LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO E A REEDIFICAÇÃO DE LUGARES COMO BRUMADINHO

BRAZILIAN ENVIRONMENTAL LICENSING AND THE RESIDENCE OF PLACES AS BRUMADINHO

DOI: 10.19135/revista.consinter.00009.09

Luiz Carlos Figueira de Melo[1] – https://orcid.org/0000-0003-1938-4035

Fernanda Alves Vieira[2] – https://orcid.org/0000-0002-5834-7408

Resumo: O presente artigo tem como fulcro o convite para novas leituras sobre o atual instituto de licenciamento ambiental brasileiro, principalmente na atividade minerária, tendo como estudo de caso a tragédia de Brumadinho. Primeiramente, buscou-se analisar o licenciamento ambiental no direito brasileiro, com destaque na evolução histórica do arcabouço legislativo. Em seguida, passou-se a analisar as licenças ambientais para o setor minerário, com citações de diagnósticos e prognósticos de outras barragens pertencentes à mineradora Vale S.A. Outro ponto enfatizado por este trabalho foi a busca por soluções na eficiência da gestão do tempo para concessão de licenças, sem flexibilização do sistema e com aumento no rigor do processo de licenciamento. Ademais, alguns tópicos propositivos na conclusão foram apresentados como aplicação da melhor tecnologia disponível; histórico de quadro de funcionários da mineradora para responsabilização penal e redução de prazos legais para migração de tecnologias alternativas, com intuito de prevenir novos rompimentos de barragens.

Palavras-chave: Licenciamento. Meio Ambiente. Mineração. Brumadinho. Tecnologia.

Abstract: This article has as a fulcrum the invitation for new readings on the current Brazilian environmental licensing institute, mainly in mining activity, having as a case study the tragedy of Brumadinho. Firstly, we sought to analyze the environmental licensing in Brazilian law, highlighting the historical evolution of the legislative framework. Then, environmental licenses for the mining sector were analyzed, with citations of diagnostics and forecasts of other dams belonging to the mining company Vale SA Another point emphasized by this work was the search for solutions in the efficiency of time management for the concession of licensing, without system flexibility and with an increase in the rigor of the licensing process. In addition, some propositional topics in the conclusion were presented as application of the best technology available; history of the mining company’s staff for criminal accountability and reduction of legal deadlines for the migration of alternative technologies, in order to prevent further dam breaks.

Keywords: Licensing. Environment. Mining. Brumadinho. Technology.

Introdução

O instituto do licenciamento ambiental foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 6.938/1981, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

Como um dos instrumentos dessa Política (art. 9º, inc. IV), ao lado de outros tais, a saber o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental (art. 9º, I) e a avaliação de impactos ambientais (art. 9º, III), o licenciamento ambiental é condição prévia no Brasil para construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, tendo seu pedido de concessão ou renovação publicado em jornal oficial ou meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente (art. 10, caput e § 1º).

Ademais, entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão aprovação de projetos ao cumprimento de normas e critérios para licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, estabelecidos pelo CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, tanto para realização de obras como para aquisição de equipamentos destinados ao controle da degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente (art. 8º, caput e inc. I; art. 12).

Antes da Lei 6.938/1981, existiram algumas normas precursoras ao instituto do licenciamento ambiental, as quais serviram de inspiração para o atual licenciamento. São elas: o Decreto-lei 1.413/1975, que dispôs sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais, e a Lei 6.803/1980, a qual elenca diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição.

Porém, foi a partir do Decreto 99.274/1990, o qual regulamentou a Lei 6.938/1981, e da Resolução CONAMA 237/1997 que podemos observar o conteúdo pormenorizado do atual licenciamento ambiental.

Vale o registro de algumas notas preliminares para melhor compreensão do sistema.

Primeiramente, o licenciamento ambiental no Brasil é trifásico: I – Licença Prévia (LP): fase preliminar do planejamento de atividade, que contém requisitos básicos para as fases de localização, instalação e operação, em observância aos planos municipais, estaduais e federais de uso do solo, bem como aprova sua localização, concepção e atesta a viabilidade ambiental e as condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação; II – Licença de Instalação (LI): autoriza o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado, incluindo medidas de controle ambiental e demais condicionantes; III – Licença de Operação (LO): autoriza a operação da atividade ou do empreendimento, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação, com medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a operação (Art. 19 do Decreto 99.274/1990 e art. 8º da Resolução CONAMA 237/1997).

Entende-se por licenciamento ambiental o procedimento administrativo por meio do qual “o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso” (art. 1º, I da Resolução CONAMA 237/1997).

Já a licença ambiental é o ato administrativo no qual o “órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que possam causar degradação ambiental” (art. 1º, II da Resolução CONAMA 237/1997).

A licença ambiental para atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental dependerá de prévio estudo de impacto ambiental (EIA) e seu respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (RIMA), ao qual se dará publicidade, garantida a realização de audiência pública quando couber (art. 3º da Resolução CONAMA 237/1997).

No tocante à competência do órgão ambiental para licenciar, o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis é o órgão responsável pelo licenciamento de empreendimentos com significativo impacto ambiental no âmbito nacional ou regional localizados: conjuntamente no Brasil e em país limítrofe, no mar territorial, na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; localizados em dois ou mais estados, ou cujos impactos ultrapassem os limites do país ou de mais de um Estado-membro; empreendimentos que utilizem energia nuclear e bases militares (art. 4º, caput, incs. I a V e § 2º da Resolução CONAMA 237/1997).

No que tange à competência dos órgãos ambientais estaduais ou do Distrito Federal, estes licenciarão atividades ou empreendimentos localizados: em mais de um município ou unidades de conservação de domínio estadual; cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites de um ou mais municípios; em delegação pela União, por instrumento legal ou convênio, entre outros. Por último, os municípios também podem licenciar, quando o impacto ambiental for local ou quando forem delegados pelo Estado-membro, por instrumento legal ou convênio (art. 5º e art. 6º da Resolução CONAMA 237/1997).

Entretanto, os empreendimentos e as atividades serão licenciados em um único nível de competência, podendo as licenças ambientais serem expedidas isoladas ou sucessivamente de acordo com a natureza, as características e a fase do empreendimento (arts. 7º e 8º, parágrafo único da Resolução CONAMA 237/1997).

Além disso, acerca dos prazos, o Decreto 99.274/1990 enumera, em seu art. 19, que os prazos para a concessão das licenças seriam fixados pelo Conama, observada a natureza técnica da atividade. Assim, o CONAMA, pela Resolução 237/1997, fixou, em seu art. 18, os seguintes prazos: a validade da Licença Prévia (LP) não pode ser superior a 5 (cinco) anos e a da Licença de Instalação (LI) não pode ser superior a 6 (seis) anos; podendo esses prazos serem prorrogados desde que não ultrapassem o limite máximo outrora fixado. Já o prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá ser de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos, podendo ser renovado e, também, poderá haver prazo diferenciado por alguma peculiaridade do empreendimento.

Doravante, destaca-se o advento da Lei Complementar 140/2011 em resposta ao art. 23 da Constituição Federal de 1988, que trata da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em matérias tais como proteção ambiental, combate à poluição em qualquer de suas formas; meios de acesso à ciência, tecnologia e inovação; registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração dos minerais, entre outros. Diz o art. 23, em seu parágrafo único: “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

A presente Lei Complementar dispõe que os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental quando: inexistindo órgão ambiental capacitado no Estado, a União desempenhe as ações administrativas estaduais até sua criação; inexistindo órgão ambiental capacitado no Município, o Estado desempenhe as funções administrativas municipais até sua criação; e, inexistindo órgão ambiental capacitado no Estado e no Município, a União desempenhe as ações até sua criação respectiva. Essa ação administrativa subsidiária dá-se por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, entre outras formas de cooperação (art. 15, incs. I, II, III e art. 16 da Lei Complementar 140/2011).

No que confere ao licenciamento ambiental, a lei supracitada trouxe o seguinte conceito: “licenciamento ambiental: o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (art. 2º, I da Lei Complementar 140/2011).

Ademais, ela elenca como ações administrativas da União, dos Estados e dos Municípios:

Art. 7º. São ações administrativas da União:

(…)

XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:

a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;

b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;

c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;

d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);

e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;

f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999;

g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou

h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;

Art. 8º. São ações administrativas dos Estados:

XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados;

XIV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7o e 9o;

XV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);

Art. 9º. São ações administrativas dos Municípios:

XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:

a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou

b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

Isto posto, passemos para análise da aplicação do licenciamento ambiental na atividade minerária em resposta à possibilidade de reedificação de lugares como Brumadinho.

Para tanto, na tentativa de saber fazer perguntas corretas para obtenção de respostas profícuas, o presente trabalho visa propor soluções que perfazem as críticas à eficiência na gestão do tempo quanto aos prazos de tramitação do processo de licenciamento ambiental, bem como a necessidade de exigência da melhor tecnologia disponível, no corpo do licenciamento, capaz de alertar a população sobre a probabilidade de novas rupturas de barragens, a fim de se evitar novas “tragédias” como a de Brumadinho.

1 Licenciamento Ambiental Brasileiro na atividade minerária e o caso Brumadinho

A Política Nacional do Meio Ambiente introduziu, no ordenamento jurídico, a recuperação de áreas degradadas como princípio para alcance do objetivo de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (Lei 6.938/1981, art. 2º, caput e inc. VIII).

Para regulamentar o que seria “recuperação de áreas degradadas”, adveio o Decreto 97.632/1989, o qual dispôs: “Art. 1º. Os empreendimentos que se destinam à exploração de recursos minerais deverão, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental – EIA e do Relatório do Impacto Ambiental – RIMA, submeter à aprovação do órgão ambiental competente, plano de recuperação de área degradada”.

Consoante ao Decreto supramencionado, considera-se degradação os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, para os quais se perderam ou reduziram algumas de suas propriedades, tais como qualidade ou capacidade produtiva dos recursos ambientais (art. 2º), o que, de fato, pode ser observado em Brumadinho, com o rompimento da Barragem Córrego do Feijão, da mineradora Vale S.A.

Continua o Decreto a dispor o seguinte: “a recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização, de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo, visando à obtenção de uma estabilidade do meio ambiente”.

Ademais, com a publicação da Resolução CONAMA 01/1986, já havia o entendimento de que impacto ambiental seria

qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do ambiente; a qualidade dos recursos ambientais. (art. 1º, incs. I, II, III, IV e V)

Outrossim, a Resolução supracitada trouxe a necessidade de licenciamento de atividades de extração de minério, como modificadoras do meio ambiente, precedida de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – EIA/RIMA (art. 2º, IX).

Porém, foi com o advento da Resolução CONAMA 237/1997 que observamos a necessidade de regulamentação de aspectos do licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional de Meio Ambiente ainda não definidos, bem como o estabelecimento de critério para exercício da competência para o licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidoras ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.

Assim, no seu Anexo I, a presente Resolução enumera como atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental: I – Extração e tratamento de minerais, tais como pesquisa mineral com guia de utilização; lavra a céu aberto, inclusive de aluvião, com ou sem beneficiamento; lavra subterrânea com ou sem beneficiamento; lavra garimpeira; II – Obras civis, tais como barragens e diques; III – Serviços de utilidade, como a recuperação de áreas contaminadas ou degradadas; transporte, terminais e depósitos de minérios, de carga perigosa, de produtos químicos e produtos perigosos, entre outros.

Doravante, vale destacar que há expressa ordem constitucional sobre o tema. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 2º diz que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.

Acrescenta a Carta Constitucional o cuidado com a exploração das riquezas minerais em terras tradicionalmente ocupadas por índios “Art. 231. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.

Na esfera estadual, destaca-se a recente lei publicada no Estado de Minas Gerais – Lei 23.291, de 25.02.2019, que institui a política estadual de segurança de barragens, como resposta à tragédia de Brumadinho, onde, no dia 25.01.2019, houve o rompimento da Barragem I de Contenção de Rejeitos de minério de ferro, do Complexo da Mina Córrego do Feijão, localizada em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, pertencente à mineradora Vale S.A. Tal desastre vitimou mais de 238 pessoas, além da perda do ecossistema local pela contaminação da lama oriunda da barragem, composta aproximadamente de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios.

Quanto à lei mineira, esta afirma, em seu art. 4º, que o licenciamento e a fiscalização ambiental de barragens no Estado de Minas Gerais são de competência dos órgãos que integram o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA, sem prejuízo da fiscalização prevista no âmbito da Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB, Lei Federal 12.334/2010.

Vale ressaltar alguns dispositivos dessa Lei Estadual, pioneira no Brasil em vedar a concessão de licença ambiental para operação ou ampliação de barragens destinadas à acumulação ou disposição de rejeitos industriais ou de minério que utilizam o método de alteamento a montante, responsável pelo rompimento da Barragem em Brumadinho.

O art. 6º dispõe sobre as fases do licenciamento ambiental mineiro para construção, instalação, funcionamento, ampliação e alteamento de barragens no Estado, “na modalidade trifásica, que compreende a apresentação preliminar de Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – e as etapas sucessivas de Licença Prévia – LP, Licença de Instalação – LI e Licença de Operação – LO, vedada a emissão de licenças concomitantes, provisórias, corretivas e ad referendum”.

O art. 7º da Lei Mineira detalha, em vários dispositivos, o mínimo que o empreendedor deverá apresentar no processo de licenciamento ambiental de barragens para obtenção de cada uma das três licenças. Acresce, também, a realização de audiências públicas para discussão do projeto da barragem, bem como o público-alvo para participação, sendo as deliberações e os questionamentos objeto de parecer do órgão ambiental que subsidia o processo de licenciamento. A concessão da Licença de Operação está condicionada à aprovação do PAE – Plano de Ação de Emergência.

No tocante ao conteúdo do EIA e do respectivo RIMA, estes estão dispostos no art. 8º. Já o PAE consta no art. 9º, e as orientações sobre os procedimentos nele previstos ocorrerão em reuniões públicas acessíveis às populações situadas na jusante da barragem, informadas para participar das ações preventivas no referido plano. Ademais, constará, no PAE, segundo o § 1º do art. 9º, a previsão de instalação de sistema capaz de alertar e viabilizar o resgate das populações diretamente atingidas, bem como o resgate de animais, a mitigação de impactos ambientais, o abastecimento de água potável e o resgate e salvaguarda do patrimônio cultural.

O PAE, conforme § 2º do art. 9º, “ficará disponível no empreendimento, no órgão ambiental competente e nas prefeituras dos municípios situados na área a jusante da barragem, e suas ações serão executadas pelo empreendedor da barragem com a supervisão dos órgãos ou das entidades estaduais e municipais de proteção e defesa civil”.

Por fim, fica vedada a concessão de licença ambiental para construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragem em cujos estudos de cenários de rupturas seja identificada comunidade na zona de autossalvamento.

Entende-se por zona de autossalvamento a porção do vale a jusante da barragem em que não haja tempo suficiente para uma intervenção da autoridade competente em situação de emergência, considerada a maior entre as duas seguintes distâncias a partir da barragem: I – 10 km (dez quilômetros) ao longo do curso do vale, podendo ser majorada para até 25 km (vinte e cinco quilômetros); II – a porção do vale passível de ser atingida pela onda de inundação num prazo de trinta minutos (art. 12, caput e §§ 1º, 2º e 3º da Lei de Minas Gerais 23.291/2019).

Portanto, a “tragédia” ambiental em Brumadinho sinaliza a imprescindibilidade de maior rigor nas regras do processo de licenciamento minerário no país. Não somente a Minas Gerais, mas para todos os outros estados da Federação, o processo de licenciamento ambiental é o espaço propício para se fazer as perguntas corretas com fulcro na obtenção de respostas profícuas.

Assim, como instrumento jurídico eficaz para promoção da atividade minerária em consonância com a preservação ambiental e a proteção de todas as formas de vida (humana, flora, fauna, recursos hídricos, entre outros), que o processo de licenciamento ambiental pós Brumadinho possa ser, mais do que papelada burocrática, uma via propulsora da preservação da vida, em todas as suas formas.

2 Eficiência na gestão do tempo para concessão de licenças ambientais versus leniência estatal para “tragédias” como a de Brumadinho

Há tempos se percebem críticas exclusivamente à morosidade do Estado no trato com o processo de licenciamento ambiental, como se as exigências do modelo trifásico de licenciamento, a saber licença prévia, licença de instalação e licença de operação, fossem responsáveis pelo atraso econômico do país, propondo-se, dessa forma, uma flexibilização das regras do licenciamento.

É cediço que o princípio da Eficiência, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 (art. 37, caput) e na lei federal que estabelece normas básicas sobre processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta (Lei 9.784/1999, art. 2º, caput), deve nortear o trâmite do licenciamento ambiental como procedimento administrativo nas esferas federal, estadual e municipal.

Tal princípio, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, “se dispõe a enfrentar a travada burocracia da esfera administrativa, a perda e o desvio de recursos financeiros e o atraso tecnológico de alguns setores da Administração” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 43).

Além desse, a lei federal de processo administrativo elenca como princípios a serem obedecidos pela Administração Pública a legalidade, a finalidade, a motivação, a razoabilidade, a proporcionalidade, a moralidade, a ampla defesa, o contraditório, a segurança jurídica e o interesse público (art. 2º da Lei 9.784/1999).

No magistério de Carvalho Filho:

O princípio da transparência, por exemplo, relaciona-se intrinsecamente com os da publicidade e motivação. A impessoalidade se agrupa com os da moralidade finalidade. A celeridade retrata um aspecto do princípio da eficiência. A oficialidade integra a legalidade. A participação envolve-se com o princípio da publicidade. Finalmente, a proteção da confiança legítima é o próprio núcleo da segurança jurídica. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 68)

Vale recordar o princípio constitucional da duração razoável do processo, expressamente previsto no art. 5º, LXXVIII da CF/1988 “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Conforme Paulo Affonso Leme Machado, os princípios mencionados tanto no art. 37, caput da CF, como no art. 2º da Lei 9.784/1999 devem ser expressamente cumpridos nos atos do processo administrativo de licenciamento ambiental (MACHADO, 2015, p. 317).

Isto posto, com fulcro nos princípios supramencionados, em destaque a eficiência, a transparência e a duração razoável do processo, acrescidos de critérios elencados no art. 2º, parágrafo único, incs. III e V da Lei 9.784/1999, a saber a objetividade no atendimento do interesse público e a divulgação oficial dos atos administrativos, propomos a efetiva adoção do meio eletrônico para realização do licenciamento ambiental em todas suas fases no âmbito federal, estadual e municipal.

Para tanto, já existem no ordenamento jurídico brasileiro: o Decreto Federal 8.539/2015, que dispõe sobre o uso do meio eletrônico para realização do processo administrativo no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional; o Decreto Estadual de Minas Gerais 47.222/2017, que dispõe o mesmo na esfera estadual; e a Portaria do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação 3.399/2018, a qual traz a utilização do Sistema Eletrônico de Informações SEI-MCTIC como sistema oficial de produção, uso e tramitação de documentos e processos administrativos eletrônicos no âmbito do Ministério.

O incentivo para migração dos processos administrativos para uso de meios eletrônicos também encontra previsão expressa na Lei 13.575/2017, que instituiu a Agência Nacional de Mineração – ANM e dispôs, em seu art. 34, que a ANM poderá disciplinar, por meio de resolução, o uso de meios eletrônicos para processos administrativos de sua atuação.

No tocante ao Decreto Federal 8.539/2015 (uso do meio eletrônico), este catalogou como seus objetivos: assegurar a eficiência, a eficácia e a efetividade da ação governamental e promover a adequação entre meios, ações, impactos e resultados; a utilização de meios eletrônicos para a realização dos processos administrativos com segurança, transparência e economicidade; a ampliação da sustentabilidade ambiental com o uso da tecnologia da informação e da comunicação; e a facilidade ao cidadão do acesso às instâncias administrativas (art. 3º, incs. I, II, III e IV).

Outrossim, tanto o Decreto Federal quanto o Decreto Estadual Mineiro fixaram prazos para implementação do uso de meio eletrônico na confecção do processo administrativo. O primeiro fixou prazo de 2 anos (art. 22, § 1º do Decreto Federal 8.539/2015) e o segundo fixou em 1 ano e meio (art. 22 do Decreto Estadual 47.222/2017).

Ademais, no que tange à Portaria 3.399/2018 do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, esta adicionou em seus objetivos o estímulo à modernização administrativa e à inovação na Gestão Pública (art. 2º). Também instituiu em sua estrutura de gestão do processo eletrônico: a gestão negocial (do processo eletrônico, arquivística e de protocolo); a gestão técnica (de infraestrutura, de sistemas, de governança de tecnologia da informação e comunicação) e a gestão de atendimento ao público (art. 6º, incs. I, II e III).

Noutro giro, ainda em referência à eficiência na gestão do tempo para concessão de licenças ambientais, há previsão, em Resolução CONAMA 237/1997, sobre a possibilidade de procedimentos simplificados para atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, podendo, até mesmo, ser admitido um único processo de licenciamento ambiental para tais atividades e empreendimentos (art. 12, §§ 1º e 2º), além da agilidade e da simplificação de licenciamento ambiental em programas voluntários de gestão ambiental, visando a melhorias e aprimoramentos do desempenho ambiental (§ 3º).

Destarte, o que se torna inadmissível é enquadrar, nessas categorias acima, a atividade minerária como se fosse de pequeno potencial de impacto ambiental, pleiteando, assim, uma simplificação do processo de licenciamento ambiental.

Ainda, para agravar a inadmissibilidade da leniência estatal ao setor minerário, destaca-se o prazo de 3 anos que o Estado de Minas Gerais acabou de conceder ao empreendedor responsável por barragem construída pelo mesmo método da Barragem que se rompeu em Brumadinho, ou seja, o método de alteamento a montante, a fim de migrar para tecnologia alternativa de acumulação ou disposição de rejeitos e resíduos e a descaracterização da barragem, segundo regulamento do órgão ambiental competente. Prazo esse de 3 anos contados a partir da publicação da Lei 23.291, de 25.02.2019. (Lei Mineira 23.291/2019, art. 13, § 2º).

Logo, se a “tragédia” de Brumadinho não desperta urgência para migração de tecnologias alternativas na construção de barragens para acumulação ou disposição de rejeitos e resíduos de minérios, principalmente em referência ao porte do empreendedor como a mineradora Vale S.A., por sua capacidade econômica, tecnológica, técnica de seus funcionários quantitativa e qualitativamente, entre outras, talvez seja imperioso listarmos a situação (diagnósticos e prognósticos) de outras barragens no Estado de Minas Gerais pertencentes à mineradora Vale S.A.

Quanto às Barragens de Forquilha I, II e III da Vale, o Ministério Público de Minas Gerais – MPMG ingressou com Ação Civil Pública – ACP e a Justiça concedeu liminar para que a Vale adote medidas emergenciais, independentemente de apresentação de Plano de Ação Emergencial – PAE, a fim de garantir a segurança da população de Itabirito no caso de rompimento das barragens, sob pena de um milhão de reais por dia de atraso. Tais medidas são: fixação de rotas de fuga e pontos de encontro, implantação de sinalização de campo e sistema de alerta, estratégias para evacuação e resgate das pessoas com dificuldade de locomoção, entre outras, informando à comunidade, por meio de comunicação e distribuição de panfletos, sobre como proceder em caso de rompimento da barragem (MPMG, 2019).

Em relação à Barragem Sul Superior da Mina Gongo Soco, pertencente à Vale, em Barão de Cocais: a Justiça concedeu tutela provisória de urgência em ACP ajuizada pelo MPMG para execução do plano de ação de proteção à fauna, deixada nas áreas de risco depois da evacuação das pessoas residentes no local. A empresa fica obrigada a fornecer provisão de alimento, água e cuidados veterinários aos animais que aguardam resgate, sob pena de multa diária de R$ 200 mil a R$ 2 milhões de reais (MPMG, 2019).

Acerca das Barragens Vargem Grande, Capitão do Mato e Dique B (em Nova Lima), Laranjeiras (em São Gonçalo do Rio Abaixo), Menezes II (em Brumadinho), Taquaras (em São Sebastião das Águas Claras) e Forquilha I, II e III (em Ouro Preto), todas pertencentes à Vale: o MPMG recomendou à Vale adoção de medidas emergenciais para preservação de bens culturais existentes no local. No caso da Barragem Laranjeiras, uma eventual ruptura causaria inundação por 183 km a jusante da estrutura, chegando ao Rio Piracicaba, próximo à afluência com o Rio Doce. Já quanto à barragem Menezes II, o dano alcançaria 5,5 km a jusante da estrutura, no Ribeirão Ferro-Carvão, antes da confluência com o Rio Paraopeba, atingindo comunidades rurais e urbanas (MPMG, 2019).

Ademais, o MPMG ingressou com ACP pedindo condições de segurança e de estabilidade das barragens, com documentos que atestam que as Barragens I a IV-A em Brumadinho estão em Zona de Atenção (ALARP ZONE), sendo essa informação de conhecimento da Vale desde outubro de 2018. A saber, todas as barragens objeto dessa ACP estão em áreas próximas a núcleos urbanos, havendo residências na zona de autossalvamento, ou seja, região do vale a jusante da barragem a uma distância igual a 30 min ou 10 km correspondente ao tempo de chegada da onda de inundação (lama). Deste modo, o MPMG postula plano de ação de emergência, principalmente para os indivíduos na zona de autossalvamento, devendo ser realocadas caso haja inexistência de condições de segurança das barragens ou relatórios que não atestem sua estabilidade (MPMG, 2019).

Quanto à Barragem Maravilhas III, da Vale, na região metropolitana de Belo Horizonte: o MPMG ingressou com ACP após o rompimento da Barragem de Fundão/Mariana, requerendo ao Estado de Minas Gerais que não concedesse qualquer licença à Vale para a citada barragem até que fossem atestadas: inexistência de alternativas tecnológicas mais seguras; inexistência de população na zona de autossalvamento, inexistência de risco a mananciais de captação para abastecimento público de água; inexistência de risco geológico, apresentação de estudo de ruptura hipotética e mapa de inundação que considere o cenário de maior dano, inclusive o colapso conjunto das barragens Maravilhas III, Maravilhas II e Codornas (MPMG, 2019).

Consoante à ACP, a barragem acima foi projetada para 108,86 milhões de metros cúbicos, ou seja, o dobro do volume que vazou na barragem do Fundão/Mariana e com a mesma tecnologia de disposição hidráulica. Assim, se a barragem for construída onde está projetada – município de Itabirito, haverá várias comunidades na zona de autossalvamento. Em um cenário de rompimento, a lama também atingiria a Barragem Maravilhas II, e os efeitos sinérgicos seriam: um tempo recorde de 35 segundos para as pessoas situadas a jusante abandonarem o local; o comprometimento da captação de água responsável pelo abastecimento de cerca de 3 milhões de indivíduos, incluindo moradores de Belo Horizonte (70%), Nova Lima (98%) e Raposos (100%), entre outros municípios, totalizando cerca de 40% da região metropolitana; além de afetar as populações situadas ao longo do rio de Peixe (Nova Lima e Rio Acima), rio das Velhas (Raposos, Sabará e Santa Luzia) e o próprio rio São Francisco.

Logo, focar na eficiência da gestão do tempo para concessão de licenças ambientais em quaisquer de suas fases, propondo flexibilização do sistema de licenciamento, e negligenciar a eficiência e a urgência na gestão do tempo para que empreendedores como a Vale migrem para tecnologias alternativas o mais breve possível, a fim de evitar novas “tragédias” como a de Brumadinho, seria, no mínimo, ignorar a morte de mais de 240 pessoas que pagaram com suas próprias vidas, além da morte de todo ecossistema local, e a lentidão do Estado de Minas Gerais, desde a tragédia de Mariana, em proibir, no seu território, a construção de barragem pelo método alteamento a montante.

Assim, para que as barragens acima citadas, entre outras, não tenham destinos trágicos como Brumadinho e Mariana, propomos maior rigor nos critérios de concessão das licenças ambientais prévia, de instalação e de operação, com maior eficiência na gestão do tempo pela via do uso de meios eletrônicos na confecção dos processos de licenciamento, jamais no abrandamento ou na supressão de medidas preventivas, indispensáveis para evitar novos perecimentos de vida humana e de todo o ecossistema que o circunda.

Por fim, propomos a redução do prazo de 3 anos previsto na Lei Mineira 23.291/2019, art. 13, § 2º, para que, em 1 ano e meio, no máximo, haja a migração para novas tecnologias alternativas de quaisquer barragens em situações de provável rompimento, não somente as construídas pelo método alteamento para montante.

Isso porque, provavelmente, outras barragens poderão se romper em prazo inferior ao estipulado na lei, concedida em total leniência estatal a um setor tão rico como o minerário, que exige do Estado eficiência na gestão do tempo para licenciar e não executa, em contrapartida, gestão eficaz do tempo na implantação e/ou substituição de melhores tecnologias disponíveis.

3 Melhor Tecnologia Disponível: exigência indispensável no processo de licenciamento ambiental

Preliminarmente, mediante o cenário trágico na cidade de Brumadinho, Estado de Minas Gerais, vale ressaltar a diferença entre: de um lado, a solução tecnológica de maior eficiência capaz de alertar e viabilizar o resgate das populações passíveis de serem atingidas pelo rompimento de barragens e, de outro lado, a tecnologia alternativa utilizada na metodologia de construção, operação e ampliação de barragens; elencada pela Lei 23.291/2019 (Lei Estadual de Segurança de Barragem).

A lei estadual supracitada dispõe, em seu art. 13, que: “Fica vedada a concessão de licença ambiental para operação ou ampliação de barragens destinadas à acumulação ou à disposição final ou temporária de rejeitos ou resíduos industriais ou de mineração que utilizem o método de alteamento a montante”. E, em seu § 2º, o art. 13 traz a previsão de “migração para tecnologia alternativa de acumulação ou disposição de rejeitos e resíduos e a descaracterização da barragem, na forma do regulamento do órgão ambiental competente”.

Quanto a essa previsão de tecnologia alternativa, apesar de estar prenunciada “na forma do regulamento do órgão ambiental”, não pode o poder público discricionariamente exigir, no licenciamento, tecnologia ‘a’ ou ‘b’, pois a livre-iniciativa é uma garantia constitucional do empreendedor.

Dessa forma, o que o órgão ambiental competente pode, no âmbito do processo de licenciamento, é verificar condições que adequem a tecnologia selecionada pelo empreendedor com a efetiva proteção ambiental do local de sua implantação.

Noutro giro, completamente diferente da liberdade da iniciativa privada em escolher a tecnologia para construção, operação ou ampliação de barragens é a obrigatoriedade do empreendedor em escolher a solução tecnológica de maior eficiência capaz de alertar e viabilizar o resgate dos indivíduos passíveis de serem diretamente atingidos pelo rompimento da barragem.

A saber, o art. 9º, § 1º da Lei 23.291/2019 diz o seguinte sobre o Plano de Ação Emergência – PAE: constarão no PAE a previsão de instalação de sistema de alerta sonoro ou outra solução tecnológica de maior eficiência, capaz de alertar e viabilizar o resgate das populações passíveis de serem diretamente atingidas pela mancha de inundação, bem como as medidas específicas para resgatar pessoas e animais, mitigar impactos ambientais, assegurar o abastecimento de água potável às comunidades afetadas e resgatar e salvaguardar o patrimônio cultural.

Nessas circunstâncias, conforme leciona Paulo Affonso Leme Machado, o poder público deve exigir o emprego de melhor tecnologia disponível para prevenção ambiental. Esse dever encontra guarida em dois dispositivos constitucionais: o art. 225, caput, o qual afirma “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, e o art. 170, caput, quando diz: “a ordem econômica […] tem por fim assegurar a todos existência digna […] observados os seguintes princípios […] VI – defesa do meio ambiente” (MACHADO, 2015, p. 337).

O instrumento jurídico que abarca a possibilidade dessa exigência é o licenciamento ambiental. Segundo Paulo Affonso:

Deixando o Poder Público de cumprir seu dever (art. 225, V da CF: ‘controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente’), cabe a propositura de ação popular, para anular a autorização e/ou licença outorgada ou a interposição de ação civil pública, visando ao cumprimento da obrigação de fazer, isto é, de instalar e operar equipamentos contra a poluição.

A liberdade de iniciativa na ordem econômica haverá de visar ao lucro justo e não aquele que traga benefícios somente para o empreendedor, pois a função social da propriedade continua a ser um dos pilares da Constituição Brasileira de 1988 (art. 170, VI), repetindo as anteriores. (MACHADO, 2015, p. 338)

Assim, a licença ambiental não é um direito adquirido de poluir. Sua concessão em si não isenta o empreendedor de buscar sempre a melhor eficiência na prevenção de riscos e de ser responsabilizado por eventuais danos causados, devendo pagar o custo para evitá-lo. Para tanto, torna-se imprescindível que a Administração Pública inclua, no seu modelo de licenciamento ambiental, uma condição quanto à obrigatoriedade do empreendedor de adotar novas tecnologias a fim de diminuir os impactos causados ao meio ambiente (SILVEIRA, 2016, p. 255).

Quanto ao procedimento citado, conhecido por “Melhor Tecnologia Disponível – MTD”, é uma espécie de cláusula técnica, a qual permite a incorporação e a permanente atualização das inovações tecnológicas, não apenas as disponíveis no ato da concessão da licença em si, mas aquelas existentes em todo o momento da vigência da licença. Com o intuito de fazer frente às determinações jurídicas mais estáticas, o Direito permaneceria com a legitimidade do ordenamento jurídico, não remetendo à regulação privada como fazem as normas técnicas (SILVEIRA, 2016, p. 215).

Logo, a evolução tecnológica, admitida no Direito por meio da cláusula técnica, conferiria, no licenciamento ambiental, a necessidade de adaptação do empreendedor e a mutabilidade das licenças já concedidas.

Desse modo, mesmo que a adoção de MTD não esteja expressamente escrita na confecção do licenciamento ambiental, ela deve ser considerada implícita em todas as licenças ambientais já concedidas, com vistas a atender aos mandamentos constitucionais de prevenção de riscos e proteção ambiental, uma vez que tais licenças são concessões de uso e acesso a bens ambientais. Vale, portanto, destacarmos notas de Paula Galbiatti Silveira sobre o tema:

Dispõe a Resolução 237/1997, no art. 19, que o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar as condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais, omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença, e superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Observa-se que a Resolução afirma expressamente que, enquanto as condições fixadas pela licença atenderem ao seu objetivo, deverá ser mantida. Já quando desatender os objetivos de sua concessão, mediante as situações acima estabelecidas, deverá ser suspensa ou cancelada. A licença ambiental possui, assim, uma cláusula rebus sic stantibus, ou seja, se alteradas as condições originais que justificaram a concessão da licença, deve essa também ser alterada.

Segundo Loubet (2014), uma atividade que estava de acordo com o sistema jurídico no momento de emissão da licença, pela adoção das MTDs passa a não mais estar com o avanço tecnológico, ocorrendo uma ilegalidade superveniente. A licença ambiental não assegura a manutenção do status quo vigente quando da expedição da licença e não confere direito adquirido ao empreendedor a manter as condições incialmente emitidas. Aplica-se, portanto, a teoria da cláusula rebus sic stantibus, vez que, se as condições originais que deram ensejo a sua concessão mudarem, altera-se ou retira-se também a própria licença, sendo a cláusula responsável pela atualização e modificação do vínculo, em uma situação jurídica permanente e não consumada. (SILVEIRA, 2016, p. 261)

Destarte, a cláusula técnica da MTD “opera no regime de licenças ambientais, juntamente com dois ordenamentos: um legitimando o ordenamento jurídico e o outro com o conhecimento científico e os meios técnicos exigíveis para o melhor controle de emissões e de padrões de qualidade ambiental” (SILVEIRA, 2016, p. 216).

Esse aspecto evidencia ser a MTD uma obrigação de resultado e não de meio, haja vista que, dentro das tecnologias disponíveis para alcançar determinado fim almejado pela norma, a escolha é feita pelo empreendedor na apresentação do EIA/RIMA, e o resultado final motivado sobre qual tecnologia deve ser adotada é do órgão ambiental competente (SILVEIRA, 2016, p. 220).

Ademais, pode-se indagar sobre o que é compreendido como “melhor” e “disponível” para entender o alcance da MTD. No tocante ao “melhor”, a legislação brasileira e a europeia trazem essa ideia associada à eficiência, porém, mediante verificação do empreendimento e do meio ambiente como um todo, sem transferência de riscos ambientais para a sociedade. Acerca do conceito de “disponível”, entende-se por tecnologias que já estejam disponíveis no mercado nacional ou internacional, excluídas aquelas em fase de teste, verificação e experimentação, para que não se faça das empresas laboratórios de investigação (SILVEIRA, 2016, p. 220).

No que tange à previsão constitucional sobre a aplicabilidade da MTD nos processos de licenciamento ambiental, destaca-se o seguinte: a exigência do EIA/RIMA na Constituição Federal de 1988 reconhece implicitamente a obrigatoriedade do uso das MTDs, uma vez que esses estudos de impacto ambiental conferem como reflexo “três implicações práticas: a obrigatoriedade da análise das opções possíveis para o empreendimento; o impacto dessas opções na proteção ambiental; e a adoção das MTDs para compatibilizar o uso e acesso aos bens ambientais e sua proteção” (SILVEIRA, 2016, p. 233).

Outrossim, grifam-se aqui os princípios estruturantes do Estado ambiental, quais sejam: a precaução, a cooperação, a solidariedade, a vedação do retrocesso ambiental e o poluidor-pagador, em que se verificam os fundamentos para a adoção das melhores tecnologias disponíveis (SILVEIRA, 2016, p. 233).

No tocante à previsão do MTD no arcabouço legislativo, implícita ou explicitamente, ressaltamos: a Lei 6.938/1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que, embora não trate expressamente do termo MTD, evidencia que o conceito de MTD deve ser adotado; a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, promulgada pelo Decreto 5.472/2005, a qual define o termo “melhores técnicas disponíveis”; a Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; a Resolução CONAMA 01/1986, que estabelece as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente; a Resolução CONAMA 316/2002, alterada pela Resolução 386/2006, que dispõe sobre procedimentos e critérios para o funcionamento de sistemas de tratamento térmico de resíduos; a Resolução CONAMA 382/2006, que estabelece os limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas; a Resolução CONAMA 436/2011, que estabelece os limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas instaladas; a Resolução CONAMA 452/2012, que dispõe sobre os procedimentos de controle da importação de resíduos, conforme as normas adotadas pela Convenção da Basileia sobre o controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito; e a Resolução CONAMA 462/2014, que estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície terrestre.

Doravante, o planejamento de incorporação das MTDs no conteúdo do processo de licenciamento ambiental visa, primordialmente, à internalização das externalidades negativas ao colocar a cargo do empreendedor a adoção de melhores tecnologias para evitar que a sociedade sofra com os riscos e os danos ambientais, constituindo, assim, um instrumento para aplicação prática da justiça ambiental, ecológica e do poluidor-pagador (SILVEIRA, 2016, p. 245).

Dessa forma, pode-se concluir que a adoção da MTD se faz imprescindível para determinar se a obra ou a atividade será licenciada ou não, visto que, conforme mandamento constitucional, no art. 225, § 2º, quem explora recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado segundo solução técnica exigida pelo órgão público competente.

Isto posto, para a evitabilidade de novas “tragédias” como a de Brumadinho, onde a tecnologia aplicada para avisar a população de possível rompimento da barragem foi ineficaz, destruída pela própria lama de rejeitos, e sabendo do risco a que Minas Gerais está subjugado, com possíveis rompimentos de novas barragens, muitas pertencentes à mineradora Vale S.A., o presente trabalho visa propor: a exigência, no processo de licenciamento ambiental, da aplicação da melhor tecnologia disponível, principalmente para empreendedores do porte econômico da Vale S.A.

A priori, sugerimos que seja adotada a tecnologia de Sensoriamento Remoto Hiperespectral (Espectroscopia de Imageamento) para avisar a população da possibilidade de rompimento de qualquer barragem, independentemente de o método de construção ser por alteamento a montante ou outro. Isso porque o sensor hiperespectral é uma tecnologia que possui como objetivo a identificação de materiais tais como minerais, espécies de vegetação, tipos de água e de solos, objetos feitos pelo homem, produtos de poluição, entre outros, tudo em imagens.

Além da identificação, o sensoriamento hiperespectral tem como finalidade caracterizar a composição dos materiais com base na interação da radiação eletromagnética com a matéria. A saber, sensores hiperspectrais medem espectros como imagens, isto é, adquirem dados em um grande número de bandas estreitas e ‘contínuas’.

Ademais, essa tecnologia visa à caracterização de reflectância espectral de solos tropicais e relações químicas espectrais, além de simulação de sensores. Com o aparecimento do Advanced Visible and Infrared Imaging Spectromer (AVIRIS) em 1987, uma série de novas aplicações dessa tecnologia vem sendo demonstrada, incluindo o mapeamento detalhado de minerais e rochas, vegetação, água/neve/gelo, estudo de gases e partículas atmosféricas, nuvens e diversas outras.

O moti da proposta de adoção do sensoriamento hiperespectral para prevenção de rompimento de barragem possui como fundamento o fato de esse tipo de tecnologia já ser utilizado por grandes empreendimentos para mapeamento de minerais e sua exploração. Significa dizer que, se as grandes empresas utilizam altas tecnologias para otimização de seus lucros, o mesmo parâmetro deve ser exigido no licenciamento ambiental para prevenção da vida em todas as suas formas, evitando, desse modo, seu perecimento.

Por outro lado, há que se indagar quem seria competente para analisar a melhor tecnologia disponível apresentada por grandes empreendedores, como a Vale S.A., em seus Estudos de Impacto Ambiental – EIA e Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA.

Pretendemos, portanto, oferecer como resposta profícua a essa indagação a possibilidade de se exigir no corpo do processo de licenciamento ambiental, além dos pareceres da Agência Nacional de Mineração – ANM, autarquia federal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responsável pela fiscalização e gestão da atividade de mineração e dos recursos minerais brasileiros, os pareceres do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC, para analisar a melhor tecnologia disponível apresentada por grandes empreendedores do setor minerário.

4 Outras exigências imprescindíveis na confecção do processo de licenciamento ambiental

A Resolução CONAMA 237/1997 diz, em seu art. 11, parágrafo único, que o empreendedor e os profissionais legalmente habilitados que subscrevem os estudos necessários ao processo de licenciamento serão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais.

Não se pode olvidar que, no tocante à responsabilização penal, impera, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da responsabilidade penal pessoal, ou seja, somente a culpabilidade do agente pode fundamentar a responsabilidade penal pela realização do crime.

Conforme leciona Juarez Cirino dos Santos:

O Princípio da Responsabilidade Penal Pessoal tem objeto e fundamento constitucionais positivos, relacionados com o princípio da legalidade e com o princípio da culpabilidade, como se indica:

a) O objeto da responsabilidade penal pessoal é o tipo de injusto, como realização concreta do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege (art. 5º, XXXIX, CR, que define o princípio da legalidade), atribuído aos autores e partícipes do fato punível, segundo as regras da imputação objetiva e subjetiva definidas pela ciência do Direito Penal: somente o tipo de injusto pode ser objeto de responsabilidade penal;

b) O fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabilidade, como expressão do princípio nulla poena sine culpa (derivado do art. 5º, LVII, CR, que institui a presunção de inocência), indicada pelas condições pessoais de saber (e controlar) o que faz (imputabilidade), de conhecimento real do que faz (consciência da antijuridicidade) e do poder concreto de não fazer o que faz (exigibilidade de comportamento diverso), que estruturam o juízo de reprovação do conceito normativo de culpabilidade: somente a culpabilidade pode fundamentar a responsabilidade penal pessoal pela realização do tipo de injusto. (SANTOS, 2012, p. 32)

Dessa forma, é cediça a dificuldade de responsabilizar penalmente os atuais profissionais que assinam a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, bem como os diretores e os responsáveis pela gestão dos empreendimentos minerários no país, visto que, muitas vezes, o dano ambiental foi provocado por decisões de outros profissionais, os quais atuaram na atividade em tempos remotos. Há, também, uma diversidade de profissionais que atuam no processo de licenciamento ambiental, que assinam ART ou possuem cargos de chefia nas empresas minerárias, anteriormente ou não aos profissionais atuais.

Assim, propomos a exigência no bojo do licenciamento ambiental de apresentação completa de um histórico dos diretores, gerentes e profissionais que assinam a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, tanto funcionários antigos (empregados ou demitidos) como os atuais; com nomes completos, função desenvolvida e tempo de duração do vínculo empregatício, todos fornecidos pela empresa no ato do licenciamento ambiental.

A finalidade dessa exigência é para que a Resolução CONAMA 237/1997, a qual regulamenta o licenciamento ambiental brasileiro, entre outros diplomas legais e infralegais, além do comando constitucional, possam ter efetividade no tocante à aplicação de sanções penais para empreendedores e profissionais habilitados que subscrevem os estudos necessários ao processo de licenciamento ambiental da atividade minerária no Brasil, em respeito ao princípio da responsabilidade penal pessoal, vigente no ordenamento jurídico brasileiro, evitando, dessa forma, a ocorrência de novas “tragédias” como a de Brumadinho.

Conclusão

O licenciamento ambiental é o instrumento jurídico eficaz para a promoção da atividade minerária em consonância com a preservação ambiental e a proteção de todas as formas de vida (humana, flora, fauna, recursos hídricos, entre outros). Assim, para que outras barragens não tenham destinos trágicos como Mariana e Brumadinho, propomos maior rigor nos critérios de concessão das licenças ambientais prévia, de instalação e de operação, com maior eficiência na gestão do tempo, exigência de aplicabilidade de melhores tecnologias disponíveis, entre outros.

Para tanto, na tentativa de saber fazer perguntas corretas para obtenção de respostas profícuas, o presente trabalho visa propor algumas soluções que perfazem a possiblidade de reedificação de lugares como Brumadinho, em flanco desestímulo à existência de “cidades fantasmas”, fruto da leniência estatal com um setor riquíssimo como é a atividade minerária.

1 – A Fundação Estadual de Meio Ambiente – FEAM, de Minas Gerais, elenca, entre suas competências, a gerência de áreas contaminadas e a gestão da qualidade e do monitoramento ambiental. O instrumento eficaz para concretização dessa competência, além da fiscalização, é o licenciamento ambiental.

Logo, a eficiência e maior rigor na confecção do processo de licenciamento ambiental, em seu modelo trifásico (licença prévia, licença de instalação e licença de operação), pode ser a via jurídica de maior eficácia na reedificação de lugares como Brumadinho. Haja vista que a “tragédia” em Brumadinho atesta a imprescindibilidade de maior rigor nas regras do processo de licenciamento ambiental da atividade minerária, as quais suplantam a papelada burocrática do processo e se tornam via propulsora de preservação da vida.

2 – No tocante à eficiência na gestão do tempo para concessão de licenças ambientais em quaisquer de suas fases (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação), propomos: a otimização do tempo (eficiência) e da transparência pela via do uso de meios eletrônicos para realização do processo administrativo de licenciamento ambiental, com fulcro:

2.1 – Decreto Federal 8.539/2015 – que dispõe sobre o uso de meio eletrônico para a realização do processo administrativo no âmbito da administração pública federal.

2.2 – Decreto Estadual de Minas Gerais 47.222/2017 – o qual dispõe sobre o uso de meio eletrônico para a prática de atos na esfera da administração pública estadual.

2.3 – Portaria do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação 3.399/2018 – que dispõe sobre a utilização do Sistema Eletrônico de Informações no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Assim, para evitar novas “tragédias” como Mariana e Brumadinho, é plenamente compatível o aumento no rigor da concessão de licença ambiental com melhor gestão de tempo para confecção dos processos. Jamais, o abrandamento, a flexibilização ou a suspensão de medidas preventivas, indispensáveis para se precaver quanto ao perecimento de vidas humanas e todo o ecossistema que o circunda.

3 – No intuito de não haver a reincidência de cenários como Brumadinho, onde a tecnologia aplicada para avisar a população de possível rompimento da barragem foi ineficaz, o presente trabalho visa propor como exigência na elaboração do conteúdo do processo de licenciamento ambiental:

3.1 – A aplicação da melhor tecnologia disponível – MTD, principalmente para empreendedores do porte econômico da Vale S.A. A priori, sugerimos que seja adotada a tecnologia de Sensoriamento Remoto Hiperespectral, para avisar a população da possibilidade de rompimento de qualquer barragem, não apenas aquelas construídas pelo método alteamento para montante. Isso porque o sensor hiperespectral é uma tecnologia que possui como objetivo a identificação de materiais, tais como minerais, espécies de vegetação, tipos de água e de solos, objetos feitos pelo homem, produtos de poluição, entre outros, tudo em imagens. Ademais, essa tecnologia visa à caracterização de reflectância espectral de solos tropicais e relações químicas espectrais, além de simulação de sensores.

O moti dessa proposta possui como fundamento o fato de esse tipo de tecnologia já ser utilizado por grandes empreendimentos para mapeamento de minerais e sua exploração. Significa dizer que, se as grandes empresas utilizam altas tecnologias para otimização de seus lucros, o mesmo parâmetro deve ser exigido no licenciamento ambiental para a prevenção da vida em todas as suas formas, evitando, desse modo, seu perecimento.

3.2 – Parecer do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC sobre a melhor tecnologia disponível apresentada pelo empreendedor nos Estudos de Impacto Ambiental – EIA e no Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.

3.3 – Apresentação completa de um histórico dos diretores, gerentes e profissionais que assinam a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, tanto de funcionários antigos (empregados ou demitidos) como os atuais; com nomes completos, função desenvolvida e tempo de duração do vínculo empregatício, todos fornecidos pela empresa no ato do licenciamento. A finalidade dessa exigência é para que a Resolução CONAMA 237/1997, a qual regulamenta o licenciamento ambiental brasileiro, entre outros diplomas legais e infralegais, além do comando constitucional, possam ter efetividade no tocante à aplicação de sanções penais para empreendedores e profissionais habilitados que subscrevem os estudos necessários ao processo de licenciamento ambiental da atividade minerária no Brasil, em respeito ao princípio da responsabilidade penal pessoal, vigente no ordenamento jurídico brasileiro, evitando, assim, a ocorrência de novas “tragédias” como a de Brumadinho.

4 – Por fim, propomos a redução do prazo de 3 anos previstos no art. 13, § 2º da Lei Estadual de Minas Gerais 23.291/2019 (Lei de Política Estadual de Segurança de Barragem), a fim de que, em 1 ano e meio, no máximo, haja a migração para novas tecnologias alternativas de quaisquer barragens em situações de provável rompimento, não somente as barragens construídas pelo método alteamento para montante.

Isso porque, provavelmente, outras barragens poderão se romper em prazo inferior aos 3 anos estipulados na lei, concedido em total leniência estatal a um setor tão rico como o minerário, o qual exige do Estado eficiência na gestão do tempo para licenciar e não executa, em contrapartida, gestão eficaz do tempo na implantação e/ou substituição de melhores tecnologias disponíveis.

A reedificação de lugares como Brumadinho é um desafio necessário para novas leituras sobre o atual modelo de licenciamento ambiental no Brasil, quiçá no mundo, a depender do que seja mais valoroso para a humanidade: ou sua sobrevivência ou sua temporária prosperidade.

Referências

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SILVEIRA, Paula Galbiatti. Melhor tecnologia disponível: redução de riscos e direito: adoção no licenciamento ambiental brasileiro na perspectiva do estado ambiental; Coordenadores [da série] José Rubens Morato Leite, Antônio Herman Benjamin. São Paulo: Inst. O Direito por um Planeta Verde, 2016.

Notas de Rodapé

[1] Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais. Docente da Universidade Federal de Uberlândia – Programa de Mestrado da Faculdade de Direito. Procurador Municipal de Uberlândia aposentado.

[2] Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba. Advogada.