Microcefalia: Retrato (In)Eficiente do Sistema de Proteção Social Brasileiro

DOI: 10.19135/revista.consinter.0007.12

Roberta Soares da Silva[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8829-6907

Carla Benedetti de O. Andrade[2] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5232-159X

Resumo: O sistema de Seguridade Social tem por objetivo garantir proteção social na ocorrência de situações de carência, havendo uma responsabilização de todos os indivíduos pelas necessidades vitais básicas de outros, para que todos possam gozar de uma vida digna, a fim de que se realize o bem comum e a justiça social. Tal sistema de proteção social se mostra ineficiente quando da proliferação do zika vírus no início de 2015, no nordeste brasileiro, e que corroborou para a existência de microcefalia, devido, no caso, à ausência de políticas públicas de controle, fiscalização e saneamento básico e que pudessem conter a propagação do mosquito Aedes Aegypti, transmissor do vírus. Observa-se, assim, a carência de um sistema de proteção, albergado na Seguridade Social, que fosse efetivo para a preservação da dignidade humana, sendo o contexto apresentado de flagrante risco social. Diante disso, no âmbito da assistência social, foi editada a Lei 13.301/2016, a fim de assistir às famílias de baixa renda, com portadores de microcefalia, com a concessão de um benefício de prestação continuada. A assistência social visa garantir ao homem o mínimo de subsistência quando em estado de necessidade, todavia, deve o Estado também, em um contexto de proteção social, não somente remediar problemas, mas fornecer planos de ação que respeitem o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos fundamentais.

Palavras-chave: Seguridade Social. Proteção Social. Microcefalia. Assistência Social. Dignidade da Pessoa Humana.

Abstract: The Social Security system aims to guarantee social protection in the occurrence of situations of lack, with a responsibility of all individuals for the basic vital needs of others, so that everyone can enjoy a dignified life, in order to achieve the good social justice. Such a social protection system proves to be inefficient when the zika virus proliferated in early 2015, in the Brazilian northeast, and which corroborated the existence of microcephaly, due, in this case, to the absence of public control, supervision and sanitation policies and that could contain the spread of the mosquito Aedes Aegypti, transmitter of the virus. Thus, there is a lack of a system of protection, housed in Social Security, that is effective for the preservation of human dignity, and the context presented is a flagrant social risk. Therefore, in the scope of social assistance, Law no. 13,301 / 2016, in order to assist low-income families with microcephaly patients, with the granting of a continuous benefit. Social assistance aims at guaranteeing man the minimum of subsistence when in a state of necessity, however, the State must also, in a context of social protection, not only remedy problems but provide action plans that respect the principle of the dignity of the human person , as well as fundamental rights.

Keywords: Social Security. Social Protection. Microcephaly. Social assistance. Dignity of human person.

1 INTRODUÇÃO

O número de pessoas com deficiência no Brasil é alarmante. Segundo dados do censo demográfico brasileiro de 2010, com uma amostra probabilística de 6.192.332 (10,7%) de totais domicílios visitados, e uma população de 20.635.472 pessoas, demonstrou-se uma prevalência de 23,9% de deficiências autodeclaradas permanentes.

Ademais, observou-se que a Região Nordeste apresenta a maior concentração de deficiência. Nesse cenário, soma-se ainda o fato de que aproximadamente 20% das pessoas com deficiência não são alfabetizadas, somente 46,2% possuem alguma ocupação profissional e boa parte encontra-se em situação de absoluta miséria.

Sobre o assunto também aborda Sidney Madruga:

Às pessoas com deficiência são reservadas as taxas de pobreza mais elevadas, piores níveis de saúde e escolaridade e menor participação econômica, em decorrência, principalmente, das barreiras de acesso aos serviços que se entendem básicos: saúde, educação, emprego, transporte e informação. A situação se agrava nas comunidades mais pobres, por isso a prevenção dos problemas de saúde estarem relacionadas ao desenvolvimento com atenção em especial aos fatores ambientais ligados a nutrição, água e saneamento, dentre outros[3].

Observa-se, então, pela perspectiva numérica oferecida em relação a um porcentual considerável de pessoas com deficiência e às variáveis apresentadas, a necessidade de inclusão social dessas pessoas no sistema de Seguridade Social, por meio de um plano que albergue os valores apregoados na política de bem-estar social, a fim de que se garanta o princípio basilar da dignidade da pessoa humana.

O surto de Zika vírus, que surgiu no início de 2015, com o consequente alastramento da microcefalia, devido à propagação do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus, deflagrou um problema de saúde pública, e que de certa medida, declara, dentre outras inúmeras situações, a ineficiência do sistema de proteção social brasileiro.

Em situação emergencial e o flagrante risco social, verificou-se a necessidade de oferecer um programa assistencial que minimizasse os efeitos desastrosos que recairia sobre os atingidos, seus familiares e população em geral no que se refere à saúde, educação e habitação, com seus reflexos no ambiente econômico, social e cultural.

Junto às premissas da Assistência Social, intentou-se garantir um mínimo existencial para que restasse à população atingida um pouco de dignidade. Sob esse contexto, busca-se, ainda, incluir os atingidos pela microcefalia, em decorrência do Zika vírus, e, nesse sentido, as pessoas com deficiência em sociedade. Clama-se também a toda sociedade participar desse cenário de integração social e exige-se do Estado a implementação de políticas públicas em que se implemente materialmente os requisitos presentes em um sistema de Seguridade Social.

Sobre a integração e inclusão da pessoa com deficiência, um modelo social de Direitos humanos – junto às perspectivas encaminhadas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – é utilizado quando a deficiência se relaciona com o ambiente cultural, econômico e social em interação com as condições físicas e mentais do indivíduo, em contraposição ao modelo médico, que não considera as barreiras externas apresentadas por tais indivíduos.

Nesse sentido, a interação com o meio social é mais importante do que a própria deficiência. O que definiria a pessoa com deficiência, mais que um prejuízo fisiológico, seria a dificuldade de se relacionar e se integrar em sociedade e esse também tem sido o desafio em uma política inclusiva e que garanta bem-estar e justiça social.

Tratar sobre a deficiência, decorrente inclusive da escassez de orçamentos destinados pelo Estado para a consecução de políticas públicas, é tratar globalmente sobre um tema na qual todos, direta ou indiretamente, estão inseridos. Ademais, Fábio Konder Comparato cita que: “todos os seres humanos, apesar das diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, de descobrir a verdade e criar a beleza”[4].

Ao se abordar as políticas de integração e inclusão da pessoa com deficiência, à sociedade é trazida a perspectiva de participante, garantindo-se, junto ao Estado de bem-estar social, no contexto de uma política de Seguridade Social, a promoção dos princípios fundamentais.

2 PESSOA COM DEFICIÊNCIA: NOTAS PROPEDÊUTICAS

A fim de que a pessoa com deficiência possa se integrar e se incluir à sociedade, a Constituição de 1988, bem como diversas legislações brasileiras que se relacionam com as normas internacionais, trouxeram um rol de conceitos, bem como dos direitos fundamentais, a serem utilizados para que esse processo seja estabelecido.

Nesse sentido, Sandra Morais de Brito Costa conceitua a pessoa com deficiência como aquela que: “[…] apresenta perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano, observados os parâmetros legais exigidos[5].

Logo, as pessoas com deficiência podem ser entendidas como o conjunto de indivíduos que são cometidos por alterações funcionais do corpo humano e que limitam sua atuação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, havendo barreiras que potencializam a referida alteração funcional, existindo, assim, um grau de dificuldade para que se defina e conceitue a pessoa com deficiência.

O Decreto 3.956/2001 internalizou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, prescrevendo sobre o significado de deficiência, em seu art. 1º, da seguinte forma:

Uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

Para a Convenção da ONU, o conceito de deficiência se relaciona com a “interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Sob esse viés, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, § 1º, art. 2º, determina que a avaliação da deficiência será biopsicossocial, que considerará os impedimentos nas funções e estruturas do corpo, bem como os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, além da limitação no desempenho de atividade, bem como a restrição de participação.

A Lei complementar 142, por sua vez traz, em seu art. 2º, o conceito da pessoa com deficiência:

Art. 2o. […] aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Tal conceito respalda-se no art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que aborda a questão da deficiência sob o ponto de vista do modelo social, e não do modelo médico, puramente técnico. Assim, a deficiência não seria entendida fisiologicamente, mas aquela que se orienta conforme a dificuldade de integração em sociedade, tendo em vista a discriminação existente e que impõe obstáculos para a inserção social da pessoa em igualdade de condições com os demais indivíduos.

Doutrinariamente, Luiz Alberto David Araújo assevera que: “O que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para integração social é o que definirá quem é ou não portador de deficiência[6].

Ao considerar e conceituar ainda a deficiência como proveniente de uma dificuldade de inclusão e integração social, Luiz Alberto David Araújo argumenta que:

Poderemos, ainda, imaginar uma colônia de hansenianos. Na sociedade constituída para abrigar esse grupo de doentes, cada um deles está perfeitamente integrado, com família constituída, relacionamento profissional e social. Naquela sociedade, não se pode falar em pessoa com deficiência; fora desse ambiente, seria manifesto o problema. A deficiência, portanto, há de ser entendida levando-se em conta o grau de dificuldade para a inclusão social e não apenas a constatação de uma falha sensorial ou motora, por exemplo[7].

Observa-se, portanto, que as barreiras e participação em sociedade em igualdade de condições são os fatos que influenciam, junto às dificuldades corporais, intelectuais ou sensoriais, para que uma pessoa seja classificada com deficiência ou não, sendo o meio social do indivíduo fator determinante. Assim, a concepção atualmente seguida refere-se à intersecção existente entre deficiência física, mental, intelectual ou sensorial versus interação social.

3 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DA ONU A RESPEITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência constitui-se como o mais abrangente e relevante documento internacional dedicado à pessoa com deficiência e que foi adotado pela Assembleia Geral da ONU em 06 de dezembro de 2006 (Resolução 61/2006), passando a vigorar em maio de 2008.

No Congresso Nacional, a Convenção foi aprovada em 09 de julho de 2008, junto ao Decreto Legislativo 186, que foi promulgada em 25 de agosto de 2009, havendo uma mudança de paradigma no que concerne ao universo que cerca as pessoas com deficiência, sendo incorporada junto ao Direito brasileiro como status equivalente à de Emenda Constitucional, conforme preceitos do art. 5º, § 3º da Constituição Federal de 1988.

A referida Convenção é a primeira de Organismo Internacional do século XXI, no âmbito de um contexto global de proteção aos direitos humanos e que possui por intenção preservar a dignidade da pessoa humana e da paz mundial.

O preâmbulo da Convenção menciona que seu objetivo é o de proteger e promover os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que presta significativa contribuição a fim de se corrigir as profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência, promovendo a sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos.

A Convenção intenta mudar um paradigma da visão de deficiência no mundo, passando-se do modelo médico e assistencialista – quando a deficiência é tratada como um problema de saúde – para um modelo social de direitos humanos, em que a deficiência é resultante da interação de limitação funcional com o meio.

O Brasil deve adotar medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para a realização dos reconhecidos direitos, esforçando-se por eliminar as práticas que venham, por ventura, discriminar as pessoas com deficiência.

De acordo com o conceito de deficiência apresentado pela ONU, esta não seria entendida como algo inerente à pessoa, mas como resultado da interação desta com o meio, sendo que a Convenção seria inspirada no paradigma contemporâneo da inclusão, quando há um marco normativo para a promoção da igualdade substantiva, tal como mencionado no art. 3º, a, da Convenção, que estabelece: “O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas”.

Na Convenção há o reconhecimento da necessidade de se particularizar medidas de proteção das pessoas com deficiência, uma vez que essas pessoas continuariam a enfrentar barreiras contra sua participação junto aos outros membros da sociedade.

Ao se conceituar a deficiência, art. 1º, segundo a Convenção, menciona-se que:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Nesse sentido, enquadrar-se-á como pessoa com deficiência aquela incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual e social, quando da acepção de uma deficiência, que seja congênita ou não, de acordo com suas capacidades físicas ou mentais.

Ademais, salienta-se que o referido conceito implica em tratar a sociedade como mantenedora da deficiência do indivíduo, quando observa-se a falta de acolhimento e integração do “diferente” na comunidade, vez que os impedimentos não são somente do ponto de vista clínico, mas também os das barreiras sociais existentes.

Sobre os benefícios com a promulgação da Convenção, Solange Almeida Holanda Silvio esclarece:

A melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência está diretamente relacionada à ampliação da sua participação na sociedade. Com a ratificação da Convenção deu-se início a um processo de sensibilização da comunidade em relação aos direitos das pessoas com deficiência. Ação voltada à conscientização e à disseminação de conhecimento acerca do conteúdo desse novo tratado de direitos humanos vem sendo realizada por organizações não governamentais atuantes na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e dos direitos humanos no país[8].

Para a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a incapacidade ou deficiência:

É um conceito em evolução e que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao meio ambiente, que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 186, de 9.7.2008 e promulgado pelo Decreto 6.949, e 25.8.2009)

Consta ainda na Convenção a situação de que a maioria das pessoas com deficiência vive em condições de pobreza, restando resignada à necessidade de lidar com o impacto negativo da pobreza.

Ademais, as barreiras externas agravam, ou ainda, impedem que esse grupo tenha uma participação ativa na sociedade em igualdade com os demais cidadãos, havendo uma grande relação entre pobreza e deficiência, pois, no caso dos mais pobres, as barreiras internas – tais como falta de acesso, de participação nas políticas públicas, no meio ambiente e em relação a condições pessoais e econômicas – corrobora para que exclusão seja muito maior.

Por meio do Programa de Ação Mundial para as pessoas com Deficiência, de Resolução 48/96, propôs-se a implantação de Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiências. Intenta-se, assim, por meio da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promover a humanidade junto ao processo de integração e inclusão de todos.

A proteção efetiva do valor humanidade afirmada na Declaração dos Direitos dos Deficientes é fundamental para o desenvolvimento e progresso social das nações do mundo e das sociedades modernas. Do contrário, o ser humano está fadado a conviver com o egoísmo e a vaidade, o que conduzirá ao desrespeito aos semelhantes, com a consequente violação da dignidade dos homens em sua convivência social. A proteção dos direitos humanos dos deficientes, que implica respeito à invariante axiológica dignidade humana, permitirá maior grau de desenvolvimento social de determinada sociedade[9].

Sob tal perspectiva, e como orientação da Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência, busca-se um desenvolvimento integral do homem para que haja o desenvolvimento da própria condição humana, a fim de que a nação internacional alcance tal feito na medida em que protege os direitos de pessoas com deficiência e assegura-lhes o bem-estar e a reabilitação, seja física, sensorial ou mentalmente, uma vez que estas encontram-se em prejuízo em comparação com as demais pessoas da sociedade.

A composição dos indivíduos em sociedade possibilita a visualização da existência de grupos de pessoas que necessitam de maior proteção, seja por fatores pessoais, seja pela necessidade de equalização de condições histórico-sociais ou pela existência de “disfunções biológicas”. Tal proteção diferenciada se faz necessária para que tais indivíduos possam desenvolver e exercer a plenitude de sua dignidade em sociedade, pois se todos os indivíduos gozam de igual dignidade, a não equivalência do exercício e do desenvolvimento desta faz com que estes indivíduos mereçam um tratamento jurídico diferenciado em relação aos demais membros da sociedade – inclusive, para que ambos possam gozar em igualdade de condições os espectros de sua cidadania em um dado Estado de Direito[10].

O desenvolvimento integral do homem coexiste à medida que este encontra sua essência e dignidade, bem como os povos e sociedade civil encontram-se na caridade e solidariedade.

Para isso, deve haver cooperação, amizade mútua, tendo como fim o bem comum, o futuro da humanidade. Deve haver fraternidade entre os povos, o respeito às diferenças, às crenças, aos valores. As nações devem solidarizar-se com os menos favorecidos, seja econômico, político ou social. Ou seja, deve haver uma fraternidade universal, a promoção do bem de todos os povos[11].

Em relação aos países que adotarem a Convenção, ficarão estes obrigados a eliminar leis, costumes e práticas que representem a discriminação contra as pessoas com deficiência.

Com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, objetiva-se promover a dignidade, bem como proteger e assegurar o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência, propiciando-se, junto à garantia de respeito da dignidade da pessoa humana, o Estado Democrático de Direito, haja vista que para que a democracia seja resplandecida, é importante que haja a inclusão de todos.

4 APLICAÇÃO DO PLANO DE SEGURIDADE SOCIAL

A política de Seguridade Social compreende por um conjunto de medidas proporcionadas pelo Estado à população com a finalidade de se evitar desequilíbrios econômicos e sociais. Constitui-se, ainda como um sistema de repartição, para adaptar todos os indivíduos e cada família em relação às necessidades destes, conforme as circunstâncias que podem ocorrer.

O Estado, sem prejuízo de outras formas de solidariedade, há de proporcionar aos seus cidadãos um mínimo de seguridade frente às situações de necessidade, conforme disposto no art. 3º, I, da Constituição Federal, havendo meios para a eliminação dos obstáculos que impedem que se alcance os objetivos humanitários de realização plena de autonomia e independência do indivíduo.

O Estado social deve estar bem organizado para tratar dos problemas das populações relativamente homogêneas, de grupos ou classes e o sistema público deve dar conta da proteção de indivíduos singularmente considerados.

A proteção é extensível a todos os cidadãos que apresentam uma perda de autonomia funcional ante a realização de atividades próprias da vida diária, que são a base do princípio da cidadania social, atribuindo direitos sociais a pessoas em situações de necessidade.

As práticas de proteção social tratadas fazem parte do modelo de Estado de Bem-estar social, também conhecido como Welfare State, que, quando da sua instituição, tinha por intuito proteger os marginalizados e combater a miséria e perturbações da vida humana, em especial, o desemprego e a velhice. “A essência do Estado de Bem-Estar Social reside na proteção oferecida pelo governo na forma de padrões mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação e educação, assegurados a todos os cidadãos como um direito político, não como caridade[12].

Intentava-se, pois, garantir ao indivíduo o mínimo de participação na riqueza coletiva. “O Welfare State baseou-se na crença implícita de que a ação redistributiva do Estado harmonizava-se com o crescimento econômico, que seria indispensável para que o Estado pudesse exercer suas novas funções[13].

Nesse sentido, por meio da concepção universalista da Seguridade Social, cria-se a presunção absoluta de situações de carência em caso de ocorrência de doença, invalidez, velhice ou morte, havendo, em contrapartida, prestações gerais de subsistência, uniformes para todos os cidadãos, a fim de se garantir dignidade.

A Seguridade Social se encontra fundamentada no princípio da solidariedade. Nesse sentido, faz-se importante que haja uma responsabilização de todos os indivíduos pelas necessidades vitais básicas de outros que se encontrem em situação de carência, de forma que todos possam gozar de uma vida digna, cuja finalidade é a realização do bem comum e da justiça social.

A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão de vida digna[14].

O objetivo da Seguridade Social é o de prevenir e aliviar a pobreza, constituindo-se como resposta a uma aspiração de segurança. É ainda, garantir aos indivíduos e às famílias a tranquilidade de uma boa qualidade de vida, não menosprezada ou diminuída em face de nenhuma circunstância social ou econômica, ou ainda física, tal como ocorre com as pessoas com deficiência.

Celso Barroso Leite conceitua a seguridade social da seguinte forma: “conjunto de medidas com as quais o Estado, agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de segurança na adversidade, de tranquilidade quanto ao dia do amanhã[15].

Ainda sobre a seguridade social, Mattia Persiani trata também o seguinte: “A ideia da seguridade social encontra, portanto, a sua essencial implementação naquele complexo sistema através do qual a administração pública, ou outras entidades públicas, executam a meta pública da solidariedade com a distribuição de bens, em dinheiro ou produtos, e de serviços aos cidadãos que se encontram em condições de carência[16].

Portanto, a Seguridade Social, disposta no art. 1º da Lei de Organização e Custeio da Seguridade Social, é entendida como um conjunto de ações e de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.

A essencial implementação da Seguridade Social se dá naquele complexo sistema através do qual a administração pública – ou outras entidades públicas – executa a meta da solidariedade com a distribuição de bens, em dinheiro ou produtos, e de serviços aos cidadãos que se encontram em condições de carência.

Por fim, tem-se que o direito à Seguridade Social é inerente à dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF. Por isso, também se torna quase impossível imaginar a Previdência Social desconectada do item I do art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do homem, votado pela ONU em 1948, no qual prevê que:

I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Destarte, tem-se que a Seguridade Social tem por intuito proteger o indivíduo que se encontre em estado de risco social, visando ao bem-estar da sociedade para instauração da justiça social, e estando a pessoa com deficiência em situação de risco social, importante que uma efetiva política de Seguridade Social seja instaurada.

4.1 Políticas Públicas de Saúde: o Caso do Zika Vírus em Implicação com a Teoria do Risco Social

E o que são políticas públicas?[17]

Podemos entender políticas públicas como o conjunto de programas, ações e atividades desenvolvidos pelo Estado, de forma direta ou indireta, com a participação de vários atores sociais, públicos e ou privados, e que tem por finalidade assegurar determinados direitos da sociedade, coletivamente ou visando determinada classe social, econômica, cultural ou étnica. Trata-se de direitos assegurados constitucionalmente como: previdência, assistência, saúde, educação e outros.

Essas políticas podem ser formuladas por iniciativa do Poder Executivo ou do Legislativo, separadamente ou em conjunto, a partir das demandas e propostas dos diversos segmentos da sociedade, podendo ser acompanhadas e avaliadas, em processo de participação e controle social, como: saúde, educação, previdência, assistência etc.

Sobre a teoria do risco social, tem-se que:

Um olhar mais geral sobre o uso do conceito de risco na literatura leva à conclusão de que existem basicamente duas concepções de risco. A primeira, que podemos chamar de conceito “restrito de risco”, segue a definição de Luhmann, isto é, quando um ator sabe das consequências do seu agir e procede na consciência tanto do possível sucesso da sua ação como de possíveis danos. A segunda, que podemos chamar de conceito “amplo de risco”, vai mais além e inclui aquilo que Luhmann denomina perigo. Assim há uma “zona de risco” quando se trata, por exemplo, de regiões onde terremotos são, por causa da localização geográfica, frequentes; ou quando se trata de risco de uma guerra nuclear; risco de uma epidemia ou risco da desertificação em regiões com um uso excessivo do solo. Esse conceito amplo quer alertar para a emergência de futuros eventos danosos para o homem, sejam eles frutos de uma ação individual, sejam resultado não intencionado de uma ação coletiva, sejam ainda simplesmente fenômenos naturais com efeitos negativos para a sociedade[18].

Ainda sobre risco, Ulrich Beck afirma o seguinte: “Na grande maioria das vezes o risco da as caras com vinculação à separação de camadas da sociedade, de sorte que os menos favorecidos são os que mais suportam os ditos riscos e, no primeiro momento: ‘os riscos parecem reforçar, e não revogar, a sociedade de classes[19].

Nesse sentido, os riscos acentuam as diferenças existentes ao tratar sobre os fatores que venham a diminuir sua capacidade laboral, e, para tanto, a pessoa com deficiência apresentaria um maior risco social, carente, portanto, de maior proteção.

Ademais, Armando de Assis Oliveira[20] afirma que o indivíduo é uma parte constitutiva do todo que é a sociedade, e esta é resultante da congregação de indivíduos. Nesse sentido, o que atinge a sociedade, atinge também o indivíduo, por isso, o perigo que ameaça o indivíduo se transfere para a sociedade. Por conseguinte, políticas públicas configuram-se como mecanismos de proteção social e de defesa de toda a sociedade.

Assim, o risco seria dado como algo intrínseco ao trabalho assalariado. Todavia, o homem deve ser protegido não pelo fato de ser um trabalhador e um produtor de riquezas, mas simplesmente por ser um cidadão e conviver em sociedade. A doença, a necessidade, a ignorância e a miséria seriam inimigos comuns de todos.

Nesse viés, as políticas públicas que vem a ser implantadas para garantir dignidade aos atingidos pelo Zika Vírus convergem para os ideais propostos pela política de Seguridade Social.

Com relação aos casos de proliferação do vírus zika, ocorrido na região do nordeste do Estado brasileiro (ano de 2015), estes ocorreram por conta da ausência de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado de modo a conter a propagação do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus.

Por consequência, a contaminação pela zika fora alarmante, justamente ante a falta de políticas públicas de controle, fiscalização e saneamento básico.

Os efeitos foram devastadores – bebês nascidos vivos com malformação congênita, relacionado ao tamanho incompatível do crânio em relação à idade e sexo.

Mulheres em estado gravídico tiveram contato direto (picada) do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus da dengue, da febre amarela, da febre chikungunya e da zika.

Mas porque a região do nordeste brasileiro fora a mais afetada?

Essa região sempre foi a mais atingida por mudanças climáticas; a seca é o fator preponderante, assim como a pobreza.

A região nordeste do Brasil é carente de serviços públicos e essenciais à preservação da dignidade humana. É uma região onde há escassez de água potável, habitação, saúde, educação e saneamento.

É retrato da obra de Graciliano Ramos – “Vidas Secas”[21] – que conta a história de vida miserável de uma família de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas menos castigadas pela seca.

As vidas secas, novamente, protagonizam suas mazelas, não de forma romanceada, mas em vida real, com famílias que carregam seus filhos portadores de microcefalia e crianças com má formação congênita, se deslocando na busca de serviços públicos de saúde, numa região castigada pela seca, pela fome e pela miséria. Observa-se, assim, um contexto de flagrante risco social.

O risco social seria a ameaça, o perigo ao qual fica exposta a coletividade, com a possibilidade de atingimento de qualquer de seus membros por esta ou aquela ocorrência, ficando estes privados de meios essenciais à vida; prima-se, então, pelo equilíbrio da sociedade.

Na nova significação de risco social, é possível conclamar a participação de todos os cidadãos no sistema de garantia, sendo o Estado administrador e órgão representativo.

Os riscos sociais a serem protegidos devem ser os de diferente natureza, com planejamento organizado e sistemático para criação dos meios e facilidades disponíveis, utilizando-se de medidas disponíveis para o financiamento da Seguridade Social para que se implemente a tão almejada justiça social.

Pela nova acepção de risco social, faz-se importante a participação de todos no sistema de proteção social. Desapareceria, assim, a noção de beneficiário. Nesse sentido, a Seguridade Social, junto à solidariedade humana, garantiria a fração do risco pessoal que representasse uma ameaça à saúde da coletividade.

O autor José Luiz Monereo Pérez[22]– na obra Manual De Derecho De La Dependencia –, baseado no conceito de Seguridade Social, afirma que a atenção às pessoas que se encontram em situação de dependência constitui um dos principais objetivos da política social dos países em desenvolvimento.

Pelo fato de as pessoas se encontrarem em situações de vulnerabilidade, há o requerimento de apoio para desenvolver as atividades essenciais da vida diária e poder exercer, plenamente, os direitos de cidadania.

O vírus zika que protagoniza a proliferação da microcefalia é retrato de descaso de politicas publicas sanitária por parte das autoridades brasileiras com a saúde pública e cabe ao Estado fornecer medidas para conter seus avanços e consequências.

4.2 Assistência Social e a Microcefalia: Medidas Implementadas na Lei 13.301/2016

O que significa assistência social?[23]

Ilídio das Neves[24] compreende a assistência social:

[…] como sendo a concessão de prestações pecuniárias ou de subsídios destinados a compensar a insuficiência de rendimentos, mesmo havendo protecção assegurada pela segurança social. Esta modalidade de protecção evoluiu no sentido de influenciar aspectos dos antigos modelos previdenciais e deu directamente origem aos regimes são contributivos e às modalidades de garantia de rendimentos mínimos.

Para Berbel[25], trata-se de uma “forma de proteção social, mas se diferencia da previdência social, no modus operandi, pois a assistência social remedeia a indigência social – a miserabilidade que pode ser traduzida na necessidade cumulada com a impossibilidade para o trabalho”.

A assistência visa garantir ao homem o mínimo de subsistência quando em estado de necessidade extrema, de pobreza. É uma forma de reduzir a desigualdade social, de modo a garantir os direitos fundamentais da pessoa humana.

Na Constituição Federal de 1988, o art. 203 disciplina que a assistência social será prestada a quem dela necessitar independente de contribuição à seguridade social.

A Lei Orgânica da Assistência Social – Lei 8.742/1993 – prescreve em seu art. 1º:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Portanto, trata-se de uma prestação pecuniária paga pelo Estado a acesso de idosos em situação de hipossuficiência ou a pessoas com deficiência, garantindo o atendimento das necessidades básicas e condições mínimas de dignidade.

Para Balera[26], a assistência pública veio a ser a fórmula encontrada pelo legislador para modelar com instrumental jurídico, pela primeira vez, a questão social.

Assim, podemos considerar que a finalidade desse instrumental jurídico é assegurar a realização dos fins humanos, é propiciar condições mínimas de subsistência.

O art. 203, caput, incs. I a V da Constituição assim disciplina:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Em decorrência da epidemia do vírus Zika, a fim de o Estado garantir uma assistência social, foi editada a Lei 13.301/2016, com o proposito, dentre outros, de assistir as famílias de baixa renda, com portadores de microcefalia, concedendo benefício de prestação continuada, de um salário mínimo mensal, pelo prazo máximo de três anos.

Critica a parte em relação à temporariedade da concessão do benefício assistencial, há de reconhecer que não é a solução mais adequada à disseminação da doença, mas reconhecimento pelo Estado de que errou, negligenciou, falhou com políticas públicas de saúde, e que pretende, ainda que de forma tímida, respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana para que haja uma justiça social.

Ademais, a Constituição declara, em seu art. 3°, que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é erradicar a marginalização, devendo ser este o verdadeiro objetivo dos benefícios assistenciais.

5 PROGRAMAS ASSISTENCIAIS EM FAVOR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: APRESENTAÇÃO DE NECESSIDADES E POSSIBILIDADES

Como destaca Karina Costa Braga[27], a disseminação da doença ocorreu por negligencia, por falta de investimentos em pesquisa em relação ao mosquito transmissor do zika. O mosquito transmissor é conhecido pela comunidade científica há menos sessenta anos.

O investimento em pesquisas poderia ter evitado o vírus zika e suas consequências desastrosas. Afora a consequência de anomalia congênita em crianças e o aumento de infectados, o vírus tornou caso de emergência nacional em saúde pública, com impactos significativos no orçamento da Seguridade Social.

No que se relaciona às leis orçamentárias, estas têm papel fundamental na estruturação do planejamento estatal para a operacionalização do sistema de Seguridade Social, pois é imprescindível uma previsão de custeio para que o sustento financeiro do regime de seguridade seja mantido.

Como destaca Karina Costa Braga[28], os órgãos públicos não estavam preparados, quando do surgimento do surto da microcefalia, para prevenir e recuperar os atingidos pela epidemia. Em verdade, não existia uma estrutura de atendimento básico de serviço hospitalar, educacional, habitacional, de lazer e, principalmente atendimento especializado.

Quando do início do surto, no início de 2015, não havia teste direcionado para o diagnóstico da doença. Os primeiros testes surgiram no começo de 2016 e o exame sorológico no segundo semestre do mesmo ano.

É certo que ausência de políticas públicas para o caso zika, provocou um caos na saúde pública, com impactos desastrosos nas famílias com crianças portadoras de microcefalia.

Há muitos desafios a enfrentar na busca da minimização dos problemas decorrentes para os portadores do vírus zika, – o aperfeiçoamento dos serviços públicos de saúde, do preparo de profissionais especializados, de ações de inclusão social – para uma nova ótica social, com novos contornos a fim de promover o bem-estar e a justiça social.

O primeiro passo dado pelo Estado foi reconhecer à assistência social destinado às pessoas portadoras de microcefalia – Lei 13.301/2016. Todavia, o questionamento que se propõe é como o Estado, provedor do sistema de Seguridade Social e do Estado de Bem-Estar Social, pode garantir políticas públicas que visem não somente minimizar os efeitos, mas também coibir e extinguir as raízes e suas consequências?

Um investimento em sistema público de saúde mais preventivo do que curativo assinala como uma possibilidade, menos custoso e mais humano, em que se promove o bem-estar social e atende a perspectiva da assistência social, quando se garante o mínimo indispensável para a consecução do princípio da dignidade da pessoa humana. É outro sim, meio de conclamar o exercício da solidariedade a todos os povos, em um ideário de justiça social.

Ademais, no que se refere às pessoas com deficiência e aos portadores de microcefalia, tem-se que a sociedade deve garantir um contexto humano em que se promova a inclusão e integração desses indivíduos na comunidade, em atenção ao atendimento sobre deficiência aplicada pela Convenção da ONU, quando a deficiência é encarada conforme um modelo social dos direitos humanos, não a respaldando somente na ótica das dificuldades fisiológicas, mas também às que obstaculizam o acesso destes em sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Nesse cenário, é necessário também redimensionar os impactos causados pela discriminação e que são agravadas pelo ambiente econômico e social. Faz-se importante, em tal medida, aumentar o campo de participação destes em sociedade, garantindo-se possibilidades de acolhimento, vez que a deficiência não é um problema individual, mas uma questão de natureza social, em que se transfere a responsabilidade pelas desvantagens fisiológicas apresentadas pelas pessoas com deficiência devido a incapacidade de a sociedade prever e ajustar-se à diversidade.

6 CONCLUSÃO

Com o surgimento dos primeiros casos de Zika Vírus, no início de 2015, o Brasil se viu obrigado a remediar e conter mais um problema relativo a um sistema de saúde público precário.

A negligência do Estado e a falta de investimento em uma medicina curativa, tal como o aporte em pesquisas para impedimento da possível proliferação da doença, se coadunam com um sistema de proteção social pouco atuante e que não se orienta sobre os preceitos de garantia da dignidade da pessoa humana. Uma realidade presente nos países em desenvolvimento, em que caminha a passos lentos do ideário preconizado pelo Welfare State – Estado de Bem-Estar Social.

Em tal cenário, intenta-se remediar o problema ao se garantir um benefício assistencial, que minimize os impactos, mas que não soluciona a grave marca biológica e social deixada e enfrentada pela população brasileira no que se relaciona aos casos de microcefalia.

Tem-se, assim, um orçamento mais custoso, ainda que tímido, em medidas assistenciais que visam remediar as dificuldades da deficiência, relegando a segundo plano os cuidados que implicariam na sua não proliferação. É o retrato da miséria e do descaso por parte do Estado.

Com o surgimento do surto de Zika vírus e o consequente aumento da microcefalia, houve um considerável impacto no orçamento da Seguridade Social, recurso este que se anteriormente bem administrativo, se orientaria em favor do bem-estar social. Não houve previsão de custeio, mas muitos recursos tiveram que ser utilizados emergencialmente e de maneira muito pouco significativa, sem atendimento hospitalar básico, além de educacional, habitacional, e, ainda, econômico e social.

Nesse contexto, e no âmbito da assistência social, ações de inclusão social têm sido desenvolvidas para que se promova a justiça social, albergadas em um espírito de solidariedade com reflexos humanitários, que intenta, parcialmente, garantir a dignidade humana.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, 2001.

BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2002.

BENEDETTI. Carla. Aposentadoria da pessoa com deficiencia sob a visão dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumes Juris, 2017.

BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria geral da previdência social. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

BRAGA, Karina C. A (in) efetivação da proteção social enquanto direito fundamental social: repercussão em face do caos de microcefalia. Dissertação de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, fevereiro de 2017.

BRÜSEKE, Franz Josef. Risco e contingência. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 22, n. 63, 2007.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

COSTA-CORRËA, André L. O Conceito de Pessoa com Deficiência: Implicações da Hermêutica Constitucional para a Compreensão do Significado do Conceito Previsto na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui: Boreal, 2016.

COSTA, Sandra Morais de Brito. Dignidade Humana e Pessoa com Deficiência: aspectos legais trabalhistas. São Paulo: LTr, 2008.

DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Orgs.). O estado de bem-estar social no Século XXI. São Paulo: LTr, 2007.

HORVATH JÚNIOR, Miguel; SILVA, Roberta Soares da. Direitos Humanos e Pessoa com Deficiência: uma Visão Integrativa. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui: Boreal, 2016.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 21. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

MADRUGA, Sidney. Pessoas com deficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social. Coimbra: Coimbra, 1996.

OLIVEIRA, Graciliano R. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1938.

PÉREZ, José Luiz Moreneo et al. Manual de Derecho de la Dependência. Madrid: Tecnos, 2014.

PERSIANI, Mattia. Direito da Previdência Social. 14. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

SILVA, Roberta. S. A concreção eficacial do princípio da contrapartida no sistema de seguridade social: uma proposta de orçamento. Tese de doutoramento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: junho de 2014.

_____; BALERA, Wagner (Orgs.). Comentários aos objetivos de desenvolvimento sustentável. São Paulo: Verbatim, 2018.

SILVIO, Solange Almeida Holanda. Os Direitos das Pessoas com Deficiência. A Convenção da ONU e os Vetores da Educação para Interpretação da Constituição da República Federativa do Brasil. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui: Boreal, 2016.

WILENSKI, 1975, apud DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Orgs.). O estado de bem-estar social no Século XXI. São Paulo: LTr, 2007.

Notas de Rodapé

[1] Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, Professora Assistente no Curso de Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos da PUC-SP, Advogada em São Paulo, Autora de vários livros e artigos em Direito Previdenciário e Direitos Humanos.

[2] Advogada, Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, graduada em Direito pela PUC/PR e em Comunicação Social – Jornalismo pela UEL. Autora do livro Aposentadoria da pessoa com deficiência sobre a visão dos Direitos Humanos.

[3] MADRUGA, Sidney. Pessoas com deficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 31.

[4] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 13.

[5] COSTA, Sandra Morais de Brito. Dignidade Humana e Pessoa com Deficiência: aspectos legais trabalhistas. São Paulo: LTr, 2008. p. 29.

[6] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, 2001, p. 20.

[7] ARAÚJO, 2001, p. 21.

[8] SILVIO, Solange Almeida Holanda. Os Direitos das Pessoas com Deficiência. A Convenção da ONU e os Vetores da Educação para Interpretação da Constituição da República Federativa do Brasil. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui: Boreal, 2016. p. 247.

[9] HORVATH JÚNIOR, Miguel; SILVA, Roberta Soares da. Direitos Humanos e Pessoa com Deficiência: uma Visão Integrativa. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui: Boreal, 2016. p. 207.

[10] COSTA-CORRËA, André L. O Conceito de Pessoa com Deficiência: Implicações da Hermêutica Constitucional para a Compreensão do Significado do Conceito Previsto na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui: Boreal, 2016. p. 18.

[11] HORVATH JÚNIOR, 2016, p. 209-210.

[12] WILENSKI, 1975, apud DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Orgs.). O estado de bem-estar social no Século XXI. São Paulo: LTr, 2007.

[13] DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Orgs.). O estado de bem-estar social no Século XXI. São Paulo: LTr, 2007. p. 35.

[14] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 21. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 5.

[15] HORVATH JÚNIOR, 2016, p. 21-22.

[16] PERSIANI, Mattia. Direito da Previdência Social. 14. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 48.

[17] SILVA. Roberta. S. A concreção eficacial do princípio da contrapartida no sistema de seguridade social: uma proposta de orçamento. Tese de doutoramento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: junho de 2014, p. 181.

[18] BRÜSEKE, Franz Josef. Risco e contingência. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 22, n. 63, p. 74, 2007.

[19] BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2002. p. 41.

[20] OLIVEIRA, Armando de Assis. Em Busca de uma Concepção Moderna de “Risco Social”. Revista de Direito Social, NotaDez, n. 14, p. 150-173, 1975.

[21] OLIVEIRA, Graciliano R. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1938.

[22] PÉREZ, José Luiz Moreneo et al. Manual de Derecho de la Dependência. Madrid:Tecnos, 2014.

[23] SILVA, 2014, p. 51-53.

[24] NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 277.

[25] BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria geral da previdência social. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 140.

[26] BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 45.

[27] BRAGA, Karina C. A (in)efetivação da proteção social enquanto direito fundamental social: repercussão em face do caos de microcefalia. Dissertação de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, fevereiro de 2017. p. 97-98.

[28] Idem.