constitucional ou da decisão proferida pelo CDESC-ONU ao concluir que a Espanha violou o direito à moradia de uma mulher – permitindo uma execução hipotecária sem observância ao devido processo legal – determinando uma reparação efetiva à solicitante, bem como a implementação de medidas legislativas e administrativas para garantir que execuções hipotecárias não violem o direito à moradia têm em comum a proposição do diálogo institucional, na mesma linha sintetizada por Bateup e Tushnet.

Palavras-chave: Direitos humanos; Direitos fundamentais; Direito à moradia; Direito comparado.

Abstract: It analyzes the concept of adequate housing by identifying the attributes for that qualification as defined by the United Nations, discussing the new trends in the protection of this right from the appreciation of the legislation and decisions of alien courts. Starting from the hypothesis that the judiciary alone does not have the necessary attributes to guarantee the protection and effectiveness of the right to housing, through a bibliographical research based on the dialectical method confronting doctrinal ideas with the intention of identifying the attributes of a decent and hypothetical-deductive, starting from the hypothesis described above, it will be tried to demonstrate the institutional dialogue as inductor and tendency in the protection and effectiveness of this right. Decisions such as those of the South African Constitutional Court ordering the state to gradually implement social rights by fostering institutional dialogue between the other powers and civil society, to the detriment of an activist position; Of the Colombian Constitutional Court recognizing the unconstitutional state of affairs affirming the need to guarantee the minimum protection of the homeless, as well as instituting the dialogue of the other powers with the civil society with certain inspection by the constitutional court or of the decision pronounced by the CDESC-ONU when concluding That Spain has violated a woman’s right to housing – allowing for foreclosure without due process of law – by providing effective redress to the claimant, as well as the implementation of legislative and administrative measures to ensure that foreclosures do not violate the right to housing Have in common the proposition of institutional dialogue, in the same line synthesized by Bateup and Tushnet.

Keywords: Human rights; Fundamental rights; Housing right; Comparative law.

1 INTRODUÇÃO

É notória a crise habitacional no Brasil e no mundo agravada pelas desigualdades sociais existentes e que tendem a piorar em momentos de crise econômica, especialmente em países que carecem de maior desenvolvimento econômico, sendo as políticas públicas desenvolvidas, via de regra, ineficazes para a implementação do direito humano fundamental à moradia digna.

Neste sentir, aqueles que tem seu direito violado, ou não implementado, por ação ou omissão estatal, ou por atores privados, acabam por sindicá-los judicialmente, todavia, como será demonstrado, parte-se da hipótese de que o Judiciário não possui as qualificações necessárias para melhor implementar esse direito.

Com vistas a comprovar tal premissa buscar-se-á na legislação, doutrina e, principalmente, nas recentes ou emblemáticas decisões judiciais envolvendo a proteção e efetivação do direito à moradia proferidas pelas cortes sul-africana, colombiana e pelo comitê de direitos econômicos, sociais e culturais da ONU sobre um caso advindo da Espanha, alguma convergência capaz de orientar quais as novas tendências nessa proteção e efetivação.

Para esse fim necessário se faz discorrer sobre os conceitos dignidade da pessoa humana a ser adotado no presente artigo, bem como dos atributos necessários à qualificação de uma moradia digna, confrontando ideias de autores distintos e, de forma sintética, apontar as principais teorias sobre os diálogos institucionais.

Observa-se, nas decisões comentadas, uma tendência focada não mais num agir solitário pelo Poder Judiciário como “guardião da Constituição” na busca do sentido e da concretude de direitos fundamentais sindicados, mas verdadeira aposta no diálogo institucional como indutor na busca de uma efetivação e proteção do direito humano fundamental à moradia digna.

2 O CONCEITO DE DIGNIDADE HUMANA

Importante para o presente estudo, considerando que o direito à moradia digna está nele fundamentado, é o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana que, segundo Hogemann (2008, p. 89), citando Taylor, o densifica a partir de três condições essenciais, sendo estas:

a) a autonomia da vontade – traduzida como respeito à autonomia moral imanente à pessoa humana que, dotada de liberdade, pode definir o seu espaço (physis/ethos) em conformidade com seus valores; b) alteridade – materializada pela consideração do homem como ser único e irrepetível fundada na construção permanente crítica e dialógica do outro enquanto não-eu, reconhecendo na interação social o fundamento para a construção dos pessoa e c) dignidade – vinculando em essência à plenitude da autonomia do ser humano em suas vontades e se lhe for reconhecida alteridade no seio social em que está inserido.

No mesmo sentido, ao conceituar a dignidade da pessoa humana Sarlet (2015b, p. 70-71) a define como um valor, contendo, de forma mais alargada, os mesmos substratos já afirmados.

Barroso (2014) desenvolve os conceitos de um conteúdo mínimo universalizável para a dignidade da pessoa humana, identificando, em seu conteúdo, três elementos: valor intrínseco; autonomia e valor comunitário[4], elementos que em muito se coadunam com o conceito já esposado acima por Taylor.

Não é outro o sentido apresentado por Moraes (2003) ao definir o conteúdo material da dignidade em quatro substratos: princípio da igualdade; da integridade psicofísica; da liberdade e da solidariedade[5].

Assim, por estar diretamente vinculado à dignidade da pessoa humana em seus substratos de proteção da integridade psicofísica/valor intrínseco e ao substrato liberdade/autonomia, como já referenciada por Moraes (2003, p. 107) e Barroso (2014, p. 112), um indivíduo sem o seu referencial de lar está sujeito a todo tipo de intempérie, não restando dúvidas acerca dos abalos psíquicos daí advindos afetando diretamente a pessoa em seu valor intrínseco enquanto ser; no substrato liberdade/autonomia impossibilita ao indivíduo realizar suas próprias escolhas e decidir sobre como melhor viver na busca pelo seu ideal de vida boa, a omissão legislativa ou por parte da administração pública em implementar políticas públicas capazes de entregar aos que necessitam de uma moradia digna, possibilita a busca, via medida judicial, que lhe seja entregue a prestação desse direito, pois se trata de direito humano fundamental e que possui, no ordenamento jurídico brasileiro, aplicabilidade imediata por estar intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana.

3 DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA NO BRASIL E SUA EFICÁCIA

Desde o início das discussões da assembleia constituinte que culminou com a promulgação em 05.10.1988 da Magna Carta, o direito à moradia já vinha sendo debatido por diversos congressistas, estando esposado no anteprojeto da comissão Afonso Arinos, nos termos do Título IV, Capítulo V, arts. 368-370 (SILVA, 2009, p. 355) e no projeto de constituição do Professor José Afonso da Silva, no Título II, Capítulo IV, art. 59, 1-3 (SILVA, 2009, p. 382), assim como na contribuição feita por Ricardo Pereira Lira (CARLI, 2009, p. 27), sendo todos estes inspirados pelos amplos debates existentes no cenário internacional, com especial atenção ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

O direito humano fundamental à moradia, em que pese já pudesse ter sua proteção jurídica retirada do texto constitucional brasileiro, em especial do princípio da dignidade da pessoa humana inserto no art. 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988 (CRFB/88), bem como em diversos outros dispositivos constitucionais[6], após já possuir uma larga regulação internacional no âmbito dos direitos humanos[7], somente foi constitucionalmente positivado no ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional 26/2000, emenda que alterou o art. 6º incluindo o mesmo no rol dos direitos fundamentais sociais, estes tidos por balizada doutrina como direitos de segunda dimensão com eficácia direta e imediata (SARLET, 2015a, p. 47) – os direitos de primeira dimensão (direitos de liberdade) são fruto do pensamento liberal e dos anseios da burguesia como direitos de defesa do indivíduo perante o estado, “valorizavam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil” (BONAVIDES, 2016, p. 578) diferentemente, os direitos fundamentais sociais (direitos de igualdade) são calcados na ideologia antiliberal, em busca do bem-estar social, dominaram as constituições pós-Segunda Guerra e, em conjunto com o os direitos de primeira dimensão, buscam “densificar parcelas do conteúdo e dimensões do princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que a elas não se reduzam” (SARLET, 2013, p. 534).

Os direitos sociais possuem raízes históricas de sua positivação na “Constituição mexicana de 1917 e, em seguida, na de Weimar de 1919”, como bem leciona Loreci G. Nolasco (NOLASCO, 2008, p. 131).

Dentre as distinções existentes entre os direitos fundamentais de segunda dimensão e os de primeira a principal está não mais num atuar negativo mas, também e principalmente, na presença de prestações positivas capazes de propiciar aos indivíduos a participação no projeto de bem-estar social, compensando um desnível que conduziu a uma distribuição desigual de chances de liberdade, assim como a necessidade de complementação legislativa infraconstitucional para a sua implementação, dado o seu conteúdo programático quando do seu surgimento e defendido por parte da doutrina[8].

Mesmo que já consagrados formalmente nas primeiras constituições os direitos de primeira dimensão (vida, liberdade, propriedade e igualdade formal) ao fim do século XIX, considerando a promessa capitalista de crescimento econômico pela iniciativa privada num “contínuo progresso material e moral” (LIMA JÚNIOR, 2001, p. 16), o que se verificava era uma verdadeira distorção desses preceitos vez que a maioria trabalhadora, após um período de bonança, passava por sérias dificuldades na concretização dos seus projetos de vida advindas do próprio liberalismo econômico, culminando com movimentos de base ideológica socialista visando uma melhor distribuição das riquezas entre todos os membros da sociedade, movimento este que encontrou severa repressão por parte, principalmente, dos donos do capital burguês.

Com o fim de superar estas distorções advindas do poder econômico surgem os direitos de segunda dimensão a partir da virada do século, compondo-se dos chamados direitos de igualdade e que foram introduzidos num modelo constitucional de Estado social, ou de bem-estar social, como no caso da República de Weimar, sem, contudo, como já afirmado, possuírem uma eficácia imediata como no caso dos direitos de primeira dimensão, prevalecendo uma aplicabilidade mediata via Poder Legislativo inicialmente (MAZZUOLI, 2015, p. 52-53).

No Brasil, em sentido diverso do que ocorreu com outras constituições, especialmente as promulgadas após a Segunda Guerra Mundial, há previsão expressa da eficácia imediata de todos os direitos fundamentais nela prescritos, consoante definido no art. 5º, § 1º da CRFB/88.

Vale destacar a discussão doutrinária sobre a classificação geracional ou em categorias/dimensões, dos direitos fundamentais sendo que a primeira classificação, em que pese para parte da doutrina sugira uma substituição de uma pela outra ou de que o reconhecimento de nova geração somente possa exsurgir com o máximo amadurecimento da anterior (MELO, 2016, p. 209), já se encontra superada na doutrina pátria consoante os ensinamentos de Bonavides (2016, p. 577) para quem “os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo”.

Seguir-se-á à conceituação do direito humano fundamental à moradia para fins do presente estudo.

Em que pese haja respeitado posicionamento doutrinário em sentido contrário[9], o direito humano fundamental à moradia deve ser entendido como aquele capaz de propiciar à pessoa o “direito de viver em um local com segurança, paz e dignidade”, entendida como uma “moradia adequada, com espaço, privacidade, proteção, iluminação, ventilação, infraestrutura básica, acesso a recursos básicos e ao trabalho adequados, tudo a um custo razoável” (MORAES; VIVAS, 2014, p. 147).

Dias (2014, p. 451), em adensado estudo sobre as políticas públicas destinadas a garantir moradia adequada a pessoas em situação de rua, destaca que para a configuração de uma moradia adequada esta não pode ser constituída de “quatro paredes e um teto”, e para delinear as dimensões desse direito se vale da ONU-HABITAT-2010[10].

Somente com a concretização dos atributos descritos acima, dentre outros, abrangendo um complexo de posições jurídicas exercendo, concomitantemente, a função de direito de defesa e de prestações, com eficácia prima facie direta e imediata, seja nas relações com o Estado, seja entre particulares (SARLET, 2014, p. 275), é que se pode falar em moradia em conformidade com o princípio-valor dignidade da pessoa humana que, para parte da doutrina nacional[11], se encontra vinculado ao mínimo existencial como sendo aquele capaz de propiciar “o conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física – a sobrevivência e a manutenção do corpo – mas também espiritual e intelectual” (BARCELLOS, 2008, p. 230).

Não destoa o pensamento de Serrano Júnior (2012, p. 49) que ao aprofundar suas reflexões acerca do direito humano fundamental à moradia afirma que “há uma relação de interdependência entre a moradia adequada e outros bens juridicamente protegidos como direitos essenciais da pessoa humana: a vida, saúde, a integridade física e moral, a intimidade, a liberdade, entre outros”.

Assim, conceituado o direito fundamental à moradia, entendido este como meio para a concretização da dignidade da pessoa humana daqueles que o detém, mister diferenciá-lo do direito de propriedade, uma vez que ter uma moradia não significa “direito à casa própria” (SILVA, 2013, p. 317), podendo este se dar, por exemplo, através de locação, posse de unidade imobiliária, comodato, direito de habitação, direito de superfície, direito de uso etc.

Afirma Perlingieri (2002, p. 198) que “o direito à moradia como direito de acesso à propriedade da moradia é um dos instrumentos, mas não o único, para realizar o gozo e a utilização da casa[12].

Assim, embora seja uma alternativa à realização do direito fundamental a moradia o mesmo pode estar dissociado do título de propriedade.

No tocante à moradia, diversas políticas públicas foram direcionadas para a sua concretização no Brasil, seja com a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH e do Sistema Financeiro da Habitação – SFH; através da lei das incorporações imobiliárias; lei das locações; Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI; Estatuto da Cidade; seja na atualidade através do programa minha casa minha vida ou do aluguel social constante do programa para reassentamento da população que vive em áreas de risco ou que sofreram a perda de suas moradias com catástrofes naturais.

Monteiro (2015, p. 215) ao defender a ineficiência das políticas públicas, desenvolvidas nas últimas décadas, visando o combate ao déficit habitacional no país, conclui pela exclusão social e deslocamento das classes sociais mais carentes para áreas sem qualquer aparelhamento urbano em condições de indignidade com desvios que acabam por enriquecer as grandes construtoras[13].

Nessa perspectiva a política pública do aluguel social disponibiliza certa quantia para que determinado grupo de pessoas (famílias) que vivam em áreas de risco, ou que perderam as suas moradias em virtude de catástrofes, possam alugar um imóvel enquanto esperam pela entrega de unidades habitacionais para o seu reassentamento.

O aluguel social, no Estado do Rio de Janeiro, está regulamentado nos Decretos 42.406/2010, 43.415/2012, 44.052/2013, 44.520/2013 e Resolução SEASDH 422/2012.

No art. 1º do Decreto 42.406/2010 é instituído o programa “Morar Seguro” que tem como objetivo a construção de unidades habitacionais para reassentamento da população que vive em áreas de risco no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, e em seu art. 8º determina que enquanto não estiverem disponíveis as unidade habitacionais para reassentamento da população residente em área de risco, caso não sejam recolhidas em abrigos, será efetuado o pagamento de até R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês a título de aluguel social, além de outras condições como renda máxima familiar, prazo de 12 (doze) meses renováveis, dentre outras estabelecidas nos demais estatutos regentes.

Ocorre que, por se tratar de direito fundamental, diversas pessoas buscam o judiciário com o fim único de que lhes seja garantido direito à moradia, sendo-lhes entregue, via de regra, a inclusão no programa aluguel social[14] “furando” a fila já previamente determinada pela administração pública, sem que o Judiciário tente um diálogo com a administração pública para melhor entender sobre o referido programa ou sobre alternativas para a efetivação desse direito, perdendo sua finalidade inicial com geração de efeito regressivo, como bem apontado por Valle[15] (2014, p. 27).

No caso brasileiro, por expressa previsão constitucional, os direitos fundamentais (sejam de primeira, segunda, terceira ou qualquer outra dimensão), como já destacado, possuem eficácia imediata, seja entre o poder público e o particular, seja entre particulares, consoante o disposto no art. 5º, § 1º da CRFB/1988, não apenas mediata ou indiretamente como balizada doutrina proclama (NOVAIS, 2007, p. 384).

Em sua dimensão objetiva, essa eficácia se irradia para os mais diversos campos do direito infraconstitucional, ensejando a humanização das relações através de uma leitura conforme a Constituição.

Bem assevera Sarmento (2004, p. 155) que “todas as normas sejam, no momento de sua aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão cores da dignidade humana, da igualdade substantiva e da justiça social, impressas no tecido constitucional”.

Tem-se, portanto, um afastamento da clássica dicotomia direito público x privado tratando todo o sistema como único, visão esta criticada por autores como Claus Canaris (2012, p. 53-54), posto que diversas disposições puramente privadas possuem proteção constitucional, exemplificativamente, a proteção à família contida no art. 226; a inviolabilidade da casa, prevista no art. 5º, XI ambos da CRFB/1988, dentre outros dispositivos. No mesmo sentido Ubillos (2007, p. 166) afirma estarmos vivenciando um processo de expansão contínua dos direitos fundamentais nas mais variadas direções, enriquecendo-se pela jurisprudência aplicada aos novos casos e novos direitos que surgem diariamente nas relações, sejam estas entre o estado e particulares, sejam apenas entre particulares.

4 O DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL À MORADIA NO PLANO INTERNACIONAL

O Brasil de hoje ainda está distante da concretização dos direitos fundamentais sociais previstos na Carta Constituinte de 1988, razão pela qual muito se discute sobre como garantir a eficácia desses direitos encontrando maior sustentação, especialmente, duas correntes distintas como já citado, uma pela aplicação direta e imediata e outra que afirma terem esses direitos apenas uma eficácia indireta e mediata.

Cumpre, todavia, apontar que os direitos fundamentais socioeconômicos não possuem eficácia direta e imediata em todos os ordenamentos jurídicos, há sistemas jurídicos em que sequer há referência a esses direitos, como no caso dos Estados Unidos da América.

Há casos onde são tidos como normas meramente programáticas sem qualquer eficácia, valendo apenas como comando dirigido ao poder público em realizá-los, seja por medidas legislativas, seja através da implementação de políticas públicas.

4.1 O Direito à Moradia na África do Sul e a Decisão da Corte Constitucional no Caso Grootboom

Na África do Sul, os direitos fundamentais sociais estão submetidos a uma implementação gradual não meramente programática, na relação entre o particular e o estado (VALLE; HADJU HUNGRIA, 2012, p. 231), sendo emblemático o caso Government of the Republic of South Africa and others vs. Grootboom vs. others, onde a Corte Constitucional sul-africana, através de recurso interposto perante a mesma, teve que se manifestar sobre a decisão proferida pelo Tribunal Superior da Cidade do Cabo que – apoiado nas Seções 26 (2) e 28 (1) (c) da Carta Fundamental – apesar de admitir que o Estado estava cumprindo com o dever constitucional de implementação gradual do direito de acesso à moradia adequada, “entendeu que o Estado não cumprira uma obrigação adicional e especial, isto é, a que emanava dos direitos das crianças consagrados na Constituição” (SACHS, 2016, p. 153).

A seguir, discorrer-se-á sobre o referido caso assim como suas nuances e, por fim, a decisão proferida pela Corte Constitucional Sul-Africana.

Versa o caso sobre um grupo de pessoa de uma comunidade que, devido às precárias condições existentes no local onde viviam com absoluta ausência de infraestrutura e saneamento básico, além de ser uma área parcialmente alagada e próxima de uma via expressa, se viram forçadas a deixar aquele local migrando para uma área privada, em abrigos precários, na parte urbana da Cidade do Cabo, área esta que seria destinada ao programa formal de moradias a baixo custo por eles nomeada como New Rust.

Os agora invasores não conseguiram autorização do proprietário para lá permanecerem e em dezembro de 1988 o proprietário obteve uma ordem de despejo contra os mesmos que foi concretizada com considerável desumanidade, tendo a ordem determinado desmanchar e remover qualquer estrutura erguida sobre o imóvel.

Após terem sido despejados, muitos sem sequer conseguir retirar os seus pertences, por não estarem presentes no momento do cumprimento da decisão, os agora desabrigados se dirigiram para o campo de esportes de Wallacedene onde se instalaram com barracas e lonas de plástico que não suportaram as primeiras chuvas de inverno.

Irene Grootboom e outros moradores, após a frustrada tentativa de solução diretamente com a administração pública local, ingressaram com um pedido de providências ao Tribunal Superior da Cidade do Cabo, lastreados nas Seções 26 e 28 da Constituição da África do Sul, para que o governo providenciasse abrigo, ou moradia, até a consecução de acomodações permanentes ou alimentação básica, abrigo, serviços de saúde e serviços sociais para os que fossem crianças.

A Seção 26 (2) versa sobre o direito de acesso à moradia adequada[16] e a Seção 28 (1) (c) sobre os direitos das crianças a um abrigo[17].

O Tribunal Superior determinou liminarmente que a administração pública providenciasse abrigo para as crianças e seus responsáveis.

Ao julgar o mérito, o Tribunal Superior dividiu a sua decisão em duas partes, sendo a primeira intitulada moradia e a segunda ao direito das crianças a abrigo, nos termos da Seção 28 (1) (c).

Com relação a primeira parte entendeu o Tribunal que foram cumpridas as prescrições para uma progressiva realização do direito de acesso à moradia adequada através da edição de legislação específica, assim como de ações razoáveis na medida dos recursos disponíveis pela administração pública.

Na segunda parte, entretanto, o Tribunal ponderou que na impossibilidade dos pais fornecerem um abrigo às suas crianças era dever do Estado providenciá-lo, estendendo tal obrigação de oferta de abrigo também aos pais.

Desta decisão foi interposto recurso para a Corte Constitucional que analisou os preceitos contidos na seção 26 e 28 além de outros preceitos constitucionais para uma interpretação sistemática do texto constitucional, socorrendo-se também de preceitos de direito internacional, consoante expressa previsão contida na Seção 39 da constituição que determina a utilização de normas de direito internacional como ferramenta de interpretação da declaração de direitos da carta constitucional.

Utilizando-se, principalmente, do Pidesc e de comentários gerais acostados pelos amicus curiae (Comissão de Direitos Humanos), a Corte teceu diversas comparações entre o texto constitucional e o contido no referido tratado, sendo de se ressaltar que apesar de assinado pela África do Sul em 03.10.1994, o referido pacto não havia sido ratificado até a data daquele julgamento.

Foi destacado que o PIDESC estipulava direito à moradia adequada, enquanto a Seção 26 prescrevia direito ao acesso à moradia adequada, assim como o Pacto prevê obrigações aos Estados-partes que tomem medidas apropriadas que incluam produção legislativa, enquanto a Constituição Sul-Africana obriga a tomar razoáveis medidas legislativas e outras ações.

Ressaltou a Corte Constitucional em sua decisão que os Estados-partes são monitorados por um Comitê que emite comentários gerais para aplicação e interpretação do Pacto, sendo sustentado pelos amicus curiae que estes deveriam também ser utilizados na interpretação da Seção 26, especialmente na parte que define que os direitos socioeconômicos possuem um minimum core que deve ser respeitado.

A Corte Constitucional, entretanto, destacou não possuir instrumentos similares aos adotados pelo Comitê para definição de um núcleo mínimo de determinado direito fundamental advindo de anos e anos de exames de relatórios dos Estados-partes afirmando, ao final, não possuir a Corte informações suficientes para habilitá-la a determinar esse núcleo mínimo do direito humano fundamental ao acesso à moradia.

Na segunda parte, ao analisar a Seção 28, buscou na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, ratificadas pela África do Sul em 1995, os fundamentos para uma interpretação adequada afirmando, contudo, que a Corte Superior havia proferido decisão errada, pois a obrigação imposta na Seção 28 (1) (c) é subsidiária e alternativa, cabendo aos pais e familiares a obrigação primeira de providenciar abrigo às crianças e que somente nos casos de crianças que tenham sido retiradas de suas famílias, ou que estejam sob a proteção direta do Estado, é que se pode falar numa obrigação estatal de providenciar abrigo paras as crianças.

Por fim a Corte Constitucional proferiu a seguinte decisão:

1. O apelo é provido em parte. 2. A decisão da Corte Superior do Cabo da Boa Esperança é anulada e substituída pela seguinte: Declara-se que: (a) A Seção 26 (2) da Constituição requer que o Estado conceba e implemente, na medida de seus recursos disponíveis, um amplo e coordenado programa para realizar, progressivamente, o direito de acesso à moradia adequada. (b) O programa deve incluir medidas razoáveis, como as contempladas no Programa Acelerado de Regularização de Terras, sem se restringir exclusivamente a elas, e prestar alívio às pessoas que não possuem acesso à terra, que não têm teto e que vivem em condições intoleráveis ou em situações críticas. (c) Desde a data de propositura desta ação, o programa habitacional estatal, na área do Conselho Metropolitano do Cabo, ficou aquém do cumprimento dos requisitos do parágrafo (b), posto que falhou em prover razoavelmente, na medida dos recursos disponíveis, as pessoas da Região Metropolitana do Cabo que não têm acesso à terra, que não têm teto e que vivem em condições intoleráveis ou em situações críticas. (…)

Observa-se que a Corte Constitucional dá início, com sua decisão, a um diálogo institucional com os demais poderes reconhecendo não ser o Poder Judiciário o mais capacitado para a criação e implementação de políticas públicas, mas, tão somente, “avalia se o Estado tem um programa razoavelmente formulado e se está envidando todos os esforços para que tal programa seja razoavelmente implementado” (STRAPAZZON; TRAMONTINA, 2016, p. 289), ratificando a competência exclusiva dos Poderes Executivo e Legislativo para a definição do que seriam os meios razoáveis de efetivação desses direitos.

4.2 O Direito à Moradia na Colômbia: a Experiência da Corte Constitucional

Interessante é o caso do direito à moradia na Colômbia, que apesar de ter previsão constitucional no art. 51, primeiramente não como direito fundamental, mas apenas como direito de cunho assistencial, não está revestido de eficácia imediata, uma vez que não se encontra disposto no art. 85 da Carta Colombiana, todavia, a Corte Constitucional em seus julgados estendeu ao direito à moradia uma jusfundamentalidade por conexão a outros direitos de liberdade “extraindo dessa relação verdadeira simbiótica entre o direito socioeconômico e outro de liberdade, a necessária tutela do primeiro, sem o que se teria por inevitavelmente prejudicado o segundo” (VALLE; GOUVÊA, 2014, p. 233).

Em decisões posteriores a Corte Colombiana recomendou a construção de políticas públicas capazes de assegurar o acesso, seja com a entrega da unidade, seja com facilitação ao financiamento.

Diferentemente do modelo de proteção aos direitos fundamentais brasileiro a Corte Constitucional Colombiana adentra na matéria fática, através de verdadeira instrução processual com a produção de provas por iniciativa das partes ou por determinação judicial, não se valendo somente das alegações dos peticionários para poder proferir suas decisões, vez que somente com essa aproximação, segundo aquele modelo, seria possível prevenir danos irreparáveis aos envolvidos, assim como a necessária harmonização entre interesses individuais, sociais e gerais que, dependendo de cada caso, haverá prevalência de um sobre o outro (VALLE; GOUVÊA, 2014, p. 234-235).

Dessa aproximação com a questão de fato, ao apreciar 108 pedidos de tutelas formulados por 1.150 famílias relacionadas a insuficiência ou inadequação de políticas públicas destinadas a proteção daquelas pessoas atingidas pelo desplazamiento – fenômeno advindo dos conflitos armados principalmente entre forças paramilitares e o governo que ocasionou deslocamento populacional compulsório dentro do próprio território colombiano fugindo de grupos de extermínio – a Corte Colombiana na Sentencia de Tutela 025, de 22.01.2004, proferiu decisão reconhecendo o estado de coisas inconstitucional[18] determinando uma série de providências, dentre as quais destacam-se a aplicação de recursos orçamentários para a solução do problema e elaboração de políticas públicas para a promoção e proteção das famílias desplazadas (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 582).

Merece destaque o fato de que numa Accion de Tutela, prescrita no Decreto 2.591/1991, a Corte Colombiana pode realizar um acompanhamento das medidas determinadas na sentença através de uma espécie de jurisdição supervisora, absolutamente estranha ao ordenamento jurídico e a praxe dos tribunais brasileiros, “significa dizer, manter viva a relação processual com o monitoramento das providências que se desenvolvam em atenção ao que se determinou” (VALLE; GOUVÊA, 2014, p. 236).

Novamente a presença do diálogo institucional se encontra presente como meio adequado à proteção e efetivação de direitos fundamentais partindo do Judiciário a iniciativa da instauração desse processo, especialmente na Colômbia, onde há expressa previsão para esse mister.

4.3 O Direito à Vivienda na Espanha e a Decisão do CDESC-ONU na Comunicação 2/2014

O direito à moradia encontra-se positivado no art. 47 da Constituição espanhola que prescreve:

Art. 47. Todos los españoles tienen derecho a disfrutar de uma vivenda da digna y adecuada. Los poderes públicos promoverán las condiciones necessárias y establecerán las normas pertinentes para hacer efectivo este derecho, regulando la utilización del suelo de acuerdo com el interés general para impedir la especulación. La comunidade participará em las plusvalías que genere la acción urbanística de los entes públicos.

Há uma discussão quanto a eficácia do direito à moradia na Espanha prevalecendo o entendimento de que este possui eficácia apenas mediata, contudo, alerta Ordovás (2013, p. 69-70) que os direitos econômicos, sociais e culturais são direitos de consecução progressiva[19], diferindo do Brasil, no tocante à eficácia, como já citado.

No mesmo sentir do conteúdo adotado no presente estudo, na Espanha, segundo Ordovás (2013, p. 50) o direito à moradia adequada seria aquele que propiciaria a concretização de outros direitos, como saúde, proteção da família, educação, intimidade, trabalho etc.

Feitas estas considerações passar-se-á ao estudo da emblemática Comunicação 2/2014 julgada pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas.

A comunicante vivia na cidade de Madri e em meados de 2007 adquiriu uma unidade imobiliária com a utilização de grande parte de seus recursos somada a um financiamento imobiliário com garantia hipotecária do imóvel adquirido.

Informa ainda que devido a grave crise econômica por que passava o país, e de suas circunstâncias pessoais, ficou inadimplente em algumas prestações de seu financiamento em aproximadamente 11.000,00 € e que apesar de buscar o banco para uma negociação de seu débito não logrou êxito.

Com o inadimplemento o banco deu início aos procedimentos de execução hipotecária que foi admitido em 21.06.2012, sendo emitido mandado de notificação a ser cumprido pelo Servicio Común De Actos De Comunicación Y Ejecución De Madrid, nos dias 6, 27 e 28 de setembro e, posteriormente, no dia 4 de outubro, sobre o procedimento instaurado, sendo certo que a mesma não foi encontrada, informando a autora na sua petição que não estava em sua residência quando da realização das diligências.

Em 30 de outubro, foi determinada a publicação de editais no quadro de avisos do tribunal, para fins de notificação da comunicante sem, contudo, qualquer publicidade externa ou publicação em meio ou boletim oficial.

Assinalou a comunicante que nos dias 6 e 28 de setembro, apesar de não se encontrar em sua residência, o tribunal deveria ter deixado a notificação com o porteiro do prédio ou, ainda, com um vizinho, todavia optou pela via mais gravosa para a autora o que a impediu de exercer sua defesa.

Em 11.02.2013 foi emitida ordem para a realização do leilão do imóvel e nos dias 1º e 21 de março foi determinada a notificação da autora, no mesmo endereço do imóvel hipotecado, onde residia, sobre as praças que seriam realizadas, sendo as duas diligências negativa. Contudo na segunda diligência foi deixado um aviso para que a autora se dirigisse ao escritório do Servicio Común De Actos De Comunicación Y Ejecución De Madrid até o dia 05.04.2013.

Em 04.04.2013 a comunicante, através de procurador, tomou ciência da notificação.

A cidadã espanhola interpôs recursos pedindo a nulidade de todo o procedimento sob a alegação de que não havia sido feita a notificação no endereço de um familiar ou em seu local de trabalho, ambos de conhecimento da instituição financeira pelo que foi violado o seu direito de defesa e a uma tutela judicial efetiva, acostando entendimentos da Corte Constitucional e do Supremo Tribunal de que a notificação por edital somente pode ser procedida após serem esgotados todos os meios de notificação pessoal e de tentativas de localização do demandado em outros domicílios.

Tais recursos foram negados por diversos fundamentos, dentre os quais o de que havia estipulação do domicílio da recorrente contratualmente estabelecido para que se procedesse a notificação; a existência de previsão legal para notificação editalícia para casos de execução hipotecária, bem como outras questões processuais, como preclusão.

Em 23.05.2013 a comunicante interpôs recurso de amparo ao Tribunal Constitucional alegando a violação de seu direito de defesa e tutela judicial efetiva que foi inadmitido sob o fundamento de “manifesta inexistência de violação de um direito fundamental tutelável por amparo”.

Assim, esgotados todos os recursos possíveis, apresentou a autora a denúncia sob o argumento de que a Espanha violara o seu direito à moradia adequada prescrito no art. 11, § 1º do Pidesc.

O Comitê ao analisar o caso infirmou a relevância do direito à moradia adequada prescrito no Pidesc, assim como sua vinculação a outros direitos humanos, incluindo os prescritos no Pacto de Direitos Civis e Políticos. Afirmou que os Estados-partes devem envidar todos os esforços necessários para assegurar a plena realização desse direito e que estes estariam vinculados, também, a uma adequada existência de recursos jurídicos para assegurar o seu efetivo gozo.

Destacou que os despejos forçados são prima facie incompatíveis com os requisitos do Pidesc e que somente se justificariam em situações excepcionais em conformidade com os princípios pertinentes ao direito internacional bem como devem, os Estados-partes, velar para que nos processos de despejo sejam observadas garantias processuais que assegurem uma eficaz oportunidade de defesa às pessoas afetadas e um prazo razoável para a desocupação do imóvel, no caso de despejos forçados, afirmando a necessidade da adoção de medidas legislativas que assegurem acesso aos recursos judiciais efetivos para a proteção dos direitos reconhecidos no Pacto, como assinalado no Comentário Geral 9, não pode haver um direito sem um recurso que o ampare.

Ao analisar o procedimento de notificação para casos de execução hipotecária mencionou o Comentário Geral 7 que prescreve a devida proteção processual e o processo com as devidas garantias serem aspectos essenciais de todos os direitos humanos, especialmente em questões que envolvam despejos forçados, devendo prever, dentre outras medidas, um prazo suficiente e razoável de notificação às pessoas envolvidas bem como recursos jurídicos para a sua defesa.

Com relação a notificação editalícia para casos envolvendo o direito à moradia adequada, dentre outros direitos humanos que requerem supervisão judicial, esta deve ser utilizada somente após terem sido esgotados todos os meios possíveis para a notificação pessoal, assegurando a devida publicidade e prazo razoável para que as pessoas envolvidas possam ter real oportunidade de conhecimento do início do procedimento e possa ingressar no mesmo para defender-se, concluindo que nos casos de notificação inadequada de demanda envolvendo execução hipotecária que impeçam as pessoas de defenderem o seu direito nesse procedimento implica em violação do direito à moradia.

O Comitê constatou que no caso não foram esgotados todos os meios possíveis de notificação pessoal da autora, o que a impediu de defender adequadamente o seu direito à moradia, fazendo recomendações à Espanha tanto com relação à autora, quanto recomendações gerais, conforme abaixo descrito:

Recomendaciones en relación con la autora:

El Estado parte tiene la obligación de proporcionar a la autora una reparación efectiva, en particular: a) asegurar que la subasta de la vivienda de la autora no se ejecute sin que ella cuente con la debida protección procesal y un proceso con las debidas garantías, conforme a las disposiciones del Pacto y tomando en cuenta las observaciones generales del Comité núm. 4 y 7; y b) reembolsar a la autora los costes legales incurridos en la tramitación de esta comunicación.

Recomendaciones generales:

a) Asegurar la accesibilidad a recursos jurídicos para las personas que se enfrentan a procedimientos de ejecución hipotecaria por falta de pago de préstamos;

b) Adoptar medidas legislativas y/o administrativas pertinentes para garantizar que en los procedimientos de ejecución hipotecaria, la notificación por edicto esté estrictamente limitada a situaciones en que se han agotado todos los medios para practicar una notificación personal; y asegurándose la suficiente publicidad y plazo, de manera que la persona afectada pueda tener oportunidad de tomar real conocimiento del inicio del procedimiento y apersonarse al mismo;

c) Adoptar medidas legislativas pertinentes para garantizar que el procedimiento de ejecución hipotecaria y las normas procesales establezcan requisitos (véanse párrs. 12.1 a 12.4 y 13.3 a 13.4 supra) y procedimientos adecuados a seguir antes de que se proceda a una subasta de una vivienda o a un desalojo, en observancia del Pacto y tomando en cuenta la observación general núm. 7 del Comité.

Analisando a decisão do CDESC-ONU, resta evidente que por via transversa – violação ao devido processo legal – o direito humano fundamental à moradia digna da autora foi violado, do mesmo modo recomendou a adoção de medidas legislativas e/ou administrativas suficientes para assegurar a todos que estejam submetidos a procedimentos de execução hipotecária meios legais para a proteção do direito à moradia estando presente, ainda que de forma atenuada, uma proposição para o início de um diálogo institucional entre os poderes para que seja assegurada a implementação gradual desse direito humano fundamental socioeconômico constitucionalmente previsto na Espanha.

5 O DIÁLOGO INSTITUCIONAL COMO MEIO DE PROTEÇÃO E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Desde a decisão proferida no caso Marbury vs. Madison muito se tem discutido acerca dos limites do controle judicial de constitucionalidade das leis especialmente nos casos envolvendo a concretização de direitos fundamentais com caráter prestacional, como no caso de direitos de segunda dimensão, vez que o Judiciário não possui a legitimação democrática para a definição de quais políticas públicas devem ou não ser implementadas suprimindo, por demais das vezes, a funções inerentes aos demais poderes do Estado, noutra senda por absoluta falta de expertise dos membros do Judiciário no trato das escolhas feitas pela administração pública.

Esse modelo de monopólio judicial para a interpretação da Constituição vem sendo superado por teorias dialógicas que visam a busca da melhor interpretação constitucional envolvendo a participação de todos os poderes estatais e, em alguns modelos, a própria participação da sociedade civil com vistas a garantir uma maior legitimidade na construção da decisão.

Waldron tece voraz crítica ao modelo de judicial review atual onde o Judiciário é, via de regra, detentor da última palavra sobre o conteúdo de direitos fundamentais, por entender que este não possui legitimidade política (mandato por sufrágio universal) e não possui capacidade de discutir sobre “as questões reais em jogo quando cidadãos discordam sobre direitos; pelo contrário, ele os distrai com questões secundárias sobre precedentes, textos e interpretação” (WALDRON, 2010, p. 98), passando-se a busca de alternativas ao modelo existente.

Nesse contexto Bateup sistematizou as principais teorias dialógicas que emergiram nas últimas décadas dividindo-as em dois grandes grupos: teorias do método judicial e teorias estruturais do diálogo (NERI; SCHUELER, 2016, p. 635).

As teorias do método judicial são divididas em: teorias do aconselhamento judicial; teorias centradas no processo e teorias do minimalismo judicial. Já as teorias estruturais do diálogo são divididas em: teorias da construção coordenada; teorias dos princípios jurídicos; teorias do equilíbrio e teorias das parcerias (NERI; SCHUELER, 2016, p. 635-636).

As teorias do aconselhamento judicial fundam-se resumidamente na ideia de que o Judiciário deve usar de uma série de interpretações e técnicas de tomada de decisão para recomendar determinados cursos aos demais poderes orientando sobre os modos de evitar problemas constitucionais emanados nos textos infraconstitucionais a partir da visão, já externada, do Judiciário sobre determinada matéria (MANEIRO, 2016, p. 80).

As teorias centradas no processo sustentam que o Judiciário deve se ater a verificação do respeito às premissas constitucionais, “sem, no entanto, apontar as diretrizes como nas anteriores” (MANEIRO, 2016, p. 81) sendo uma variante a utilização da regra da segunda olhada (second look), onde os juízes podem realçar assim a responsabilidade legislativa deixando a legislatura democraticamente eleita com o potencial para ter a palavra final sobre o direito em discussão.

A teoria do minimalismo judicial descreve que o Judiciário deve se ater a análise apenas superficial indispensável a solução do caso concreto, não se aprofundando sobre questões controvertidas, visto que os outros poderes possuem maior expertise e legitimidade para a definição dessas questões, o que se pode estender, inclusive, sobre a efetivação de direitos fundamentais e políticas públicas para essa finalidade (BATEUP, 2006, p. 28).

Na teoria da construção coordenada busca-se uma interação entre os poderes na definição do sentido constitucional onde não há prevalência na interpretação de um poder sobre a conferida por outro onde, com o passar do tempo conformariam o significado constitucional.

As teorias dos princípios delegam ao Judiciário relevante papel na definição das questões de princípios diante da sua maior habilidade no trato destes, de forma que “os diálogos com os demais poderes estaria presente na hipótese de erro na interpretação constitucional” (NERI; SCHUELER, 2016, p. 636).

As teorias do equilíbrio trazem relevante papel agregado pela opinião pública na construção do sentido fomentado pelo Judiciário através de debates. Nessas teorias, este papel é descrito como uma sociedade de promoção de debate constitucional que em última análise leva a um equilíbrio sobre acepção constitucional (MANEIRO, 2016, p. 87).

Por fim, as teorias da parceria defendem amplo diálogo entre os atores institucionais onde cada poder pode aprender com os outros sem hierarquia. Judiciário e os demais atores institucionais são assim concebidos com igualdade na tomada de decisão constitucional que podem tanto dialogicamente contribuir para a busca de melhores respostas como resultado das suas perspectivas institucionais (BATEUP, 2006, p. 70).

Defende Bateup (2006, p. 78) que a melhor compreensão do diálogo deve se dar a partir da fusão das teorias do equilíbrio e da parceria, onde a interação entre os poderes e a sociedade produzirá uma visão do diálogo que efetivamente presta contas dos papéis diferentes que vários participantes podem ter na elaboração da significação constitucional permitindo, também, uma compreensão mais abrangente dos aspectos institucionais e sociais diferentes do diálogo constitucional.

Através da redução do ativismo judicial advinda de decisões que tem no processo dialógico a melhor definição do sentido constitucional, observa-se um vasto campo de aplicação destes modelos para a proteção e efetivação dos direitos fundamentais, como já demonstrado nos casos analisados acima, uma vez que na definição legislativa e implementação de políticas pela administração pública haverá considerável consenso sobre questões mais sensíveis que escapam à expertise do Judiciário.

A título de exemplo, como acima citado, o Judiciário ao tentar efetivar o direito à moradia no âmbito do Rio de Janeiro com a inclusão no programa aluguel social, dos que a ele se socorrem, acabam por criar injustiças com as demais pessoas que aguardam na fila para serem contempladas sem que se busque, efetivamente, a garantia do direito à moradia digna.

Do mesmo modo quando determinam internações ou realização de exames e cirurgias “furando” a lista pré-existente elaborada pela administração pública.

Tushnet (2016, p. 196) sugere que “os diálogos constitucionais podem ser a única maneira de lidar com tudo o que não sejam direitos negativos[20].

Feitas essas considerações, encontra-se, nos diálogos institucionais verdadeira promessa de proteção e efetivação, em especial, dos direitos fundamentais sociais.

CONCLUSÃO

Após a promulgação da CRFB/1988, com a elevação da dignidade da pessoa humana a fundamento do ordenamento jurídico, como visto acima, pela dimensão irradiante desse valor/princípio para as demais normas infraconstitucionais e, considerando-se o caráter dirigente da carta constitucional, há muito que fazer para a proteção e efetivação do direito humano fundamental à moradia digna no Brasil.

Não será com paliativos que se alcançará a sua efetivação devendo, pois, o Estado avançar nas políticas públicas com o fim cumprir as promessas constitucionais e não de favorecer determinados seguimentos da economia como bem assevera Valença (2014, p. 348), para quem as políticas habitacionais no Brasil têm como base principal a transferência de recursos do governo para Estados, Municípios e agentes privados o que “indica ser a política habitacional o lócus ou foco da política, talvez no seu sentido mais pejorativo”.

Ora, a política pública de habitação continua a manter a discriminação, afastando os menos favorecidos da possibilidade de se integrarem com as demais classes sociais na busca da implementação da promessa de uma sociedade justa e solidária.

Ao analisar o programa do Governo Federal intitulado Minha Casa Minha Vida conclui Dias (2014, p. 461) que o mesmo não teve como objetivo contemplar a população de rua, atendendo a determinados grupos que se encontrem em situações fáticas específicas, como: famílias com mulheres responsáveis pela manutenção do lar, famílias com pessoas portadoras de deficiência, famílias residentes em área de risco ou desabrigados etc., o que realça a necessidade de se criarem programas específicos para essa população, todavia, como não estará afetado pela possibilidade de lucro, não há interesse privado na sua realização.

Observa-se uma tendência focada não mais num agir solitário pelo Poder Judiciário como “guardião da Constituição” na busca do sentido e da concretude de direitos fundamentais sindicados, mas, em verdade, na construção dialógica entre todos os poderes e a sociedade como verdadeira alternativa de proteção e efetivação do direito humano fundamental social à moradia digna como bem se observa das decisões proferidas pelas Cortes Colombiana e Sul-Africana nos casos citados, devendo se considerar as sensíveis diferenças existentes entre os respectivos ordenamentos com o prescrito no Brasil, especialmente no tocante à eficácia deste, bem como na decisão proferida pelo CDESC-ONU, este último já num modelo multinível de proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais prescritos no Pidesc, determinando ao governo espanhol que revisasse seu ordenamento jurídico infraconstitucional para adequá-lo a uma efetiva proteção do direito à moradia apontando falhas advindas de todos os poderes estatais.

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Notas de Rodapé

[1] Mestrando em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá (PPGD/UNESA); Especialista em Direito Empresarial, Imobiliário e Tributário; Professor de Direito Civil e Processo Civil na Pós-Graduação Lato Sensu da Unesa e na Graduação na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); Advogado; Membro do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Transformação Social (DHTS/PPGD-UNESA).

[2] Pós-Doutora em Direito (UNESA), Doutora e Mestra em Direito (UGF). Professora Titular Permanente no PPGD/UNESA. Coordenadora da Escola de Ciências Jurídicas – ECJ na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Membro da Law & Society Association e da SBPC; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Transformação Social (DHTS/PPGD-UNESA).

[3] Doutoranda em Direito e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá (PPGD/UNESA), Mestra em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB), Advogada e Conselheira Tutelar no Município do Rio de Janeiro; Membro do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Transformação Social (DHTS/PPGD-UNESA).

[4] O autor opta por dar uma noção de dignidade aberta, plástica e plural, definindo de modo minimalista que “a dignidade humana identifica 1. O valor intrínseco de todos os seres humanos; assim como 2. A autonomia de cada indivíduo; e 3. Limitada por algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais (valor comunitário)” (BARROSO, 2014, p. 72).

[5] Para a autora, “o substrato material da dignidade assim entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência de outros com/o sujeitos iguais a ele; ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado” (MORAES, 2003, p. 85).

[6] Aina (2009, p. 66) destaca que: “Assim, o art. 23, IX da Constituição Federal, estabelece que é da competência comum da União, dos Estados e dos Municípios promover programas de construção de moradia e a melhoria das condições habitacionais e do saneamento básico. No mesmo rumo do reconhecimento da importância do direito à moradia é que o art. 7º da Carta Magna preceitua, no seu inc. IV, que o salário mínimo deverá ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia”.

[7] Apenas com o fim de exemplificar, o direito fundamental à moradia encontra previsão na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH, art. 25); no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP, art. 17, I); no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC, art. 11, 1); pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (art. 5º, “e”, “iii”); na Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (art. 14, 2, “h”); Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (art. 27, 3); Convenção Internacional sobre a Proteção de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (art. 43, 1, “d”) e a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (art. 21), dentre outros (OSORIO, 2014, p. 41-42).

[8] Em que pese haja posicionamento diverso, afirmando da necessidade de regulação para os direitos fundamentais sociais tornarem-se exequíveis, negando sua eficácia direta e imediata, ao afirmar que “Eles regulamentam o que, mas não o como, ou quando o fazem, apenas de forma muito limitada. Por isso, direitos fundamentais sociais dependem de mediação legal. Eles só se transformam em exigências exequíveis por meio de ação legislativa e não por meio da prescrição por direito fundamental dessa ação. Aqui, diferentemente do caso dos direitos de liberdade, a lei é constitutiva para se alcançar a finalidade” (GRIMM, 2006, p. 249-250).

[9] Marshall (apud in TORRES, 2001, p. 289) se posiciona em sentido contrário afirmando que “o direito básico de ter o cidadão uma moradia, seja lá qual for, é mínimo. Ele não pode reivindicar mais do que um teto sobre a sua cabeça, e sua reivindicação pode ser atendida, como vimos nos últimos anos, por um cômodo num cinema abandonado transformado num centro de recuperação”.

[10] Para a autora ele “abarca direito a liberdades (proteção contra o despejo forçado, destruição e demolição da habitação; proibição de ingerência arbitrária na casa, na família e na privacidade; direito de escolher onde morar, escolher a casa e de circulação) e outros direitos (segurança da posse; restituição da casa, da terra e patrimônio; acesso não discriminatório e em igualdade de condições a uma moradia adequada, a participação nas decisões vinculadas com a moradia no plano nacional e local; direito às cidades sustentáveis; direito à vida, à saúde, à liberdade de ir e vir, à inviolabilidade do domicílio, à informação; direito do consumidor; direito de defesa e devido processo legal; e acesso à justiça)” (DIAS, 2014, p. 451).

[11] Ana Barcellos (2008, p. 288) defende que a concretização do mínimo existencial, tendo em conta a CRFB/88, compõe-se de “quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça”, estando o direito fundamental à moradia digna inserto primordialmente no elemento material: assistência aos desamparados. Em sentido diverso: “Embora o mínimo existencial esteja em contato com os diversos direitos sociais individualmente considerados e existam zonas de convergência quanto aos respectivos conteúdos (âmbito de proteção), não se pode afirmar que o mínimo existencial equivale (isto é, se confunde com) ao conteúdo essencial dos direitos sociais” (SARLET, 2015a, p. 332).

[12] Continua o autor vinculando o direito fundamental à moradia como um “direito existencial” e, por tal motivo, garantido não apenas aos que possuem capacidade econômica para a aquisição, e “como direito existencial pode-se satisfazer também prescindindo da propriedade da moradia; por isso incide, em maneira decisiva, sobre as relações de uso, de moradia e de aluguel. Garantido não é apenas o acesso à casa mediante a poupança, porque ela tutelaria somente aqueles que em uma perspectiva fisiológica podem poupar. Além do remédio previsto pelo art. 47, § 2º, o direito à moradia se realiza nesta perspectiva mediante técnicas administrativas e civilísticas” (PERLINGIERI, 2002, p. 198).

[13] Afirma o autor: “O que se percebe é que os esforços do Estado não têm se voltado para as famílias de baixa renda, que representam praticamente 90% do déficit habitacional brasileiro. Em verdade, pôde-se verificar que os maiores programas habitacionais desenvolvidos no Brasil, que envolveram e envolvem volumosos recursos públicos, são desenvolvidos sem a preocupação de permitir acesso às classes mais pobres. Percebeu-se, ainda, que esses programas têm como seus maiores beneficiários as famílias de classe média, que correspondem a menos de 5% do déficit habitacional, além de promover expressivo (sic) ganhos às empresas que atuam no setor da construção civil. O resultado desse processo é a crescente exclusão social e a concentração de riquezas, além da crescente atividade especulativa que tende a deslocar as classes mais pobres dos centros das cidades supervalorizados para zonas urbanas periféricas, onde há precariedade de serviços públicos e situação de vida indigna” (MONTEIRO, 2015, p. 211-212).

[14] ARE 916.375 e ARE 964.445.

[15] Esclarece a autora que “Não é incomum – ao contrário, é cada vez mais frequente – que prestações pecuniárias substitutivas de direitos sociais à assistência, à moradia, ao trabalho e tantos outros, terminem por se somar, gerando uma “renda” que o jurisdicionado aplica segundo lhe pareça conveniente, recaindo essa última escolha, muitas vezes, em atividades outras que não a proteção ao direito social que deu ensejo aquela receita. Esse tipo de consequência é uma patologia do sistema – que deve ser conhecida e considerada, de molde a que se previna a sua rotinização” (VALLE, 2014, p. 27).

[16]26. Moradia 2. O estado deve legislar e empregar ações razoáveis, na medida dos recursos disponíveis, para a progressiva realização desse direito”.

[17]28. Criança 1. Cada criança tem o direito:

1. À alimentação básica, ao abrigo (shelter), aos serviços básicos de saúde e aos serviços sociais;”.

[18] Além da constatação de violações graves, generalizadas, contínuas e sistemáticas, o ECI caracteriza-se, diante da constatação de que: “(b) há comprovada omissão reiterada de diversos e diferentes órgãos estatais no cumprimento de suas obrigações de proteção dos direitos fundamentais, que deixam de adotar medidas legislativas, administrativas e orçamentárias necessárias para evitar e superar essa violação, consubstanciando uma falha estrutural das instâncias políticas e administrativas (isto é, não basta, para caracterizar o ECI, a omissão apenas de um órgão ou uma autoridade); (c) existe um número elevado e indeterminado de pessoas afetadas pela violação; e (d) há necessidade de a solução ser construída pactuada (solução dialógica) pela atuação conjunta e coordenada de todos os órgãos envolvidos de modo que a decisão do Tribunal – que se reveste de natureza estrutural, na medida em que envolve uma pluralidade de providências – é dirigida não apenas a um órgão ou autoridade, mas sim a uma pluralidade de órgãos e autoridades visando a adoção de mudanças estruturais (como, por exemplo, a elaboração de nova políticas públicas, a alocação de recursos públicos, a obrigação de fazer ou de não fazer, etc.)” (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 581-582).

[19] Esclarece o autor que esses direitos “son derechos demasiado complejos como para admitir explicaciones simples y simplificadoras. El de la vivenda em concreto no es ni pura literatura ni um derecho exigible sin más pues, talvez, sea más correcto pensar em derechos a la vivenda em plural (como se viene haciendo em el mundo aglosajón) y no em singular pues ello invita a sólo veamos algunas ángulos de la cuestión y possibilidades de cara a alcanzar um grado de eficácia cada vez mayor aunque nunca sea completo” (ORDOVÁS, 2013, p. 69-70).

[20] E continua o autor descrevendo suas motivações, optando pelo modelo, ao que parece, das teorias da parceria, afirmando que “a razão é que as cortes constitucionais não estão bem posicionadas para rejeitar um argumento do Executivo ou Legislativo, de que tem agido de forma satisfatória aqui, no caso em apreço, porque tem feito algo igualmente importante ali. Mas a revisão dialógica pode pressionar ministérios do Poder Executivo ou o Legislativo a se explicar e experiências têm indicado que as explicações são, por vezes, implausíveis, como a Corte Constitucional Sul-Africana considerou, no caso do Treatment Action Campaign, ou indisponíveis como em alguns dos casos Sul-Americanos, como no fracasso em oferecer medicamentos através dos respectivos sistemas nacionais de saúde, onde as falhas resultam da inércia burocrática, em vez de um determinado julgamento sobre prioridades médicas” (TUSHNET, 2016, p. 196).