Bem Jurídico no Direito Penal Econômico: uma Abordagem Criminológico-Crítica

DOI: 10.19135/revista.consinter.0007.09

Mário Luiz Ramidoff[1] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0777-4944

Luísa Munhoz Bürgel Ramidoff[2] – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3141-7602

Resumo: Neste trabalho, desenvolveu-se estudos e pesquisas acerca do bem jurídico-penal no direito penal econômico, a partir de uma abordagem criminológico-crítica, diante mesmo do novo instituto jurídico-legal denominado de compliance, então, contemplado por legislações recentemente promulgadas. O bem jurídico, enquanto categoria elementar ao Direito Penal – aqui, de viés econômico –, tem importância não só na vinculação do órgão julgador quando se destina à responsabilização criminal do agente a quem se atribui a prática de um delito, mas, também, ao legislador no momento em que formula as regras jurídicas que definem crimes e suas respectivas sanções. Por isso mesmo, adotou-se o bem jurídico como objeto central nessa linha de estudos e pesquisas relativamente ao Direito Penal Econômico, com o intuito de que fosse possível verificar a sua importância na (de)limitação da intervenção estatal, de cunho repressivo-punitivo. Não fosse isto, e para que não se restringisse a uma perspectiva meramente dogmática (jurídico-penal), ampliou-se metodologicamente a análise dessa categoria jurídica através das importantes contribuições multidisciplinares, então, oferecidas pelos estudos e pesquisas criminológicas, de viés crítico. No mais, destacou-se também a importância do novo instituto denominado “compliance”, para a adequação da atividade empresarial à função social da empresa, bem como forma de prevenção da prática de condutas delituosas. Pois, através de um programa de integridade é possível vincular o desenvolvimento de atividades técnico-profissionais com o cumprimento fiel das leis e de regras internas da empresa, segundo a política econômica de transparência, integridade e de ética empresarial com responsabilidade social. A metodologia é basicamente bibliográfica, através do levantamento de material teórico-pragmático, tendo-se em conta o viés dedutivo que é tão próprio ao conhecimento jurídico-legal, aqui, modulado, pelas importantes contribuições multidisciplinares.

Palavras-chave: bem jurídico; direito penal econômico; criminologia crítica; compliance.

Abstract: In this work, studies and researches on the legal-criminal good in economic criminal law were developed, starting from a criminological-critical approach, in front of the new legal-legal denominated denomination of compliance, then, contemplated by recently enacted legislation. The legal right, as an elementary category of criminal law – here, of an economic bias – is important not only in the linking of the judicial body when it is intended for the criminal responsibility of the agent who is attributed the practice of an offense, but also, to the legislator at the time it formulates the legal rules that define crimes and their respective sanctions. For this reason, the legal object was adopted as a central object in this line of studies and research in relation to the Economic Criminal Law, in order to verify its importance in the limitation of state intervention, repressive-punitive . If this were not the case, and in order not to be restricted to a merely dogmatic (legal-criminal) perspective, the analysis of this legal category was expanded methodologically through the important multidisciplinary contributions offered by critical criminological studies and research. In addition, the importance of the new institute known as “compliance” was highlighted, in order to adapt the business activity to the company’s social function, as well as to prevent the practice of criminal conduct. For, through a program of integrity, it is possible to link the development of technical-professional activities with the faithful fulfillment of the laws and internal rules of the company, according to the economic policy of transparency, integrity, and business ethics with social responsibility.

Keywords: property legal; economic criminal law; critical criminology; compliance.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, então decorrente dos estudos e pesquisas que se iniciaram através de indagações sobre bem jurídico, direito penal econômico e criminologia, destina-se à verificação das principais implicações dos programas de conformidade (compliance) acerca da possibilidade de responsabilização criminal do agente econômico e da empresa, enquanto questão objetiva e concreta da conjugação daquelas categorias elementares com os novos institutos jurídico-legais.

O que se buscou, aqui, é a demonstração de que existe um novo ramo jurídico-legal no âmbito do Direito Penal, então denominado de Direito Penal Econômico, enquanto área de um conhecimento jurídico-legal específico.

E, assim, descreveu-se os fundamentos, princípios, objetivos, sujeitos de direito, objeto de proteção, enfim, o marco teórico-pragmático denominado de Direito Penal Econômico. O bem a ser juridicamente protegido pelo Direito Penal Econômico, por sua vez, constitui-se em uma categoria elementar que também distingue esse novo ramo do Direito Penal.

A tutela jurisdicional a ser oferecida aos bens, então protegidos pelo denominado Direito Penal Econômico, por isso mesmo, requer uma nova construção teórico-pragmática acerca de seus fundamentos de fato e de Direito.

Senão que a questão fundamental dos estudos e pesquisas remonta à possibilidade de construção de uma Teoria Criminológica do Direito Penal Econômico, com base na moderna concepção teórica acerca da responsabilidade ética e social da empresa.

É possível dizer que o objetivo geral do trabalho é o de consolidar as pesquisas sobre as principais questões e críticas acerca da teoria jurídico-penal de viés econômico através das importantes contribuições teórico-pragmáticas oferecidas pelo conhecimento criminológico crítico, tendo por marco categórico o bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal Econômico.

Os estudos e as pesquisas sobre Direito Penal Econômico, assim, não se restringiram à descrição da dogmática jurídico-penal do que se denomina de criminalidade econômica vinculada ao desenvolvimento de atividade empresarial (técnica-profissional).

Por isso mesmo, fora imprescindível a (re)visitação dos fundamentos constitucionais e infraconstitucionais relativos à legitimação da intervenção estatal, de cunho repressivo punitivo, que se destina à responsabilização criminal do agente a quem se atribuiu a prática de conduta delituosa ao tempo em que desenvolvia atividade empresarial.

Não se deixou de analisar os procedimentos e processos legais (penais) especificamente destinados à responsabilização criminal decorrente da prática de conduta delituosa caracteristicamente empresarial (criminalidade econômica e atividade empresarial).

Nesta nova área jurídica penal, observa-se que também é pertinente a análise de seus princípios, fundamentos teóricos, objetivos, dentre outras categorias elementares, tendo-se em conta as contribuições teórico-pragmáticas da Criminologia Crítica.

O bem jurídico é uma categoria jurídico-penal que possui particular importância tanto para a formulação da legislação penal quanto para a sua aplicação judicial, servindo, assim, como um critério objetivo que se presta à verificação da observância dos limites legais estabelecidos à intervenção estatal repressivo-punitiva.

No fundo, a delimitação teórico-pragmática do que se pode admitir como bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal Econômico – quando se admitir que o Direito Penal tem por missão a proteção de bens jurídicos – constitui-se, também, em um critério objetivo que se presta à verificação da própria democracia.

De outro lado, não se pode esquecer que recentes legislações passaram a regulamentar mecanismos próprios para o desenvolvimento de atividades empresariais, que destinam-se à melhoria das relações econômicas públicas e privadas, como, por exemplo, os programas de integridade (conformidade), então denominados de compliance.

A objetividade jurídico-legal do compliance é tanto prevenir a criminalidade econômica, através da determinação de observância de parâmetros que identifiquem e reduzam os riscos do desvio, quanto eventualmente reduzir a responsabilização criminal do agente econômico e da empresa que se programaram para não ofender a legislação que se destina à proteção da ordem econômica, enquanto bem jurídico.

Por isso mesmo, destaca-se que os objetivos aqui buscados são tanto teóricos quanto pragmáticos acerca do compliance, enquanto estratégia política e jurídica de prevenção à violência social urbana. O objetivo teórico é o do desvelamento das injunções político-ideológicas adotadas na formulação legislativa penal relativa ao compliance.

O objetivo pragmático, por sua vez, consolida-se na possibilidade tecnológica da execução orçamentária das políticas sociais públicas específicas relacionadas tanto à responsabilização criminal das empresas quanto à prevenção da prática de condutas desviadas pelas empresas.

A problematização, assim, contempla não só a reformulação teórico-pragmática dessa nova categoria jurídico-legal denominada de compliance, através das importantes contribuições multidisciplinares, tendo-se em conta o bem jurídico a ser protegido pelo direito penal.

A questão central é precisamente esta: qual a possiblidade político-criminal do compliance como estratégia para evitar a prática de condutas delituosas – aqui, destacadamente, pela empresa –, evitando-se, assim, a disseminação do sentimento de impunidade e a cultura da corrupção, através da proteção penal de bens jurídicos que são importantes para toda coletividade?

Em razão mesmo disto, observa-se que a metodologia utilizada é caracteristicamente multidisciplinar, contudo, com ênfase na revisão bibliográfica de estudos relativos ao compliance, ao bem jurídico penal, à criminologia, dentre outras matérias pertinentes.

A metodologia, em regra, utilizada para o desenvolvimento da vertente pesquisa é a de viés dedutivo, que, em razão das incursões críticas, por certo, também obedeceu a necessária variação que o objeto a ser conhecido demandou para tal desiderato.

1 DIREITO PENAL ECONÔMICO

A relação discursiva acadêmica para ser tomada como responsável e respeitosa para com o outro, importa no reconhecimento da transcendentalidade necessária para a identificação/compreensão dos estados/situações/relações sociais concretas e complexas, enquanto critérios referenciais (materiais) da negatividade comunitária, a serem reportados como bens jurídicos tanto ao âmbito da dogmática jurídico-penal – através do reforço de tutela penal (caráter fragmentário) –, quanto ao âmbito em que se opera a Política Criminal (crítica), com o intuito de que se estabeleçam limites objetivos à intervenção estatal, de cunho repressivo punitivo.

Seja na seleção dos bens jurídicos e das formas de ofensa, que, por sua qualidade e quantidade, pelo legislador; seja na aplicação da lei penal como forma de proteção seletiva (subsidiária), pelo órgão julgador, enquanto expressões significativas de um direito penal “da culpa” que se projeta e reporta racionalmente, através da dogmática jurídico-penal (saber oficial) que legitima, isto é, autoriza e justifica a intervenção estatal repressivo-punitiva.

A relação comunicativa responsável pode muito bem determinar os critérios metodológicos (epistemológicos) para a compreensão do bem jurídico; senão, de igual maneira, para a identificação do dolo, que, para o mais, são indispensáveis à responsabilização penal socialmente consequente, agora, também, com pretensões à pessoa jurídica (empresa).

Neste sentido, observa-se que o marco teórico das investigações a serem desenvolvidas no Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba será constituído pelas contribuições do Direito Penal (Econômico) e da Criminologia (Crítica) em torno da discussão teórica e pragmática sobre os bens jurídicos que podem ser protegidos pela tutela jurídico-penal econômica.

As discussões teórico-pragmáticas sobre a concepção material de bem jurídica demonstram que se trata de uma formulação valorativa, a qual deveria incidir sobre as circunstâncias reais (existenciais) da comunidade em que se vive, conforme afirma Guilherme Guedes Raposo[3], para quem:

[…] a concepção material de bem jurídico é uma concepção valorada – já que sua definição substancial é realizada a partir de um juízo de valor – e também relativa – pois a valoração incide sobre as circunstâncias reais presentes em uma comunidade, sendo válida apenas para um contexto social específico, geográfico, cultural e temporalmente delimitado. Essa valorização, por envolver uma decisão fundamental que afeta indistintamente todos os integrantes de uma sociedade, deve caber ao legislador penal, que é quem detém legitimidade democrática para – por meio de um processo que permita, ao menos potencialmente, a participação de todos os integrantes da sociedade (processo legislativo) – dizer quais interesses, entre todos os que existem em um contexto social determinado, são imprescindíveis para a convivências pacífica dos indivíduos.

A importância dos estudos e das pesquisas acerca do bem jurídico a ser protegido através da tutela jurídico-penal própria ao Direito Penal Econômico, por certo, não pode olvidar de seus desdobramentos econômicos, políticos, sociais, mas, principalmente, filosófico-crítico, como bem observa Augusto Silva Dias[4], para quem:

Mesmo a atitude do “free-rider”, cuja problemática, como vimos, se cruza com a da acumulação, não realiza, sem mais, aquele tipo de censura. O “free-rider” é o egoísta que se subtrai ao cumprimento de prestações coletivas para maximizar o interesse próprio, aquele que se beneficia, por exemplo, da melhoria da qualidade da água resultante do fato de a maioria das pessoas se abster de lavar a roupa no ribeiro, mas renuncia a fazer o mesmo para economizar gastos. A sua motivação corresponde à do “homo oeconomicus”, que pauta a sua ação pelos ditames de uma razão instrumental. Ele atua elegendo os meios que lhe permitam aumentar os lucros e diminuir gastos. É-lhe mais ou menos indiferente que os outros respeitem ou não o bem coletivo.

O que se observa nisto é o eterno retorno à discussão sobre a admissibilidade ou não de um certo moralismo jurídico, o qual confere ao Direito Penal, aqui, de viés Econômico a possibilidade jurídico-legal de atribuir responsabilização criminal, isto é, a possibilidade de aplicação de sanção penal cuja finalidade seria a de criar e de utilizar uma censura moral através da restrição de liberdades públicas.

Por isso mesmo, impõe-se como tarefa preliminar para o reconhecimento teórico-pragmático do Direito Penal Econômico como um novo ramo jurídico-legal a ser sistematizado no Ordenamento Jurídico brasileiro, a definição e especificação dos bens jurídicos a serem por ele protegidos.

É o que considera como fundamental Raúl Cervini[5], para quem, é possível trabalhar com um conceito integrado e democrático de Direito Penal Econômico para a proteção de um bem jurídico de contornos suficientemente precisos, através de uma legislação com vocação antropológica destinada à proteção do indivíduo ou de um coletivo delimitado, in verbis:

[…] el delito económico es una modalidad de desviación estructural, tipificada penalmente, es decir, que se inscribe dentro del fragmento de situaciones jurídicas alanzadas por la norma de conducta contenida en el tipo penal objetivo, mediando un proceso de legitimidad democrática y exacta determinación del bien jurídico penalmente tutelado, con el fin de proteger las personas concretas y su entorno humano. Esta modalidad se traduce en la realización por un agente económico de un comportamiento ilícito o objetivamente abusivo y ello respecto del normal funcionamiento de las leyes y/o mecanismos ordinarios de la economía, afectando a un interés patrimonial individual y/o poniendo em peligro el equilibrio del orden económico de un colectivo determinado.

A dogmática jurídico-penal, diversamente, ao longo dos anos tem experimentado um progresso constatável e dependente da própria evolução civilizatória. Esse progresso é caracteristicamente humanitário, isto é, forjado por novos valores humanos que se estabeleceram no âmbito teórico-pragmático do Direito Penal – enfim, na própria Dogmática Jurídico-Penal – enquanto decorrência mesmo da superação (passagem) das “regras da evidência às da crença[6].

Para Charles Melmann[7], em uma aproximação psicanalítica, do direito penal – aqui, de viés econômico – também se submeteu àquela passagem em relação às suas regras, in verbis:

passagem do matriarcado para o patriarcado constitui para a humanidade um progresso […] já que se passou das regras da evidência às da crença […] de um regime fundado na evidência e na positividade […] a esse outro regime em que o que importa e o conduz é a ordem da fé e reenvia ao que nós, analistas, chamamos de pacto simbólico. O matriarcado regula, com efeito, a questão da causa, da causalidade […] um mundo simples no qual a palavra, o significante remete diretamente à coisa, não há outro significado a não ser a coisa mesma. E no qual a função do antecedente resume o que é causalidade: o que está antes é a causa do que vem depois. Estamos no regime da metonímia [a substituição de um primeiro termo por um segundo que tem relação com ele, o que permite designar o todo pela parte, um conteúdo por um continente], é a contiguidade que organiza o conjunto de nosso mundo. A invocação do pai como metáfora [substituição de uma palavra por outra, levando à produção de um sentido novo.], característica do patriarcado, vem efetivamente introduzir uma ruptura nessa simplicidade aparentemente feliz, em que tudo é ‘natural’ […] com o patriarcado, é a dimensão do real que é assim introduzida no campo do psiquismo, da especulação mental.

A causalidade é, assim, resultante de um “processo que se origina num mecanismo evidente e que não poderia ser mais positivo[8], enfim, no âmbito jurídico então orientado pela doutrina causalista, o que resulta externamente (efeito) do comportamento (atitude, atividade etc.) humana, encontra a sua gênese na intervenção autônoma de uma causa investida de potência autônoma, isto é, que independe de qualquer outra causa investida de potência autônoma.

Eis, pois, a “função do antecedente[9], isto é, da causa enquanto tal resume o que é causalidade, um vez que “o que está antes é a causa do que vem depois[10], vale dizer, um efeito prévia e instrumentalmente determinado como verdade, realidade, enfim, causalidade.

A dogmática jurídico-penal consequente requer, assim, mutação valorativa e metodológica, isto é, não só determinar a atuação estatal em conformidade com os valores humanos, mas, também, tomar “por fator primeiro, e o mais importante, a realidade[11].

Pois, como adverte Vera Regina Pereira de Andrade[12], a dogmática jurídico-penal não é usualmente constituída com vistas à realidade social – diversa daquela mera e aparentemente cínica –, mas, sim, quase que exclusivamente para legitimação da violência estatal desenvolvida através de intervenções caracteristicamente repressivo-punitivas realizadas pelo Poder Público para o cumprimento das funções de controle social.

A criminologia crítica, enquanto movimento teórico, político e cultural (ideológico), de viés crítico e reflexivo (multidisciplinar), contempla “subgrupos” (“modelos”) de “criminologias”, como, por exemplo, a “dialética” e a “radical”; as quais apesar das “divergências e convergências”, por certo, possuem “unidade substancial de propósitos e esperanças”, segundo Roberto Lyra Filho[13], para quem a criminologia dialética poderia exprimir “a harmonia básica da nossa visão criminológica […] tendo em mira as mesmas opções democráticas, populares e socialistas. A diversidade de estilo nada retira à fecundidade das sugestões alternativas”.

Senão, que, a característica comum e marcante entre os inúmeros “subgrupos” do movimento criminológico crítico, certamente, é a de “oposição à Criminologia Tradicional, de timbre positivista e conservador[14].

O movimento criminológico crítico é formado por “intelectuais orgânicos do novo bloco histórico, visando o socialismo democrático”, isto é, militantes na filosofia do Direito, na sociologia jurídica e na criminologia para “avivar a dialética e instaurar a revisão antidogmática”, segundo Roberto Lyra Filho[15].

A análise criminológica que se orienta pela crítica doutrinária e metodológica da dogmática jurídico-penal, enquanto saber oficial que sustenta argumentativamente as opções políticas acerca da intervenção estatal repressivo-punitiva, possui diversificadas tendências que se distinguem preponderantemente pela adoção ideológica das abordagens epistemológicas sobre o objeto de estudo e a respectiva metodologia empregada para a sua reflexão teórica.

As abordagens minimalistas, garantistas, abolicionistas, dialéticas e radicais certamente são exemplos de algumas das dimensões críticas da moderna teorização criminológica. Em decorrência disto, é possível distinguir epistemologicamente a criminologia crítica pela viragem analítica que proporciona para a compreensão do moderno Direito Penal, a qual oferece, assim, importantes contribuições transdisciplinares para o “objeto de estudo e do método de estudo do objeto”, segundo Juarez Cirino dos Santos[16].

Juarez Cirino dos Santos, por isso mesmo, entende que a criminologia crítica poderia muito bem se caracterizar também pela mudança do objeto de estudo, assim como pela metodologia a ser empregada para o estudo e a pesquisa desse objeto, in verbis:

Criminologia crítica se caracteriza pela mudança do objeto de estudo e do método de estudo do objeto: a) o objeto de estudo é deslocado do criminoso e da criminalidade, como dados ontológicos preexistentes, para o processo de criminalização de sujeitos e de fatos, como realidades construídas pelo sistema de controle social, capaz de mostrar o crime como qualidade atribuída a comportamentos ou pessoas pelo sistema de justiça criminal, que constitui a criminalidade por processos seletivos fundados em estereótipos, preconceitos, idiossincrasias e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social, desencadeados por indicadores sociais negativos de marginalização, desemprego, pobreza, moradia em favelas etc.; b) a abordagem do objeto descarta o método etiológico das determinações causais de objetos naturais empregado pela Criminologia tradicional, substituído por um método adaptado à natureza de objetos sociais – como são os fenômenos criminais, por exemplo –, assim constituído: a) ao nível do caso concreto, o método interacionista de construção social do crime e da criminalidade, responsável pela mudança de foco do indivíduo para o sistema de justiça criminal; b) ao nível do sistema sócio-político, o método dialético que insere a construção social do crime e da criminalidade no contexto da contradição capital/trabalho assalariado, que define as instituições básicas das sociedades capitalistas.

Portanto, é possível dizer que uma dogmática jurídico-penal socialmente consequente – também, aqui, no âmbito do direito penal econômico – pode, sim, ser considerada como um dado conhecimento que se pretende crítico e responsável, deve, sim, traduzir cognitivamente as expressões da vida cotidianamente vivida para, assim, permitir a compreensão mais ampla possível dos inúmeros fenômenos sociais e processos de opressão a que está silenciosamente submetida a grande maioria da população brasileira.

2 BEM JURÍDICO-PENAL

De acordo com Luiz Regis Prado[17], “o bem jurídico vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido”.

A ciência do Direito Penal deve se empenhar na busca de diretrizes para uma racional concretização e individualização dos interesses merecedores de proteção, devendo não apenas os bens jurídicos fundamentais ser objeto de atenção pelo legislador penal, mas também aqueles bens chamados de coletivos ou supraindividuais, ou seja, aqueles bens que ofendam a coletividade.

Apesar do postulado de que o delito lesa ou ameaça de lesão os bens jurídicos tutelados ter a concordância quase total e pacífica dos doutrinadores, o mesmo não acontece a respeito do conceito de bem jurídico, onde há uma grande controvérsia tanto entre doutrina estrangeira quanto a nacional.

De todas as definições, a mais acertada parece ser a de Heleno Cláudio Fragoso[18], para quem:

[…] o bem jurídico não é apenas um esquema conceitual, visando proporcionar uma solução técnica de nossa questão: é o bem humano ou da vida social que se procura preservar, cuja natureza e quantidade dependem, sem dúvida do sentido que a norma tem ou que ela é atribuída, constituindo, em qualquer caso, uma realidade contemplada pelo direito. Bem jurídico é um bem protegido pelo direito: é, portanto, um valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma.

A noção de bem jurídico não se confunde com a de objeto da ação, sendo este último vem a ser o elemento sobre o qual incide o comportamento punível do sujeito ativo da infração penal.

O objeto material não é uma característica comum a qualquer delito, pois só tem relevância quando a consumação depende de uma alteração na realidade fática ou do mundo exterior.

Entre as inúmeras funções atribuídas ao bem jurídico, deve-se referir a algumas, tidas como as mais relevantes, sendo elas: a função de garantia ou de limitar o direito de punir do Estado (o bem jurídico é dito como limite na dimensão material da norma penal); a função teleológica ou interpretativa (a interpretação dos tipos penais, quando seu sentido e até onde há a proteção de determinado bem jurídico); a função individualizadora (a gravidade da lesão ao bem jurídico); e função sistemática (a classificação decisiva na formação dos grupos de tipos da parte especial do Código Penal).

Nessa linha de compreensão, Luiz Regis Prado[19] resumidamente descreve a função, em direito penal, a partir de suas características próprias, in verbi:

Função significa uma ação necessária dos fenômenos vitais, ou uma relação de dependência lógica, de interdependência entre os entes. Em si mesma, não tem conteúdo ou sentido próprio, não constitui algo real e independente. É uma operação ou relação axiologicamente neutra, que deve operar no campo penal tão somente como marco de referência.

De outro lado, observa-se que a criminalidade econômica não é um fenômeno recente, pois o Sistema Penal sempre tutelou bens jurídicos de conteúdo econômico, contudo, de maneira restrita, isto é, apenas em relação à dimensão individual – como, por exemplo, em proteção à propriedade e ao patrimônio, enquanto bens jurídicos juridicamente protegidos.

Contudo, hoje, a ordem econômica, enquanto bem jurídico, está a exigir uma nova concepção jurídico-legal, que, assim, destine-se a não só reprimir, mas, antecipadamente, evitar através da conformação do comportamento empresarial aos programas de integridade, enquanto mecanismo de eliminação de riscos de desvio.

Nesse sentido, Rodrigo Sanches Rios[20] tem destacado que a legislação penal, no âmbito do direito econômico, não pode funcionar mais de forma seletiva, isto é, destina apenas a determinados estamentos sociais, in verbis:

[…] o direito penal não pode ser usado como instrumento de uma política interna, mas uma vez definido o bem jurídico tutelado de conteúdo econômico supra-individual, a lesão ao mesmo deverá implicar uma efetiva aplicação das normas penais, evitando com que o controle penal esteja direcionado a determinados estamentos sociais.

Embora a função primordial do Direito Penal esteja orientada à tutela de bens jurídicos de caráter individual, que asseguram a coexistência pacífica dos indivíduos em sociedade, atualmente, com a nova relação entre Estado e indivíduo, da qual se deduz que é função do Estado garantir ao indivíduo não apenas uma convivência pacífica com seu semelhante, mas também sua realização pessoal, cumpre ao Direito Penal tutelar valores diretamente relacionados à realização deste fim.

A dogmática jurídico-penal também deve se voltar ao estudo e à criação de tipos penais que tutelam a saúde pública, a ordem econômica, o meio ambiente, o sistema previdenciário, entre outros, onde a lesão ao bem jurídico não é de fácil percepção, pois afeta a sociedade em geral.

Portanto, o controle penal não estará direcionado apenas a prever e reprimir a lesão objetiva da conduta, mas também a inobservância de normas de organização na qual esteja inserida a finalidade pública da atividade funcional.

Perante esses novos objetos de tutela – uma vez identificado não só objeto, mas também a sua objetividade, através da política criminal econômica –, tem-se constatado que a preferência da técnica de tipificação, isto é, da descrição legal da conduta, cada vez mais, pela modalidade pertinente aos tipos de perigo (concreto o abstrato) e às normas penais em branco (administrativização do direito penal).

Dentre as funções teórico-pragmáticas do bem jurídico no âmbito do direito econômico – seja ele penal ou não –, certamente, destaca-se a de proteção da ordem econômico.

De igual maneira, esse bem jurídico (ordem econômica) está a ensejar a formulação e a execução permanente de uma específica política econômica, pelo que, é possível dizer que no âmbito jurídico-penal, impõe-se a construção de uma política criminal econômica que se destine a estabelecer parâmetros para a proteção da ordem econômica, enquanto bem jurídico-penal.

O direito econômico para além das inúmeras funções teórico-pragmáticas que cumpre, é também indispensável para a compreensão do conhecimento jurídico no século XXI. O conhecimento interdisciplinar das matérias jurídicas e a interface com as Ciências Sociais e Econômicas exigem uma noção de conjunto, pois só assim o estudante do Direito estará atento e apto a atuar junto à realidade jurídico-econômica que interfere diretamente no cotidiano de pessoas, da comunidade e das instâncias estatais.

O direito econômico, por certo, ultrapassou os limites territoriais, e, assim, alcançou a esfera internacional, difundindo-se nos ordenamentos jurídicos de cada uma das nações que compõem a comunidade internacional, revelando-se como disciplina jurídico-legal indispensável para se compreender o mundo da vida vivida a partir da dimensão econômica, seus reflexos na convivência nacional e internacional, trazendo com isso a questão da globalização.

Os estudos e pesquisas em torno das funções sociais cumpridas pelo Direito econômico, isto é, do conjunto de regras que regulamentam a intervenção do poder público (Estado) na ordem econômica, seja como agente econômico, seja como fiscalizador, com a finalidade de organizar a política econômica do Estado, com o intuito de que se evite o abuso do poder econômico.

O abuso do poder econômico, por exemplo, é uma das espécies de criminalidade econômica que pode ser praticada através do desenvolvimento de atividades empresariais.

Por isso mesmo, que, sempre que houver a revogada ou a reformada de determinada Constituição, ou, então, quando houver simples acréscimo modificações fundadas em termos político-ideológicos, por certo, necessariamente, haverá mudança nas regras estabelecidas pelo Direito econômico para fins de adequação à norma ordem jurídico-legal.

Os agentes econômicos, isto é, os sujeitos que desenvolvem atividades econômicas podem ser indivíduos particulares, o Estado, as empresas públicas, as empresas privadas, os órgãos nacionais, internacionais e comunitários, bem como os titulares de direitos difusos e coletivos[21].

Em virtude mesmo, da diversidade dos sujeitos de direito, que, nessa novel área jurídico-legal (econômico) existe, por certo, que, impõe-se a adoção normativas, pelo Direito econômico, que, contemplem cada uma das atividades empresariais daquele que desenvolve atividade econômica, com o intuito de que possam ser conciliados os interesses econômicos (privados e públicos), através do estabelecimento democrático de políticas públicas, de viés econômico – senão aqui, mais de perto, também, a política criminal econômica.

Pois, na verdade, trata-se de simples ajuste ao que se encontra objetivamente disposto em uma dada Constituição, adequando-se, assim, a situações individualizadas, através de instrumentos jurídicos, políticos e econômicos harmonizadores da economicidade[22].

Dentre as funções do bem jurídico-penal (ordem econômica), é possível constatar que existem significações positivas e negativas, como bem destaca Andrei Zenkner Schmidt[23], para quem, ao se referir à estrutura do bem jurídico-penal que é objeto do tipo de ilícito econômico, esclarece que:

[…] em sua significação positiva, a dimensão horizontal da relação de cuidado-de-perigo encontra, na função de coesão, a missão primordial da proteção de bens jurídicos de natureza supraindividual; em sua dimensão negativa, a proteção destes bens jurídicos só deve ocorrer quando ostentarem dignidade penal-econômica e nos estritos casos em que ganhe relevo a carência dessa tutela, como forma de assegurar-se a função de garantia. De uma relação equilibrada entre ambas é que a função de segurança poderá alcançar a sua máxima legitimidade. Para além de tudo isso, também urge delimitar racionalmente o conteúdo do bem jurídico-penal que constituirá o objeto da norma penal econômica.

Assim, para melhor compreender as “funções” do compliance, observa-se que foram elaborados princípios que servem como diretrizes norteadoras, para fins de responsabilização civil, administrativa e mesmo criminal dos agentes econômicos e das empresas (corporações).

Como se pode notar, a sociedade tem reiteradamente constatado os avanços alcançados com a implementação de melhores práticas de governança corporativa; no entanto, é de extrema importância que a administração das grandes empresas atuantes, reconheça que a adoção dessas práticas é muito benéfica e não há motivos para ser refutada.

Ademais, é necessário que haja uma comunhão de esforços entre as grandes empresas, para que, assim, possam ser desenvolvidos, de forma integrada, programas de conformidade, inclusive, a partir de contratação orientada pela boa-fé objetiva, que constitua-se em um parâmetro objetivo para a obtenção de resultados não só economicamente satisfatórios, mas, também, socialmente responsável.

Na contemporaneidade, é possível estabelecer alguns parâmetros objetivos, que, legitimamente, podem demarcar tudo aquilo que se contrapõe ao que se entende por boa-fé contratual[24] – e, por conseguinte, também, por ética empresarial.

A ética empresarial, hoje, diante das variáveis econômicas, senão mesmo em razão da própria dinâmica mercadológica, tem se orientado por diretrizes orientativas, que, para o mais, determinam uma nova maneira de desenvolvimento das atividades empresariais.

A boa-fé objetiva, aqui, nos contratos tipicamente empresariais, certamente, constitui-se em uma dessas diretrizes orientativas que serve também para a verificação da fidelidade às regras que regulamentam as atividades empresariais, com o intuito de que se evite desvios e irregularidade, e, também, por vezes, a criminalidade econômica.

O instituto do compliance – corporativo ou criminal – deve servir para melhorar a conduta empresarial, e, assim, servir como um modelo, em que pese não ser um modelo ideal, cuja a intenção principal é a de efetivar a cultura ética das empresas.

Bem por isso, entende-se que a boa-fé objetiva (contratual), tanto quanto a eticidade empresarial, deve servir como parâmetro objetivo para a formulação dos programas de conformação (integridade), conforme as modernas concepções do direito econômico.

Senão, é o que André Fatuch Neto[25] muito bem observou acerca da possibilidade da construção de uma ética profissional, então, fundada na boa-fé objetiva nos contratos empresariais, in verbis:

[…] a boa-fé pautada na confiança exige o conhecimento da realidade, ou seja, a verdade sem qualquer filtro e o departamento de compliance, agora munido da legislação que o auxilia é capaz de realizar esta leitura para determinar quais riscos devem ou não ser assumidos pelas empresas. A boa-fé enquanto cláusula geral também deve harmonizar as relações contratuais, mas não de modo a desequilibrar os contratos a exemplo de quando forem descumpridas obrigações secundárias, laterais e conexas, somente deverão ser pesadas na balança as questões essenciais aos contratos, tutelando o direito das partes mais frágeis na relação contratual.

Diante da necessidade da proteção dos denominados bens jurídico-econômicos supraindividuais, impõe-se a (re)construção de outras categorias elementares do direito empresarial, do direito econômico, do direito penal econômico, dentre outras áreas jurídico-legais, que, assim, possam oferecer tutela diferenciada para tal desiderato.

O compliance se configura como um sistema de prevenção de ilegalidades além de orientar e fiscalizar atos, em respeito às normas, para que as condutas empresariais internas ou externas sejam éticas, além de auxiliar no cumprimento da função social da empresa. A autorregulação obtida com o compliance também reduz os riscos da atividade mantendo o controle a níveis toleráveis.

Mesmo com a liberdade de implantar ou não o sistema de compliance, diante do incentivo pelo poder público e a atribuição de responsabilidade objetiva, explicita uma necessidade premente de cuidado que o legislador quis incutir, com a formação de uma cultura empresarial ética.

Por isso, a efetiva aplicação de Programa de compliance na empresa, com o envolvimento da alta cúpula, treinamento de pessoal, revisão periódica, criação de canal de denúncias e devida apuração dos fatos, é a medida mais adequada, cujos custos são compensadores.

São muitos os desafios para coibir essa prática tão lastimável, porém, cabe salientar que a instituição financeira com todo o aparato dos mecanismos de compliance tem cultivado a cultura de prevenção a todos os funcionários, buscando seguir todas as recomendações sobre o tema com o objetivo máximo de evitar o funcionamento da fraude que vem contaminando toda a sociedade.

As temáticas relacionadas à tutela jurídico-penal de viés econômico ao bem jurídico a ser protegido por essa nova área jurídica – como, por exemplo, os estudos e pesquisas sobre compliance –, encontram-se atualmente no centro das discussões jurídicas, políticas e econômicas, tendo-se em conta, que, cada vez mais, impõe-se um (re)ordenamento da atividade empresarial ética e com responsabilidade social.

Senão, é o que tem acontecido, por exemplo, no direito penal alemão do mercado de valores, segundo Christoph Burchard[26], para quem, o direito penal econômico naquele país, justifica-se proteção que oferece ao bem jurídico-penal, qual seja, a proteção das funções do mercado de capitais, in verbis:

A crítica de SCHÜNEMANN, neste aspecto, se refere à chamada escola de Frankfurt. Esta defende a redução do direito penal ao seu núcleo, que se concentra somente na proteção dos bens jurídicos individuais (como a vida e a propriedade) e se serve somente dos delitos clássicos de resultado (ação, resultado, imputação objetiva). Segundo SCHÜNEMANN, esta concepção clássica de bem jurídico é a persecução da “criminalidade aventureira e da miséria”, direção do direito penal que sequer na época da Ilustração pode ser modificada. Este autor considera que, ao contrário, o direito penal moderno teria que se dirigir também às classes altas. Sem embargo, isto não se pode lograr com os delitos de resultado ou com os bens jurídicos individuais. Por exemplo, o especulador da bolsa, que manipula o mercado de valores mediante informações internas ou privilegiadas, não afeta diretamente a propriedade e os bens jurídicos dos outros participantes do mercado, mas sim ameaça a função altamente abstrata do mercado de capitais.

De outro lado, a perspectiva criminológica que se pretende agregar ao estudo e à pesquisa do direito penal econômico, também, tem o condão de contribuir para o desenvolvimento de uma atividade empresarial que seja cada vez mais socialmente responsável.

Adverte João Mestieri que é preciso estabelecer publicamente uma Política Criminal através do amplo debate acerca das questões fundamentais ao “aprimoramento” do Direito Penal – e, assim, de igual maneira, da processualística penal e da segurança pública –, enquanto vetor orientativo do “sistema de prevenção e repressão das infrações penais”, pois, constitui-se a Política Criminal o “elo científico entre a doutrina e o direito positivo[27].

As modernas teorias jurídico-penais – como, por exemplo, o direito penal econômico – utilizam-se do discurso humanitário para revestir simbolicamente a legalidade (legitimação) da intervenção estatal repressivo-punitiva, difundindo, pois, o entendimento de que o direito penal deve ser compreendido como um sistema de proteção aos direitos e garantias individuais de cunho fundamental da pessoa humana – isto é, de “bens jurídicos”.

Na verdade, como afirma Eugenio Raúl Zaffaroni[28], “as normas penais não têm função protetiva, senão limitativa”; vale dizer:

a perspectiva construtiva a partir dos direitos humanos chamados individuais ou de primeira geração, longe de subestimar a importância dos demais direitos humanos, exclui as consequências aberrantes ou de má-fé, que invocam os direitos humanos para espezinhá-los, sob o pretexto de tutela. Dito em outras palavras, Juarez Tavares evita, muito claramente, a armadilha de invocar os direitos sociais, econômicos e culturais para legitimar simulacros de sua tutela, que na verdade costumam recair sobre aqueles que, legitimamente e por meios idôneos de realização, reclamam por seu respeito. Esta posição é coerente com atese de que as normas penais não têm função protetiva, senão limitativa. A ideia de uma norma protetiva acaba por legitimar a pan-penalização que sacramenta o poder punitivo como panaceia para a realização de todos os direitos, ou seja, consagra a defraudação que o discurso penal pode cometer aos povos, acompanhando seus impotentes demagogos políticos.

O direito econômico para além de se constituir em um instrumento para a fruição e exercício dos direitos sociais, também oferece tutela jurídico-penal ao bem jurídico-econômico, de forma diferenciada, com o objetivo de que através da regulamentação de medidas de política econômica é que se pode coibir a concentração de empresas, monopólio do mercado e outras formas de abuso do poder econômico, fatos que geram uma suscetibilidade muito grande do cidadão – por exemplo, o consumidor – em relação aos interesses privados e consequente aumento de preços.

A boa-fé objetiva[29], por isso mesmo, pode servir como critério objetivo para a verificação do respeito não só às regras (materiais e processuais), como, também, às regras do mercado, mas, acima de tudo, deve se orientar pelas diretrizes legitimamente estabelecidas a partir da concepção de ordem econômica, isto é, bem jurídico caracteristicamente supraindividual (econômica pública), então, política e constitucionalmente optada, enquanto expressão da autonomia dos povos.

Neste sentido, a boa-fé objetiva também poderá ser um elemento estruturador do compliance – por exemplo, o dever de bem e adequadamente prestar informações que possam ser importantes para o enlace contratual, bem como para o consumidor e as relações consumeristas etc. – que se destine à conformação da atuação profissional dos agentes econômicos e das empresas às regras contratuais, e, às normas que regulamentam essas atividades empresariais (contratuais).

O compliance – seja ele corporativo, seja ele criminal –, por isso mesmo, deve (re)equilibrar a título de integridade (conformidade) tanto a obediência às regras internas da corporação, do mercado (boa-fé objetiva – contratual), e, da economia pública, quanto às leis que regulamentam a atividade econômico-empresarial (técnico-profissional), tendo-se em conta as delimitações constitucionais relativas à promoção e à tutela da ordem econômica.

Pois, somente, assim, o instituto do compliance poderá se constituir em um mecanismo eficaz que se contrapõe a toda sorte de desvio, irregularidade ou prática abusiva, servindo, portanto, como parâmetro – como também ocorre com a boa-fé objetiva (contratual) – para verificação da eticidade no desenvolvimento da atividade empresarial.

 

3 PERSPECTIVA CRIMINOLÓGICA

Por certo, que, a perspectiva criminológica, hoje, orienta-se pelo viés multidisciplinar, e, através de metodologias diversas, proporcionando, assim, uma abordagem crítica e reflexiva, haja vista mesmo a nova dimensão teórico-pragmática atribuída a esse conhecimento; isto é, que não se destina mais a atribuir legitimidade à intervenção estatal repressivo-punitiva, mas, antes de tudo, a colocar em questão a possibilidade desse poder-dever do Estado.

Dentre as principais concepções críticas contemporaneamente difundidas acerca da criminologia, destaca-se a abordagem decorrente da perspectiva minimalista, garantista e abolicionista, pois, como se sabe, não existe propriamente um único conhecimento criminológicos, mas, sim, inúmeras criminologias.

O minimalismo penal, enquanto movimento criminológico que se difunde na contemporaneidade tem por perspectiva teórico-pragmática a redução da intervenção estatal, aqui, de cunho repressivo-punitivo, aos casos legais que realmente necessitem, e, por isso mesmo, dependam da mediação oficial do Estado (Poderes Públicos).

E, assim, como o Estado deve minimamente intervir nas relações sociais, o Direito Penal, de igual maneira, deve ser destinado àqueles casos legais, que, efetivamente, não se encontre outra (re)solução adequada que não seja através da intervenção estatal, de cunho repressivo-punitivo.

O minimalismo penal, desta maneira, encontra-se vinculado ao princípio da intervenção mínima, conforme bem ressaltado por Nilo Batista[30], para quem o direito penal deve ser a ultima ratio, isto é, a última forma de intervenção na realidade social, para fins de resolução de conflitos, pelo que, essa espécie de atividade estatal, de cunho repressivo-punitivo, deveria ser reservada a muito poucos casos legais.

De acordo com as perspectivas teórico-pragmáticas próprias do minimalismo penal, o direito penal deveria ser reservado aos poucos casos legais, que, ainda não se tivesse alcançado uma (re)solução mais adequada a permitir, assim, a intervenção estatal, de cunho repressivo-punitivo.

Garantismo penal, então, desenvolvido a partir dos trabalhos de Luigi Ferrajoli[31], decorre da teoria jurídica do garantismo, através da qual a validade de toda proposição legislativa é dividida entre a validade formal e a validade material.

Por isso mesmo, a ideia de garantia penal confunde-se com a ideia de observância das regras processuais penais, como maneira de limitação da intervenção estatal repressivo-punitiva, em um Estado em que todos se submetem aos ditames da lei.

As regras processuais passam, assim, a ser garantias fundamentais do agente a quem se atribui a prática de uma conduta delituosa. De acordo com Luigi Ferrajoli[32], o garantismo é – e deve ser sempre – progressivo, mediante a obtenção permanente de conquistas civilizatórias e humanitárias a título de limitação da intervenção estatal, através da ampliação das garantias – também, processuais, das “regras do jogo”.

A garantia por isso mesmo não está só no processo (legal), mas, também, nas regras do jogo democrático. Talvez, a partir da perspectiva formal do controle da intervenção estatal – aqui, de cunho repressivo-punitivo – que se destina à responsabilização criminal do agente a quem se atribua a prática de conduta então considerada delituosa, torne-se possível reconhecer uma (de)limitação – restrição da atividade negativa do Estado – como garantia (processual).

No entanto, é muito pouco admitida a opção político-ideológica de viés garantista na formulação legislativa que se destina à elaboração de regras processuais penais, bem como na aplicação judicial dessas “regras do jogo”[33], e, menos, ainda, ao longo da execução penal; desvelando-se, assim, a verdadeira validade material dessa regras, em um Estado que se pretende democrático e de direito.

Por isso mesmo, a garantia duvidosamente pode se encontrar apenas nas “regras do jogo”, pois essas regras também são determinadas por concepções político-ideológicas (culturais) que estão, no fundo, vinculadas a escolhas e interesses nem sempre publicamente confessáveis.

De outro lado, a garantia – do devido processo legal, por exemplo – está profunda e decisivamente vinculada às opções conteudísticas relativas a valores que deverão ser política e ideologicamente selecionados para a proteção do Estado – aqui, através da legislação penal e processual penal –, pelas “regras do jogo”.

Portanto, a garantia sugerida pela observância das “regras do jogo” deve ser progressivamente implementada, manutenida e ampliada.

A garantia (processual penal), como se vê, também pode se encontrar sob o risco da instrumentalização política ou ideológica – por exemplo, pela doutrinação dogmática do “certo”, “justo” ou “correto” – do processo.

E esse risco sempre presente no reconhecimento teórico-pragmática do que se denomina de “correto” processo, permite a condescendência do argumento da isenção política e ideológica, que, passa assim a legitimar interesses nem sempre publicamente confessáveis na formulação legislativa, na aplicação judicial e na execução da lei penal e processual penal.

Isto é, o devido processo legal e os seus consectários da ampla defesa e do contraditório substancial passam a ser relativizados, sob o argumento de que os ditames da lei (princípio da legalidade) estão sendo estritamente observados, tornando possível transparecer uma suposta isenção político-ideológica – que, na realidade, é impossível existir uma tal isenção, e, que, por isso mesmo, não pode ser dissimulada.

O que se espera é o distanciamento possível das injunções político-ideológicas, realizável mesmo pelo cumprimento das “regras do jogo”, que, para o mais, também possam servir como critérios objetivos de verificação dos limites democraticamente estabelecidos para fins de responsabilização criminal.

Neste sentido, observa-se que o princípio da legalidade também pode servir como parâmetro para verificação do nível de democracia do próprio Sistema de Justiça, através da operacionalização de suas funções, como bem observa Nilo Batista[34].

Pois, como se sabe, a relativização de conquistas civilizatórias e humanitárias – liberdades públicas, por exemplo – é um dos sintomas mais significativo da crise da democracia muito mais do que a crise política (de representatividade), econômica ou social.

Por certo, que, contemporaneamente, ao lado do minimalismo e do garantismo penal, surge a perspectiva criminológico-crítica denominada de abolicionismo como uma forte reflexão analítica do próprio direito penal, aqui, econômico, enquanto o seu objeto de estudo privilegiado, com o intuito de que seja retirado como referência teórico-pragmática dos modos de resolução judicial de conflitos sociais, que, muito bem poderiam ser resolvidos de uma outra maneira.

Neste sentido, entende-se que é fundamental antes de tudo romper com a cultura repressivo-punitiva como a única forma de compreensão e resolução do fenômeno delitivo, buscando, assim, resgatar a história das pessoas envolvidas para melhor adequar a intervenção estatal que se tiver de adotar.

É preciso estabelecer um abolicionismo cultural do penal, vale dizer, é preciso romper com as estratégias e as práticas violentas normalizadas pela “cultura” da violência do controle sócio-penal de “violências” que são selecionadas pelas hegemonias político-econômicas, as quais difundem no senso comum técnico (jurídico) e na e pela opinião pública(da) a “cultura da violência” que tudo autoriza, justifica e legitima a título de segurança.

É preciso romper com o “penal” que se encontra inscrito intersubjetivamente em quase todas as relações sociais através da mobilização popular acerca da possibilidade de resoluções humanitárias, respeitosas e responsáveis que não só sejam aquelas oferecidas violentamente (repressivo-punitivamente) pelas instâncias oficiais.

O abolicionismo cultural do penal é a possibilidade de vinculação da intervenção estatal (repressivo-punitiva) a critérios objetivos que determinem a prestação de resoluções socialmente consequentes, as quais necessariamente possibilitem a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva sob pena de não serem mais autorizadas, justificadas e legitimadas, ainda que legalmente previstas.

O abolicionismo antes mesmo de ser “penal” é a assunção de práticas não violentas, isto é, uma ideologia, uma outra forma de entender e perceber a vida do mundo vivido; enfim, uma nova cultura orientada pela humanização, pelo respeito e pela responsabilidade pelo outro.

Portanto, o abolicionismo é antes de tudo uma mudança cultural – pessoal e social – e determinante para o compromisso humanitário, pelo respeito e pela responsabilidade pelo outro, que, pode ser desenvolvido pelo menos em três etapas inaugurais: o questionamento, a ruptura e a prática.

A primeira etapa é a do questionamento sistemático de toda e qualquer proposição – política, econômica, jurídica etc. – que se oriente, e, portanto, determine intervenções sociais caracteristicamente repressivas e ou punitivas.

A segunda etapa é a da ruptura cultural que determina a normalidade – legitimidade, justificação e autorização (teórico-pragmáticas) – de estratégias e práticas interventivas caracteristicamente violentas (repressivo-punitivas).

A terceira etapa é a da não reiteração teórico-pragmáticas dessas estratégias e práticas interventivas repressivas e ou punitivas (violência legitimada), seja a que título for.

O abolicionismo da cultura penal, por assim dizer, perpassa pela assunção de comportamentos não excludentes – é preciso evitar toda forma de “expulsão social” da espacialidade pública da palavra e da ação (Hannah Arendt) –, e, de maneira concomitante, o desenvolvimento de estratégias e de práticas inclusivas, então, determinadas pelo respeito e pela responsabilidade pelo outro.

Essas estratégias e práticas interventivas caracteristicamente violentas se desenvolvem a partir da pretensa legitimação – autorização e justificação – pela legalidade, ainda, que, possam ser socialmente inconsequentes.

A lei penal, por sua vez, orienta-se no falacioso discurso (argumentos) da proteção de “bens jurídicos” que, então, consolidariam os interesses determinados pela vontade da maioria, portanto, legitimados pela democratização da formulação legislativa penal.

Essa presunção de legitimidade, contudo, não encontra referência alguma com a realidade social, e, muito menos, institucional do Sistema Político brasileiro, no qual os “interesses nem sempre confessáveis” publicamente são os que restam, sim, consolidados objetivamente como “bens jurídicos” a serem protegidos pela legislação penal, apesar de não guardar qualquer ponto de contato com a maioria da população brasileira.

A “naturalização” político-jurídica desses “interesses” escusos como “bens jurídicos” a serem protegidos pelo “Direito Penal”[35] determina a normalidade – a aceitação teórica e pragmática do senso comum técnico e da opinião pública – acerca das estratégias e das práticas violentas, que, funcionalmente, surgem como os únicos meios eficazes para a proteção de tais “bens jurídicos”, legitimando, assim, toda e qualquer intervenção estatal de cunho repressivo-punitivo.

Enfim, abolicionismo penal da cultura da violência desenvolve-se pelo questionamento da normalidade oferecida (aceitação e conforto) pela cultura (legitimação) da violência desenvolvida pelo controle sócio-penal[36] das violências selecionadas pelos segmentos político-economicamente hegemônicos.

A tarefa teórico-pragmática que agora se impõe é a da abolição da cultura da violência do controle sócio-penal, isto é, da consolidação do abolicionismo cultural do penal (cultura da violência) que existe em cada um de nós e que é reproduzido nas mais singulares relações interpessoais socialmente compartilhadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho dissertativo, buscou-se demonstrar a importância do bem jurídico-penal, no âmbito do direito penal econômico, para que, assim, seja possível democraticamente delimitar a intervenção estatal, de cunho repressivo-punitivo, na e para a proteção da ordem econômica, a partir da perspectiva criminológico-crítica, a qual estabelece como prioridade a responsabilização socialmente consequente dos agentes econômicos e das empresas (corporações).

A função social da empresa passa, assim, a ser um critério objetivo de verificação dos níveis de democracia, nas sociedades contemporâneas, cuja ordem econômica passa a merecer tutelas diferenciadas, a partir da regulamentação de programas de integridade e conformidada (compliance), que, para o mais, têm por objetividade muito mais a prevenção de irregularidades e de desvios do que propriamente a pura e simples responsabilização dos agentes econômicos e das empresas, ainda que haja previsão expressa para tanto.

Diante de todo o exposto, é possível consignar que a criminalidade econômica não era considerada pelos legisladores e julgadores como de grande relevância para a proteção da sociedade e, de igual maneira, para a intervenção estatal de cunho repressivo-punitivo.

Contudo, atualmente dentre os operadores do Direito já tem havido maiores repercussões, inclusive, como responsabilização penal mais severa aos agentes a quem se atribui a prática e/ou o envolvimento de condutas delituosas.

Não fosse isto, observa-se que existe uma grande quantidade de pessoas que são direta e indiretamente lesadas em virtude da prática de crimes, tendo-se em vista a indevida retirada e/ou desvio de recursos econômico-financeiros que foram legal e legitimamente destinados às áreas da educação, segurança, saúde, dentre outras que possuem importância estrutural para a consolidação do regime democrático e da melhoria da qualidade de vida individual e coletiva da população.

É possível dizer, assim, que o direito penal se relaciona com a atividade empresarial, e, portanto, mantém uma certa interdisciplinaridade com o direito empresarial, em que pese a orientação epistemológica que lhe restringe a atuação – evitando-se, desta maneira, o panpenalismo –, haja vista mesmo o seu caráter fragmentário e subsidiário.

Desta interlocução entre o direito empresarial e o direito penal surge, por assim dizer, um novo ramo jurídico, o qual passou a ser denominado de Direito Penal Econômico, que, por sua vez, destina-se à regulamentação das atividades empresariais que ofendam bens juridicamente protegidos através da tutela penal, vale dizer, que legitimam – autorizam e justificam – a intervenção estatal repressivo-punitiva.

A partir dessas aproximações, é possível dizer que as funções teórico-pragmáticas do bem jurídico-penal (ordem econômica), dos programas de integridade, conformação (compliance) e também das contribuições criminológico-críticas passam a ser integradas, para fins de responsabilização dos agentes econômicos e das empresas, no âmbito do direito penal econômico, pelo que as intervenções estatais devem ser limitadas através de princípios próprios que assegurem as funções sociais da regulamentação e da resposta estatal.

Os agentes econômicos e as empresas certamente podem optar, de forma livre, a sua adesão às proposições legais que incentivam a formulação e a organização estrutural e funcional de programas de integridade (compliance), sem que com isso possa ser presumidamente admitida uma eventual responsabilização.

Contudo, observa-se que tanto no direito econômico quanto no direito penal econômico o que certamente não se admite mais é a ofensa direta e indireta do bem juridico protegido, isto é, a criminalidade econômica praticada através do desenvolvimento de atividade empresarial.

É importante destacar que sem a intervenção adequada do Estado (poderes públicos) não será possível regulamentar, previnir e responsabilizar desvios diretos e indiretos – como, por exemplo, a concentração do poder econômico como fator de desvios e irregularidades no desenvolvimento de atividades empresariais –, enquanto mecanismo de superação cultural, da maneira pela qual muitas pessoas ainda pensam e se comportam econômico-empresarialmente, assim como há muito tempo agiam.

A intervenção do Estado vem garantindo que o previsto em lei seja devidamente aplicado, não deixando, no caso específico das cotas, que haja diferenciação entre pessoas, que, por exemplo, tenham cometido o mesmo crime, porém um de cor de pele clara e outro de cor de pele escura, o juiz determinará em conformidade a lei as penas, e não arbitrariamente pela cor de pele.

A função reguladora deve versar tanto sobre atividade econômica, em sentido estrito, quanto sobre a lei como serviços públicos.

A ferramenta compliance deve ser entendida como um mecanismo pelo qual as instituições também garantem que todas as áreas relacionadas observam atentamente as diferentes normas, regras, padrões, procedimentos e regulamentos dos quais devem obediência, objetivando garantir a prevenção e a administração eficiente dos riscos de imagem, legal e sanções a que estão sujeitos.

É evidente que a tendência com a adoção da política de compliance pelos setores vulneráveis as práticas ilícitas da fraude no sistema de cotas raciais podem tornar cada vez menor a tentativa de se utilizar o sistema para adentrar nas universidades estaduais e federais.

Logo, entende-se que o compliance poderá ter uma ampla utilização e desempenho na prevenção de desvios, irregularidades, fraudes, cuja objetividade é a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva, em perspectiva emancipatória.

No mundo de hoje é possível dizer que existem um grande número de pessoas que se encontra alijadas do mercado, da economia pública, enfim, da própria ordem econômica, pelo que, impõe-se a adoção de programas de integridade, que, também possuam responsabilidade e consequência social, ante mesmo o que dispõe o primado orientativo da função social da empresa.

Portanto, sempre que o desenvolvimento e a prática de atividades empresarias subsumirem-se ao que se encontra disposto na legislação penal – geral e/ou específica – como proibido ou não permitido, seja por ofender bens juridicamente protegidos, por certo, ensejará a persecução penal para fins de responsabilização criminal do agente econômico e/ou da empresa a quem se atribuiu a prática da conduta, então, considerada como delituosa.

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Notas de Rodapé

[1] Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; Mestre (PPGD-UFSC) e Doutor em Direito (PPGD-UFPR); Professor Universitário (PPGD-UNINTER e UNICURITIBA); marioramidoff@gmail.com

[2] Advogada OAB/Pr; Pós-graduanda em Direito pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP); Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, do Centro Universitário Curitiba (PPGD-UNICURITIBA); luh_ramidoff@hotmail.com

[3] RAPOSO, Guilherme Guedes. Bem jurídico tutelado e direito penal econômico. In: AMBOS, Kai; BÖHM, María Laura (Coords.) Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 280.

[4] DIAS, Augusto Silva. What if everybody did it? Sobre a “(in)capacidade de ressonância” do direito penal à figura da acumulação. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Separata, a. 13. n. 13. p. 303-345. jul./set. 2003.

[5] CERVINI, Raúl. Derecho Penal Económico: concepto integrado y bien jurídico. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/04/Derecho-Penal-Economico-Concepto-Integrado-y-Bien-Jur%C3%ADdico.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2016.

[6] MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003. p. 79-81.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun, p. 79-81.

[10] Idem.

[11] POLITZER, Georges. Princípios elementares de filosofia. Tradução de Sílvio Donizete Chagas. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2001, p. 75.

[12] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

[13] LYRA FILHO, Roberto. A criminologia radical. Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, n. 31, p. 54-71, 1982.

[14] LYRA FILHO, Roberto. Op. cit.

[15] LYRA FILHO, Roberto. Op. cit.

[16] SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal: parte geral. 2. ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007. p. 693 e ss.

[17] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 248 e ss.

[18] FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal. A nova parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 277 e ss.

[19] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 255 e ss.

[20] RIOS, Rodrigo Sanches. Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 434 e ss.

[21] SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 3. ed. Belo Horizonte: LTr, 1994. p. 25 e ss.

[22] SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico, p. 28-29.

[23] SCHIMDT, Andrei Zenkner. O bem jurídico protegido pelo direito penal econômico. In: BUSATO, Paulo César; SÁ, Priscilla Placha; SCANDELARI, Gustavo Britta. Perpectivas das ciências criminais: coletânea em homenagem aos 55 anos de atuação profissional do Prof. Dr. René Ariel Dotti. Rio de Janeiro: GZ, 2016. p. 50-87.

[24] RAMIDOFF, Mário Luiz; RAMIDOFF, Luísa Munhoz Bürgel. Boa-fé objetiva: compliance e ética profissional. Disponível em: <https://marioluizramidoff.jusbrasil.com.br/artigos/587937555/boa-fe-objetiva>. Acesso em: 11 jun. 2018.

[25] FATUCH NETO, André. Eticidade e boa-fé objetiva nos contratos empresariais: a vedação das práticas abusivas. 2018. Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de Pós-graduação em Direito, do Centro Universitário Curitiba (PPGD-UNICURITIBA). Curitiba, p. 114-115.

[26] BURCHARD, Christoph. O princípio da proporcionalidade no “direito penal constitucional” ou o fim da teoria do bem jurídico tutelado na Alemanha. Apud AMBOS, Kai; BÖHM, María Laura (Coords.). Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 29-51.

[27] MESTIERI, João. Teoria elementar do direito criminal: parte geral. Rio de Janeiro: J. Mestieri, 1990. p. 39-40.

[28] Eugenio Raúl Zaffaroni in TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. xviii.

[29] RAMIDOFF, Mário Luiz; RAMIDOFF, Luísa Munhoz Bürgel. Boa-fé objetiva: compliance e ética profissional. Disponível em: <https://marioluizramidoff.jusbrasil.com.br/artigos/587937555/boa-fe-objetiva>. Acesso em: 11 jun. 2018.

[30] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan. 1991. p. 72 e ss.

[31] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 484 e ss.

[32] Idem.

[33] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 86 e ss.

[34] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 65 e ss.

[35] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 32 e ss.

[36] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Ilusão da segurança jurídica: do controle social da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p. 74 e ss.