Inseminação Post Mortem: Dilemas Bioéticos e Jurídicos na Concepção de Criança Órfã em Portugal e no Brasil

DOI: 10.19135/revista.consinter.00015.23

Recebido/Received 12/05/2022 – Aprovado/Approved 22/06/2022

David Francisco de Faria[1] – https://orcid.org/0000-0002-9104-8573

Shirlei Castro Menezes Mota[2] – https://orcid.org/0000-0003-0080-0676

Resumo:

Este artigo transita pelo direito de família e pela bioética para tratar de tema controverso: a Procriação Medicamente Assistida ou PMA post mortem. Objetiva analisar o tema e traçar um comparativo do tratamento legal dispensado ao assunto em Portugal e no Brasil. Trata-se, metodologicamente, de uma revisão bibliográfica de parte da doutrina e da legislação que versa sobre a PMA, bem como de recorte jurisprudencial referente ao objeto de estudo nos dois Estados. Em Portugal, o material genético criopreservado, desde que haja prévia manifestação de vontade do falecido em constituir família, pode ser usado na inseminação homóloga. A nova redação da lei que regulamenta o tema enfrenta questionamentos sobre sua aplicação prática pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. No Brasil, homem ou mulher podem recorrer tanto à PMA post mortem homóloga – com uso de material genético do casal – quanto a heteróloga, com material de terceiros. Na falta de lei específica tem sido admitida a inseminação com base em dispositivos do Código Civil, da Lei de Biossegurança e em atos normativos do Conselho Federal de Medicina. Nos dois Países a tese favorável à inseminação enxerga nessa prática um direito legitimo das pessoas envolvidas, respeitando a autonomia da vontade do falecido e do sobrevivo em dar seguimento ao projeto parental interrompido pela morte. A tese contrária tem por base a preocupação com os efeitos sucessórios, uso de material genético da pessoa morta e a importância da família com pais presentes para o pleno desenvolvimento da criança nascida por inseminação post-mortem.

Palavras-chave: PMA; Inseminação; Post mortem; Legislação; CFM.

Abstract:

This paper moves through the families law and bioethics to address about a controverted theme: Medically Assisted Procreation or post-mortem PMA. It aims to analyze the subject and draw a comparison of the legal treatment given to the subject in Portugal and Brazil. It is, methodologically, a bibliographic review of part of the doctrine and legislation that deals with the PMA, as well as a jurisprudential cut referring to the object of study in the two States. In Portugal, the cryopreserved genetic material, as long as there is a previous expression of the deceased’s willingness to start a family, can be used in homologous insemination. The new wording of the law that regulates the subject faces questions about its practical application by the National Council of Medically Assisted Procreation. In Brazil, a man or a woman can use either the homologous post-mortem PMA – using the couple’s genetic material – or the heterologous PMA, using third-party material. In the absence of a specific law, insemination has been allowed based on provisions of the Civil Code, the Biosafety Law and normative acts of the Federal Council of Medicine. In both countries, the thesis in favor of insemination sees in this practice a legitimate right of the people involved, respecting the autonomy of the deceased’s and the survivor’s will to continue the parental project interrupted by death. The contrary thesis is based on the concern with succession effects, use of genetic material from the dead person and the importance of the family with present parents for the full development of the person born by post-mortem insemination.

Keywords: PMA; Insemination; Post-mortem; Legislation; CFM.

Sumário: 1 Introdução.1.1 Procriação Medicamente Assistida. 1.2 PMA post mortem em Portugal. 1.3 PMA post mortem no Brasil. 1.4 PMA post mortem: filiação e sucessão em Portugal. 1.5 PMA post mortem: filiação e sucessão no Brasil. 1.6 Dos embriões excedentários aos órfãos da PMA. 1.7 O discurso jurisprudencial sobre a inseminação post mortem. Considerações Finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Diante das mudanças referentes à Família, atualmente formada por novos e diferentes arranjos, incluindo os casais de pessoas do mesmo gênero, a Procriação Medicamente Assistida – PMA tem se desvinculado cada vez mais da infertilidade humana. Procriar não se resume mais a um ato natural, resultante de relações sexuais. Os avanços da Ciência tornaram a procriação possível artificialmente em estabelecimentos devidamente autorizados pelos órgãos competentes. Mais que isso, possibilitaram a concepção de uma criança mesmo com um dos pais já falecido. Estes órfãos da Ciência são, atualmente, uma realidade que reverbera argumentos contrários e favoráveis.

Este estudo analisa a formação da família em caso de inseminação artificial post mortem, em Portugal e no Brasil, suas consequências, enquanto projeto parental, considerando a concepção da criança órfã de um dos pais, a perpetuação genética da pessoa falecida e o possível nascimento de herdeiro, em regra não integrante do rol de beneficiários com a herança. Ou seja, casos a serem observados judicialmente diante de impugnação da real intenção de trazer à vida uma criança após a morte do genitor (a).

As técnicas de PMA podem ser homólogas – ao usar material genético do casal – ou heterólogas, quando há necessidade de um doador, fato comum entre casais do mesmo gênero. Importante pontuar que, mundialmente, tais casais e mulheres solteiras recorrem à PMA em locais onde essa prática é facilitada.

Em fevereiro de 2021, uma pesquisa da Global Markets Insights sinalizou um aumento da legislação para “barriga de aluguel” em países ricos e que esta prática já possibilitou o nascimento de mais de dez mil bebês e movimentou US$ seis 6 bilhões, havendo a projeção de chegar a US$ 27.8 bilhões para 2025[3].

Portanto, os diversos aspectos da PMA devem ser amplamente discutidos, como é o caso da inseminação post mortem, tratada neste estudo. Afinal, num primeiro momento, essa criança será concebida num projeto de família monoparental.

Em Portugal, o art. 22 da Lei da Procriação Medicamente Assistida – LPMA ou Lei n. 32/ 2006[4], considerava ilícito a mulher ser inseminada com sêmen do falecido, mesmo com consentimento prévio. Se o homem tivesse criopreservado material, esse deveria ser destruído após sua morte. Contudo, considerava lícita a transferência post mortem de embrião para contemplar projeto parental, previamente consentido. Além disso, apenas a sobreviva tinha esse direito. Com a edição da Lei n.º 72, de 12 de novembro de 2021[5], a inseminação post mortem com sêmen passou a ser permitida, e não apenas embrião, mantendo a necessidade de haver projetos parentais expressamente consentidos.

Não há menção na lei portuguesa à figura da mãe falecida[6]. Pela supracitada Lei n. 32/06, o uso de material genético da mãe implicaria na gestação de substituição, permitida apenas em caráter de excepcionalidade. Já a legislação utilizada no Brasil admite tanto a inseminação post mortem homóloga quanto a heteróloga, sem distinção de gênero, sendo possível utilizar a técnica da inseminação, com o uso do útero solidário, se a mulher vier a falecer ou quando o casal for formado por dois homens.

A recente alteração à Lei da PMA portuguesa tem sido objeto de questionamento por parte do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida – CNPMA, responsável por disciplinar, regular e acompanhar a PMA em Portugal, fazendo com que as clínicas privadas e os centros públicos de inseminação aguardem posicionamento interpretativo em torno da aplicação da lei[7]. De modo geral, esse procedimento deve atender, assim como as demais técnicas de PMA, as observâncias da lei que, no art. 3º adverte: quem aplicar técnicas de PMA com violação do disposto n.º 2 do art. 6º, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Em 27 de abril de 2022, a emissora de televisão CNN Portugal[8] reproduziu de uma série de reportagens sobre a história de um homem autorizando a mulher a usar seu sêmen para inseminação após sua morte. Além da história de amor que s levou a se casar no hospital em 2020, 24 horas antes da morte do marido – o relato acarretou amplo debate na sociedade e possibilitou que o parlamento, em novembro de 2021, promovesse mudanças na lei da PMA. Até então não havia previsão legal para uso de sêmen pós mortem, como acima esclarecido.

A reportagem aborda a sina da viúva que, desde 2020, tenta obter autorização para utilizar outra técnica: a fecundação in vitro, que lhe daria 60% de chance de sucesso no projeto parental do casal. Essa mulher reuniu em três dias 20 mil assinaturas e apresentou o projeto de Iniciativa Popular de Cidadão – ILC de Inseminação Artificial/ PMA Post Mortem à Assembleia da República – AR, que foi aprovado 2021[9].

Contudo, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida – CNPMA português, entende que só é possível a “inseminação intrauterina”. Essa técnica, no entanto, reduz para menos de 20% a chance de essa gestação vir a ser concretizada, gerando acaloradas discussões e o retorno da legislação para o Poder Legislativo.

No Brasil não há lei específica referente à Reprodução Assistida – RA. O Conselho Federal de Medicina-CFM vem editando atos normativos relativos à PMA, de caráter deontológico, com conteúdo ético direcionado à utilização das técnicas de reprodução assistida, com o fito de aperfeiçoar as práticas médicas e a observância de princípios éticos e bioéticos capazes de possibilitar maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos.

Sem querer polemizar ou nos ater neste estudo à diferenciação relativa ao gênero, observamos que os dois países têm lidado com os avanços da ciência reprodutiva e, também, sua regulação. Além disso, trataremos dos direitos da criança nascida de inseminação artificial de um dos pais mortos para fins de filiação, sucessão e, ainda, desenvolvimento enquanto sujeito em uma família monoparental, formada por apenas um dos progenitores.

O presente estudo tem por base o seguinte problema: Como a PMA post mortem é regulada, no plano normativo, e qual o discurso jurisprudencial percebido, até o momento, ante a possibilidade de procriação de criança órfã de um dos pais, em Portugal e no Brasil?

Metodologicamente este artigo deriva de uma revisão bibliográfica de parte da doutrina e da legislação que versa sobre a PMA, bem como de recorte jurisprudencial a ela relativo com o objetivo de, ao analisar o tema, traçar um comparativo do tratamento legal dispensado em Portugal, onde existe normatização, e no Brasil, onde há omissão legislativa, na tentativa de apresentar o estudo de forma clara e objetiva.

Os objetivos específicos foram pensados de modo a responder ao problema posto, sendo assim destacados: apresentar a PMA em Portugal e no Brasil de modo geral; destacar normas/recomendações referentes à inseminação post mortem; analisar a inseminação post mortem à luz da ética; destacar implicações dessa técnica para a criança concebida como órfã de um dos pais; e, por fim, comparar o discurso da jurisprudência

Até pouco tempo havia certa confusão ou mesmo insegurança jurídica relativa aos direitos sucessórios dos filhos, nascidos pela técnica de PMA post mortem do pai, em relação aos demais gerados com o pai ainda vivo. O Direito de Família, tem na sucessão um elo de fundamental importância que, não raro, serve de motivação às ações judiciais.

A intenção com o presente estudo é a de contribuir para o debate crítico sobre questões afetas às técnicas de reprodução medicamente assistida post mortem, na esperança de atrair o interesse de profissionais comprometidos com a bioética e estudantes em geral, tendo a convicção que o tema, diante de sua amplitude teórica e pragmática, não será esgotado nessas linhas, mas, quem sabe, servirá de estimulo à produção de novos estudos ante sua importância para a ciência biomédica, filosófica e jurídica.

1.1 Procriação Medicamente Assistida

A PMA é uma técnica capaz de formar um embrião humano sem necessidade do ato sexual e se divide em procriação sexuada e não sexuada. No primeiro caso, recorre-se a dois componentes genéticos, sendo um do homem e outro da mulher: “gametas ou células reprodutoras, ao espermatozoide e ao óvulo ou ovócito”[10]. Na assexuada é utilizado apenas o material genético de uma das pessoas.

A PMA também pode ser entendida como um método subsidiário, alternativo, de ter filhos e constituir família, direito de toda e qualquer pessoa, assim como o de procriar ou não. Normalmente, a PMA atende a casais com problemas de esterilidade. No entanto, os avanços tecnológicos da engenharia reprodutiva levaram a outras circunstâncias da vida moderna, como no congelamento de material genético para gestação futura, por parte da mulher em momento oportuno. Ou, quando permitido, uso pelos casais para gerar uma criança com genes de um ou ambas as partes e utilizando o material de uma outra pessoa – sêmen ou óvulo – na PMA heteróloga.

Este trabalho abordará a técnica da PMA sexuada, cuja fecundação pode ser in vivo – dentro do organismo materno ou intrauterina-, ou in vitro, quando feita extra corporalmente e que nos leva a outra questão bastante debatida: a dos embriões excedentes.

O tema, portanto, toca de perto com a bioética “o mais novo ramo da filosofia moral, por ter surgido da necessidade de se estabelecer princípios racionais que explicassem e fundamentassem o comportamento do homem face a novos conhecimentos e tecnologias[11]“.

A bioética surge em meio a transformações tecnológicas, políticas e sociais, na tentativa de regulara prática médica a fim de minorar eventuais efeitos da violação aos direitos fundamentais dos seres humanos. Conceitualmente envolve um parâmetro biológico, que pode ser entendido como o bem-estar do homem interligado a valores éticos, traduzido na utilização de princípios morais aplicados à conduta humana que lidam com a ciência focada no estudo da saúde e da vida.

A primeira tentativa de fertilização em humanos ocorreu em 1494, tendo como protagonista a rainha de Portugal, D.ª Joana, não tendo êxito a sua realização[12]. Em 1799 o médico britânico, John Hunter, relatou a ter tido sucesso em uma inseminação artificial intrauterina, introduzindo na mulher o sêmen do marido. Posteriormente, em 1884, o americano Willian Pascoast também obteve êxito com a utilização de sêmen de um doador. Em 1958, a primeira inseminação extracorporal de óvulo humano – inseminação in vitro – foi feita pelos médicos e cientistas John Rock e Miriam Menkin[13].

As técnicas de PMA só passaram a ter maior visibilidade no ano de 1958, com o nascimento de Louise Brown, que ficou mundialmente conhecida como o primeiro bebê de proveta. De 1986 a 1988 pelo menos quatro mil mulheres puderam engravidar com a utilização dessa técnica[14]. A primeira solicitação de inseminação post mortem de que se tem notícia se deu em 1984, na França, mas não foi realizada pela clínica responsável ante a falta de autorização por parte do falecido. O caso foi levado aos tribunais, mas quando a justiça autorizou a sua realização o material não podia mais ser aproveitado[15].

É possível afirmar que a escolha pela PMA faz parte dos direitos reprodutivos do homem, fundamentais à perpetuação da espécie.

Tais direitos foram legitimados há pouco tempo. Destacam-se neste processo os seguintes documentos internacionais: o Plano de Ação da Conferência sobre a População e Desenvolvimento de 1994, no Cairo ou Plataforma do Cairo, e a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência sobre a Mulher, elaborada em Pequim em 1995. Antes disso, em 1968, a Conferência Internacional de Direitos Humanos realizada em Teerã, fez referência aos direitos reprodutivos com o status de direitos humanos[16]. Tais documentos ressaltam a importância da saúde reprodutiva e da autonomia de cada pessoa em escolher ou não procriar, bem como de ter acesso a informações e métodos seguros ao planejamento familiar. A Plataforma do Cairo, em seu Capítulo VII, § 7.6, fazia previsão de um plano, a ser concretizado, antes de 2015, de ações voltadas à “prevenção e o devido tratamento da esterilidade”[17].

Moraes salienta que há uma gama de questões a serem consideradas quando se trata de inseminação post mortem, a saber:

[…] alguém tem direito de privar o filho da convivência com um de seus pais? Isso pode suspostamente gerar danos? Se sim, de que ordem? Fere os direitos da personalidade da criança? Existem limites para o uso das técnicas de reprodução humana assistida? Para colocar em prática o projeto parental vale qualquer sacrifício, inclusive o de ignorar o princípio constitucional do melhor interesse da criança, do adolescente e do jovem?[18]

Infelizmente, a nosso sentir, a resposta a maior parte desses questionamentos seria negativa.

1.2 PMA POST MORTEM EM PORTUGAL

Em Portugal, a PMA é regulada pela Lei n. 32/06[19], e diz respeito às técnicas de:

Art. 2 – a) Inseminação artificial; b) Fertilização in vitro; c) Injeção intracitoplasmática de espermatozoides; d) Transferência de embriões, gametas ou zigotos; e) Diagnóstico genético pré-implantação; f) Outras técnicas laboratoriais de manipulação gamética ou embrionária equivalentes ou subsidiárias.

No que se refere à inseminação post mortem, a Lei n.º 72/21 alterou o art. 22 da Lei n. 32/06, estabelecendo condições à inseminação artificial ou à transferência de embrião:

“1 – De forma a concretizar um projeto parental claramente estabelecido e consentido, e decorrido o prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão, é lícito, após a morte do marido ou do unido de facto:

a) Proceder à transferência post mortem de embrião;

b) Realizar uma inseminação com sémen da pessoa falecida.

2 – O estabelecido no número anterior é aplicável aos casos em que o sémen seja recolhido, com base em fundado receio de futura esterilidade, para fins de inseminação da mulher com quem o homem esteja casado ou viva em união de facto e o dador vier a falecer durante o período estabelecido para a conservação do sémen.

3 – O sémen recolhido com base em fundado receio de futura esterilidade, sem que tenha sido prestado consentimento para a inseminação post mortem, é destruído se a pessoa vier a falecer durante o período estabelecido para a respetiva conservação.

4 – O prazo referido no n.º 1 não deve ser inferior a seis meses, salvo razões clínicas ponderosas devidamente atestadas pelo médico que acompanha o procedimento.

5 – Os procedimentos devem iniciar-se no prazo máximo de três anos contados da morte do marido ou unido de facto, podendo realizar-se um número máximo de tentativas idêntico ao que está fixado para os centros públicos.

6 – A inseminação com sémen do marido ou do unido de facto, bem como a implantação post mortem de embrião, só pode ocorrer para a concretização de uma única gravidez da qual resulte nascimento completo e com vida.

7 – É assegurado, a quem o requerer, acompanhamento psicológico no quadro da tomada de decisão de realização de uma inseminação post mortem, bem como durante e após o respetivo procedimento”[20].

A lei acima referenciada permite o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através da inseminação com sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais expressamente consentidos. Há aparente omissão legislativa, por exemplo, nos casos de morte prematura da mulher, sendo que tal situação poderá ocorrer no decurso de um processo de PMA, com embrião existente, o que implica em um vazio legal indesejável e que implica na consideração a respeito do descarte de embriões.

Acerca do consentimento o art. 22.º-A, com a nova redação dada pela Lei n.º 72/21, estipula que:

“1 – O consentimento para a inseminação post mortem referido no n.º 1 do artigo 22.º deve ser reduzido a escrito ou registado em videograma, após prestação de informação ao dador quanto às suas consequências jurídicas.

O consentimento referido no número anterior pode constar do documento em que é prestado o consentimento informado previsto no artigo 14.º, desde que conste de cláusula autónoma.

-O documento de prestação de consentimento autorizando a inseminação post mortem referido nos números anteriores é comunicado ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida para efeitos do seu registo centralizado[21]“.

O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida – CNPMA suscitou dúvidas relativas à aplicação da legislação e, três meses após a promulgação, clínicas particulares e públicas foram comunicadas pela entidade que seria necessário maiores esclarecimentos[22], especialmente no tocante ao termo “inseminação”.

Em linhas gerais, a lei permite a “inseminação” post mortem, o que levou ao entendimento da técnica “intrauterina”, sem contemplar mulheres impossibilitadas fisicamente para esse procedimento. Uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos – ILC, já mencionada, deu origem às mudanças da lei, inicialmente com 20 mil assinaturas[23]. Contudo, o CNPMA entendeu a inseminação de forma restritiva e solicitou à Assembleia da República – AR manifestação sobre o conteúdo da norma.

Em maio de 2022, o então presidente do CNPMA, Eurico Reis, disse que a dúvida era “absurda e inaceitável”. Em resposta, Carla Rodrigues, atual presidente do CNPMA, afirmou que: tão logo a AR “esclareça que estava no seu espírito incluir na inseminação post mortem todos os tipos de tratamento de PMA, elaborará os novos consentimentos informados[24]“.

A aludida reportagem traz a história de uma mulher que, desde 2020, busca realizar o projeto sonhado e devidamente expresso pelo marido no leito de morte e que impulsionou a busca de respostas junto ao órgão legislativo, que não será vinculativa, pois dependerá para isso de entendimento favorável pelo CNPMA[25].

Desde 1999 Stela Barbas[26] defende a inseminação post mortem em Portugal a partir do modelo espanhol, que é feita após seis meses da morte do doador, desde que exista escritura pública e assegurados à criança os direitos inerentes à filiação.

E menciona também o modelo alemão, cuja lei de 1990 proíbe e pune com até três anos de prisão, ou multa, quem utiliza material genético do morto excluindo os direitos hereditários da criança. Para ela a Espanha optou por um modelo capaz de “[…] minimizar o problema da sucessão, não deixando a criança sem proteção e nem deixando de forma indeterminada à mercê da vontade humana a instituição do herdeiro do de cujus”[27].

A PMA em Portugal é uma tentativa de mudar o cenário do Estado, caracterizado pelo envelhecimento da população, associado à queda progressiva da natalidade. Isso explica a Lei n. 17/2016[28], instituída justamente para abrir o leque dos beneficiários a todas as mulheres, independentemente de estado civil e orientação sexual, pois a gestação por PMA torna possível ser mãe, mesmo estando a mulher em idade mais avançada.

De acordo com Duarte Santos, em Portugal as técnicas de PMA não são extensíveis a homens solteiros ou casais de homens[29]: “[…] a única forma que teriam de recorrer a estas técnicas seria através do contrato de gestação […] método que transporta consigo uma série de questões éticas que suscitam fundadas dúvidas quanto à sua admissibilidade” e, em relação à PMA heteróloga da mulher, em casos de morte do homem, num momento em que a “a taxa de natalidade sofre um duro revés”[30], as limitações a utilização dessas técnicas devem ser superadas.

1.3 PMA POST MORTEM NO BRASIL

O Brasil não dispõe de lei que regulamente expressamente as técnicas de PMA. Na falta de norma específica sobre o tema a Lei n.º 11.105/05[31], Lei de Biossegurança, permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias fruto de fertilização in vitro e não utilizadas no respectivo procedimento, estabelecendo algumas restrições:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997[32].

O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução CFM n.º 1.358/92, que versa sobre as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, considerando, dentre outros motivos os problemas da infertilidade humana para a saúde pública[33]“.

Para o CFM as técnicas de reprodução assistida auxiliam na resolução dos problemas de infertilidade humana “quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade” e podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva desucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente”.

Referente à inseminação de doador morto a Resolução dispõe que[34]: “É permitida a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente[35].

Como visto, há possibilidade, no Brasil, do uso de material por pessoas de ambos os gêneros que tenham perdido o parceiro. Esse alargamento tem a ver com a extensão de direitos a todos os casais, bem como a possibilidade de ter acesso a um útero solidário ou gestação de substituição.

1.4 PMA POST MORTEM: FILIAÇÃO E SUCESSÃO EM PORTUGAL

Primeiramente, é digno de nota a transformação da filiação de sentido estrito – a de primeiro grau na linha reta (filiação biológica) para amplo, decorrente ou não da procriação e com efeitos similares à filiação por adoção e a por consentimento não adotivo, sem laços de sangue ou sentença de adoção. A filiação biológica abriga a resultante de procriação por ato sexual, bem como por PMA[36].

Duarte Pinheiro explica que “[…] há apenas um modo de constituir a filiação decorrente de PMA: por consentimento[37]. E, diferentemente da filiação resultante de ato sexual compreendendo a biparentalidade do casal hetero, a PMA abre espaço para a “biparentalidade de duas mulheres e a monoparentalidade feminina”.

Em que pese a Lei n. 17/26[38] ter alargado os beneficiários, a determinação da parentalidade se dá em conformidade com a nova redação trazida pelo art. 23 da Lei n. 72/21[39]:

“[…] 1 – Se, em virtude da inseminação realizada nos termos previstos nos artigos anteriores, resultar gravidez da mulher inseminada, a criança que vier a nascer é havida como filha do falecido.

2 – Se a inseminação post mortem ocorrer em violação do disposto nos artigos anteriores, a criança que vier a nascer é havida como filha do falecido, sem prejuízo do disposto nos artigos n. s 3 e 7.

3 – (Anterior n.º 2.)

4 – O disposto no número anterior não prejudica o direito de conhecimento da identidade genética por parte da criança que vier a nascer.

5 – Existindo consentimento para a possibilidade de inseminação post mortem, a herança do progenitor falecido mantém-se jacente durante o prazo de três anos após a sua morte, o qual é prorrogado até ao nascimento completo e com vida do nascituro caso esteja pendente a realização dos procedimentos de inseminação permitidos nos termos do n.º 5 do artigo 22.º

6 – Nos casos previstos no número anterior, a herança é posta em administração, nos termos da legislação aplicável.

7 – A realização de procedimentos de inseminação post mortem sem consentimento do dador e que prejudiquem interesses patrimoniais de terceiros, designadamente direitos sucessórios, faz incorrer os seus autores no dever de indemnizar, sem prejuízo da efetivação da responsabilidade criminal prevista na presente lei.”[40].

Não há em Portugal a possibilidade da inseminação post mortem heteróloga, embora os filhos porventura nascidos dessa forma sejam igualados em direitos, sem discriminação. Cabe dizer que a lei não impede que as pessoas recorram ao procedimento em outras partes do mundo nas quais há a facilitação, como por exemplo, no comércio de úteros substitutos e material genético de terceiros. Nestes casos, a lei deveria dar tratamento igualitário, como forma de prestigiar constitucionalmente a isonomia entre os interessados[41].

Sobre essa prática, Moraes afirma: “O direito de ter um filho deveria ser limitado e não deve ser concretizado a qualquer custo, em especial quando fica evidente a exploração do ser humano. Por acaso, o princípio da dignidade da pessoa humana não está sendo violado nesses casos?[42].

A lei portuguesa não regula o nascimento de crianças para casais do sexo masculino, deixando-os de fora do rol de beneficiários da PMA. O mesmo ocorre com a inseminação post mortem no caso de óbito da mulher, quando o homem sobrevivo é privado desse procedimento.

No que se refere à sucessão há debate se o filho nascido após a morte do pai deve ser considerado sucessor após a abertura da sucessão? Para José de Oliveira Ascenção[43], a norma sobre PMA não prevê essa situação e a solução plausível, ainda que não a ideal, poderia ser a indicação da “mãe do beneficiário” pelo testador.

1.5 PMA POST MORTEM: FILIAÇÃO E SUCESSÃO NO BRASIL

Em termos de filiação, os filhos nascidos de PMA homóloga possuem a paternidade presumida. Isso porque, para essa finalidade são utilizados material genético dos pais.

Pelo Código Civil é necessário que o (a) falecido (a) tenha autorizado o procedimento antes do óbito. Do mesmo modo, em técnicas heterólogas –com material genético de terceiros – a autorização é fundamental para a filiação, mas se essa ocorrer após a morte, não há previsão legal. Como se pode denotar, trata-se de tema delicado. Com impactos importantes, diga-se, no Direito Sucessório.

O art. 1.798. do Código Civil legitima como sucessores os já nascidos ou concebidos quando ocorre a abertura da sucessão. O inc. I do art. 1799 deste mesmo diploma reforça in verbis: “Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão[44].

Entretanto, e diante das exceções, previstas no art. 1.597, que versa sobre a presunção de paternidade, o legislador estabeleceu ao menos cinco situações hipotéticas em que é presumido o filho havido na constância do casamento:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a sociedade conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido[45].

Ou seja, abarca os nascidos por inseminação homóloga post mortem e até mesmo a heteróloga, com autorização prévia do marido. O Código Civil, não menciona as mulheres falecidas com o propósito de o pai vir a cumprir o desejo de constituir família com material genético dessa pessoa. Contudo, os avanços na área reprodutiva, por mais que a situação possa ser considerada anômala, quer no plano da filiação, quer no plano do direito das sucessões tem forçado a revisão legislativa[46].

Para Delgado a autorização do marido ou do companheiro, no que se refere ao aspecto formal, se verbal ou escrita, merecia ser mais bem tratada na legislação, pois reporta-se somente ao momento: antecedente à morte[47].

Em meio a mudanças na composição das famílias, o Conselho de Justiça Federal – CJF interpretando o art. 1.597, do Código Civil brasileiro, formulando o seguinte enunciado :

“ENUNCIADO 106 – Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, é obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a morte”[48].

Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou o Provimento n. 63/2017, e passou a exigir a apresentação do “termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida[49], como forma de possibilitar a confecção do registro de nascimento de criança nascida por PMA homóloga ou heteróloga.

Em 2018, o CJF editou, ainda, o Enunciado n. 633[50], reforçando a possibilidade da inseminação heteróloga, nos seguintes termos: “É possível ao viúvo ou ao companheiro sobrevivente, o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma – por meio da maternidade de substituição, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela sua esposa ou companheira[51].

Na Jornada de Processo Civil, ocorrida em 2002, foi aprovado o Enunciado n.º 103, que reconhecia o vínculo parental ou o parentesco civil decorrente da PMA, seja ela homóloga ou heteróloga[52].

O debate é extenso, mas a Constituição da República, em seu art. 227, § 6º[53], veda que haja distinção entre filhos, o que leva à interpretação da igualdade entre os nascidos de forma natural ou por meio de PMA, bem como por inseminação artificial, mesmo após a morte de um dos genitores.

De todo modo, prevalece o direito de personalidade, também, o melhor interesse da criança, incluindo-se o embrião oriundo de inseminação artificial ao rol dos herdeiros relacionados no art. 1.798 do Código Civil brasileiro.

Tais questões confirmam que: “o progresso científico e técnico no campo da procriação humana corre o risco de se traduzir na revolução mais profunda que o Direito até hoje já sofreu[54].

1.6 DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS AOS ÓRFÃOS DA PMA

A inseminação post mortem do pai, em Portugal, ou de um dos genitores, no Brasil, guarda inúmeras particularidades após o nascimento da criança. Além disso, o prazo previsto para que o procedimento se efetive, número de embriões possíveis de serem utilizados, dentre outros aspectos, leva também a questionar o destino dados aos embriões excedentários.

Stela Barbas adverte que “os atos de incinerar e destruir vidas já fecundas fere diretamente o respeito à vida humana, haja visto que o Direito protege o ser humano desde a sua concepção, dotando-o de personalidade jurídica, com o seu nascimento com vida[55].

Sobre tal aspecto, merece ser consignado que:

“[…] se se entender que o embrião não passa de um aglomerado de células humanas, não chocará a possibilidade de ser destruído ou usado para fins de investigação científica. Mas se se considerar que o embrião é um ente vivo da espécie humana que irá ser uma pessoa, então o único destino configurável será a sua afectação a um projeto parental”[56].

Essas questões envolvem diferentes áreas do conhecimento e têm raízes importantes na ética e no direito, e possibilita afirmar que “o direito pode e deve interferir nas questões de bioética posto que a genética humana não é um patrimônio exclusivo dos investigadores, mas diz respeito a toda a sociedade[57], e que “a evolução das tecnologias processa-se a um ritmo alucinante de tal modo que uma legislação que pretenda disciplinar todas essas técnicas, com demasiados detalhes, terá que ser rapidamente atualizada ou mesmo substituída por se tornar obsoleta[58].

Mesmo com o avanço da ciência, o objetivo a ser perseguido é o de preservar e respeitar a vida humana, havendo pontos positivos e negativos a serem contrapostos e analisados. Em função disso, a PMA deve atentar para eventual existência de embriões excedentários e seu uso ou descarte, especialmente em casos de inseminação post mortem.

Neste particular, a Lei brasileira de Biossegurança (Lei n. 11.105/2005)[59] estabelece que o uso das células tronco embrionárias obtidas no momento da fertilização in vitro, com consentimento dos genitores, é admitido em pesquisa e terapia.

No que se refere ao abandono de embriões pelos responsáveis Moraes salienta:

“O abandono de embriões excedentários nas clínicas de fertilização in vitro trata se de uma violação dos deveres de proteção dos filhos, inclusive daqueles que não nasceram e, até por isso mesmo, são considerados mais vulneráveis e merecem maior proteção. Se os pais não estão dispostos a cumprir com o dever legal que possuem em relação aos filhos nascidos ou por nascer, deveriam ser proibidos de utilizarem das técnicas de reprodução humana assistida ou pelo menos deveriam produzir apenas o número de embriões que serão implantados, com isso, evitariam a prática do abandono de embriões, como se fossem filhos do nada[60]“.

Esse tema da evolução da ciência reprodutiva, notadamente da inseminação post mortem sempre esteve carregado de interrogações e limitações. Seriam estas crianças as órfãs da evolução da ciência reprodutiva? Lado outro, a preocupação poderia ser relacionada com o conjunto normativo protetivo que assegura alguns direitos sociais às crianças nessas situações, como a convivência familiar, ainda que substituta, para ficar apenas nesse exemplo.

Para Pinheiro, há um interesse privilegiado “[…]que tanto poderá ser o do falecido (desejo de imortalidade ou vontade de resolver problemas sucessórios), como o do membro sobrevivo do casal (tentativa de obter consolo ou evitar solidão)[61].

A concepção após a morte do marido e com uso de seu material genético, já possível em Portugal, sendo fruto dos interesses dos progenitores e secundariza os direitos da criança, os quais deveriam vir em primeiro lugar. Não há, a nosso ver, como amenizar diferentes pontos de vista, mas sim observar a quem atende esse interesse em discussão e por quê. Encontrar respostas para cada caso não nos parece fácil, especialmente pela especificidade dessa forma de procriação.

1.7 O DISCURSO JURISPRUDENCIAL SOBRE A INSEMINAÇÃO POST MORTEM

Apresentaremos neste tópico alguns casos levados aos Tribunais brasileiros a respeito do tema. A pesquisa analisou a base jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Justiça estaduais, tendo como marco temporal o período compreendido entre 2009 e 2021 e, como parâmetro de retorno, os processos que por ali tramitaram utilizando a sequência de caracteres “inseminação artificial” e “post mortem”.

Nos Tribunais de Justiça estaduais foi verificado a presença de vinte e quatro processos, dos quais seis tinham por tema o reconhecimento de união estável, nove o reconhecimento de paternidade e oito diziam respeito à inseminação artificial, alternando o debate a respeito à obrigação de fazer e consequente declaração de existência ou inexistência à inseminação artificial para fins de geração de nova vida com material genético criopreservado de pessoa falecida.

No Superior Tribunal de Justiça a pesquisa retornou com sete processos, sendo que cinco discutiam a cobertura ou não dos planos de saúde ao tratamento por meio de fertilização in vitro, um versava sobre declaratória de paternidade e o último justamente sobre a reprodução medicamente assistida post mortem.

Em Portugal, dada as limitações impostas e as constantes alterações na lei, os casos de PMA deste tipo parecem estar ainda no aguardo dos esclarecimentos da norma pela Assembleia da República. E, pelo que pudemos perceber nesta pesquisa, a jurisprudência portuguesa se atém a temas da PMA relacionados a outras questões: gestação de substituição, confidencialidade do doador, direito dos assim nascidos à verdade genética, que fogem ao tema ora em discussão.

Em sites abertos[62] consta a informação de uma mulher que ingressou com uma ação declaratória no Tribunal Judicial do Entroncamento com o fito de evitar a destruição do sêmen de seu marido, morto em 2009. A mulher teria iniciado a ação em 2012, mas dois meses depois teria desistido do processo com receio de eventual exposição pública.

No Brasil, desde 2010, quando o primeiro pedido de inseminação artificial post mortem foi judicialmente autorizado, esse tema atraiu o interesse da imprensa, que direcionou os holofotes para o Poder Judiciário. É possível, diante dos novos arranjos familiares na sociedade, que novos casos de PMA se tornem recorrentes.

O primeiro bebê brasileiro gerado com sêmen de pai falecido nasceu em Curitiba, no dia 20 de junho de 2011. Sua mãe obteve liminar na 13ª Vara Cível de Curitiba que a autorizou a realizar a inseminação artificial com o sêmen do marido, morto em fevereiro de 2010. A mãe e o marido falecido já vinham tentando o método de fertilização in vitro há tempos e, com o aparecimento do câncer, este coletou sêmen e o conservou no laboratório. A ação foi proposta após a inseminação pretendida não ter sido autorizada pela clínica onde o material genético estava armazenado e nem pelo Conselho Regional de Medicina, ao fundamento de inexistir prévio consentimento do falecido liberando o uso dos espermatozoides após sua morte[63].

Outro caso foi judicializado perante o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP onde uma viúva tentava obter autorização semelhante à acima descrita, em virtude do falecimento de seu marido. Na movimentação do processo foi identificado uma cautelar inominada que tramita em apenso ao processo de inventário na Comarca de Santo Amaro. Foi possível verificar a distribuição da inicial e a cautelar datada de dezembro de 2009. No sítio eletrônico do TJSP não foi disponibilizada decisões do caso, mas a autora da ação relatou o caso na coluna “Cotidiano”, do jornal a Folha de São Paulo, veiculada em 23 de maio de 2010.

Em 2014, o Tribunal de Justiça do Distrito federal – TJDF reformou a sentença de primeiro grau e julgou improcedente o pedido de uma viúva para utilizar material genético de seu falecido companheiro. A ação foi proposta após a clínica que coletou e armazenou o sêmen alegar que inexistia autorização do doador para a inseminação. O TJDF, por maioria, entendeu que o fato de o companheiro da autora ter guardado material genético, ao saber que teria comprometimento reprodutivo em virtude do tratamento que se submeteria, não significava que estaria de acordo com eventual inseminação após a sua morte. Diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização do material, não se poderia presumir o seu consentimento, sob pena de violar a autonomia da vontade. Merece ser consignado que o voto vencido vem fundamentado na celebração de contrato intervivos pelo casal para a realização de coleta e armazenagem de sêmen, o que constituiria prova que ambos pretendiam ter filhos e autorização implícita ao uso do sêmen. A ementa do acórdão[64] é a seguinte:

“AÇÃO DE CONHECIMENTO – UTILIZAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO CRIOPRESERVADO POST MORTEM SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DOADOR – AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO – PRELIMINAR DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO AFASTADA – MÉRITO – AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA SOBRE A MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR O CONSENTIMENTO DO DE CUJUS PARA A UTILIZAÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM.

1. Não se conhece do agravo retido diante da ausência do cumprimento do disposto no art. 523, §1º, do CPC.

2. Afasta-se a preliminar de litisconsórcio necessário entre a companheira e os demais herdeiros do de cujus em ação de inseminação post mortem, porquanto ausente reserva a direito sucessório, vencido o Desembargador Revisor.

3. Diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização de material genético criopreservado post mortem, não se pode presumir o consentimento do de cujus para a inseminação artificial homóloga post mortem, já que o princípio da autonomia da vontade condiciona a utilização do sêmen criopreservado à manifestação expressa de vontade a esse fim.

4. Recurso conhecido e provido.(Acórdão n.º 820873, 20080111493002APC, Relatora: Nídia Corrêa Lima, Relator Designado: Getúlio de Moraes Oliveira, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/09/2014, publicado no DJE: 23/09/2014.P.: 139)”.

Por fim, não poderíamos deixar de consignar decisão proferida, em junho de 2021, pelo Superior Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, julgou procedente recurso dos herdeiros que contestaram pedido de PMA post mortem formulado pela viúva[65].

Isso porque foi pleiteado que fosse autorizada a inseminação artificial, utilizando o material genético do marido morto. No bojo da ação foi verificado que não havia prova documental que materializasse o desejo do falecido nesse sentido. Em vida, a programação com esta finalidade era evidente, mas o Tribunal entendeu que:

“A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, haverá de ser efetivada por testamento ou por documento análogo”.

Na fundamentação da decisão foi abordada a omissão do Código Civil em determinar de que maneira deve ser expressa tal vontade, e considerou necessário que o documento utilizado para a autorização seja formalmente hábil. A ementa do julgado:

“RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE OFENSA A ATOS NORMATIVOS INTERNA CORPORIS. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA. REGULAMENTAÇÃO. ATOS NORMATIVOS E ADMINISTRATIVOS. PREVALÊNCIA DA TRANSPARÊNCIA E CONSENTIMENTO EXPRESSO ACERCA DOS PROCEDIMENTOS. EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS. POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO, DOAÇÃO, DESCARTE E PESQUISA. LEI DE BIOSSEGURANCA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA E FORMAL. TESTAMENTO OU DOCUMENTO ANÁLOGO. PLANEJAMENTO FAMILIAR. AUTONOMIA E LIBERDADE PESSOAL. (STJ – REsp: 1918421 SP 2021/0024251-6, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 08/06/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2021)”.

O julgamento foi concluído com três votos favoráveis aos herdeiros e dois votos contrários. O ministro relator, Marco Buzzi, ficou vencido, sendo acompanhado pela ministra Maria Isabel Galloti.

Ambos concediam permissão à viúva para a implantação do sêmen, destacando ter ficado incontroverso que o falecido nutria o desejo, em vida, de ter filhos com ela, e a escolha da inseminação artificial não serviria a outro fim.

Em voto vencedor divergente, o ministro Salomão, afirmou que a decisão deferindo o pedido traria consequências para além da vida de uma pessoa falecida, com efeitos existenciais e patrimoniais, sendo necessário que a sua manifestação fosse inequívoca, expressa e formal.

Até o fechamento da pesquisa foi verificado que houve interposição de recurso de embargos de declaração, protocolado em 27/04/2022, e ainda pendente de julgamento, fato que indicia a possibilidade de novos recursos por parte da interessada.

Em 2020 outra que foi ajuizada por uma mulher que desejava a inseminação post mortem de sêmen do marido. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido ao fundamento de o material ter sido coletado após o óbito, bem como ausência de documento probatório da vontade expressa do falecido[66].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A infertilidade é um problema de saúde pública e a Procriação Medicamente Assistida – PMA tem permitido que milhares de pessoas possam ter o projeto parental realizado, com filhos biológicos inclusive. Esse é um dos méritos dos avanços tecnológicos da ciência reprodutiva no mundo, o qual não temos como questionar.

O tema trazido à discussão diz respeito à inseminação artificial post mortem, seja homóloga – com uso de material genético do pai, ou heteróloga, com uso de material genético de terceiros, e seus reflexos jurídicos e jurisprudenciais no Brasil e em Portugal.

Afinal, diante de projeto de concepção a partir de uma pessoa morta, e do desejo do sobrevivo em perpetuar a relação e/ou genética da pessoa falecida ou ainda – e isso não pode ser descartado – incluir o filho ao rol dos herdeiros.

A PMA pode ser utilizada para corrigir um problema de saúde pública – a infertilidade – ou até mesmo contornar a dramática diminuição da população em países onde o envelhecimento é evidente.

O avanço de tais técnicas, como a gestação de substituição, deve ser controlado para que não ultrapasse os limites éticos e os interesses das crianças nascidas por PMA sejam sobrepostos pelos de adultos empenhados em procriar por outros e diversos motivos.

É necessário ponderar sobre as implicações da inseminação com material genético de pai ou mãe falecidos para o desenvolvimento desse indivíduo.

Estaríamos exagerando ao denominamos as crianças nascidas da reprodução assistida post mortem de “órfãos” da Ciência? Se avaliarmos todas as indagações inerentes ao ser humano sobre a própria existência, não. E mais, as técnicas de PMA, mesmo quando os pais estão vivos, podem levar ao descarte dos embriões excedentários, em alguns casos simplesmente abandonados em clínicas especializadas pelos doadores.

Talvez muitos procedimentos ainda causem estranheza. A inseminação post mortem, trará para a criança a origem de filha(o) de pai ou mãe falecido, concebida(o) para um projeto de família inicialmente monoparental, sem a possibilidade de mensurar a real necessidade disso.

Vida e morte são, em pleno século XXI, temas complexos e extremamente subjetivos. O Direito e a Bioética merecem caminhar juntos nesses temas, buscando uma abordagem eticamente responsável, que não acarrete prejuízo aos envolvidos e observe a Ciência e a dignidade das pessoas, com a precípua finalidade de respeitar os direitos fundamentais do ser humano.

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Notas de Rodapé

[1] Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), Brasil. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF), Brasil. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), Brasil. E-mail: davidffaria@facc.ufrj.br

[2] Doutoranda pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), Portugal. Mestre em Direito com especialização em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), Portugal. Mestre em Direito pela UFRJ Brasil. Pós-Graduada em Direito do Consumo e Contratos pela Universidade de Coimbra, Portugal, em Análise Internacional Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Advogada. E-mail: shirleicastrommota@gmail.com.

[3] Legislação para barriga de aluguel está se espalhando em países ricos. The Economist, 2 fev. 2021, Disponível em: URL <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,legislacao-para-barriga-de-aluguel-esta-se-espalhando-em-paises-ricos,70003602115>.

[4] Portugal, Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, Procriação Medicamente Assistida, Disponível em: https://data.dre.pt/eli/lei/32/2006/p/cons/20211216/pt/html.

[5] Portugal, Lei n.º 72, de 12 de Novembro de 2021, Permite o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através da inseminação com sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais expressamente consentidos, alterando a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (procriação medicamente assistida), Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/lei/72-2021-174244807.

[6] Portugal, Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, Procriação Medicamente Assistida, Disponível em: https://data.dre.pt/eli/lei/32/2006/p/cons/20211216/pt/html..

[7] Teixeira, Daniela Costa, “Especialistas não entendem lei promulgada por Marcelo. Consequências: famílias impedidas de fazer inseminação post mortem”, CNN Portugal, 16 fev. 2022, n.p. Disponível em: https://cnnportugal.iol.pt/conselho-nacional-de-procriacao-medicamente-assistida/cnpma/especialistas-nao-entendem-lei-promulgada-por-marcelo-consequencia-familias-impedidas-de-fazer-inseminacao-post-mortem/20220216/61fd442d0cf2cc58e7e1085e.

[8] Monteiro, Emanuel, “Inseminação pós-morte: lei está em vigor, mas mulheres só podem recorrer a técnica com taxa de sucesso abaixo de 20%”, CNN Portugal, 27 abr. 2022, n.p. Disponível em: https://cnnportugal.iol.pt/angela-ferreira/inseminacao-artificial/inseminacao-pos-morte-lei-esta-em-vigor-mas-mulheres-so-podem-recorrer-a-tecnica-com-taxa-de-sucesso-abaixo-de-20/20220427/6269af350cf2ea367d38b6bc.

[9] Disponível em: https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/mulher-solicita-alteracoes-a-lei-para-poder-engravidar-do-marido-que-morreu?ref=DET_RelacionadasInText, acessado em: 09 maio 2022.

[10] Pinheiro, Jorge Duarte, O direito da família contemporâneo, 5 ed., reimpressão, Coimbra, Almedina., 2008, p. 167.

[11] Barreto, Vicente de Paulo, O Fetiche dos Direitos Humanos, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 272.

[12] Moraes, Carlos Alexandre, Responsabilidade Civil dos Pais na Reprodução Humana Assistida, Coordenação Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Flávio Tartuce, 1. ed., Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, Método, 2019, p. 91.

[13] Avelar, Ednara p. , A responsabilidade civil médica em face das técnicas de Reprodução Humana Assistida, 269 f. Dissertação (Mestrado em direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 18.

[14] Moraes, Carlos Alexandre, Responsabilidade Civil dos Pais na Reprodução Humana Assistida. 2019, op. cit, p. 91.

[15] Ibidem, p. 106.

[16] Brasileiro, Luciana, “Direitos humanos reprodutivos e reprodução medicamente assistida: Liberdade de reproduzir (?)”, pp. 325-343, In Júnior, Marcos Ehrhardt, Lobo, Fabiola Albuquerque, Andrade, Gustavo, coords, Direitos das Relações Familiares Contemporâneas. Estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo, Belo Horizonte, Forum, 2019, p. 326.

[17] Patriota, Tania, “Instrumentos Internacionais de Direitos das Mulheres”, Relatório da Conferência Internacional sobre população, Plataforma de Cairo, 1994, p. 63. Disponível em: http://www.unfpa.or g.br/Arquivos/relatorio-cairo.pdf.

[18] Moraes, Carlos Alexandre, Responsabilidade Civil dos Pais na Reprodução Humana Assistida, 2019, op. cit, p. 107-108.

[19] Portugal, Lei n.º 32, de 2006.

[20] Portugal, Lei n.º 72, de 12 de Novembro de 2021, Grifos nossos.

[21] Portugal, Lei n.º 32, de 2006.

[22] Teixeira, Daniela Costa, “Especialistas não entendem lei promulgada por Marcelo. Consequências: famílias impedidas de fazer inseminação post mortem”, CNN Portugal, 16 fev. 2022, n.p.

[23] Cf.: Disponível em: https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/mulher-solicita-alteracoes-a-lei-para-poder-engravidar-do-marido-que-morreu?ref=DET_RelacionadasInText, acessado em: 15 Abr. 2022.

[24] Ascenção, Joana, “Polémica com inseminação pós-morte: mulheres só podem recorrer a um tratamento com baixa taxa de sucesso e querem mais”, In Expresso, 6 Maio 2022. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2022-05-06-Polemica-com-inseminacao-pos-morte-mulheres-so-podem-r ecorrer-a-um-tratamento-com-baixa-taxa-de-sucesso-e-querem-mais-418611a6.

[25] Monteiro, Emanuel, “Inseminação pós-morte: lei está em vigor, mas mulheres só podem recorrer a técnica com taxa de sucesso abaixo de 20%”, CNN Portugal, 27 abr. 2022.

[26] Barbas, Stela Marcos de Almeida Neves, “Aspectos Jurídicos da Inseminação Artificial Post mortem”, Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, Portugal, 1999, p. 22.

[27] Ibidem.

[28] Portugal, Lei no 17/2016, de 20 de Junho, Alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, procriação medicamente assistida. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/lei/17-2016-74738646.

[29] Santos Duarte, Mudam-se os tempos, mudam-se os casamentos? O casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito português, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 410.

[30] Ibidem, p. 412.

[31] Brasil, Lei n.º 11.105, de 24 de março de 200, Lei de Biossegurança, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm.

Essa lei foi alvo, em 2008, de da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN pela impugnação em bloco desse artigo, mas o Supremo Tribunal Federal – STF, pronunciou-se pela constitucionalidade do mesmo. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo508.htm, acessado em: 09 maio 2022.

Essa norma, no art. 6º, proíbe: “I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual; II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;IV – clonagem humana […]”. Sendo: “OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética”.

[32] Ibidem.

[33] Cfm, Conselho Federal da Medicina, Resolução CFM n.º 1.358, de 19 de novembro de 1992, Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/1992/1358. Essa resolução foi alterada em 2010. Outras reformulações datam de 2013, 2015, 2017 e, a mais recente foi editada em 2021. Em 2013, o parentesco da doadora temporária de útero se estendeu até o quarto grau, podendo ser da família de um dos parceiros.

[34] Cfm, Resolução CFM n. 1.955, de 3 de setembro de 2010. .

[35] Cfm,Resolução CFM n. 2.294, de 27 de maio de 2021, Disponível em: https://www.in.gov.br/web/d ou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317.

[36] Pinheiro, Jorge Duarte, O ensino do direito de família contemporâneo, Lisboa, AAFDL, 2008, p. 99.

[37] Pinheiro, Jorge Duarte, O direito da família contemporâneo, 5 ed., reimpressão, Coimbra, Almedina.2017, p. 166.

[38] Portugal, Lei n.º 17/2016, de 20 de Junho.

[39] Portugal, Lei n.º 72, de 12 de Novembro de 2021.

[40] Idem. Grifo nosso.

[41]Art. 26.º – 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. In Portugal, Constituição da República Portuguesa de 1976, Disponível em: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/decreto-aprovacao-constituicao/1976-34520775-50453675.

[42] Moraes, Carlos Alexandre, Responsabilidade Civil dos Pais na Reprodução Humana Assistida, 2019, op. cit, p. 104.

[43] Ascenção, José de Oliveira, Direito Civil – Sucessões, 5 ed. revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp. 128 e 129.

[44] Brasil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Institui o Código Civil, Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=247357&filename, Grifo nosso.

[45] Idem. Grifo nosso.

[46] Leite, Eduardo de Oliveira, Comentários ao Novo Código Civil: do direito das sucessões, Volume XXI. 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 110.

[47] Delgado, Mario Luiz, “Prévia autorização na reprodução assistida heteróloga post mortem”. In: Conjur, 15 set. 2019, n.p. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-15/processo-familiar-previa-autorizacao-reproducao-assistida-heterologa-post mortem.

[48] Cfj, Conselho Federal de Justiça, Enunciado 106. *Disponível em: https://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/1046, grifo nosso. Esse enunciado foi proposto na I Jornada.

[49] cnj, Conselho Nacional de Justiça, Provimento n. 63 de 14/11/2017, Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525.

[50] Cfj, Enunciado 633, Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1170.

[51] Cfj, Enunciado 633.

[52] Cfj, Enunciado n.º 103, Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734.

[53] Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

[54] Otero, Paulo, Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do Ser Humano: Um perfil constitucional da bioética, Coimbra, Edições Almedina, 1999, p. 19.

[55] Barbas, Stela Marcos de Almeida Neves, Direito ao Patrimônio Genético, Coimbra, Almedina, 1998. p. 113.

[56] Pinheiro, Jorge Duarte, O direito da família contemporâneo, 5 ed., reimpressão, Coimbra, Almedina.2017, op. cit, p. 196.

[57] Casabona, Carlos Maria Romeo, Do gene ao direito: sobre as implicações jurídicas do conhecimento e intervenção no genoma humano, São Paulo, IBCCRIM, 1999. 367 p. (Monografias, 9), p. 37.

[58] Barbas, Stela, “O Direito da Família Português: algumas características”, Comunicação, Jornadas de Direito Comparado Portugal-Marrocos, pp. 71-78, JURISMAT, Portimão, n.º especial, 2014, 76, Disponível em: https://recil.ensinolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/6419/1/jurismatesp_71-78.pdf.

[59] Brasil, Lei n.º 11.105/2005.

[60] Moraes, Carlos Alexandre, Responsabilidade Civil dos Pais na Reprodução Humana Assistida, 2019, op. cit ,p. 161.

[61] Pinheiro, Jorge Duarte, O direito da família contemporâneo, 5 ed., reimpressão, Coimbra, Almedina, 2017.op. cit, p. 195.

[62] Disponível em: https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/primeiro-pedido-de-inseminacao-post-mortem-aconteceu-em-2012–viuva-desistiu-do-processo-dois-meses-depois, acessado em: 08 mai. 2022.

[63] Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/nasce-o-1-brasileiro-gerado-com-semen-de-pai-morto-1.347906, acessado em: 08 maio 2022.

[64] Disponível em: https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordaoGet&numeroDoDocumento=820873, acessado em: 07 maio 2022.

[65] Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1270115923/recurso-especial-resp-1918421-sp-2021-0024251-6/inteiro-teor-1270115925, acessado em: 20 jul. 2021.

[66]APELAÇÃO. Ação de obrigação de fazer. Sentença de improcedência. Inconformismo da autora. Pretensão de autorização judicial para realização do procedimento de inseminação artificial homóloga post mortem. Inviabilidade. Hipótese em que o material genético não foi fornecido pelo falecido marido da recorrente, mas sim recolhido após o óbito. Ausência de prévia autorização expressa por escrito. Sentença mantida. Recurso a que se nega provimento.(TJ-SP – AC: 10005864720208260510 SP 1000586-47.2020.8.26.0510, Relator: José Rubens Queiroz Gomes, Data de Julgamento: 11/02/2021, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/02/2021)”. [Consult. 20 jul. 2021]. Disponível em: https://tj-sp. jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1166993827/apelacao-civel-ac-10005864720208260510-sp-1000586-4720208260510.