Os Requisitos e os Limites para Aplicação das Medidas Coercitivas sob a Luz do Art. 139, IV, do Código de Processo Civil
DOI: 10.19135/revista.consinter.0007.26
José Laurindo de Souza Netto[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8514-3622
Resumo: O presente artigo pretende estabelecer os requisitos para aplicação das medidas coercitivas do art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil e, por consectário, indicar os possíveis tipos de medidas atípicas aplicáveis no processo de execução. Ainda, tem como propósito delinear a evolução da jurisdição, com o escopo de fazer uma relação com a atuação do poder jurisdicional e os limites das medidas coercitivas. Além disso, busca analisar o conflito entre normas à luz do art. 489, §2º, do Diploma Processual Civil, a fim de verificar a subsistência da norma conflitante. E por fim, pretende-se explicitar acerca da ponderação no caso de colisão entre princípios e, por corolário, apresentar uma solução adequada à colisão entre eles.
A partir desses ideários, destaca-se que o artigo realizado foi desenvolvido pelo método de revisão bibliográfica, combinado com o ordenamento jurídico pátrio e com decisões emanadas do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Medidas coercitivas. Limites das medidas coercitivas. Requisitos da aplicação do art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Abstract: This article intends to establish the requirements for the application of coercive measures, article 139, item IV, of the Code of Civil Procedure and, by consecration, to indicate the possible types of atypical measures applicable in the enforcement process. Furthermore, it has the purpose of delineating the evolution of jurisdiction, with the scope of making a relation with the performance of the jurisdictional power and the limits of the coercive measures. In addition, it seeks to analyze the conflict between norms in the light of article 489, § 2, of the Civil Procedure Diploma, in order to verify the subsistence of the conflicting norm. Finally, it is intended to make explicit the weighting in the event of a collision between principles and, as a corollary, to present an adequate solution to the collision between them.
From these ideas, it is worth noting that the article was developed by the method of bibliographical revision, combined with the legal order of the country and decisions emanating from the Judiciary.
Keywords: Coercive measures. Limits of coercive measures. Requirements for the application of article 139, item IV, of the Code of Civil Procedure.
1 INTRODUÇÃO
De início, imprescindível delinear que o objeto desse artigo é o estudo do dispositivo 139, inc. IV, do Código de Processo Civil[2], que prevê medidas atípicas para assegurar o cumprimento da ordem judicial.
Ressalta-se que o tema é de grande relevância tanto na ordem jurídica quanto na ordem social, pois essa inovação legislativa ampliou a atuação do magistrado no processo de execução, a fim de trazer maior efetividade ao processo e, por consectário, viabilizar a satisfação do crédito.
Por corolário dessa inovação, verifica-se que ainda há inúmeras divergências a respeito da sua aplicabilidade prática, isso decorre devido a possibilidade de colisão entre princípios no caso concreto, v.g., o da dignidade da pessoa humana e do prazo razoável da atividade satisfativa, destarte, o escopo precípuo desse artigo é estabelecer algumas premissas que devem ser observadas para o deferimento de medidas executórias coercitivas.
Nesse aspecto, há quem afirme que esses poderes conferidos aos magistrados se revelam “uma carta branca para o arbítrio” (STRECK, 2016), sob o argumento de que o dispositivo legal serve de instrumento de medidas arbitrárias e autoritárias de restrição de direitos fundamentais, com o objetivo de apenas satisfazer dívidas pecuniárias.
Entretanto, como veremos no ínterim desse trabalho, essa alegação merece uma análise detida, porquanto não se trata de arbitrariedade, mas sim de discricionariedade e efetividade do processo de execução.
A partir disso, é que se pretende apontar alguns tipos de medidas atípicas aplicáveis no processo executório, como o da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), dos direitos políticos, apreensão do passaporte etc.
E mais, vale ressaltar acerca da jurisdição, tendo em vista que esse aspecto detêm relação com o tema ora abordado, pois o objetivo é fazer uma correlação com a atuação do poder jurisdicional no processo de execução, sob a ótica de quais são os limites das medidas coercitivas que o juiz poderá aplicar no caso concreto para alcançar a satisfação do crédito.
Além disso, importante realizar uma análise do conflito entre as normas sob o enfoque do art. 489, § 2º, do Diploma Processual Civil, não obstante, vale destacar que a norma será tratada de forma ampla, incluindo em seu bojo, portanto, regras e princípios. E por consectário, pretende-se delinear alguns critérios de ponderação nos casos de colisão entre princípios, com vistas a verificar a prevalência de um deles no caso concreto.
A esse respeito, desde já, cabe ressaltar que nos casos de conflitos entre regras, deverá ser feita uma análise sob o plano da validade, isso quer significar que, se aplicar uma regra, a outra será considerada inválida.
Essa é a concepção de Robert Alexy, que defende que a principal diferença entre princípios e regras é a de que os princípios devem ser enfrentados como mandados de otimização a serem aplicados na maior medida do possível, já as regras devem ser aplicadas de modo a se efetivar exatamente o que elas prescrevem, assim, essas devem ser analisadas no plano da validade (ALEXY, 2008).
De outro vértice, em se tratando de colisão entre princípios, deve-se observar o critério da ponderação, analisando-os sob o prisma da adequação da medida, da necessidade de sua aplicação e da proporcionalidade.
Na percepção de Luis Roberto Barroso (2004, p. 358), a decisão pela ponderação consiste, em uma técnica decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas.
Sob essa perspectiva, nota-se que a ponderação implica em um método efetivo para sopesar enunciados normativos quando houver a incidência de interesses opostos, aplicando-se esse método com o escopo precípuo de verificar a prevalência de um dos princípios no caso concreto.
Dito isto, ressalta-se que a metodologia utilizada será o da revisão bibliográfica, ainda, utilizando-se das disposições preconizadas no ordenamento jurídico e de algumas decisões oriundas do Poder Judiciário referente a temática ora abordada.
Feita essa contextualização dos objetivos, do referencial teórico e do método a ser utilizado neste artigo, passa-se a análise de cada ponto.
2 JURISDIÇÃO E OS LIMITES DAS MEDIDAS COERCITIVAS
Antes de iniciar a explanação acerca dos limites da aplicação das medidas coercitivas, importante delinear a evolução da jurisdição e, por consectário, fazer uma relação com a atuação do poder jurisdicional.
Pois bem. A jurisdição é um instituto de substancial importância no direito processual, entretanto, ressalta-se que a sua concepção se modificou com o perpassar dos tempos.
Nesse ínterim, destaca-se que para Chiovenda (1925, p. 365), a jurisdição é tida como função voltada à atuação da vontade concreta da lei. Em outras palavras, quer dizer que o juiz teria apenas o dever de aplicar a lei ao caso concreto.
De outro vértice, o doutrinador Carnelutti, em uma concepção contrária, defende basicamente que a jurisdição tem a função de justa composição da lide, entendida como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro interessado (CARNELUTTI, Francesco apud MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz, 2017, p. 44).
Isso quer significar que a ideia de jurisdição está ligada à lide entre pessoas, isto é, somente haveria jurisdição quando existisse um conflito de interesse a ser resolvido pelo juiz.
Em contrapartida, sob uma perspectiva contemporânea, com o fim de demostrar uma conceituação adequada sobre o tema, explica o doutrinador Daniel Amorim (2017, p. 59), que a jurisdição pode ser entendida como a atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal solução a pacificação social.
Na percepção do autor supramencionado, verifica-se que a jurisdição não abarca aquela ideia de que a atuação estatal busca resolver apenas os conflitos, mas sim deve-se aplicar o direito objetivamente e, consequentemente, dar uma solução a pretensão das partes.
De mais a mais, ainda há doutrinadores como Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini e Antônio Carlos Cintra (2012, p. 32), que estudam a jurisdição sob três óticas, quais sejam, o poder, a função e a atividade.
Sob o viés de poder, pode-se afirmar que é a soberania do Estado, que por corolário, impõe decisões e concretiza as pretensões almejadas pelos sujeitos da relação processual. Por outro lado, quanto a função, pode-se afirmar que é a atribuição dos órgãos estatais que recebem encargos para atuar, com o escopo de alcançar a pacificação social. E por fim, quanto à atividade, verifica-se que são os diversos atos praticados pelos órgãos estatais.
Além desses ideários, em uma perspectiva de jurisdição transformadora, tem-se que a partir dos direitos fundamentais, exigiu da jurisdição tutela e proteção como deveres de atuação em prol da efetividade. A atuação judicial se tornou, pois, exigência de um direito à tutela efetiva, cabendo a jurisdição assegurá-la adequadamente.
Com a necessidade de extração do significado constitucional da norma, numa concepção semântica, alterou-se substancialmente o papel da jurisdição, fazendo a moral parte do ponto de vista interno do direito. Além de uma função técnica-científica, à jurisdição foi exigida uma função axiológica, voltada para os efeitos, trazendo como consequência o risco da falta de controle jurídico das decisões, e a possibilidade de que casos iguais sejam tratados de maneira desigual, com a desestabilização das expectativas (NETTO, 2015, p. 14).
Diante dessa exposição acerca da evolução da jurisdição, importante fazer uma correlação com a atuação do poder judiciário no processo de execução, sob a ótica de quais são as medidas coercitivas que o juiz poderá aplicar no caso concreto para alcançar a satisfação do crédito.
A par dessas considerações, verifica-se que o art. 139, do Código de Processo Civil, confere poderes, deveres e responsabilidade aos juízes, além disso, especificadamente o inc. IV, preconiza medidas atípicas em que o juiz poderá utilizá-las a fim de assegurar o cumprimento da decisão judicial.
Nota-se que o artigo supramencionado ampliou a atuação do magistrado para que este dê efetividade à atividade satisfativa e, ainda, verifica-se que o próprio conceito de jurisdição se aperfeiçoou com o transcorrer dos tempos, devendo ser entendido não apenas como a aplicação da lei ao caso concreto, mas deve-se realizar uma análise do direito à luz dos direitos fundamentais e, ainda, sob os princípios constitucionais.
Nesse contexto, é certo de que o magistrado ao aplicar esse dispositivo normativo deverá fazer uma valoração quanto aos direitos que estão em conflito, v.g. deve-se observar no caso concreto, o princípio da dignidade da pessoa humana, mas, por outro lado, ponderar a satisfação do crédito e as garantias fundamentais do credor, com vistas a não violar o direito do mínimo existencial do devedor, isto é, aplicar-se-á as medidas atípicas desde que não prejudique a subsistência do endividado e de sua família.
Nesse ínterim, importante explicitar que há quem diga que esses poderes conferidos aos magistrados se revelam “uma carta branca para o arbítrio” (STRECK, 2016), sob o argumento de que o dispositivo legal serve de instrumento de medidas arbitrárias e autoritárias de restrição de direitos fundamentais, com o objetivo de apenas satisfazer dívidas pecuniárias.
Em que pese esse posicionamento, não se pode vislumbrar desse preceito legal uma possibilidade de arbitrariedade, pelo contrário, deve ser visto como uma oportunidade de tornar o processo de execução viável, isto é, aplicando-o nos casos em que se verifiquem empecilhos advindos do devedor, como o desinteresse em quitar o débito ou ainda, quando este esteja camuflando o seu patrimônio.
Além disso, não se pode confundir a arbitrariedade com a discricionariedade, posto que esta existe quando há duas respostas jurídicas, cada qual igualmente correta no que tange ao direito, forçando então o juiz a fazer sua escolha em conformidade até mesmo com padrões extrajurídicos (NETTO, 2015, p. 10).
A par desses ideários, necessário ilustrar uma solução adequada com a finalidade de resolver possíveis conflitos existentes entre as normas (princípios e regras) no caso concreto.
3 UMA ANÁLISE DO CONFLITO ENTRE NORMAS À LUZ DO ART. 489, § 2º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Código de Processo Civil de 2015 inovou o ordenamento jurídico com a inserção do art. 489, § 2º, dispondo expressamente a maneira de como o magistrado deverá proceder quando se deparar com o conflito de normas, seja entre regras, princípios, ou ainda, entre princípios e regras.
Importante ressaltar que o dispositivo legal supramencionado preconiza em seu bojo que, o magistrado deverá justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação realizada, além disso, deverá enunciar as razões que possibilitem a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão[3].
Em síntese, isso significa que o juiz deverá expor as razões da aplicação de uma norma e, por consectário, explicitar o motivo do afastamento da outra.
Delineado o conteúdo dessa norma, surge uma possível dúvida de ordem prática, qual seja, como esse comando normativo deverá ser aplicado e resolvido no caso concreto?
A partir dessa indagação, surge a necessidade de analisar detidamente a diferenciação de regras e princípios.
À vista disso, significativo expor a concepção de Robert Alexy a respeito desse tema, que defende que a principal diferença entre princípios e regras é a de que os princípios devem ser enfrentados como mandados de otimização a serem aplicados na maior medida do possível, já as regras devem ser aplicadas de modo a se efetivar exatamente o que elas prescrevem, assim, essas devem ser analisadas no plano da validade (ALEXY, 2008).
Sob essa perspectiva, é possível afirmar que quando aplicadas as regras isoladamente, surgem possibilidades de conflito entre si, então, para resolvê-lo, deverá ser feita uma análise no plano da validade, ou seja, aplicar uma delas e afastar a outra.
Em contrapartida, quando se tratar de colisão entre princípios, deverá ser realizada uma ponderação entre eles, a fim de constatar a prevalência de um deles, assim, nesta ótica, deve-se realizar um sopesamento entre eles, com juízo de valores.
Diante dessas considerações, afirma-se que a análise desses critérios é de suma importância para estabelecer os requisitos de aplicação de medidas coercitivas em face do executado, pois no processo de execução deve-se ponderar de um lado, o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da CRFB)[4], o da primazia da resolução do mérito, que inclui a atividade satisfativa (art. 4º do CPC)[5], e de outro lado, a observância do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 8º, do CPC)[6], da liberdade de locomoção (art. 5º, inc. XV, da CRFB)[7], o da menor onerosidade ao executado (art. 805 do CPC)[8], entre outros.
Destarte, deve-se analisar as particularidades de caso a caso, é o que será explicitado no último ponto desse artigo.
3.1 Ponderação dos Princípios Constitucionais
A ponderação entre princípios constitucionais é justificável, diante da possibilidade de colisões entre eles, não obstante, antes de explicitar acerca desse sopesamento, importante descrever o conceito dessa técnica de ponderação.
Na concepção de Ana Paula de Barcellos (2005, p. 23), ponderação é a técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais.
Ainda, na percepção de Luis Roberto Barroso (2004, p. 358)., a decisão pela ponderação consiste, em uma técnica decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas.
No mesmo sentido, o doutrinador Daniel Sarmento (2004, p. 55) explica que o equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas dimensões fáticas é o método de ponderação de bens.
Sob essa perspectiva, a ponderação implica em um método efetivo para sopesar enunciados normativos quando houver a incidência de interesses opostos.
No caso em análise, pode-se destacar que os princípios que a priori, poder-se-ia estar em colisão, são os da efetividade da entrega da prestação jurisdicional, preconizado no art. 5º, inc. LXXVIII[9], combinado com o art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além do art. 4º do Diploma Processual Civil, que prevê em seu bojo o princípio da primazia da resolução do mérito, mas acrescentando a atividade satisfativa, isso quer dizer que não basta a decisão de mérito, mas sim, deve-se propiciar a satisfação do direito declarado pelo magistrado.
Além disso, o princípio da boa-fé, delineado no art. 5º, do Código de Processo Civil, exige um padrão ético e objetivo de honestidade, diligência e confiança oriundos de todos os sujeitos processuais.
Nota-se ainda, a necessidade da observância do princípio da cooperação processual exposto no art. 6º do Código de Processo Civil, que preconiza que as partes devem participar do desenvolvimento do processo, de modo que se chegue ao objetivo da lide, nesse caso, o da satisfação da dívida.
Importante ressaltar que há uma controvérsia na interpretação desse princípio, sob o aspecto de que se o dever de cooperação deve ser exigido apenas do magistrado, ou das partes que detêm interesses diversos. Mas, apesar dessa divergência, não se pretende nesse artigo explicitar profundamente acerca de cada princípio.
Registre-se que, como pode se verificar, o escopo precípuo da ponderação é simplesmente sopesar os direitos acoplados aos princípios, a fim de verificar a predominância de um deles.
3.2 Resolução Adequada à Colisão de Normas (Regras e Princípios)
Como destacado anteriormente, a colisão pode se dar tanto entre regras, princípios, quanto regras e princípios. Assim, tem-se que no caso de conflito entre regras, deverá ser aplicada uma regra e afastada a outra (análise sob o plano da validade), entretanto, quando se tratar de colisão entre princípios, deve ser realizada uma ponderação sob o prisma da proporcionalidade.
Neste ínterim, destaca-se que a análise efetiva da ponderação, demanda a observância de alguns aspectos, sob essa perspectiva, o doutrinador Robert Alexy (2001, p. 160), indica algumas máximas da proporcionalidade a serem observadas no momento de sopesar os princípios.
A par disso, explicita que a ponderação é feita pelo princípio da proporcionalidade, e, este contém três máximas, que sempre devem ser observadas, quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
Expõe que a adequação significa que as medidas tomadas estão aptas para atingir o fim desejado. Por outro lado, a necessidade significa verificar se a medida tomada é a menos gravosa para alcançar os fins desejados, e por fim, a proporcionalidade em sentido estrito que é a análise se as vantagens superam as desvantagens.
Sob esse viés, para realizar uma ponderação justa e efetiva, deverá ser analisada as circunstâncias no caso concreto, levando em consideração a adequação da medida, a necessidade de sua aplicação e a proporcionalidade.
Dito isto, e apresentado o critério de resolução no caso de conflito entre normas, principalmente entre princípios que é o que mais interessa no presente caso, explicitar-se-á acerca dos tipos de medidas atípicas aplicáveis no processo de execução e, por consectário, os requisitos para seu deferimento.
4 TIPOS DE MEDIDAS ATÍPICAS APLICÁVEIS NO PROCESSO DE EXECUÇÃO
Diante da amplitude desse dispositivo, surgem questionamentos acerca de quais medidas atípicas poder-se-iam aplicar no processo de execução.
Tem-se que há várias possibilidades de determinar o executado a cumprir a decisão judicial, v.g. com a determinação da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), dos direitos políticos, do exercício da profissão, apreensão do passaporte, bloqueio de cartões de crédito e de clube vantagens, bem como a proibição de participação em licitações, concurso público, e ainda, de contratar novos funcionários.
Dada essas várias medidas coercitivas, cabe ao magistrado analisar as peculiaridades no caso concreto, ou seja, avaliar a atitude do executado, a situação financeira do devedor, os princípios da boa-fé (art. 5º, CPC), da cooperação processual (art. 6º), da primazia da solução do mérito que inclui a atividade satisfativa (art. 4º), da dignidade da pessoa humana, que determina a observância da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência (art. 8º), ainda, o princípio da eficiência (art. 37, CRFB) etc.
A par dessas possíveis medidas coercitivas, ressalta-se que, especificamente quanto à suspensão da carteira de habilitação, há quem defenda que em qualquer situação a suspensão do referido documento seria violação do direito de ir e vir, posto que tal direito está preconizado na Constituição da República. Nesse cariz, importante destacar a Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 5.941 ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, representada pelo Partido dos Trabalhadores, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux[10].
A priori, o argumento empreendido na inicial foi o de que a busca pelo cumprimento das decisões judiciais não pode ocorrer em detrimento dos direitos fundamentais, v.g. a liberdade de locomoção e a dignidade da pessoa humana.
Não obstante, ressalta-se que o pedido cautelar não fora apreciado até o momento, assim, aguarda-se o julgamento acerca da constitucionalidade ou não do art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Noutro pórtico, já há decisões do Superior Tribunal de Justiça, se posicionando no sentido de que tais medidas não ofendem o direito de locomoção.
A partir dessas concepções e da controvérsia acerca da constitucionalidade das referidas medidas, torna-se imprescindível expor alguns parâmetros para aplicação das medidas coercitivas supramencionadas.
5 REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS
O que se extrai de todas as considerações explanadas no iter desse artigo, é que não há um consenso acerca da aplicação dessas medidas, a par disso, importante assentar algumas premissas para fundamentar o deferimento de uma medida coercitiva atípica preconizada no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Primeiramente, importante destacar que a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), formulou o enunciado número 48, no sentido de considerar constitucional a disposição preconizada no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil, sob o argumento de que esse comando traduz poder de efetivação, permitindo-se aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento das ordens judiciais[11].
Além disso, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), consignou no enunciado 396[12], que as medidas coercitivas preconizadas no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil, poder ser aplicadas de ofício, observando-se o art. 8º da mesma legislação.
Sob esse espectro de efetivação da atividade satisfativa, é que se criou essa disposição normativa de medidas atípicas e, em razão dessa amplitude das medidas, tem o magistrado o dever de fundamentar corretamente o seu deferimento sob pena de violar as garantias dos sujeitos processuais.
À vista disso, o primeiro requisito a ser delineado é que se tenha esgotado todas as medidas executivas típicas, tendo, portanto, essas medidas atípicas caráter subsidiário, isto é, imprescindível que tenham se esgotado as tentativas de bloqueio via Bacenjud, Renajud, Infojud, penhora de imóveis, semoventes etc., para que assim, possam aplicá-las à execução, dessa forma, com isso, faz com que indubitavelmente se afaste as eventuais arbitrariedades, no caso do deferimento de medidas atípicas.
Nesse cariz, é que foi decidido no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2017511-84.2017.8.26.0000, de Relatoria do Desembargador Adilson de Araújo, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[13], que as medidas atípicas detêm caráter subsidiário, ou seja, devem ser utilizadas após esgotados todos os meios tradicionais de execução.
O segundo requisito deve ser analisado sob o prisma dos princípios processuais constitucionais, como o princípio da cooperação processual, preconizado no art. 6º do Código de Processo Civil[14].
Esse dispositivo prevê que as partes possuem o dever de cooperar entre si para que se alcance em tempo razoável uma decisão justa e efetiva.
A par disso, deve-se observar a participação do executado nos atos processuais, v.g., verificar se o executado atende as determinações judiciais, se o devedor busca de alguma forma tornar viável o pagamento do débito ao credor, entretanto, em caso negativo, poderá possibilitar a aplicação dessas medidas executórias.
Aqui, pode-se incluir os casos em que todas as tentativas pela busca de algum patrimônio são infrutíferas, mas desde que haja prova suficiente nos autos de que o executado tenta de alguma forma camuflar, dilapidar ou desviar o seu patrimônio.
O terceiro requisito a ser exposto é a necessidade de realizar um balanceamento entre os princípios, da mesma maneira como foi observado no julgamento do Recurso Especial 1.658.069/GO[15], proferido pela e. Relatora Ministra Nancy Andrighi, em que se discutia a penhora de salário para satisfação de dívida não alimentar (trata-se de medida típica, mas importante trazer à discussão), assim, ressaltou-se que é indispensável harmonizar as vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana, de um lado, o direito ao mínimo existencial e, de outro lado, o direito à satisfação executiva, tal apreciação deve ser feita sob a análise das provas contidas nos autos.
Nota-se que não é adequado afirmar simplesmente que qualquer medida coercitiva fere a dignidade da pessoa humana, deve-se realizar uma ponderação dos direitos em questão, pois defender que o deferimento de uma medida coercitiva violada de plano os direitos fundamentais, sem ao menos fazer a devida ponderação é uma expressiva violação a todos os outros comandos legais, que buscam a satisfação da dívida.
Ainda, o quarto requisito a ser delineado é que se deve aplicar o art. 139, inc. IV, do CPC, em consonância com o art. 8º do CPC (que enuncia a dignidade da pessoa humana, a razoabilidade, a proporcionalidade e a eficiência), e caso haja conflito com outro direito, deve-se observar o art. 489, §2º do CPC (colisão entre normas), buscando resolver o conflito à luz de uma perspectiva constitucional.
Em outras palavras, quer dizer que no momento da aplicação de medidas atípicas, necessário harmonizá-lo com a razoabilidade da medida, verificar se ela é proporcional no caso concreto, e ainda, observar a dignidade da pessoa do executado. Assim, por consectário, após a observância desse requisito, e caso haja conflito entre esses princípios ou normas, deve o magistrado justificar a ponderação realizada e a prevalência do direito.
O quinto requisito a ser observado, especificadamente a respeito da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), é que para o seu deferimento é imprescindível que não interfira no sustento da família do devedor, v.g. não seria razoável suspender a habilitação do taxista, do motorista de caminhão, de ônibus ou de Uber, se este for o seu meio de sobrevivência.
Destarte, é de suma importância a observância de todo esse conjunto de requisitos para eventual aplicação das medidas atípicas, com esteio no art. 139, inc. IV, do Diploma Processual Civil.
6 CONCLUSÃO
Diante da explanação esposada no presente artigo, é possível afirmar que a aplicação dessas medidas coercitivas atípicas preconizadas no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil, ampliou a atuação do poder jurisdicional para que este dê efetividade ao processo de execução.
Nota-se que essa ampliação é corolária da evolução da jurisdição, pois atualmente esta deve ser entendida não apenas como a aplicação da lei ao caso concreto, mas deve-se realizar uma análise do direito à luz dos direitos fundamentais e, ainda, sob os princípios constitucionais.
Diante dessa perspectiva, caber-se-ia ao magistrado fazer uma valoração quanto aos direitos que estão em conflito no momento da aplicação desse dispositivo, v.g. deve-se observar o princípio da dignidade da pessoa humana, mas, ponderar a satisfação do crédito e as garantias fundamentais do credor, com vistas a não violar o direito do mínimo existencial do endividado, ou seja, aplicar-se-á as medidas atípicas desde que não prejudique a subsistência do devedor e de sua família.
Além disso, observou-se que no momento da aplicação dessas medidas, poder-se-ia ocorrer o conflito de normas, destarte, com vistas a solucionar esse imbróglio, quando se tratar de conflito entre regras deverá ser feita uma análise no plano da validade, ou seja, aplicar uma delas e afastar a outra.
Não obstante, quando se tratar de colisão entre princípios, deverá ser realizada uma ponderação justa e efetiva entre eles, levando em consideração a adequação da medida, a necessidade de sua aplicação e a proporcionalidade, a fim de constatar a prevalência de um deles, isto é, sopesá-los no caso concreto.
E por fim, diante de toda essa temática, estabeleceu-se alguns requisitos mínimos que devem ser observados no momento de eventual deferimento das medidas coercitivas executivas, v.g. o esgotamento de todas as medidas executivas típicas, tendo, portanto, essas medidas atípicas caráter subsidiário, além disso, a análise sob à luz dos princípios processuais constitucionais, como o princípio da cooperação processual, preconizado no art. 6º do Código de Processo Civil.
Ainda, deve-se realizar uma ponderação dos princípios constitucionais, dessa forma, não seria adequado afirmar simplesmente que qualquer medida coercitiva feriria a dignidade da pessoa humana, pelo contrário, deve-se realizar uma ponderação dos direitos em questão, pois defender que o deferimento de uma medida coercitiva violada de plano os direitos fundamentais, sem ao menos fazer a devida ponderação é uma expressiva violação a todos os outros comandos legais, que buscam a satisfação da dívida.
Além do mais, deve aplicar as medidas em consonância com a dignidade da pessoa humana, a razoabilidade, a proporcionalidade e a eficiência, e no caso de conflitos com outros direitos, deve-se observar o art. 489, §2º do Código de Processo Civil, buscando resolver o conflito à luz de uma perspectiva constitucional, ou seja, necessário harmonizá-lo com a razoabilidade da medida, verificar se ela é proporcional no caso concreto, e ainda, observar a dignidade da pessoa do executado.
Ademais, a respeito das medidas de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, tem-se que é possível apenas quando não interferir na subsistência do devedor ou de sua família.
Destarte, tem-se que é imprescindível observar esses parâmetros para que se chegue a uma decisão justa, mas ao mesmo tempo efetiva, com vistas a não violar os direitos fundamentais dos sujeitos da relação jurídica processual.
7 REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
BARCELLOS, Ana Paula. Ponderação, Racionalidade e Atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.
BRASIL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.941 Distrito Federal. Disponível em: <file:///C:/Users/05808843928/Downloads/texto_314386886%20(1).pdf>. Acesso em: 29 jun. 2018.
CARNELUTTI, Francesco apud MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil. 3. ed., rev, atual e ampl. Thompson Reuters, Revista dos Tribunais, 2017. v.1.
CHIOVENDA, Giuseppe. Principios del derecho procesal. Madrid: Reus, s/d.
CINTRA, Antônio Carlos; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
SOUZA NETTO, JOSÉ LAURINDO DE. A centralidade da jurisdição como fonte reveladora do direito: a busca da cientificidade perdida. Disponível em: <http://www.cidp.pt/publicacoes /revistas/rjlb/2015/6/2015_06_0717_0747.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2018.
STRECK, Lenio Luiz. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta branca para o arbítrio? Disponível em: <https:// www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-branca-arbitrio>. Acesso em: 06 mar. 2018.
Notas de Rodapé
[1] Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1982), Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1998) e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000). Em 2004 concluiu o estágio de pós-doutorado, junto ao departamento de sociologia da Faculdade de Direito da Universidade Degli Studi di Roma “La Sapienza”, em programa de vinculado ao Ministério da Educação – Capes. Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.
[2] “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”.
[3] “§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.
[4] “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004).
[5] “Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
[6] “Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
[7] “XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”.
[8] “Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados”.
[9] “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004).
[10] BRASIL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.941 Distrito Federal. Disponível em: <file:///C:/Users/05808843928/Downloads/texto_314386886%20(1).pdf>. Acesso em: 29 jun. 2018.
[11] “Enunciado 48. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais”.
[12] Enunciado 396 do FPPC (art. 139, IV; art. 8º) As medidas do inc. IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º. (Grupo: Poderes do juiz).
[13] TJSP – Agravo de Instrumento nº 2017511-84.2017.8.26.0000. 31ª Câmara de Direito Privado. Relator Adilson de Araújo, 11.04.2017.
[14] “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
[15] STJ – REsp. 1.658.069/GO – 3ª T. – Relª. Minª. Nancy Andrighi – 20.11.2017.